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Restituição de ICMS cobrado de empresa de transporte aéreo: impossibilidade, por ser tributo indireto

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Agenda 01/10/2002 às 00:00

3. Dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade

O órgão consulente indaga acerca dos efeitos temporais da decisão do Supremo Tribunal Federal que declara, em fiscalização abstrata, a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo: em tal situação, o julgamento da Corte Excelsa opera efeitos retroativos (ex tunc), ou tão-somente prospectivos (ex nunc)?

A questão assume importância sem igual no que diz com o pedido de restituição apresentado pela Viação Aérea São Paulo S.A. à Sra. Governadora do Estado. De fato, se se reconhece que o julgamento da ADIn n.º 1.089-1/DF, na qual restara declarada a inconstitucionalidade parcial do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, produz efeitos ex tunc, vale dizer, retroage à data em que entrou em vigor as normas conveniais impugnadas, é de se ter presente que, em assim sendo, a restituição é devida, já que as relações jurídicas tributárias firmadas entre a requerente e o Estado do Maranhão surgiram apoiadas em normas que contrariavam frontalmente o Texto Maior. De outra sorte, se os efeitos da mesma decisão manifestam-se apenas para o futuro, a restituição não é devida, conquanto as relações entre a requerente e o Fisco, nada obstante surgidas sob a égide de uma norma inconstitucional, estivessem protegidas pela presunção de constitucionalidade de que esta desfruta.

O deslinde do problema passa necessariamente pela análise da natureza da decisão que declara, em sede de ADIn, a inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo. Autores do nível de REGINA MARIA MACEDO NERY FERRARI (Efeitos da declaração de inconstitucionalidade, 3. ed., Revista dos Tribunais, p. 98-9) atribuem a esta decisão caráter constitutivo, na medida em que ela introduz uma alteração no atual estado das coisas. Assim:

"[...] consideramos que a sentença que declara a inconstitucionalidade é constitutiva, pois esta, embora visando à criação, alteração ou extinção de um direito, traz a certeza do mesmo e, a partir daí, a mudança de um estado. Como já salientamos, contudo, não é certo dizer que com ela serão criados direitos, estados ou situações jurídicas que antes não existiam pois, na verdade, o que acontece é que o direito à mudança ou à modificação existia antes do processo e a sentença apenas fez atuar o direito, instituindo a mudança como e nos limites da lei, a partir dessa data. A lei, enquanto não considerada inconstitucional pelo órgão competente, opera eficazmente e a sentença que a diga em contradição aos ditames constitucionais tem efeitos, a partir de então e não desde a data da própria lei".

Como é de se observar, para esta parcela da doutrina a sentença que declara a inconstitucionalidade em tese de uma norma qualquer possui natureza constitutiva. Noutro dizer, é ela própria (a sentença) quem introduz uma inovação no status quo, fazendo operar uma norma de direito que, até então, se encontrava em situação de latência. Transpondo esta lição para a seara do controle de constitucionalidade, tem-se que a norma inconstitucional somente pode ser assim considerada após o julgamento da Excelsa Corte que a declare incompatível com a ordem constitucional vigente. Destarte, antes do julgamento pelo órgão de cúpula do Poder Judiciário, a lei, a despeito de contrária ao Texto Maior, opera eficazmente, como se válida fosse, obrigando a quem quer que seja.

Doutra parte, a opinião majoritária da doutrina é no sentido de que a decisão de inconstitucionalidade é dotada de caráter declaratório negativo, porquanto o Poder Judiciário, ao julgar desse modo, nada cria, nada modifica, apenas declara uma situação preexistente, espancando qualquer dúvida que porventura haja acerca dela. A decisão é declaratória porque o estado de uma lei ser inconstitucional em nada depende do reconhecimento da Suprema Corte. A lei que é incompatível com a Magna Carta o é desde sempre, desde o instante em que editada. Sobre este ponto de vista, manifesta-se o notável mestre sulista CLÈMERSON MERLIN CLÈVE (A fiscalização abstrata de constitucionalidade no direito brasileiro, Revista dos Tribunais, p. 164), fortalecido pelo magistério de ALFREDO BUZAID (Da ação direta de declaração de inconstitucionalidade, Saraiva, 1958):

