Termo de audiência de sentença rito ordinário
1217-2006-010-08-00-4AJUIZAMENTO: 14/09/2006
RECLAMANTE: SLM
RECLAMADA: XXXXX LTDA
"Não acendereis fogo em nenhuma das vossas moradas no dia do sábado". (Êxodo 35:3 RA).
No dia 30 de outubro de 2006, às 12:30 horas, o Juízo da 10ª Vara do Trabalho de Belém proferiu a seguinte decisão:
I - RELATÓRIO
ajuizou reclamação trabalhista às fl. 02/20 em face de XXXXX LTDA, postulando que seja reconhecida a dispensa imotivada, pois a empresa o dispensou por justo motivo, com o pagamento das verbas rescisórias, indenização de R$-20.000,00 por assédio moral e pagamento de horas intrajornadas. O reclamante juntou os documentos de fls. 22/39.A reclamada apresentou defesa escrita às fl. 67/83, sustentando em sede preliminar a impossibilidade jurídica do pedido; que o autor é carecedor da ação; que há necessidade de litisconsorte passivo necessário; prescrição bienal, no mérito pela improcedência, que há impossibilidade de concessão de honorários advocatícios, impugnou o valor da causa, e em caso de procedência a compensação e retenção de valores legais. Juntou os documentos de fls. 84/205 e 206/268.
O reclamante às fls. 272/273 se manifestou sobre a documentação patronal.
As partes foram ouvidas às fls. 274. Tivemos de apenas uma testemunha arrolada pela reclamada, que foi dispensada a pedido.
Recusadas as duas propostas conciliatórias. A alçada foi fixada de acordo valor dado à causa.
Em razões finais as partes mantiveram suas posições antagônicas.
Os autos vieram conclusos para sentença no dia 25/10/2006, prolatando-se a presente consoante o art. 456 do CPC, de forma antecipada, pois estava prevista sua publicação em 14/11/2006.
DETERMINO QUE A SECRETARIA PROCEDA A ABERTURA DO SEGUNDO VOLUME DOS AUTOS.
II – FUNDAMENTOS
Sustenta a reclamada que pelo fato do autor ter recebido as verbas rescisórias atinentes à dispensa motivada, via Ação de Consignação em Pagamento, sem ressalvar a parcela de horas extras, há impossibilidade jurídica do pedido.
Não se assiste razão, pois inaplicável a Súmula 330 do Tribunal Superior do Trabalho, pois Consignação em Pagamento serve, nos termos do art. 890 do CPC, para evitar a mora do devedor e quita apenas valores, sendo que o reclamante ressalvou valores a maior.
1.2) CARÊNCIA DE AÇÃO:
Aduz que pelo fato de sua jornada ter sido fixada em norma coletiva, quando o autor foi representado por sua entidade de classe, não pode litigar, tratando de má-fé.
Não tem razão a empresa, dado o princípio da inafastabilidade do acesso á justiça e apreciação dos fatos e negócios jurídicos pelo Judiciário.
1.3) LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO:
Requer que sejam chamados ao feito, os sindicatos da categoria econômica e profissional que celebraram as convenções coletivas e acordos juntados aos autos.
Não se trata de litisconsorte passivo necessário, pois em se tratando de anulatória incidental os interessados, material e processualmente são as partes, não os que celebraram as normas coletivas.
2) MÉRITO:
2.1) PREJUDICIAL - PRESCRIÇÃO:
Não há prescrição bienal, pois de acordo com o TRCT de folhas 38 a dispensa ocorreu em 17/07/2006 e a presente ação foi ajuizada no biênio legal em 14/09/2006.
Entretanto, acolho a prescrição qüinqüenal, declarando prescritas as parcelas anteriores a 14/09/2001, nos termos do art. 11, I, da CLT.
2.2) DISPENSA:
"E acrescentou: O sábado foi estabelecido por causa do homem, e não o homem por causa do sábado" (Marcos 2:27).
Alude o reclamante que sempre trabalho de segunda a sexta-feira das 08:00 as 15:00 horas, no posto do Banco do Brasil e ao ser contratado preencheu ficha onde se declarou Judeu, vinculado a Congregação Israelita Nova Aliança.
Porém, a partir de março/2006 foi transferido para uma jornada de 12x36 horas e se viu coagido a pedir demissão, pois apesar de ter solicitado retorno à jornada anterior, não foi atendido, assim passou a faltar aos sábados.
