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Precatórios: problemas e soluções

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Agenda 14/08/2007 às 00:00

7. O Município de São Paulo é o campeão absoluto em termos de descumprimento de precatórios

É preciso, antes de mais nada, esclarecer que não tem o menor sentido comparar os números de precatórios pendentes no âmbito municipal com aqueles acumulados pelo Estado de São Paulo, para afirmar, equivocadamente, que o Município vem pagando mais do que o Estado. São duas realidades completamente diferentes.

A dívida por condenação judicial do Estado de São Paulo data de tempos remotos. Agravou-se essa dívida a partir da desapropriação da Cia. Paulista de Estrada de Ferro (hoje, FEPASA) em 1962. A tentativa de desistência dessa ação expropriatória não deu certo. A Fazenda do Estado foi vencida em todas as instâncias, inclusive na Corte Suprema. Daí a enorme dívida que se acumulou.

No Município de São Paulo, as dívidas com precatórios datam de épocas bem mais recentes. No governo Olavo Setúbal os precatórios eram cumpridos em 3 meses. O Governo Jânio Quadros herdou uma enorme dívida deixada pela administração anterior, tendo sofrido seqüestro coletivo de mais de 1.800 precatórios, decretado pelo Órgão Especial do Tribunal de Justiça de São Paulo. Apresentou um plano de pagamento e em menos de 2 anos a dívida havia sido quitada.

Entretanto, a partir de 2001 a dívida por precatório não parou de crescer, principalmente, os de natureza alimentícia, resultante da paralisação da fila respectiva, de um lado, e aumento de demandas judiciais por conta do descumprimento de leis salariais, de outro lado.

Segue abaixo projeção de dados com base nos Mapas de Ordem Cronológica (MOC) elaborados pelo Departamento de Precatórios do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo e nos elementos fornecidos pelo Tribunal de Contas do Município de São Paulo, relativamente ao período de 1998 até 2004:

a) A PMSP devia, em 1998, R$30.979.613,21 a título de precatório alimentício; em 2004 passou a dever R$1.471.251.264,01 em termos atualizados até abril de 2004;

b) Dos 476 precatórios constantes do MOC de 1998 foram pagos, até abril de 2004, apenas 41 deles;

c) A partir do exercício de 2001 a PMSP passou a consignar em seu orçamento anual apenas parte da verba requisitada pelo Judiciário;

d) O confronto de dados dos exercícios de 2001 a 2004 permite concluir que o total das condenações em geral, consignado em cada exercício, ficou bem aquém da própria condenação específica em verba de natureza alimentar, ou seja, o total consignado em cada ano, corresponde apenas a uma parcela da condenação de natureza alimentar. São seguintes os percentuais incluídos:

l. exercício de 2001........................................ 73,49%

2. exercício de 2002......................................... 24,21%

3. exercício de 2003......................................... 32,46%

4. exercício de 2004......................................... 42,59%

e) A partir do exercício de 2002, coincidindo com o orçamento anual elaborado pela administração que teve início em janeiro de 2001, houve uma brutal elevação no percentual de sonegação das verbas alimentares. Só para exemplificar, no exercício de 2003, dos R$65.140.972,00 consignados no orçamento a título de despesas com condenação judicial apenas R$25.620.542,00 se refere às verbas de natureza alimentar, o que corresponde ao percentual aproximado de apenas 12,76% do total requisitado a esse título, no valor de R$200.651.201,14;

f) O que é pior, do pouco que vinha sendo consignado nas leis orçamentárias anuais, no período retro mencionado, nada vinha sendo pago a título de precatório alimentício, conforme se verifica dos comunicados do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, anualmente publicados no DOE.

Essas omissões e esses desvios representam uma clara demonstração de desprezo às determinações do Poder Judiciário pela administração municipal. O Executivo vem se apropriando de recursos financeiros correspondentes à dotação pertencente ao Poder Judiciário (art. 100, § 2º da CF).

No governo José Serra, os pagamentos de precatórios alimentares foram retomados, quitando aqueles pertinentes aos exercícios de 1998 e 1999. A atual administração está iniciando o pagamento dos precatórios alimentares de 2000, mas a sua regularização está longe de ser obtida.

