ANEXO I - OFÍCIO ENCAMINHADO PELO DR. DARCI REBELO AO SR. PRESIDENTE DO CONSELHO FEDERAL.
Porto Alegre, 11 de dezembro de 2.004.
Ilmo. Sr. Dr.
Roberto Antônio Busato
DD. Presidente do CONSELHO FEDERAL
ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL
Eminente Colega,
As duas últimas campanhas eleitorais da OAB-RS chamaram atenção para um fato que, embora óbvio, nunca foi entre nós, pelo menos por aqui, devidamente questionado. É que o candidato vencedor, nos dois últimos pleitos, obtivera em torno de 40% dos votos válidos contra 60% dos advogados gaúchos que desejavam a mudança.
A questão era: o Estatuto diz que são eleitos os que obtiverem a maioria dos votos válidos; mas o que vem a ser "maioria dos votos válidos"? Um candidato que obteve 40% dos votos válidos, tem a maioria dos sufrágios? Ou não?
Em São Paulo, onde havia vários candidatos, o Ilustre Colega que se sagrou vencedor, obteve pouco mais de 25% do total dos votos válidos. É óbvio que o mérito da vitória não está em questão. O que está em questão é a legitimidade do procedimento.
Passamos a entender que tais fatos – a eleição por uma maioria que, em verdade, não é maioria, ocultava ou revelava uma crise, ainda que não declarada, de legitimidade do procedimento eleitoral e que isso, afinal, era um péssimo exemplo de prática democrática.
A falha pode ocorrer também na eleição para Presidência do Conselho Federal se houver mais de dois candidatos. Nessa hipótese, também pode acontecer uma eleição por uma maioria...que não é a maioria dos votos válidos.
De outro lado, no caso das Seccionais, o sistema vigente possui outra gravíssima distorção. Quem se elege administra como se fosse um governo de "partido único", sem oposição, já que os contraditores, embora maioria em muitos casos, desde que vencidos, ficam alijados do processo institucional de decisão durante três anos.
Como Vossa Senhoria manifestou, logo após sua posse, que pretendia reestudar o processo eleitoral da Ordem, passo as suas mãos as observações que o tema me sugeriu. Em rigor, há duas alternativas para solução do problema, uma, imediata, já para a próxima eleição, através de reinterpretação do Estatuto e modificação do Regulamento, e outra, de longo prazo, mediante projeto de lei, talvez não alcançável para o próximo pleito.
Como anexo a esta, estou incluindo algumas reflexões sobre o assunto e as sugestões correspondentes no sentido de que o nosso sistema eleitoral tem de combinar o princípio majoritário com o proporcional. Como essa área é estranha a minha prática profissional, voltada para outros campos do saber jurídico, creio que a idéia deva ser objeto de exame por especialistas de direito eleitoral que Vossa Senhoria poderá convocar.
Nesta mesma oportunidade, levo ao conhecimento de Vossa Senhoria que, na última campanha eleitoral, tínhamos o propósito de trazer ao Conselho Federal proposta de criação de um "Tribunal de Contas da OAB", a fim de corrigir outra anomalia do nosso sistema. No âmbito das Seccionais, as contas são julgadas pelos próprios ordenadores através da sua chapa única sagrada vencedora.
Na verdade, de quando em vez, a esse propósito, se reacendem críticas contra a OAB sob as mais diversas alegações. Se o STF tem suas contas aprovadas pelo Tribunal de Contas da União, sem prejuízo de sua independência, por que a OAB não pode ter suas contas examinadas pelo mesmo órgão?
Ainda recentemente, por escassos quatro votos contra três, o Tribunal de Contas reafirmou que a Ordem está imune às atribuições fiscalizadoras daquele órgão de controle. Amanhã ou depois, essa escassa maioria, no Tribunal de Contas, pode mudar e teremos de submeter essa questão ao veredicto do Judiciário que pode não ser favorável à Ordem até mesmo pelo fato de que ele próprio, o Judiciário, está subordinado a esse tipo de controle externo.
Não temos a menor dúvida de que entregar o exame de nossas contas a um Tribunal indicado pelo poder político constitui uma renúncia parcial da nossa independência. Temos o dever de dar resposta aos nossos críticos que não seja simples contestação, mas ação afirmativa no sentido de que vamos dar ao assunto solução que desejaríamos para o próprio Tribunal de Contas, ou seja, criarmos o nosso Conselho de Contas por critérios técnicos e não políticos.
Não podemos continuar a fazer as nossas despesas e nós mesmos as aprovarmos, sem a criação de um mecanismo institucional adequado para esse efeito. A sugestão é criarmos o "nosso" Tribunal de Contas assim como temos o nosso "Tribunal de Ética", mas, quanto às contas, preencheríamos os cargos por concurso e poderíamos até mesmo conceder remuneração, ainda que modesta, para o exercício da atividade fiscalizadora.
A idéia é não envolvermos contas com política de Ordem e não transformarmos o Tribunal de Contas da OAB numa questão eleitoral. Quanto ao nome, alguns preferem que se chame a tal "tribunal" de Conselho de Contas. Mas essa questão é secundária.