Por fim, em 08/05/2006, com a última resposta negativa foi dispensado e depois foi surpreendido com a demissão por justa causa, sob a alegação de abandono no emprego.
Vamos aos fatos comprovados nos autos.
A preposta mesmo dizendo que a empresa não tinha conhecimento da religião do autor, afirmou que existe uma ficha admissional onde a religião é colocada, não os dias da semana em que o candidato pode trabalhar.
Tanto é, que a empresa, apesar do pedido constante na inicial, não trouxe aos autos tal documento, logo evidente que a empresa sabia que o reclamante era judeu, tanto que a preposto afirmou que a empresa respeita qualquer indisponibilidade de trabalho em dias da semana, como para os adventistas e para os judeus.
O reclamante ao ser interrogado afirmou que ficou os dois primeiros anos em posto da CEF, no horário das 09:00 as 17:48 horas de segunda a sexta-feira, depois foi ao Banco do Brasil no mesmo horário, quando ficou por quatro anos.
A empresa perdeu o posto no Banco do Brasil e o autor passou ao quadro de reserva, sendo mandado para diversos locais de trabalho, conforme a necessidade numa escala de 12x36 horas a partir de março/2006.
Por professar a religião judaica, onde o sábado é sagrado e não pode haver trabalho, ficou trabalhando até 20/04/2006, sendo que parou de trabalhar, pois a empresa passou a lhe coagir, pois se não aceitasse tal horário seria dispensado.
Convém afirmar que de fato houve o abandono no emprego, porém há de se questionar se o ato é ensejador de dispensa motivada.
É certo que a empresa tem o poder diretivo de determinar trabalho a seus funcionários, especialmente na categoria dos vigilantes, onde existem diversos postos de trabalho.
Porém, esse poder não é absoluto, pois patente que o reclamante era Judeu, onde é proibido por força religiosa o trabalho aos sábados, a ausência do autor, não foi deliberada e com o fito de abandono, mas sim por conjunturas sociais e religiosas.
No que diz respeito ao comparecimento do autor ao serviço aos sábados, a situação é delicada, porém devemos nos ater ao texto constitucional, isto é, tem direito o reclamante de não trabalhar em tais dias? A empresa deveria adequar o horário de trabalho do autor para não coincidir nos sábados ou a dispensa motivada foi adequada?
A liturgia cotidiana do judeu compreende três orações: a da noite, a da manhã e a da tarde. O objetivo da oração é renovar a fé com um ato que confirma a identidade judaica e a esperança em Deus.
A oração pode ser feita em particular ou em público. Entre as manifestações religiosas inclui-se o sábado, o dia mais santo da semana e dedicado a Deus e à família. Observar o sábado é recordar-se, de semana em semana, que o mundo pertence a Deus.
Com seu trabalho, o homem é um administrador do mundo, não seu proprietário, assim, ao menos uma vez por semana, ele deve voltar seu pensamento exclusivamente a Deus. A alegria deve transparecer em seu rosto, porque o judeu está seguro com Deus, com a fidelidade deste à Aliança.
O sábado Bíblico remonta da criação do mundo. Ao Deus terminar sua obra criadora, Ele estabeleceu o sábado, o qual abençoou e santificou (Gênesis 2:1-3). Isto mostra-nos o quando Deus tornou o sábado um dia santo, ou seja, "separado" para uso santo.
O Eterno Deus estabeleceu o sábado como memorial da criação, como o objetivo de conservar na mente de seus filhos o verdadeiro motivo pelo qual Ele deve ser adorado – Porque Ele é o Criador, e nós as suas criaturas. O estabelecimento do sábado foi para manter na mente humana a lembrança de que há um Deus Criador e que não estamos no mundo por acaso. É uma proteção contra o ateísmo e idolatria.
O sábado (hebraico Shabbath) foi criado por Deus para que pudéssemos desfrutar um dia inteiro de comunhão com o Ele e nossa família; Deus viu que iríamos precisar santificar um dia, pois durante a semana não temos tempo integral (só poucas horas) para adorar a Deus e estar com a família. O sábado é meio divino de nos colocar em maior comunhão com Deus e com a família e um remédio contra o estresse, devido á possibilidade de descanso total das obras rotineiras.