"A decisão judicial (de inconstitucionalidade), segundo a doutrina consagrada, é declaratória (declara um estado pré-existente) e não constitutiva negativa. O ato judicial não desconstitui (puro efeito revogatório) a lei, tal como ocorre, por exemplo, no modelo austríaco, mas apenas reconhece a existência de um ato viciado. E, por esse motivo, a decisão produz efeitos ex tunc, retroagindo até o nascimento da norma impugnada.

Como sustenta Alfredo Buzaid:

‘O fundamento da doutrina americana e brasileira está, pois, em que, no conflito entre a lei ordinária e a Constituição, esta sempre prepondera sobre aquela. Se a lei inconstitucional pudesse adquirir validade, ainda que temporariamente, resultaria daí uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição. Ou, em outras palavras, o respeito à lei ordinária significa desacato à autoridade da Constituição’.

Segundo o pensamento do autor, ‘uma lei não pode, a um tempo, ser e deixar de ser válida. As leis inconstitucionais não recebem um tratamento diverso. Porém, até o julgamento pelo tribunal, elas são executórias, embora inválidas. Esposito observou que ‘as leis inconstitucionais, até a proclamação da Corte, são executórias, mas não obrigatórias; têm eficácia, mas não têm validade’. Lei inconstitucional é, portanto, lei inválida, lei absolutamente nula. A sentença, que decreta a inconstitucionalidade, é predominantemente declaratória, não predominantemente constitutiva. A nulidade fere-a ab initio".

Certo é que a natureza da sentença que julga a inconstitucionalidade (constitutiva ou declaratória) decorre da própria sanção a ser imposta à lei inconstitucional: seria, então, a norma alcançada pela eiva da inconstitucionalidade absolutamente nula ou tão-somente anulável? Se se considera que ela seja nula ipso jure, a sentença de inconstitucionalidade terá cunho declaratório, porque apenas torna certa uma situação jurídica previamente existente. De outra parte, se o caso é de um ato legislativo meramente anulável, a sentença receberá ares constitutivos, haja vista que a norma impugnada, até que declarado o seu vício, opera eficazmente, como se válida fosse.

REGINA MARIA MACEDO NERI FERRARI (Efeitos..., p. 135), citando CAPELLETTI, bem equaciona o problema, chamando a atenção para a existência de dois sistemas aptos a demonstrar qual a sanção decorrente da norma inconstitucional. São eles, portanto, o sistema norte-americano, tendente para a nulidade absoluta da lei inconstitucional, e o sistema austríaco, capitaneado por HANS KELSEN, para quem a lei contrária ao Texto Maior é apenas um ato anulável. Destarte:

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"Capelletti, analisando o assunto, afirma existirem duas posições que buscam a solução do problema, havendo mesmo uma contraposição entre elas: uma encabeçada pelo sistema norte-americano e a outra, pelo sistema austríaco, salientando que, no primeiro, a norma contrária à norma superior é tida como sendo absolutamente nula, apresentando tal sistema um caráter meramente declaratório, isto é, a sentença que declara a inconstitucionalidade reconhece uma nulidade preexistente, já que esta ocorre desde o início, a partir do momento de elaboração da norma, já que, sendo a lei nula ab initio, não pode gerar efeitos.

No sistema austríaco, a Corte Constitucional não declara a nulidade da lei, mas sim a sua anulabilidade, vale dizer, enquanto não houver pronunciamento neste sentido; a lei é válida e, portanto, obrigatória, reconhecendo que a eficácia constitutiva da sentença de inconstitucionalidade opera para o futuro (ex nunc)".

