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Precatórios de natureza alimentícia.

Sua utilização para compensação de tributos e nomeação à penhora em executivos fiscais

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Agenda 15/09/2009 às 00:00

Parecer sobre a possibilidade de o cessionário de precatório de natureza alimentar exercer o direito à compensação de tributos da entidade política devedora, por meio de seu oferecimento à penhora em ação de execução fiscal.

Precatório de natureza alimentícia - parecer

A Consulente pede-nos parecer jurídico acerca da possibilidade de o cessionário de precatório de natureza alimentar exercer o direito à compensação de tributos da entidade política devedora, fundado no poder liberatório do pagamento previsto no § 2º, do art. 78 do ADCT.

Indaga, também, acerca da possibilidade jurídica de o cessionário de precatório alimentar oferecer em penhora esse direito de crédito nas execuções fiscais movidas pela Fazenda Pública.

Junta vários acórdãos recentes do E. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo em sentido contrário à pretensão da consulente, ou seja, pela impossibilidade da compensação, porque não há previsão no art. 78 do ADCT para ceder o precatório alimentar e nem para conferir-lhe poder liberatório do pagamento de tributos. A aceitação da penhora de precatório alimentar equivaleria à compensação de tributos.

Formula a consulente os seguintes quesitos:

1.Pede-se breves comentários sobre julgados do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo que negam o poder liberatório do precatório alimentar e não admitem seu oferecimento à penhora, principalmente, por parte do cessionário (acórdãos anexos).

2.Se o precatório alimentar não for munido do poder liberatório, pergunta-se, é possível requerer o seu seqüestro depois de vencido e não pago?

3.Em caso de concluir pela inexistência do poder liberatório do pagamento pode o precatório alimentar ser oferecido em penhora na execução fiscal?

4.Se for acolhida a tese de que o precatório alimentar está munido do poder liberatório do pagamento de tributos o que mudaria em termos de utilização dessa espécie de precatório para garantia do juízo da execução? E como proceder para obter a futura quitação do débito tributário ou o sobrestamento da execução?

5.Qual o recurso cabível da decisão do Tribunal local que negar o poder liberatório do pagamento de tributo, ou da decisão que repelir a nomeação de penhora de precatório alimentar?


PARECER

A matéria objeto de consulta envolve questões de natureza constitucional e legal, no plano material e no plano processual.

Dispõe o art. 78 e § 2º do ADCT:

"Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

...........................................................................

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidados até o final do exercício a que se refere, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora."

(Disposições introduzidas pela EC nº 30, de 13-9-2000)

Duas questões devem ser enfrentadas. A primeira delas diz respeito à aplicabilidade imediata, ou não, do § 2º, do art. 78 do ADCT. A segunda questão consiste em saber se o precatório alimentar pode ser compensado com débitos tributários da entidade pública devedora, ou seja, se esse precatório alimentar possui, ou não, poder liberatório do pagamento de tributo.

Ambas as questões são objetos de apreciação pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (RE nº 500.400-RS, Rel. Min. Eros Grau e RE nº 566.349-MG, Rel. Min. Carmen Lucia), onde se reconheceu a existência de repercussão geral dos temas debatidos.


Da aplicação imediata do § 2º, do art. 78 do ADCT

Quanto à aplicabilidade imediata do § 2º, do art. 78, do ADCT há jurisprudência firmada, tanto no STJ como no STF no sentido de auto- aplicabilidade do comando retro referido. Confiram-se o ROMS nº 26.500.60, Rel. Min. Teori Albino Zawascki, j. em 4-6-2009, DJ de 15-6-2009 e a Adin nº 2.851-RO, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 3-12-2004.

Tudo indica não haver dificuldades na consagração dessa tese da aplicação imediata do § 2º, do art. 78, do ADCT.


Do poder liberatório do precatório de natureza alimentícia

Com relação ao tema que diz respeito ao poder liberatório do precatório de natureza alimentícia difícil é antever a decisão que a Corte Suprema tomará no bojo do RE 566.349, em virtude do aspecto político que envolve o tema. É certo, porém, que, em decisão monocrática, o Min. Eros Grau havia reconhecido o direito à compensação do precatório alimentício expedido contra autarquia de um Estado-membro com os créditos tributários do mesmo Estado-membro (RE nº 550.400-RS, DJ de 18-9-2007). Entretanto, por força do Agravo Regimental e por proposta do próprio Min. Eros Grau, a 2ª Turma do STF deliberou submeter o julgamento da causa do Plenário da Corte Suprema, conforme decisão publicada no DJ de 10-10-2008.

Dessa forma, aquela decisão monocrática não serve de paradigma, mesmo porque se tratava de compensar tributos de um Estado-membro com precatório alimentar expedido contra entidade autárquica que goza de independência financeira. Seus recursos financeiros não se confundem com os da administração direta.

Contudo, nada obsta externarmos nosso entendimento acerca do tema consultado à luz de dispositivos constitucionais interpretados de forma sistemática.