É direito fundamental de toda pessoa não ser obrigada a agir contra a própria consciência e contra princípios religiosos. Segue-se daí, não ser lícito obrigar-se cidadãos a professar ou a rejeitar qualquer religião, ou impedir que alguém entre ou permaneça em comunidade religiosa ou mesmo a abandone. O direito de liberdade de consciência e de crença deve ser exercido concomitantemente com o pleno exercício da cidadania.
A lei a todos obriga, sejam cristãos, muçulmanos, judeus, católicos, protestantes, hindus, budistas, etc., tenham eles religião ou não. A Organização das Nações Unidas – ONU -, na sua célebre DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS, assim dispôs:
"ARTIGO 18. Todo homem tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância isolada ou coletivamente, em público ou em particular".
Para tornar esse dispositivo ainda mais claro, a mesma Organização das Nações Unidas – ONU, fez editar a DECLARAÇÃO SOBRE A ELIMINAÇÃO DE TODAS AS FORMAS DE INTOLERÂNCIA E DISCRIMINAÇÃO BASEADAS EM RELIGIÃO OU CRENÇA (Resolução nº 36/55):
"Art. 1º. Ninguém será sujeito à coerção por parte de qualquer Estado, instituição, grupo de pessoas ou pessoas que debilitem sua liberdade de religião ou crença de sua livre escolha".
"Art. 6º. O direito à liberdade de pensamento, consciência, religião ou crença incluirá as seguintes liberdades:
.. .......
h) OBSERVAR DIA DE REPOUSO e celebrar feriados e cerimônias de acordo com os preceitos da sua religião ou crença."
Neste sentido também é a Convenção Americana sobre Direitos Humanos (Pacto de São José da Costa Rica), ingressa no sistema pátrio nos termos do Decreto nº 678, de 06 de novembro de 1992, cujo art. 12, alínea 2, explicita:
"Artigo 12. Liberdade de Consciência e de Religião
.. ....
2. Ninguém pode ser objeto de medidas restritivas que possam limitar sua liberdade de conservar sua religião ou suas crenças, ou de mudar de religião ou de crenças.".
Garante, ainda, o artigo 26 do Pacto dos Direitos Civis e Políticos:
"Artigo 26. Todas as pessoas são iguais perante a lei e têm direito, sem discriminação alguma, a igual proteção da lei. A este respeito, deverá proibir qualquer forma de discriminação e garantir a todas as pessoas proteção igual e eficaz contra qualquer discriminação por motivo de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, situação econômica, nascimento ou qualquer opinião."
Por força do disposto no § 2º, do art. 5º, da Constituição Federal, tais tratados internacionais integram o Direito pátrio tal como se aqui originariamente positivados.
No Brasil, a Constituição Federal, de 1988, consagrou de forma inédita que os direitos e garantias expressos na Constituição "não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte." (art. 5°, § 2°).
Assim, os direitos garantidos nos Tratados de Direitos Humanos ratificados pelo Brasil integram a relação de direitos constitucionalmente protegidos.
Bem aponta Kant, em sua obra "Fundamentos para uma Metafísica dos Costumes", que o homem é o único ser capaz de orientar suas ações a partir de objetivos racionalmente concebidos e livremente desejados. A dignidade do ser humano consistiria em sua autonomia, que é a aptidão para formular as próprias regras de vida, ou seja, sua liberdade individual ou livre arbítrio.
Foi somente no século III d.C que a expressão liberdade religiosa – libertas religionis – foi, provavelmente, utilizada pela primeira vez, por Tertuliano, advogado convertido ao cristianismo e que passou a defender a liberdade religiosa em face dos abusos do Império Romano. A liberdade religiosa é, como se sabe, um direito humano fundamental, assegurado pelas Constituições dos diversos Estados democráticos e, também, por importantes declarações e tratados internacionais de direitos humanos.
A liberdade religiosa comporta pelo menos três acepções: jurídica, teológica ou eclesiástica e bíblica.