A verdade é que no Brasil, tradicionalmente, tem sido adotado o sistema norte-americano. Aqui, portanto, a lei inconstitucional é lei nula de pleno direito, inapta a produzir qualquer efeito. Por conseguinte, a sentença que assim a reconhece é meramente declaratória, conquanto apenas afirme um vício preexistente. Nada cria, em nada inova; a decisão de inconstitucionalidade proferida em ADIn apenas torna certa uma situação já materializada, até então indeterminada. E assim é, porque em ordenamentos como o pátrio a Constituição é suprema e não encontra na ordem jurídica interna e externa comando que lhe seja superior. Trata-se, grosso modo, daquilo que se entende pelo princípio da supremacia das normas constitucionais, consoante o qual a lei ordinária, ainda que aparentemente boa, apta e eficaz, não pode sequer ingressar no ordenamento jurídico, caso encerre antinomia com relação ao Texto Maior. Do contrário, como assevera ALFREDO BUZAID, citado por CLÈMERSON CLÈVE, admitir que a lei ordinária possa ter validade até que declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal, é promover "uma inversão na ordem das coisas, pois, durante o período de vigência da lei, se suspende necessariamente a eficácia da Constituição". Disto tudo decorre, evidentemente, que a decisão do Supremo Tribunal Federal, dando pela inconstitucionalidade de uma lei ou de um ato normativo qualquer, produz, em regra, efeitos retroativos (ex tunc), já que sendo nula a norma eivada, é como se esta jamais houvesse existido.

O dogma da nulidade absoluta da lei inconstitucional é revelado, no sistema pátrio, pela possibilidade de qualquer juízo ou instância declarar a incompatibilidade constitucional in concreto de lei ou ato normativo aplicável à espécie (arts. 97. e 102, III, a, b e c, da CF), e, ainda, pela faculdade outorgada ao Poder Executivo para deixar de cumprir leis que considere contrárias à Constituição da República (STF, Rp 980, Rel. Min. Moreira Alves, j. 21.11.1979, acórdão compendiado em RDA 140/49). Com efeito, somente a nulidade da lei justifica que o Poder Executivo ou que qualquer órgão do Poder Judiciário lhe negue aplicação. Fosse apenas anulável, e a lei inconstitucional obrigaria a todos, enquanto vigente, até que reconhecida a eiva, o que seria tarefa exclusiva da Corte Constitucional. No que toca à possibilidade de a Administração Pública afastar a aplicação de uma norma por entendê-la afrontosa à Magna Carta, assim se manifestou o Min. MOREIRA ALVES, em voto proferido na citada Representação n.º 980:

"[...] O princípio da legalidade, que norteia a Administração, não é infringido quando se nega cumprimento à lei substancial ou formalmente inconstitucional, porque tal ato, embora emanado do Poder Legislativo, é apenas formalmente lei. Tem feição de lei, mas não a eficácia necessária à formação de direitos subjetivos; não chegou a viver, porque nasceu morta. Não teve um único momento de validade. Se a lei não chegou a existir (cf. Tácito, Caio. RDA, 59:346; Buzaid, Alfredo. Da Ação Direta de declaração de inconstitucionalidade, p. 128), não integra a ordem jurídica. Daí porque a recusa da Administração em observá-la não ofende o princípio da legalidade".

Destarte, parece não haver dúvida de que, pelo sistema adotado no Brasil, que acompanha a clássica doutrina norte-americana, a lei inconstitucional é nula e a decisão que assim a declara, em controle abstrato, opera, em regra, efeitos retroativos. GILMAR FERREIRA MENDES (Jurisdição constitucional, 3. ed., Saraiva, p. 263) chama a atenção para a conclusão dos trabalhos Assembléia Constituinte que deu origem à atual Carta de 1988. Naquela ocasião, foi ventilada a introdução no Texto Constitucional de dispositivo que autorizava o Supremo Tribunal Federal a determinar se a lei que teve a sua incompatibilidade constitucional reconhecida em controle abstrato perderia sua eficácia ex tunc, ou tão-somente a partir da data da publicação da decisão. Tal proposta foi rejeitada, o que faz crer que o constituinte de 1988 optou pela eficácia retroativa da decisão de inconstitucionalidade, a despeito de seu silêncio. O dispositivo possuiria redação aproximada à seguinte:

"Quando o Supremo Tribunal Federal declarar a inconstitucionalidade, em tese, de norma legal ou ato normativo, determinará se eles perderão eficácia desde a sua entrada em vigor, ou a partir da publicação da decisão declaratória".

