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Competência legislativa suplementar dos municípios em matéria de proteção ao meio ambiente

Agenda 01/11/2001 às 01:00

Parecer sobre a inconstitucionalidade de projeto de lei que estabelece medidas preventivas de proteção ao meio ambiente, especialmente ao Sistema de Armazenamento Subterrâneo de Líquidos Combustíveis de uso automotivo, e torna obrigatório o licenciamento ambiental a ser realizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente, quanto à competência do Município em matéria ambiental.

I - Introdução

Foi nos encaminhado para análise e emissão de parecer jurídico referente à constitucionalidade e legalidade de projeto de lei, de iniciativa parlamentar, que estabelece medidas preventivas de proteção ao meio ambiente, especialmente ao Sistema de Armazenamento Subterrâneo de Líquidos Combustíveis de uso automotivo e torna obrigatório o licenciamento ambiental a ser realizado pela Secretaria Municipal de Meio Ambiente e aponta outras providências.


II – Premissas necessárias

A questão ambiental para o Direito pode ser vista em quatro estágios que bem se definem. Num primeiro momento, havia uma legislação destinada à disciplina de um dado assunto em si mesmo como, por exemplo, os Códigos de Mineração e de Águas. Numa segunda fase surgiram normas com algumas preocupações ambientais propriamente ditas, dando lugar à legislação para defesa da saúde, poluição do ar, proteção da flora e da fauna. O terceiro estágio faz o Direito Ambiental surgir com mais evidência. A preocupação com o meio ambiente dá lugar à normação sobre transporte de cargas, agrotóxicos e assuntos nucleares, surgindo a Política Nacional do Meio Ambiente.

Num quarto estágio é que vamos encontrar o Direito Ambiental radicado na Constituição Federal. De fato, a Carta Política de 1988 dedicou um espaço exclusivo e digno de nota a esse assunto (art. 225).

A Constituição Federal, ao repartir competências entre os diversos entes políticos, determina tocar à União a competência para editar normas gerais sobre Proteção do Meio Ambiente (art. 24, VI). Inobstante, dita competência legislativa vem seguida da imposição de um respectivo ônus no artigo anterior (art. 23, VI).

A primeira estatuição refere-se à competência concorrente da União e Estados. Em tal seara a União está adstrita às normas gerais e aos Estados cingem-se à suplementação. Pela segunda disposição, a União, os Estados e Municípios ficam com o dever de dispender esforços para a proteção ambiental. Não trata o art. 23 da Carta Federal de competência legislativa propriamente dita, mais sim de competência administrativa.

Imagine-se, na hipótese, que as regras ditadas "genericamente" pelo órgão central venham de fato ser suplementadas pela legislação estadual, mas, no entanto, a disciplina referida seja por demais homogênea a ponto de não disciplinar a contento todas as possibilidades ocorrentes num dado Município. Poderia, no caso, haver legislação suplementar Municipal sobre a matéria relacionada no art. 24, do qual ele não figura?

Lembremos que a Constituição Federal dispensa idêntico tratamento a Municípios diversos. O mesmo pode ocorrer com a legislação da União ou do Estado-Membro. Imaginemos então, a fim de solucionar o problema proposto, a existência de dois Municípios distintos, um encravado no interior do Estado e outro situado em zona marítima. Óbvio que legislação única homogênea não poderá atender com perfeição às peculiaridades que cada qual apresente.

Nosso exemplo deve prosseguir: ainda que se trate de Municípios situados em zona litorânea, pode ser que se diferenciem essencialmente por apresentarem necessidades e interesses em nada similares. Seria o caso de um deles possuir uma estação petrolífera, de tal sorte que neste Município os cuidados ambientais devem ser redobrados se ambos forem comparados a esse aspecto.

Atendendo às particularidades emergentes não satisfeitas pela normação homogênea existente, tanto da esfera genérica da União como da órbita mais especificada dos Estados, pode validamente ser editada lei municipal, desde que presentes os requisitos necessários e indispensáveis para o exercício da competência legislativa suplementar (art. 30, II, da Constituição Federal).

Para que o Município possa exercer a competência legislativa suplementar, os requisitos indispensáveis, segundo a doutrina constitucionalista pátria são: a) a matéria a ser disciplinada serão as de competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal (art. 24, da C.F.); b) deverá estar configurado o interesse local.

Entendo que no caso em tela, tanto o primeiro requisito quanto o segundo foram alcançados, tendo em vista que a matéria disciplinada faz parte do rol do art. 24, da Constituição Federal e o interesse local está constitucionalmente configurando quando o art. 23, VI, atribuiu aos Municípios a competência administrativa sobre o tema.