No que se refere à liberdade religiosa na acepção jurídica, a mesma compreende, essencialmente, a liberdade religiosa como um direito fundamental da pessoa humana. Nesse sentido, Segundo Jorge Miranda, a liberdade religiosa ocupa o cerne da problemática dos direitos humanos. Ora, no curso da história da humanidade, o direito à liberdade religiosa representa uma conquista extremamente recente. Pode ser identificada nas três fases da era dos direitos, mencionadas por Norberto Bobbio. Segundo o autor italiano, os direitos humanos "nascem como direitos naturais universais, desenvolvem-se como direitos positivos particulares, para finalmente encontrarem sua plena realização como direitos positivos universais".Como direito natural, a liberdade religiosa surgiu no século XVIII, com as primeiras declarações de direitos de 1776 (americana) e 1789 (francesa). Como direito efetivamente tutelado, a liberdade religiosa surgiu com a Constituição Americana. Como direito internacional, a liberdade religiosa surgiu no Segundo Pós-Guerra, com o desenvolvimento do sistema global de proteção aos direitos humanos ligado à Organização das Nações Unidas – ONU.
O discurso teológico da liberdade religiosa compreende uma doutrina teológica na qual só se reconhecem os direitos nos limites da Igreja Católica. Essa doutrina foi fundamentada no pensamento de Santo Agostinho (Guerra Justa) e de Santo Tomás de Aquino.
A liberdade religiosa no sentido bíblico é um "Dom de Deus", como observa John Graz. O Criador concedeu o livre arbítrio para os homens. "Ora, o Senhor é o Espírito; e, onde está o Espírito do Senhor, aí está a liberdade." (Coríntios 3: 17). Porém, todos prestarão conta a Deus.
O art. 5º da Constituição Federal que traz em seus incisos VI, VII e VIII, dispositivos sobre liberdade religiosa, como segue:
"Artigo 5º.
.. ..
VI – é inviolável a liberdade de consciência e de crença;
.. ..
VIII – ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei."
Neste sentido, é claro o texto constitucional, em seu artigo 5°, § 1°, verbis:
"As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata".
Para a esmagadora maioria dos cidadãos do País, que são cristãos e que guardam o domingo, não haverá trabalho, provas ou concursos no dia que consagram. O que se defende é o tratamento igual àqueles que guardam o sábado. Não se fere, portanto, o princípio da isonomia.
Ademais, a própria Constituição, protetora do princípio da igualdade, também autoriza certas limitações à mesma liberdade como na previsão da chamada "escusa de consciência", nos termos do artigo 5º, inciso VIII, visando à garantia das liberdades de pensamento e opinião.
Assim, é evidente que a obrigação de praticar atividade no sábado, ao ser descumprida porque decisão da empresa assim impôs, ao não fixar uma alternativa, não fere a norma constitucional; ao contrário respeitar tal posição, propicia a liberdade de convicção sem ferí-la.
O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, Rio Grande do Sul, julgando em 12/12/95 o recurso contra sentença que concedeu mandado de segurança para a realização de prova de concurso em dia diverso, por motivo de crença religiosa, negou provimento ao recurso confirmando a sentença que deu o benefício:
TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL - TRF4.
Relatora: Juíza Silvia Goraieb.
Decisão Unânime - Acórdão nº RIP – 04092560
EMENTA – 1. Não há prejuízo ao interesse público, nem ao procedimento do concurso se por força de liminar a impetrante realizou a prova do concurso em momento não conflitante com sua crença religiosa, por pertencer à Igreja Adventista do Sétimo Dia, que tem o Sábado como dia de guarda.
2. Resguardado no princípio constitucional que assegura a liberdade de crença e de consciência. Bem como aqueles que regem a administração quando se trata de concurso público.
3. Remessa oficial improvida.".
Neste sentido, cita-se o constitucionalista português Jorge Miranda que ressalta a importância da liberdade religiosa, e afirma que ela está "no cerne da problemática dos direitos humanos fundamentais, e não existe plena liberdade cultural nem plena liberdade política sem essa liberdade pública, ou direito fundamental".
Rui Barbosa também preconizava, "de todas as liberdades sociais, nenhuma é tão congenial ao homem, e tão nobre, e tão frutificativa, e tão civilizadora, e tão pacífica, e tão filha do Evangelho, como a liberdade religiosa."
Portanto, somente nos casos de obrigações legais, não se pode opor restrições religiosas, mas não no caso de trabalho, quando a empresa, de grande porte em sua área de atuação em Belém, deveria por força constitucional adequar o horário de trabalho do autor para não coincidir aos sábados, ainda mais que a questão está consolidada por mais de seis anos.