Para se ter uma idéia das irregularidades perpetradas transcrevemos trechos do parecer prévio emitido pelo TCMSP acerca das contas do exercício de 2006, apresentadas pelo senhor Prefeito, publicado no Diário da Cidade de São Paulo, do dia 11-7-2007:

"4.6 Pagamento dos Precatórios

Apesar da análise mais detalhada dos precatórios judiciais constantes do item 5.19 deste relatório, alguns aspectos merecem destaque.

No exercício de 2006 a Prefeitura tinha por obrigação o pagamento de precatórios no montante de R$3,880 bilhões, sendo que o orçamento inicial a eles destinou R$648,800 milhões, correspondente a apenas 16,7% (dezesseis inteiros e sete décimos por cento) do total devido.

Foram pagos somente R$162,787 milhões, isto é, ¼ (um quarto) do orçamento inicial de R$648 milhões, ficando o restante sem utilização" (p. 160).

"5.19.4 – Cumprimento da Legislação

.......................................................

"b – Precatório de natureza alimentícia

Os precatórios de natureza alimentícia decorrem principalmente de ações promovidas por servidores contra a Administração.

Seu total, devido em 31/12/2006, onerado pelos ofícios complementares correspondentes, resulta em R$2,469 bilhões, representando um acréscimo de 12,6% (doze inteiros e seis décimos por cento) sobre o exercício anterior.

Esses precatórios devem se pagos até o final do exercício seguinte ao da sua inscrição, com seus valores atualizados monetariamente, conforme disposto no parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal.

Em conseqüência, a obrigação de pagar tais precatórios alimentares em 2006 somou R$2,590 bilhões e durante o ano foram pagos R$121,305 milhões, o equivalente a 4,6% (quatro inteiros e seis décimos por cento) das obrigações do exercício.

Os pagamentos efetuados em 2006 permitiram saldar o Mapa de Ordem Cronológica – MOC de 1998 e 1999 e ainda dar início ao pagamento de 2000, até a ordem cronológica 32/00, restando sem pagamentos parte dos precatórios de natureza alimentícia do Mapa de Ordem Cronológica – MOC 2000, no valor aproximado de R$88,00 milhões e a totalidade dos precatórios dos exercícios subseqüentes, incluído o de 2006.

Configura-se, uma vez mais, o descumprimento do parágrafo 1º do artigo 100 da Constituição Federal, pelo não pagamento dos precatórios alimentares do último exercício (2006) e também dos anteriores (2005, 2004, 2003, 2002, 2001 e parte de 2000), como já fora assinalado no Relatório Anual de Fiscalização do exercício 2005 e dos anteriores (p. 176).

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A Prefeitura, que devia em 1998, a título de precatório alimentar, apenas R$30,979 milhões, decorridos 8 anos, passou a dever R$2,590 bilhões. Qual a mágica para conseguir tamanha expansão da dívida em tão curto tempo?

Trechos do parecer prévio do TCMSP retro transcritos falam por si sós. Anualmente são incluídos no orçamento valores bem inferiores às exigibilidades (valores regular e tempestivamente requisitados pelo Judiciário). Por conta desses valores parcialmente incluídos no orçamento apenas uma pequenina parte é efetivamente destinada ao pagamento de precatórios alimentícios.

Como resultado da cultura do descumprimento de decisões judiciais, que vigora de alguns anos para cá, há dupla infração: a sonegação de verbas a serem incluídas no orçamento seguida do desvio da maior parte daquelas que foram inseridas no orçamento do exercício. Apesar de tudo isso, o TCMSP vem consignando parecer pela aprovação das contas do Executivo, repetindo todos os anos as mesmas ressalvas quanto à irregularidade no pagamento das despesas a título de precatórios judiciais, o que nos parece contraditório.

Pelo exame do balancete patrimonial de junho de 2007 verifica-se que a Prefeitura de São Paulo deve até o referido mês R$7.504.850.495,33 a título de precatórios judiciais, abrangendo os de natureza alimentícia e não alimentícia.

Outrossim, a utilização indevida das verbas do exercício corrente para quitar precatórios ou parcelas de precatórios do passado continua provocando moratórias em cascata.

A Prefeitura vem descumprindo o § 7º do art. 30 da Lei de Responsabilidade Fiscal (LC nº 101/03), que exige a inclusão de valores de precatórios não satisfeitos no exercício no montante de sua dívida consolidada. Assim, vem burlando as disposições da Resolução nº 40/01, que em cumprimento ao inciso VI do art. 52 da CF dispõe sobre os limites globais para o montante da dívida consolidada dos Estados, do DF e dos Municípios.