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Toshio Mukai, comentando o assunto sob a égide da Constituição revogada, chega também a essa conclusão:

"O Município, no entanto, tem competência para legislar e atuar sobre a proteção ambiental, não com considerações de defesa e proteção da saúde, mas com considerações do exercício do poder de polícia, que é inerente aos três níveis de governo, porque se trata de exercer uma atividade administrativa do Estado com o fim de limitar e condicionar o exercício das liberdades e dos direitos individuais, visando a assegurar, em nível capaz de preservar a ordem pública, o atendimento de valores mínimos da conveniência social, notadamente a segurança, a salubridade, o decoro e a estética" (in, Aspectos jurídicos. Município Paulista. V. 9/11, p.13 et seq., 1978)

Salutar a notícia de que também essa é a posição encontrável em nossa Corte Suprema: "Concorrentemente com a União e os Estados, os Municípios podem exercer a fiscalização do equilíbrio ecológico e, em decorrência, aplicar sanções." (Supremo Tribunal Federal, RE nº 75.009-SP – 1ª Turma).

Se o Município possui competência legislativa para suplementar legislação nacional e estadual, é claro que esta normação poderá se desenvolver "quando isso couber". E, segundo pensamos, caberá a legislação ambiental do Município não somente em caso de espaço não preenchido, mas sobretudo quando a legislação ambiental existente não seja justificável ante a realidade local. Com tal interpretação estamos dando ao Município a dimensão que ele realmente desfruta da Lei maior.

Conforme já foi salientado, para que o Município legisle sobre o meio ambiente é preciso que, além de satisfazer as exigências da expressão contida no inciso II, do art. 30, da Constituição Federal, verifique se está presente o interesse local. Significa dizer que deve ser observado o necessário entrelaçamento da legislação suplementar com o fator de predominância do interesse local, no qual se radica, inclusive, o próprio critério para repartição constitucional de competências, utilizado pela nossa Constituição Federal.

É preciso dizer, no entanto, que essa legislação do Município sobre meio ambiente, como outras tantas que se originem da sua competência legislativa suplementar, somente poderá cuidar de questões específicas onde as regras existente se mostre insuficiente, deficiente ou inexistente para o caso concreto, sob pena de constituir-se em norma que meramente reproduz a partir de legislação de outras órbitas governamentais. Corre o risco, portanto, de ser mera cópia do que já existe e então, porque irradiada de um foco não autorizado constitucionalmente, carregar a pecha da inconstitucionalidade por, no mínimo, invadir seara de competência pertencente a outro ente político.

Concluindo o entendimento acima firmado, em princípio, não teria o Município competência legislativa para dispor sobre meio ambiente, matéria afeta à União, em termos genéricos, e aos Estados, em termos mais específicos ou regionais. No entanto, sendo o caso do inciso II, do art. 30, da Constituição Federal, e estando presente o interesse local, está o Município autorizado a "suplementar" as regras existentes, atendendo as suas peculiaridades específicas (locais), correndo o risco, no entanto, de reproduzir normas vigentes e, de consequência, incorrer na invasão do campo de competência de outros entes federados.

Na esfera Federal, o órgão competente para disciplinar sobre a matéria é o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, conforme estabelece a Lei Federal nº 6.938, de 31 de agosto de 1981.

Após, firmado o entendimento na seara do Direito Constitucional, passamos a elucidar a questão objeto da presente proposição.

Em que pese não ter sido esclarecido pela Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente do Município, se existe legislação de outra esfera governamental, que discipline o caso em tela, citando apenas a Lei Estadual nº 997/76, Decretos Estaduais nº 8.468/76; 28.313/88 e 28.429/88, que estabelecem regras de proteção ao meio ambiente de forma genérica, entendo que o armazenamento subterrâneo de líquidos combustíveis de uso automotivo não é matéria de interesse predominantemente local, tendo em vista que não existe peculiaridades locais, pois tal armazenamento é idêntico em todos os Municípios, e sim, de interesse nacional.

Neste diapasão, por tratar-se de normas gerais de proteção ao meio ambiente a esfera governamental autorizada constitucionalmente a disciplinar sobre a matéria é a União Federal.

Desta forma, as regras constantes no projeto de lei são inconstitucionais por ferirem o Princípio Constitucional Federativo.

Por derradeiro, segundo informa a Secretaria de Planejamento e Meio Ambiente do Município, a emissão das licenças prévias e de funcionamento para esta atividade, bem como a fiscalização da poluição do solo é de competência da Secretaria Estadual do Meio Ambiente, através da Companhia Estadual de Tecnologia de Saneamento Básico e de Defesa do Meio Ambiente – CETESB, conforme dispõe a Lei Estadual nº 997/76 e Decreto Estadual nº 8.468/76, tornando a propositura ilegal.


III - Conclusão

Diante do exposto, a propositura sob exame está maculada com o insanável vício da inconstitucionalidade e ilegalidade.

Esse é o nosso entendimento, s.m.j.

Mauá, 09 de outubro de 2000.

Sobre a autora
Ana Paula Ribeiro

especialista em Direito Tributário pela PUC/SP, mestranda em Direito Econômico pela UNIBAN/SP, Procuradora responsável pelo Departamento Patrimonial do Município de Mauá (SP)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RIBEIRO, Ana Paula. Competência legislativa suplementar dos municípios em matéria de proteção ao meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 52, 1 nov. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16435. Acesso em: 25 nov. 2024.

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