Neste sentido, entendo abusiva a dispensa motivada, declarando-a nula, desproporcional e sem razoabilidade e por conseqüência tenho que a dispensa foi imotivada.
Assim, condenada a reclamada a pagar ao reclamante as seguintes parcelas: aviso prévio; 13º salário proporcional de 2006 em 08/12; férias proporcionais de 2006 em 07/12 + 1/3; FGTS sobre as verbas rescisórias.
Defiro o levantamento do FGTS depositado em conta vinculada, após se deve calcular a multa de 40%, dada a dispensa imotivada.
Indefiro a aplicação das multas previstas nos artigos 467 e 477 da CLT, dada a controvérsia nos autos, bem como pelo fato de ter havido consignação em pagamento de forma tempestiva, houve purgação da aludida mora patronal.
Defiro indenização compensatória em relação ao seguro desemprego, no importe de cinco salários mínimos, consoante a Súmula 389 do Tribunal Superior do Trabalho.
2.3) INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL:
"Uma civilização jurídica, um Estado de Direito, uma democracia digna deste nome qualificam-se, por conseguinte, não só por uma eficaz estruturação do ordenamento, mas sobretudo pela sua ancoragem nas razões do bem comum e dos princípios morais universais, inscritos por Deus no coração do homem."
(Sua Santidade, o Papa João Paulo II. Discurso à Associação Nacional dos Magistrados da Itália, em 31 de março de 2000).
Resta evidenciado nos autos, que a empresa não cumpriu com o preceito constitucional, lesando direito individual do autor.
Por esta visão, causou-lhe transtorno pessoal, familiar e social, ao ser impedido de exercer plenamente a sua convicção religiosa, privando-lhe de participar da vida comunitária e particular que professa.
A empresa causou dano moral ao autor, além do que praticou ato ilícito, nos termos do art. 186 do Código Civil.
Com sapiência, leciona Marly Cardone:
.(...) na vida em relação, as pessoas podem, voluntariamente ou não, causar prejuízos às outras. A relação humana e jurídica que liga empregado e empregador não é suscetível de escapar desta contingência. Isto é tão irrefutável quanto dizer que o ser humano é passível de errar. Por isso, causa espanto que alguns queiram isolar empregado e empregador deste círculo, no qual está inserida a prática dos chamados atos ilícitos (...)
O art. 23 da Declaração Universal de Direitos Humanos declara que "Todo homem tem direito ao trabalho, à livre escolha do emprego, às condições justas e favoráveis de trabalho e à proteção contra o desemprego...".
Jorge Pinheiro Castelo destaca que "a condenação no pedido de dano moral é fundamental para que ponha um paradeiro em alegações pesadas, insinceras e levianas contra a honra das pessoas, especialmente de alguém que por vezes, dedica até anos de sua vida a uma empresa. É preciso impor um basta à impunidade e penalizar a má-fé e a falta de seriedade e ética nas relações laborais".
O Juiz Togado WALMIR OLIVEIRA DA COSTA, Professor da UNAMA e Mestre pela UFPa, que está convocado junto ao Colendo Tribunal Superior do Trabalho, sem dúvida é a maior autoridade no assunto na Justiça do Trabalho da Oitava Região, tendo defendido brilhantemente no sua dissertação de Mestrado no Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal do Pará justamente sobre esse tema, e sendo sua lição preciosa, peço vênia para transcrever na íntegra excelente trabalho de sua autoria sobre Dano Moral, que põe uma pedra definitiva sobre o assunto:
"1. Introdução
Tema que, com freqüência, tem sido submetido à apreciação dos Tribunais Trabalhistas, relaciona-se à possibilidade de reparação do ofendido por danos morais no âmbito das relações de trabalho, pois, e inegável, toda e qualquer ação humana que causa lesão física, moral ou pecuniária a outrem, trás como seqüência, no campo de teoria das responsabilidade civil, a obrigação de reparação dos interesses lesados, posto que a função do direito é a regulação da conduta humana, com vistas ao equilíbrio das relações sociais, no sentido de evitar injustiças.
Intentamos, neste breve e perfunctório ensaio, que, é bem de ver, não tem a pretensão de esgotar o assunto e nem qualquer intuito de natureza epistemológica, de manifestar o nosso ponto de vista sobre a oportunidade de reparação dos danos morais no âmbito do Direito do Trabalho, campo fértil e que viceja o dano, seja patrimonial, seja moral, podendo ser manifestada pelo ofendido pela via da ação de perdas e danos, ressaltando-se, em especial, e competência da Justiça do Trabalho para a solução desse tipo de litígio, desde que envolva empregado e empregador ou decorra do contrato individual de trabalho.