Dispõe o art. 100 da CF:

"Art. 100. À exceção dos créditos de natureza alimentícia, os pagamentos devidos pela Fazenda Federal, Estadual ou Municipal, em virtude de sentença judiciária, far-se-ão exclusivamente na ordem cronológica de apresentação dos precatórios e à conta dos créditos respectivos, proibida a designação de casos ou de pessoas nas dotações orçamentárias e nos créditos adicionais abertos para este fim.

§ 1º É obrigatória a inclusão, no orçamento das entidades de direito público, de verba necessária ao pagamento de seus débitos oriundos de sentenças transitadas em julgado, constantes de precatórios judiciários, apresentados até 1º de julho, fazendo-se o pagamento até o final do exercício seguinte, quando terão seus valores atualizados monetariamente.

§ 2º As dotações orçamentárias e os créditos abertos serão consignados diretamente ao Poder Judiciário, cabendo ao Presidente do Tribunal que proferir a decisão exeqüenda determinar o pagamento segundo as possibilidades do depósito, e autorizar, a requerimento do credor, e exclusivamente para o caso de preterimento de seu direito de precedência, o seqüestro da quantia necessária à satisfação do débito".

Para clareza do confronto a ser feito transcreve-se novamente o art. 78 e § 2º do ADCT:

"Art. 78. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data de promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos.

...........................................................................

§ 2º As prestações anuais a que se refere o caput deste artigo terão, se não liquidados até o final do exercício a que se refere, poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora."

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(Disposições introduzidas pela EC nº 30, de 13-9-2000)

O § 2º, do art. 78, do ADCT não deve ser interpretado isoladamente sob o singelo argumento de tratar-se de norma excepcional estabelecendo um regime específico de pagamento, sob pena se conferir ao crédito alimentar privilegiado menos direito que ao crédito não privilegiado, objeto de parcelamento. As parcelas vêm sendo pagas porque são passíveis de seqüestro e de compensação com tributos da entidade política devedora, ao passo que, os créditos alimentares, por serem privilegiados foram excluídos do regime de parcelamento e podem, por essa razão, ter o seu pagamento suspenso por tempo indefinido, como vem acontecendo na realidade. Enquanto a fila de precatórios comuns está andando, a fila de precatórios alimentares acha-se paralisada desde 1998 em várias das entidades políticas. Trata-se, de um privilégio muito estranho que acarreta a punição do privilegiado. Será isso que a Constituição quer? A resposta é negativa. Impõe-se a busca de uma interpretação conforme a Constituição.

O privilégio de que gozam os créditos de natureza alimentícia deriva de sua insubmissão à ordem cronológica de apresentação de precatórios, na dicção expressa do texto constitucional "à exceção dos créditos de natureza alimentícia", significando pagamento imediato. Os créditos de outra natureza sujeitam-se à inserção na ordem cronológica (art. 100 da CF) com a inclusão das verbas requisitadas até o dia 1º de julho de cada ano no orçamento do exercício seguinte (§ 1º, do art. 100) a fim de serem pagos até o final do exercício mediante utilização de verba consignada diretamente ao Poder Judiciário (§ 2º, do art. 100).

Portanto, há um interregno de seis meses a dezoito meses entre a data da requisição (até 1º de julho) e o prazo final para o pagamento da quantia requisitada. Esse interregno é afastado, com solar clareza, pelo texto constitucional em se tratando de condenação judicial referente à verba de natureza alimentar.

É verdade que, na prática, evoluiu-se para a formação de fila autônoma de precatórios de natureza alimentícia dada a impossibilidade financeira de pagar a todos os credores da espécie em um único momento. Diga-se de passagem, que essa situação é fruto, em sua maior parte, do descumprimento de leis salariais pelo poder público, em um primeiro momento e, ao depois, da resistência oferecida pelo mesmo poder público no cumprimento da ordem judicial, após o trânsito em julgado da decisão condenatória.

O certo é que, quando o legislador constituinte derivado promulgou a EC nº 30, de 13-9-2000, ele partiu do pressuposto de que os créditos de natureza alimentar são privilegiados impondo-se seu pagamento imediato, independentemente da observância daquele interregno de seis a dezoito meses acima mencionado. Daí a razão de sua não inclusão no regime excepcional de pagamentos em até dez parcelas anuais.

E mais, na época não havia, ainda, uma posição definitiva da Corte Suprema quanto à insubmissão de créditos alimentícios à ordem cronológica específica, o que só veio a acontecer com o advento da Súmula nº 655 publicada em 13-10-2003:

"Súmula 655 - A exceção prevista no art. 100, "caput", da Constituição, em favor dos créditos de natureza alimentícia, não dispensa a expedição de precatório, limitando-se a isentá-los da observância da ordem cronológica dos precatórios decorrentes de condenações de outra natureza".

Repita-se, por ocasião da promulgação da EC nº 30/2000 o entendimento era no sentido de pagamento imediato do crédito alimentar com a dispensa de ordem cronológica, como está expresso no caput do art. 100 da CF. Dessa forma, a sua previsão expressa no § 2º, do art. 78, do ADCT implicaria consagração do entendimento de que os créditos de natureza alimentícia devem ser incluídos na ordem cronológica, antecipando-se à decisão da Corte Suprema que só veio pacificar definitivamente a matéria com o advento da Súmula 655 em 13-10-2003, editada pelo STF na condição de intérprete máximo da Constituição Federal.

