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Trabalho escravo:

danos morais coletivos e obrigações de fazer

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Agenda 13/04/2007 às 00:00

III – DISPOSITIVO

            Assim sendo, resolvo, nos autos do processo nº 00177.2005.061.23.00-3, onde contendem o MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO (REQUERENTE) e GILBERTO LUIZ DE REZENDE (REQUERIDO):

            1 – Declarar que os trabalhadores, em número de dezesseis, foram reduzidos a condição análoga à de escravo;

            2 – Acolher o pedido condenatório contido na ação, para condenar o requerido ao pagamento do valor histórico de R$1.000.000,00 (um milhão de mil reais), acrescidos de correção monetária e juros de mora ex lege, a título de "dano moral coletivo", no prazo de 15 dias do trânsito em julgado da presente;

            3 - Acolher os pedidos mandamentais veiculados na inicial, para ordenar ao requerido que cumpra, sob pena da imposição de multa de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada ordem comprovadamente descumprida e a sua conseqüente responsabilização penal por crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal), as obrigações de fazer e não fazer indicadas nos itens "A" a "O" do item "3" da fundamentação;

            4 - Conceder tutela antecipada ao requerente, para ordenar desde já ao requerido, que independentemente da interposição de recurso ordinário dotado de eventual efeito suspensivo, cumpra, imediatamente, as obrigações de fazer e não fazer determinadas no corpo da sentença, sob pena da imposição de multa de R$50.000,00 (cinqüenta mil reais) para cada ordem comprovadamente descumprida e a sua conseqüente responsabilização penal por crime de desobediência (artigo 330 do Código Penal).

            A indenização estabelecida será em princípio revertida ao FAT (Fundo de Amparo do Trabalhador), com a possibilidade das partes, em virtude de eventual conciliação entabulada durante a execução de sentença, destinarem o aludido montante à concretização de benfeitorias sociais (tais como a construção ou reforma de escolas, hospitais, postos de saúde e áreas de lazer) em prol dos trabalhadores rurais e urbanos da região abrangida pela jurisdição territorial da Vara Federal do Trabalho de São Félix do Araguaia.

            Outrossim, as multas eventualmente aplicadas serão preferencialmente destinadas à concretização de benfeitorias sociais (tais como a construção ou reforma de escolas, hospitais, postos de saúde e áreas de lazer) em prol dos trabalhadores rurais e urbanos da região abrangida pela jurisdição territorial da Vara Federal do Trabalho de São Félix do Araguaia.

            Tudo nos termos da fundamentação, que passa a fazer parte do presente dispositivo, para todos os fins que se fizerem necessários.

            Sendo líquida a parte condenatória da sentença, sujeita tão-somente à incidência de correção monetária a juros de mora, é despicienda a indicação da modalidade de liquidação.

            Atendendo a requerimento do MPT, autorizo a publicação da presente sentença em jornais de grande circulação nos Estados de Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Tocantins e Pará, o que poderá ser feito após o trânsito em julgado [23], com a possibilidade de se utilizar para o custeio das despesas, acaso necessário, os montantes já depositados em juízo.

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            Oficie-se o Sr. Secretário da Inspeção do Trabalho em Brasília – DF, remetendo-lhe cópia autenticada da presente sentença, para que tome as medidas que julgar necessárias com vistas à inclusão do réu no "Cadastro de Empregadores que Tenham Mantido Trabalhadores em Condições Análogas à de Escravo".

            Custas pelo requerido, no importe de R$20.000,00 (vinte mil reais), calculadas sobre R$1.000.000,00 (um milhão de reais), valor histórico da condenação.

            Cientifique-se o requerido, na pessoa do seu procurador, por via de notificação postal, salientando que fica intimado a pagar o montante da condenação (dele subtraído o valor histórico de R$12.000,00 – doze mil reais - já depositados) no prazo de quinze dias, contados do trânsito em julgado, sob pena do débito ser acrescido do percentual de dez por cento, com a tomada de ofício das medidas satisfativas pertinentes, tudo nos termos da inteligência conjugada dos artigos 475-J do CPC e 878, caput, da CLT.

            Após, notifique-se o MPT com a remessa dos autos, cientificando-lhe, ainda, que diante das inovações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45, este juízo se considera competente e prevento para o conhecimento de eventual ação penal relativa ao crime de "redução de trabalhadores à condição análoga à de escravo" (artigo 149 do CP), bem como de todos os demais ilícitos criminais conexos [24].

            Prestação jurisdicional cognitiva entregue.

            Juiz JOÃO HUMBERTO CESÁRIO


Notas

            01

Em tal sentido, vide as palavras de LUIZ ANTÔNIO DE SOUZA, no texto chamado "O Efeito da Revelia nas Ações Coletivas, in, Ação Civil Pública – 15 Anos, 1ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 522: "A indisponibilidade do direito material não se estende às providências destinadas à sua recomposição, desde que destinadas verdadeiramente à sua completa recomposição. A indisponibilidade opera em favor do meio ambiente, do consumidor e dos demais direitos e interesses metaindividuais. Nunca contra eles. (...) O que o réu acarreta, com a sua omissão, é o reconhecimento do pedido, que, em última análise, possibilitará a recuperação ambiental, a adequação dos produtos colocados à venda aos consumidores, ou a indenização a ser carreada ao Fundo, interesses esses, sim, disponíveis para o réu, porquanto, para ele, a contumácia tem reflexos meramente patrimoniais, e dos quais pode, sim, abrir mão, reconhecendo, via revelia, a procedência do pedido." (sem destaques no original)