2. Danos reparáveis
O professor Orlando Gomes, em percuciente doutrina, ensina que se entende por dano moral ou constrangimento que alguém experimenta em conseqüência de lesão a direito personalíssimo, ilicitamente produzido por outrem. O dano moral é espécie do gênero dano extrapatrimonial e traduz-se, via de regra, por ofensa dirigida à honra de outrem, mediante calúnia, difamação ou injuria.
Assim, danos morais são aqueles relativos atributos valorativos ou virtudes da pessoa como ente social integrado à sociedade, vale dizer, dois elementos que o individualizam como ser, de que se destacam a honra, a reputação e as manifestação do intelecto. Qualificam-se como morais os danos em razão da esfera subjetividade, ou do plano valorativo da pessoa na sociedade em que repercute o fato violador.
Em excelente monografia sobre o tema ora enfocado, ponifica Valdir Florindo que tanto o dano patrimonial quanto o moral afetam o patrimônio da vítima, seja perda ou deterioração de uma coisa economicamente apurável (material), seja quando mancha bem de ferro íntimo, como a honra (moral). Vale dizer, o dano moral é aquele que não é patrimonial, ou que não tem repercussão no patrimônio.
Como podemos observar, diferenciam-se o dano material e o moral. No primeiro caso, o prejuízo é de ordem econômica, enquanto no segundo a lesão é de cunho pessoal ou repercute no psiquismo. Igualmente existe diferença quanto à forma de reparação. Quanto ao dano material, a reparação exigida pelo lesado pode ser a reconstituição do status que ante, que em doutrina se denomina como sanção direta, ou então a indenização, consistente no pagamento do valor em dinheiro, possibilitando à vítima adquirir outro bem semelhantes ao danificado (sanção indireta).
No que concerne ao dano moral, outras modalidades de reparação existem, não se encontrando no dinheiro a exata reparabilidade, haja vista a impossibilidade de se repor as coisas ao estado primitivo, contudo, a retribuição pecuniária, pelo menos, compensará a vítima, diminuindo as conseqüências da lesão a direito personalíssimo.
No direito positivo pátrio, a obrigação de reparação por dano decorre da responsabilidade civil, cujo princípio está inscrito no art. 159, caput, do Código Civil Brasileiro, no sentido de que todo aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano.
Nesse tema, que até então tinha ficado adstrito ao campo do Direito Civil, surgiram duas correntes doutrinárias, sendo que uma defende a reparação do dano moral (positivista), e, a outra, que a rejeita (negativista). Entre os negativistas destacam-se Gabba, Lafayette, Savigny, Lacerda de Almeida, sustentando a inexistência de norma que assegure essa modalidade de reparação, posto que o art. 159 do CCB não tratou expressamente do dano, e que a dor não tem preço, ainda defendendo que a reação de ordem jurídica deve se dar somente no campo do Direito Penal.
A corrente positivista, integrada por Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira, R. Limongi França, Orozimbo Nonato, Silvio Rodrigues, Antonio Chaves, Washington de Barros Monteiro e Miguel Reale, responde que o art. 159 do CCB tratou do dano de forma genérica, estando, portanto, incluído o dano moral.
Perfilhando-nos à corrente positivista, intentamos sinalizar que a possibilidade de reparação por dano moral, nas relações de trabalho, goza, inclusive, de respaldo constitucional no artigo 5º, incisos V e X da Carta Republicana de 1988, que contribuiu sobremodo para o incremento de ações trabalhistas visando a esse tipo de indenização.
O Prof. Rubens Limongi França, citado por Sérgio Severo, em sua obra "Os danos extrapatrimoniais", ao conceituar o dano moral, já o definia como "aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa, física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico de seus bens jurídicos".
Carlos Alberto Bittar Filho disciplina que dano moral coletivo "é a injusta lesão da esfera moral de uma dada comunidade, ou seja, é a violação antijurídica de um determinado círculo de valores coletivos", citando como exemplo de dano moral coletivo o dano ambiental, o qual consiste "na lesão ao equilíbrio ecológico, à qualidade de vida e à saúde da coletividade".