A despeito da opção do legislador constituinte pela tese da nulidade absoluta da lei inconstitucional, o Supremo tem obtemperado esta regra principiológica, para admitir, por vezes, que a lei ou o ato normativo em tal situação de conflito sejam apenas anuláveis e, por conseguinte, a decisão que assim os reconheça, produza efeitos apenas a partir de sua publicação. GILMAR FERREIRA MENDES (Jurisdição..., p. 261-2) dá notícia desta tendência:

"A lei declarada inconstitucional é considerada, independentemente de qualquer outro ato, nula ipso jure e ex tunc.

A disposição declarada inconstitucional no controle abstrato de normas não mais pode ser aplicada, seja no âmbito do comércio jurídico privado, seja na esfera estatal. Consoante essa orientação, admite-se que todos os atos praticados com base na lei inconstitucional estão igualmente eivados de iliceidade. Essa orientação, que já era dominante antes da adoção do controle abstrato de normas no ordenamento jurídico brasileiro, adquiriu, posteriormente, quase o significado de uma verdade axiomática.

Na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal pode-se identificar, todavia, tentativa no sentido de, com base na doutrina Kelsen, abandonar a teoria da nulidade em favor da chamada teoria da anulabilidade.

Segundo essa concepção, a lei inconstitucional não pode ser considerada nula, porque, tendo sido editada regularmente, gozaria de presunção de constitucionalidade, e sua aplicação continuada produziria conseqüências que não poderiam ser olvidadas.

A lei inconstitucional não seria, portanto, nula ipso jure, mas apenas anulável. A declaração de inconstitucionalidade teria, assim, caráter constitutivo. Da mesma forma que o legislador poderia dispor sobre os efeitos da lei inconstitucional, seria facultado ao Tribunal reconhecer que a lei aplicada por longo período haveria de ser considerada como fato eficaz, apto a produzir conseqüências pelo menos nas relações entre pessoas privadas e o Poder Público. Esse seria também o caso se, com a cassação de um ato administrativo, se configurasse uma quebra da segurança jurídica e do princípio da boa-fé".

O nobre Advogado-Geral da União reconhece que mesmo nos Estados Unidos da América, berço da doutrina da nulidade absoluta da lei inconstitucional, este dogma vem sendo suavizado (Jurisdição..., p. 265-6).

"É interessante notar que, nos próprios Estados Unidos da América, onde a doutrina acentuara tão enfaticamente a idéia de que a expressão ‘lei inconstitucional’ configura uma contradictio in terminis, uma vez que ‘the inconstitutional statute is not law at all’, passou-se a admitir, após a Grande Depressão, a necessidade de se estabelecerem limites à declaração de inconstitucionalidade.

A Suprema Corte americana vem considerando o problema proposto pela eficácia retroativa de juízos de inconstitucionalidade a propósito de decisões em processos criminais. Se as leis ou atos normativos nunca existiram enquanto tais, eventuais condenações neles baseadas quedam ilegítimas e, portanto, o juízo de inconstitucionalidade implicaria a possibilidade de impugnação imediata de todas as condenações efetuadas sob a vigência da norma inconstitucional. Por outro lado, se a declaração de inconstitucionalidade afeta tão-somente a demanda em foi levada a efeito, não há que se cogitar de alteração de julgados anteriores".