            2

Discorrendo sobre o valor probatório do inquérito civil público, no texto intitulado "A valoração Probatória do Inquérito Civil Público e Suas Conseqüências Processuais", assim se pronuncia HAMILTON ALONSO JR., in, Ação Civil Pública – 15 Anos, 1ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 256: "A tendência crescente, respeitando-se sempre os princípios insculpidos na Lei Maior, da ampla defesa e do contraditório, é de deixar de desprezar a prova (mormente a técnica) realizada no inquérito civil, fazendo incidir efeitos processuais em benefício do interesse social, pois inegável que as características deste documento público nos assegura seriedade e idoneidade em sua produção". (sem destaque no original)

            03

Extraído do sítio www.oit.org.br.

            04

Extraído do sítio www.planalto.gov.br.

            05

Ibidem.

            06

Dano Moral Coletivo Trabalhista e o Novo Código Civil, in, O Impacto do Novo Código Civil no Direito do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 205.

            07

Dano Moral Coletivo, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2003, p. 136.

            08

Ibidem, p. 137.

            09

Op. Cit., p. 217.

            10

Em idêntica disposição, conferir o artigo 1.521 do antigo Código Civil, vigente à época dos fatos.

            11

Frise-se que, consoante demonstrado no relatório da presente sentença, embora o valor atualizado do depósito remonte atualmente ao valor corrigido de R$19.195,58, o valor histórico depositado cinge-se a R$12.000,00 (vide as guias de depósitos de fls. 192 e 261).

            12

Afinal, nos termos do artigo 264 do CPC, uma vez feita a citação será defeso ao autor modificar o pedido ou a causa de pedir sem o consentimento do réu, sendo certo que tais alterações não serão admitidas após o saneamento do processo.

            13

Técnica Processual e Tutela de Direitos, 1ª ed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004, p.p 295 e 296.

            14

AgRg no Ag 668909 / SP ; AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE NSTRUMENTO 2005/0049961-2 Relator(a) Ministro JORGE SCARTEZZINI, QUARTA TURMA Data do Julgamento 19/10/2006 Data da Publicação/Fonte DJ 20.11.2006 p. 313

            15

REsp 284480 / RJ ; RECURSO ESPECIAL 2000/0109425-4 Relator(a) Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA. Data do Julgamento 12/12/2000. Data da Publicação/Fonte DJ 02.04.2001 p. 301.

            16

Direito Processual do Trabalho, 10a ed., São Paulo: Saraiva, 1997, p. 69.

            17

Op. cit., p. 219.

            18

Extraído do sítio www.planalto.gov.br.

            19

É certo que o instituto civil da "rstitutio in integrum" foi historicamente construído na perspectiva da reparação do dano material, fato que, entrementes, não invalida a sua invocação na esfera da compensação do dano extrapatrimonial. Assim a lição de JOÃO CASILO, citada por JOSÉ AFONSO DALLEGRAVE NETO, in, Responsabilidade Civil no Direito do Trabalho, 1ª ed., São Paulo: LTr, 2005, p. 139: "O princípio da restitutio in integrum aplica-se de maneira mais apropriada ao dano patrimonial, pois no dano não patrimonial em verdade há mais uma compensação do que efetivamente uma restituição ao statu quo ante. Mesmo assim, esta compensação visaria, pelo menos em tese, a restituir à pessoa ofendida [leia-se à coletividade] o seu estado de espírito anterior ao dano. (grifo e observação meus).

            20

Oportuno trazer aqui o escólio do Ministro EROS ROBERTO GRAU, digno integrante do Supremo Tribunal Federal, in, Ensaio e Discurso Sobre a Interpretação/Aplicação do Direito, 3ª ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2005, p. 25, a ensinar que "o fato é que a norma é construída, pelo intérprete, no decorrer do processo de concretização do direito. O texto, preceito jurídico, é, como diz Friedirch Mullher, matéria que precisa ser trabalhada." (sem destaque no original)

            21

Op. cit., p.p. 23 e 24.

            22

Tutela Cautelar e Tutela Antecipada: Tutelas Sumárias e de Urgência (Tentativa de Sistematização), 2a ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2001, p.p. 367 e 368.

            23

Por medida de cautela, a publicação da integralidade da sentença em jornais da imprensa comum, permitida ao parquet, deverá se concretizar após o trânsito. Entretanto tal fato não obstará a veiculação prévia em edições de cunho jurídico-científico, em face do notório interesse que a matéria comporta para fins de estudo.

            24

A respeito, conferir artigo de minha lavra, intitulado "A Emenda Constitucional nº 45 e a Jurisdição Penal da Justiça do Trabalho: uma polêmica que já não pode ser ignorada", publicado na Revista Decisório Trabalhista, ano XIII, nº 140, março de 2006, p.p. 7 a 22. Ao articulado no referido estudo, adenso a observação de que o julgamento recentemente ocorrido no RE 398041(STF) não vincula a Justiça do Trabalho, haja vista que seu objeto cingiu-se à análise de caso concreto, com limites cognitivos bastante estreitos.
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Trabalho escravo:: danos morais coletivos e obrigações de fazer. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1381, 13 abr. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/jurisprudencia/16758. Acesso em: 16 nov. 2024.

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