Marco Antonio Marcondes Pereira, por sua vez, conceitua o dano moral coletivo como "o resultado de toda ação ou omissão lesiva significante, praticada por qualquer pessoa contra o patrimônio da coletividade, considerada esta as gerações presentes e futuras, que suportam um sentimento de repulsa por um fato danoso irreversível, de difícil reparação, ou de conseqüências históricas".
Assim, defiro ao autor indenização pecuniária no importe de dez vezes em relação a sua última remuneração (R$-600,00), importando em R$-6.000,00.
2.4) INTERVALO INTRAJORNADA - HORAS EXTRAS:
O objetivo da lei, ao sobrevalorizar esse tempo desrespeitado, foi garantir a efetividade (isto é, eficácia social) às normas jurídicas assecuratórias do essencial intervalo intrajornada para refeição ou descanso, por serem normas de saúde e segurança laborais, enfaticamente encouraçadas pela Constituição (art. 7º., XXI, CF/88)." ( Maurício Godinho Delgado. Curso de Direito do Trabalho. 4ª. Ed., São Paulo. 2005, p. 929 ).
Diz o autor que o art. 71 da CLT prevê indenização no caso de ausência de intervalo dentro da jornada, no importe de uma hora extra diária, com acréscimo de 50%.
Conforme provado nos autos, o autor até fevereiro/2006 trabalhava de segunda a sexta-feira, sendo que se observa pelas folhas de ponto que dois horários foram cumpridos: das 07:30 as 16:18 horas e na maioria dos meses cumpriu jornada das 09:00 as 17:48 horas, portanto claramente não havia intervalo intrajornada.
A cláusula VIII do acordo coletivo de 2000/2002 (fls. 104), prevê que o trabalhador com escala semanal de 44 horas, seria submetido a um regime de compensação, com dois dias de folga, para aqueles que labutam cinco dias por semana em oito horas e 48 minutos, como é o caso do reclamante.
A cláusula VIII do acordo coletivo de 2001/2003 (fls. 88), prevê que o trabalhador com escala semanal de 44 horas, terá um regime de compensação, com dois dias de folga, para aqueles que labutam cinco dias por semana em oito horas e 48 minutos, como é o caso do reclamante.
A convenção coletiva de 2000/2004 (fls. 111), prevê na cláusula VI, § 1º, a não concessão de intervalo intrajornada poderá ser compensado, mediante acordo coletivo de trabalho.
Já a convenção coletiva de 2004/2006 (fls. 138), apenas prevê na cláusula V, que o divisor é 220 e no turno ininterrupto será de 180§ 1º, a não concessão de intervalo intrajornada poderá ser compensado, mediante acordo coletivo de trabalho.
Por fim, o acordo coletivo de 2005/2007 (fls. 154), prevê na cláusula VIII que no regime de 12x36 horas, nada será devido a título de compensação intrajornada. Repete na cláusula XI (fls. 159) que o trabalhador com escala semanal de 44 horas, terá um regime de compensação, com dois dias de folga, para aqueles que labutam cinco dias por semana em oito horas e 48 minutos, como é o caso do reclamante.
De início entendo contraditória a política do sindicato profissional, que acorda a compensação pela não concessão da intrajornada e em juízo postula a sua nulidade. Assim, determino que sejam encaminhadas peças dos autos ao MPT para propor a competente Ação Anulatória Coletiva.
Isto posto, se vê que somente nos meses de março e abril/2006 o reclamante se submeteu ao regime de 12x36 horas, nos demais meses desde a sua admissão ficou sujeito a jornada de cinco dias na semana de segunda a sexta-feira em 08:48 horas.
As normas coletivas em questão da jornada diária de 08:48 horas, tratam apenas da compensação para não pagamento de horas extras, mas não em relação ao intervalo intrajornada.
Ademais, a norma relativa à concessão do intervalo intrajornada é de ordem pública absoluta, existindo interesse do Estado em preservar a saúde e a higidez física do trabalhador. Ressalte-se que a supressão do intervalo não se confunde com redução ou compensação da jornada, pois o intervalo diz respeito à necessidade de descanso e alimentação, aplicando-se o § 3º do art. 71 da CLT, não podendo ser modificado pela vontade das partes e nem mesmo, por norma coletiva, conforme Súmula 342 Tribunal Superior do Trabalho.