Como era dito, há no STF uma certa tendência jurisprudencial a amenizar os efeitos da chamada declaração de nulidade ortodoxa da lei inconstitucional. Neste passo, vale destacar o voto do Sr. Min. LEITÃO DE ABREU, lançado no julgamento do RE 79.343-BA pela 2.ª Turma do Supremo:

"Acertado se me afigura, também, o entendimento de que se não deve ter como nulo ab initio ato legislativo, que entrou no mundo jurídico munido de presunção de validade, impondo-se em razão disso, enquanto não declarado inconstitucional, à obediência pelos destinatários dos seus comandos. Razoável é a inteligência, a meu ver, de que se cuida, em verdade, de ato anulável, possuindo caráter constitutivo a decisão que decreta a nulidade. Como, entretanto, em princípio, os efeitos dessa decisão operam retroativamente, não se resolve, com isso, de modo pleno, a questão de saber se é mister haver como delitos do orbe jurídico atos ou fatos verificados em conformidade com a norma que haja sido pronunciada como inconsistente com a ordem constitucional. Tenho que procede a tese, consagrada pela corrente discrepante, a que se refere o Corpus Juris Secundum, de que a lei inconstitucional é um fato eficaz, ao menos antes da determinação da inconstitucionalidade, podendo ter conseqüências que não é lícito ignorar. A tutela da boa-fé exige que, em determinadas circunstâncias, notadamente quando, sob a lei ainda não declarada inconstitucional, se estabeleceram relações entre o particular e o poder público, se apure, prudencialmente, até que ponto a retroatividade da decisão, que decreta a inconstitucionalidade, pode atingir, prejudicando-o, o agente que teve por legítimo o ato e, fundado nele, operou na presunção de que estava procedendo sob o amparo do direito objetivo".

Também digno de nota o entendimento do Excelso Pretório adotado no julgamento do RE 78.594-SP, da relatoria do Sr. Min. BILAC PINTO:

"Apesar de proclamada a ilegalidade da investidura do funcionário público na função de Oficial de Justiça, em razão da declaração de inconstitucionalidade da lei estadual que autorizou tal designação, o ato por ele praticado é válido".

Dessa forma, tem sua parcela de razão o órgão consulente quando aponta vasta doutrina inclinada à eficácia ex nunc da decisão de inconstitucionalidade, uma vez que há ressaído a tentativa de flexibilização dos efeitos retrooperantes da declaração de incompatibilidade vertical.

Recentemente, a doutrina da anulabilidade do ato inconstitucional recebera a anuência do legislador ordinário. Trata-se da Lei n.º 9.868, de 10 de setembro de 1999, que em seu art. 27. introduziu no sistema pátrio uma fórmula semelhante àquela preconizada por ocasião da Assembléia Constituinte de 1986-88, mas que terminara rejeitada. Está assentado no referido art. 27:

"Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado".

Destarte, o que era apenas uma orientação jurisprudencial agora possui previsão normativa. Está, portanto, o Supremo Tribunal autorizado por lei a mitigar os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, inclusive no que tange à sua eficácia temporal, em atenção aos pressupostos da segurança jurídica e do interesse social, e ainda respeitado o quórum qualificado. Merece aplausos a norma em comento. De fato, a declaração ortodoxa de inconstitucionalidade por vezes não atende aos reclamos da justiça, de sorte que, em tais situações, a Suprema Corte vê-se comumente obrigada a reconhecer a constitucionalidade de norma flagrantemente inconstitucional, apenas para evitar o aprofundamento de uma situação injusta. É de se registrar a angústia do Sr. Min. SEPÚLVEDA PERTENCE em face da ADIn 526, oferecida contra a Medida Provisória n.º 296/91, que concedera aumento de remuneração a segmento expressivo do funcionalismo público, deixando ao desamparo outros tantos funcionários que, em tese, também fariam jus ao mesmo benefício. Na ocasião, cuidava-se de apreciar a constitucionalidade da referida MP em face do art. 37, X, da CF, isto é, com relação a um dos consectários do princípio da igualdade. A questão que se pôs é se era dado ao Supremo considerar inconstitucional essa MP, porque afrontosa ao princípio da isonomia, sem que isso trouxesse qualquer benefício para a parcela do funcionalismo não agraciada pelo aumento. De fato, tal aumento era, em verdade, um reajuste monetário dos vencimentos, em virtude da perda de poder de compra da moeda; portanto, a ele faziam jus todos servidores federais, sem distinção. Mas se se expungisse do ordenamento jurídico esta MP, porque inconstitucional, a flagrante situação de injustiça (vencimentos corroídos pela inflação) apenas se acentuaria, sem que os servidores não contemplados auferissem qualquer vantagem.