O perfil dos advogados seria estabelecido por um mínimo de tempo de inscrição – por exemplo, 20 anos e outros que o Regulamento viesse a definir – e teriam eles um orçamento adequado para contratar auditores ou técnicos contábeis para bem examinar as contas no âmbito das Seccionais e do próprio Conselho Federal. Teria, ainda, outra função fundamental, a de orientar a administração financeira da Ordem.
São essas, Senhor Presidente, as sugestões que tenho a honra de apresentar a Vossa Senhoria para estudo por esse Egrégio Conselho Federal. Em separado, seguem algumas considerações sobre a questão eleitoral. Acredito firmemente que, na história recente da Ordem, ambas as propostas - eleições e contas - poderiam constituir o selo comemorativo de sua gestão.
Atenciosamente,
Darci Norte Rebelo OAB RS 2.437
ANEXO II -
BREVE DIAGNÓSTICO DO SISTEMA ELEITORAL DA OAB
os cargos da Ordem, Nós nos elegemos...conosco mesmos.3. Nada menos educativo, politicamente falando, do que esse exemplo de governo...sem oposição provocado por um defeito de concepção do sistema eleitoral que tem na exclusão dos vencidos a sua marca registrada. Nós, comprometidos com o aperfeiçoamento da ordem jurídica, ficamos numa posição delicada ao constituir o nosso "Estado Particular de Direito" através de administração de que maioria dos advogados são, na maior partes das vezes, afastados.
4. Ora, a história dos sistemas eleitorais mostra que a sua maior eficiência é alcançada pela combinação dos princípios majoritário e proporcional. Essa combinação é uma fórmula de compromisso e consenso das forcas políticas no momento em que adquirem consciência de que o sistema eleitoral não é apenas uma forma de regulação da competição partidária para subir ao pódio, mas, fundamentalmente, o caminho através do qual a cidadania se transforma em poder.
5. A combinação dos dois princípios é um ato de engenharia política que utiliza o princípio da maioria como fórmula de governabilidade e o princípio da proporcionalidade para garantir a representação das diferenças existentes na sociedade, ou seja, da representação de todos os matizes de opinião e as tendências sociais que o leque de candidatos permite expressar.
6. O sistema proporcional foi inventado, na Europa, para atenuar conflitos entre etnias e religiões. Sem essa porta aberta para o pluralismo, o conflito das diferenças seria agravado pela aplicação isolada do princípio da maioria, segundo o qual inclusus unius, exclusus alterius. Pelo princípio da proporcionalidade, todos participam e, por isso, não há exclusão. De certa forma, todos governam. Combinam-se, assim, a vozes da maioria e da minoria na prática do poder. A cidadania, portanto, somente se expressa no poder se se matrimoniam, corretamente, os dois princípios.
7. Sobre o modelo atual, todos somos responsáveis por essa visão particular da história da advocacia que, num determinado momento, produziu esse sistema. Obviamente, não nos demos conta de que erramos na modelagem da nossa engenharia política interna. Asseguramos o direito de concorrer, mas demos ao vencedor o direito de governar sozinho. O contraditório institucional puramente não existe no âmbito das Seccionais com a administração típica dos "partidos únicos". Deixamos aos vencidos fazer oposição nos corredores do foro, pois lhe falecem mecanismos de representação nesse modelo.
8. A eleição do Conselho Federal pode ser afetada pela mesma distorção sempre que houver mais de dois candidatos. O vencedor pode ser eleito pela minoria. Mas, pelo menos no Conselho Federal, eventual oposição tem voz e voto, pois os vencidos participam do Colegiado e tomam parte nas decisões do órgão superior da advocacia.
Alternativa imediata, regulamentar e provisória
do que a maioria dos votos válidos. Metade menos um jamais será maioria dos votos válidos.12. Essa solução está implícita na lei, e pode ser desenvolvida pelo Regulamento da Advocacia, em razão do comando do art. 54, V c/c 54, XVIII do Estatuto, dando hermenêutica correta ao art. 64 da Lei 8.906 para estabelecer o conceito de maioria dos votos validos e determinar a realização de uma segunda eleição caso esse quociente não seja alcançado. O ponto omisso no Regulamento - a segunda etapa da eleição - resultaria da introdução do conceito do que vem a ser "a maioria dos votos válidos".
13. Assim, através de alteração do Regulamento, pode-se corrigir, provisoriamente, o primeiro grave defeito do sistema eleitoral da OAB já para as próximas eleições. Acredito que essa mudança, de tal simplicidade, seria um fato político da maior importância na história recente da OAB.
14. A sugestão, pois, como alternativa imediata, sem mexer no Estatuto, é estabelecer, por via de alteração do § 1º do art. 136 do Regulamento da Advocacia que "São considerados eleitos os integrantes da chapa que obtiver a maioria dos votos válidos, assim considerada aquela que computar metade mais um dos votos válidos, sendo proclamada vencedora pela Comissão Eleitoral e empossados os eleitos no primeiro dia do início dos seus mandatos".