Assim, violado o art. 71 da CLT, defiro ao autor a partir de sua admissão até o final de fevereiro/2006 uma hora extra diária, cinco horas extras semanais, com acréscimo de 50%.
De igual forma, defiro o pagamento de uma hora extra com acréscimo de 50%, no regime de 12x36 horas, no mês de março/2006 até a saída do autor, confessada em juízo em 20/04/2006.
Com efeito, mesmo tendo havido negociação coletiva abolindo o pagamento do intervalo intrajornada, tal disposição é nula, como bem aponta a Súmula 342 do Tribunal Superior do Trabalho, pois em confronto com o texto constitucional, em especial ao inserto no inciso XXII, do art. 7º.
Deve ser observado o período efetivamente laborado, excluídos os dias em que não houve trabalho, por férias, ausências justificadas ou não.
Defiro o reflexo das horas extras no aviso prévio, 13º salários, férias + 1/3, repouso semanal remunerado e FGTS + 40%.
Defiro a compensação do valor recebido na consignação em pagamento, no valor de R$-60,42, conforme apontado as folhas 39.
Juros de mora no importe de 1% mensal a partir do ajuizamento e correção monetária, nos termos da Lei nº 8.177/1991.
Observar os recolhimentos previdenciários e IRPF.
Improcede a impugnação aos cálculos, pois além de genérica, este juízo procede à liquidação desta decisão, que deixa de ser feita neste momento, diante da falta de todos os elementos necessários aos cálculos.
Defiro ao reclamante os benefícios do art. 790, § 3º, da CLT.
Por fim, defiro o pagamento de honorários no importe de 10% sobre o total da condenação, consoante a Súmula 219 e as Orientações Jurisprudenciais números 304 e 305 da SDI-1, ambos do Tribunal Superior do Trabalho.
III - CONCLUSÃO
ANTE O EXPOSTO, REJEITO AS PRELIMINARES DE IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO; CARÊNCIA DE AÇÃO, DE LITISCONSÓRCIO PASSIVO NECESSÁRIO; DE IMPUGNAÇÃO AO VALOR DA CAUSA; DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ DO AUTOR; DE PRESCRIÇÃO BIENAL. DECLARO PRESCRITAS AS PARCELAS ANTERIORES A 14/09/2001. JULGO EM PARTE PROCEDENTES OS PEDIDOS FORMULADOS NA RECLAMAÇÃO TRABALHISTA AJUIZADA POR SORISTÓCRATES LUIZ DE MELO EM FACE DE NORSEGEL VIGILÂNCIA E TRANSPORTES DE VALORES LTDA PARA CONDENAR A RECLAMADA A PAGAR AO RECLAMANTE AS PARCELAS ABAIXO, A SEREM APURADAS EM LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA POR CÁLCULOS A TÍTULO DE:
1.Aviso Prévio;
2.13º Salário Proporcional de 2006 em 08/12;
3.Férias Proporcionais de 2006 em 07/12 + 1/3:
4.Liberação do FGTS com a multa de 40%;
5.Indenização por Dano Moral no valor de R$-6.000,00;
6.Indenização referente ao seguro desemprego no importe de cinco salários mínimos, no valor de R$-1.750,00
7.Cinco Horas Extras semanais de 14/09/2001 a 28/02/2006, com acréscimo de 50%;
8.Uma Hora extra no regime de trabalho de 12x36 horas de 01/03/2006 a 20/04/2006, com acréscimo de 50%;
9.Reflexos das horas extras no aviso prévio, 13º salários, férias + 1/3, repouso semanal remunerado e FGTS + 40%;
10. Juros de mora (1% ao mês a partir do ajuizamento);
11. Correção Monetária – Lei nº 8.177/1991.
12. Observar as retenções e os recolhimentos previdenciários e fiscais;
13. Comunicar ao Ministério Público do Trabalho.
IMPROCEDEM OS DEMAIS PEDIDOS. TUDO CONFORME OS FUNDAMENTOS. CUSTAS PELA RECLAMADA DE R$-400,00 CALCULADAS SOBRE O VALOR QUE FIXO À CONDENAÇÃO EM R$-20.000,00. INTIMAR AS PARTES EM FACE DA ANTECIPAÇÃO DA PUBLICAÇÃO DA SENTENÇA. NADA MAIS.///.