8. As moratórias constitucionais

Atacar o resultado, sem remover a sua causa, jamais equacionará o problema dos precatórios, cuja dívida irá crescer como bola de neve a cada moratória.

8.1 O art. 33 do ADCT

A Constituição de 1988, pelo art. 33 do ADCT, decretou a primeira moratória para pagamento de precatórios judiciais, excluídos os de natureza alimentar, facultando aos entes políticos devedores o pagamento em até oito parcelas anuais iguais e sucessivas. Indicou como fonte de custeio dessas parcelas anuais a emissão de títulos da dívida pública, sem comprometimento do limite global de endividamento. Resultado: títulos públicos foram emitidos em valores superiores aos dos precatórios, com a agravante de terem sido desviados a maior parte dos recursos obtidos pelo generoso processo de endividamento. É o que ficou constatado na CPI dos Precatórios.

8.2 A Emenda nº 30/00

Nova moratória veio a ser decretada 12 anos após a primeira, com o advento da EC nº 30, de 13-9-2000 (art. 78 do ADCT), estabelecendo o prazo de até dez anos para pagamento de precatórios, em parcelas anuais. Os de natureza alimentar foram poupados, bem como os de pequeno valor.

Dessa vez, não veio a indicação de fonte de custeio dessas despesas. Resultado: as verbas do exercício corrente estão sendo utilizadas para pagamento de parcelas de precatórios sob moratória, desencadeando um efeito dominó a protelar os pagamentos de precatórios supervenientes à EC nº 30/00.

Como a Emenda 30 estabeleceu uma sanção para a hipótese de não liquidação das parcelas anuais até o final do exercício a que se referem, consistente na atribuição de poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora, houve ‘congelamento’ da fila de precatórios alimentares não munidos de sanção específica. Houve, na prática, a inversão do privilégio. Essa Emenda representou um verdadeiro tiro no pé.

8.3 A Pec 12/06

Menos de seis anos após a segunda moratória foi apresentada a Pec 12/06, que institui regime especial de pagamentos de precatórios, facultando aos entes políticos devedores a opção por esse regime. Não há mais prazo de liquidação dos precatórios em atraso. Não exercida a opção, tudo continua como agora, isto é, sem intervenção, sem seqüestro etc.

Exercida a opção, a União, os Estados e o DF deverão aplicar no pagamento de precatórios recursos equivalentes a 3% da despesa primária líquida do exercício anterior, sendo que os Municípios deverão aplicar apenas 1,5% dessa mesma despesa. Por esse critério, alguns Municípios levarão mais de meio século para quitar os precatórios em atraso, acumulando outros tantos a partir de sua aprovação, pois essa Pec, a exemplo da EC nº 30/00, não indica fonte de custeio para pagamento das despesas com precatórios sob regime especial.

Essa Pec viola os princípios da separação dos Poderes, da segurança jurídica e anula os direitos e garantias fundamentais, que se constituem em cláusulas pétreas, insusceptíveis de abolição por via de Emendas. Afronta, outrossim, o princípio maior da moralidade da administração pública (art. 37 da CF), e também denigre a imagem do Poder Judiciário ao leiloar decisões judiciais pelo critério do maior deságio.

Por tudo isso, a OAB Nacional referiu-se à Pec 12, e com razão, como proposta indigna.

O que é profundamente lamentável é o fato de que a União que, até hoje vem cumprindo as requisições judiciais colocando a disposição do Poder Judiciário às verbas que lhe pertencem, poderá optar pelo regime especial de pagamento de precatórios a ser instituído pela Pec 12/06, que não prevê prazo de quitação. O volume de pagamento anual depende da vontade unilateral do governo. A força coativa, que deriva da decisão judicial, é substituída pelo ato potestativo do governante, o que implica rompimento da ordem jurídica estabelecida pela Carta Política.

A União, ao invés de aderir a tal regime espúrio, deveria estar ajudando financeiramente os Estados e os Municípios endividados, para que esses entes políticos possam atingir a normalidade, em termos de cumprimento de decisões judiciais, o mais rápido possível.


9. Solução dos precatórios impagáveis

A omissão de órgãos e autoridades responsáveis conduziu a uma montanha de dívidas por condenação judicial, impossibilitando seu pagamento de imediato.