15. O § 2º, por sua vez, dirá que se nenhuma das chapas, no caso da existência de mais de duas, obtiver a maioria dos votos válidos, tal como conceituado no § 1º, será convocada nova eleição, dentro da quinzena estabelecida na lei, dela participando apenas as duas chapas com maior número de votos".
16. O Regulamento não estará criando direito, mas simplesmente desenvolvendo o pensamento a mens legis da regra do art. 64. A lei dá os fins [maioria dos votos válidos]; o Regulamento, os meios [eleição em duas etapas ou turnos]. Não é necessário que a lei fale no segundo pleito: se o primeiro não vale porque não atingido o quorum , necessariamente tem-se de convocar o segundo. Se a lei determina que somente são eleitos os que obtiverem a maioria dos votos válidos, cabe ao Regulamento dizer como se chega lá. Se através de uma etapa ou de duas etapas.
17. O 2º, atual, passa a parágrafo 3º, e, assim, com uma simples penada regulamentar, pode-se corrigir parcialmente a questão da governabilidade resultante da aplicação exclusiva do principio majoritario. Mas não se corrige o problema do "partido único". Continuará a administracao a ser como se se tratasse de um "partido único". Pelo menos será "único" mas expressão da maioria dos votos válidos. Pior o que temos hoje: único e expressão da minoria em vários casos.
Sistema proporcional - solução final por via legislativa.
18. Obviamente, essa solução, por via regulamentar, é imediata e provisória. A definitiva deve provir de ato legislativo. A proposição imediata será um projeto de lei para alterar o Estatuto e estabelecer a eleição direta para a Diretoria da Seccional, das Subseções e da Caixa de Assistência e pelo sistema proporcional, para membros do Conselho Seccional, Sub-Seccional e do Conselho Federal, mantendo a eleição da Diretoria do Conselho Federal pelo próprio Conselho Federal, como é hoje, exigindo-se, porém, para ela, também, a maioria dos votos válidos, em dois turnos, se não obtida a maioria no primeiro.
19. A eleição direta para o executivo das seções estaduais e a representação proporcional dos Conselhos, somadas à exigência de maioria absoluta, tal como concebida acima, outorgarão ao procedimento eleitoral a legitimidade conferida pela combinação dos dois princípios clássicos que são os caminhos para o acesso ao poder.
PROJETO DA PROPORCIONALIDADE
20. O sistema usual no País pode ser adotado para o direito eleitoral da OAB. Os candidatos às eleições proporcionais são inscritos, na forma determinada pelo Regulamento e em atos complementares do Conselho Federal, através de listas ou em inscrições individuais, e se submetem ao crivo dos eleitores. Os mais votados comporão os Conselhos Seccionais bem como os cargos de Conselheiros Federais. A votação é uninominal.
Alternativa distrital mista
21. Pode-se, ainda, prever um Conselho Seccional eleito por um sistema distrital misto. Nesta hipótese, o Conselho Seccional será composto por cinqüenta por cento de candidatos "distritais", votados apenas nos "distritos", e cinqüenta por cento, indicados através de listas inscritas pelos candidatos aos cargos diretivos, nos quais os advogados de todo o Estado votam uninominalmente [em um nome das listas]. Teríamos, assim, conselheiros estaduais e conselheiros distritais, compondo o mesmo órgão, sem qualquer hierarquia entre eles
22. Para esse efeito, o Estado seria dividido em distritos eleitorais de certa homogeneidade. O distrito seria formado por uma subseção ou por um conjunto subseções. Os pequenos colégios eleitorais seriam reunidos em um único distrito de modo a equiparar-se a um colégio eleitoral de maior significação.
23. O Regulamento fixará quantos candidatos podem ser inscritos por "distritos" e o tempo de inscrição exigido [v.g., cinco anos]. Em caso de excesso, os de inscrição mais antiga preferirão aos mais novos.
24. Esse sistema combina a possibilidade de termos representantes de todo o Estado [constantes das listas votadas em todos os distritos] com representações "distritais". Os mais votados entre os vários distritos, como dito, preencherão a metade das vagas do Conselho Seccional. Os mais votados no Estado preencherão a outra metade. O mesmo sistema seria adotado para os Conselhos Subseccionais, onde houver.
25. Os cargos diretivos continuarão a ser eleitos pelo princípio majoritário.Considerações finais
26. Nesse sistema, mantém-se a eleição indireta da Presidência do Conselho Federal, já que, num País continental, como o nosso, uma campanha para a Presidência do Conselho Federal, por eleição direta, exigiria custos incompatíveis com a disputa de cargos não remunerados da administração da Ordem.
27. O importante é mudar para um sistema proporcional a fim de ensejar um novo modelo que permita a representação de diversas correntes de opinião da advocacia, entre elas, as das subseções de menor expressão numérica eleitoral e ponha termo ao atual sistema de governo sine contradictores.
28. A idéia é apresentada assim para, se contar com a simpatia dos colegas, ser lapidada pelo Conselho Federal e ser utilizada na próxima eleição.
DARCI NORTE REBELO, OAB RS 2.437