A regra do art. 27. é salutar, mas confirma a opção do legislador pela tese da nulidade absoluta da lei inconstitucional. De fato, o texto do citado artigo deixa evidente que a eficácia apenas prospectiva (ex nunc) da decisão de inconstitucionalidade é algo excepcional, que reclama a ocorrência de pressupostos específicos, dentre os quais a deliberação do Pretório Excelso mediante quórum qualificado (dois terços de seus membros).

Como dito linhas acima, antes mesmo da edição da Lei n.º 9.868/99 já havia uma inclinação para o abrandamento do dogma da nulidade irremediável da lei em conflito com o Texto Maior. Tal tendência justificou opiniões doutrinárias no sentido de que o Supremo Tribunal poderia, mediante fundamentação explícita, mitigar os efeitos retrooperantes da decisão de inconstitucionalidade. Assim leciona OSWALDO LUIZ PALU (Controle de constitucionalidade: conceitos, sistemas e efeitos, Revista dos Tribunais, p. 158) acerca do tema:

"Se a declaração se dá no plano da norma, e se a lei inconstitucional é nula, como sanção ao vício da inconstitucionalidade (antes da declaração mera nulidade virtual), e se a norma nunca possui eficácia substancial (apenas formal, o que a fazia obrigatória), natural que os atos praticados com fundamento nela restem sem fundamento jurídico. Ou seja, a sentença declaratória normativa atinge as relações jurídicas subjacentes pela nulidade e perda de eficácia da norma em que se fundavam. Os limites da retroatividade, entretanto, podem ser fixados pelo Supremo Tribunal Federal, posto ser o controle jurisdicional da constitucionalidade, sucessivo. A norma (lei) ultrapassou o controle político da constitucionalidade antes de ser editada e, ao nascer, veio com a presunção de constitucionalidade.

O que parece claro, na via concentrada de sentença declaratória normativa e tutela abstrata, é que o Supremo Tribunal Federal pode determinar o grau de retroatividade da decisão (mínima, máxima, média) ou mesmo atribuir efeitos ex nunc, sempre fundamentadamente. A regra é a da retroatividade e para evitá-la deve haver explícita fundamentação. [...]".

Dessa forma, mesmo que a ADIn 1.089-1/DF, ora sob exame, tenha sido julgada antes da vigência da Lei n.º 9.868/99, ainda aqui o STF poderia ter mitigado os efeitos retroativos da decisão que deu pela inconstitucionalidade parcial do art. 1.º e do inciso IX, do art. 2.º, do Convênio ICMS n.º 66/88, notadamente se a segurança jurídica, a paz social e a tutela da boa-fé assim recomendassem. Entretanto, como o Excelso Pretório não adotou tal postura, há de se ter presente que o acórdão que julgou a referida ADIn apenas reconheceu a nulidade absoluta dos dispositivos conveniais impugnados, caso se lhes atribua uma interpretação mais abrangente, que alargue a hipótese de incidência do ICMS, para alcançar os serviços de transporte aéreo. Funcionou o órgão de cúpula do Poder Judiciário tão-somente como um legislador negativo, que apenas declara um vício preexistente apto a impedir que as normas atacadas sequer ingressem no ordenamento jurídico pátrio. Não há dúvida, portanto, de que tal decisão opera efeitos retroativos. Logo, as relações jurídicas tributárias firmadas à sombra dos dispositivos impugnados restam maculadas. A restituição pleiteada pela empresa aeroviária requerente é, por esse argumento, autorizada.

Sobre o autor
Oscar Cruz Medeiros Júnior

procurador do Estado do Maranhão

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MEDEIROS JÚNIOR, Oscar Cruz. Restituição de ICMS cobrado de empresa de transporte aéreo: impossibilidade, por ser tributo indireto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. -274, 1 out. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16518. Acesso em: 26 nov. 2024.

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