Impõe-se a tomada de inúmeras medidas, dentre as quais, as abaixo mencionadas:

9.1 Uma nova moratória

É preciso decretar uma nova moratória, não nos termos da Pec 12/06, que representa um ‘calote’ permanente da dívida de precatórios, mas, um regime de parcelamento com pagamento mensal, bimestral, trimestral ou outra periodicidade inferior a 12 meses, para liquidação total dos precatórios pendentes ao cabo de um determinado período.

Aos precatórios de natureza alimentar deve ser concedido prazo menor de liquidação total, visto que, por terem ficado fora do regime de moratória nas duas vezes anteriores, quase nada foi pago a esse título, acarretando a morte de milhares de credores.

Às parcelas descumpridas deve ser atribuído o poder liberatório nos valores respectivos, permitindo sua cessão a terceiros, para fins de liquidação de débitos tributários junto ao ente político inadimplente, sem prejuízo do seqüestro, independentemente de quebra da ordem cronológica.

9.2 Necessidade de encontrar fontes de custeio.

A decretação de moratória, sem a fixação da fonte de custeio das despesas dela decorrentes, além não resolver o passado, irá provocar a contaminação dos precatórios supervenientes à moratória. Daí a necessidade de instituir um "Fundo de Pagamento de Precatórios" constituído de recursos provenientes de:

a) transferência voluntária pela União de recursos financeiros a que se refere o art. 25 da LRF, para os Estados e Municípios devedores;

b) alienação de bens imóveis pertencentes ao patrimônio dos entes políticos devedores, classificados na categoria de bens dominicais;

c) utilização parcial dos recursos financeiros depositados em juízo, nos moldes da Lei nº 11.429, de 26-9-2006;

d) privatização de empresas estatais;

e) vinculação de 1% das receitas líquidas do ente político devedor.


10.Respostas aos quesitos

Quesito 1: Por que, apesar de duas moratórias, os precatórios judiciais continuam ‘impagáveis’?

Resposta: Tornaram-se ‘impagáveis’ por uma simples questão de decisão política dos governantes de apropriar as verbas consignadas no orçamento, destinadas ao pagamento de requisições judiciais, para sua aplicação em outras finalidades. Essa decisão é fruto da leniência dos Poderes Judiciário e Legislativo que deixam de aplicar as sanções previstas na Constituição Federal e na legislação infraconstitucional para os infratores da Lei Orçamentária Anual.

A flexibilização das decisões judiciais proferidas contra o poder público gerou no seio da classe política a cultura do descumprimento de precatórios judiciais e do endividamento irresponsável, para sustentar projetos pessoais de interesse de seus integrantes, completamente divorciados da vontade da grande maioria da sociedade. Essa cultura precisa ser urgentemente revertida, por pressão da sociedade.

Quesito 2: O que fazer para resolver essa situação gravíssima em que milhares de credores por precatório alimentar estão morrendo na fila dos precatórios?

Resposta: Várias providências devem ser adotadas, tais como:

Quesito 3: Como evitar que em futuro não muito remoto nova moratória venha a ser decretada?

Resposta: Para prevenir o descumprimento de futuros precatórios impõe-se a inserção ou explicitação de regras claras na Constituição Federal sobre o cumprimento de decisões judiciais condenatórias contra a Fazenda, como as adiante mencionadas:

É o nosso parecer, smj.

São Paulo, 9 de agosto de 2007.

Kiyoshi Harada

OAB/SP 20.317

Especialista em Direito Financeiro e Tributário pela USP.

Sobre o autor
Kiyoshi Harada

Jurista, com 26 obras publicadas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 20 (Ruy Barbosa Nogueira) da Academia Paulista de Letras Jurídicas. Acadêmico, Titular da cadeira nº 7 (Bernardo Ribeiro de Moraes) da Academia Brasileira de Direito Tributário. Acadêmico, Titular da cadeira nº 59 (Antonio de Sampaio Dória) da Academia Paulista de Direito. Sócio fundador do escritório Harada Advogados Associados. Ex-Procurador Chefe da Consultoria Jurídica do Município de São Paulo.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

HARADA, Kiyoshi. Precatórios: problemas e soluções. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1504, 14 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16796. Acesso em: 24 nov. 2024.

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