Contudo, o fato de os créditos de natureza alimentícia terem ficado à salvo de parcelamentos (porque devem ser satisfeitos imediatamente) não pode significar que esses créditos, representados por precatórios privilegiados não têm prazo de pagamento e não há sanções nas hipóteses de seu inadimplemento, como pretendem os governantes que, como é público e notório, partiram para o congelamento da fila de precatórios alimentícios. Não pagam e quando pagam, o fazem de forma esporádica dando preferência absoluta ao pagamento de parcelas dos precatórios não alimentares, porque expressamente munidos de mecanismos garantidores de seu cumprimento. De fato, na hipótese de inadimplemento, esses precatórios não-alimentares ensejam o seqüestro e a deflagração do poder liberatório do pagamento de tributos da entidade devedora.

Não se pode interpretar o texto constitucional com uma visão positivista extremada apegando-se à expressão literal do § 2º, do art. 78 do ADCT ao ponto de negar a função da Justiça e contrariar o bom-senso, conferindo ao precatório não-alimentar mais direitos que ao precatório de natureza alimentícia, principalmente quando a jurisprudência está sublinhando exatamente a preferência absoluta dos precatórios alimentícios.

Incogitável a idéia de "punição" do credor de natureza alimentícia que o legislador constituinte quis privilegiar. Impõe-se o reconhecimento de que ao precatório de natureza alimentar não pago no prazo constitucional (no final de cada exercício) deve ser conferido o poder liberatório de que cuida o § 2º, do art. 78, do ADCT.

Visto sob outro ângulo e por meio de uma interpretação teleológica conclui-se que o crédito alimentício, representado por um precatório vencido e não pago há mais de dez anos como é comum no Estado de São Paulo, por exemplo, de há muito perdeu sua natureza alimentícia.

De fato, um vencimento ou provento que tenha sido ilegalmente suprimido, no todo ou em parte, durante anos perde a sua característica de crédito de natureza alimentícia por perda de sua finalidade: manter a subsistência do credor e seus dependentes no dia a dia. Os incômodos, as situações de desconforto suportados pelo credor são de natureza irreparável.

Ora, se não mais subsiste o pressuposto levado em conta pelo legislador constituinte derivado – pagamento imediato dos créditos alimentares – que o levou a não incluir expressamente esses créditos no comando previsto no § 2º, do art. 78, do ADCT parece óbvio que se devam considerar esses créditos munidos do poder liberatório do pagamento de tributos da entidade política devedora.

Pela mesma razão perde a característica de crédito alimentício se houver cessão desse crédito a terceira pessoa, principalmente, à pessoa jurídica que, evidentemente, não precisa de alimentos. Há jurisprudência nesse sentido:

"EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. POSSIBILIDADE DE HAVER CESSÃO DE CRÉDITO DE PRECATÓRIO ALIMENTAR. SUBSTITUIÇÃO PROCESSUAL. 1. Possibilidade de haver cessão de crédito de precatório alimentar. 1.1 Inexistindo norma proibitiva expressa, nada obsta que o titular de crédito de pensão previdenciária, amparado por precatório de natureza alimentar, o negocie por meio de cessão. Tal crédito não é intransferível, haja vista a transmissão aos herdeiros, logo, pode ser cedido, sob pena de reconhecer-se aos herdeiros direito maior do que ao próprio autor da herança, além da violação do direito de propriedade, uma vez que traz ínsito o direito de não ser proprietário, no caso, o direito de dispor (CF, art. 5º, XXII, CC/1916, art. 524; CC/2002, art. 1.228). A única conseqüência é a de que, com a cessão, o crédito perde a natureza alimentícia (CF, art. 100). 1.2 A cessão de crédito de precatório de natureza alimentícia não fere a coisa julgada (CF, art. 5º, XXXVI). O não pagamento sim, é que fere a coisa julgada, pois, na prática subtrai a efetividade da prestação jurisdicional no seu momento mais importante ao credor: receber o que lhe é de direito. Ainda, subtraindo a efetividade da prestação jurisdicional, o efeito prático é o da exclusão do Poder Judiciário, o que fere o princípio da ubiqüidade (CF, art. XXXV). 2 Substituição processual. A possibilidade de o titular de crédito amparado em título executivo cedê-lo está prevista no art. 567, II, do CPC, caso em que o cessionário substitui no processo o cedente. Despicienda, outrossim, a anuência da parte contrária (CPC, art. 42, § 1º), pois não há mais litígio. 3 Agravo desprovido" (Agravo de instrumento nº 70025419151, 1ª Câm. Cív. Tribunal de Justiça do RS, Relator Des. Irineu Mariani, DJ de 20-10-2008). No mesmo sentido os Agravos de Instrumentos ns. 70025243833, 70027617182 do mesmo Relator.


Da preferência absoluta dos créditos de natureza alimentar

Certo, entretanto, que o que há de incontroverso nos tribunais do País, até o presente momento, é apenas a preferência absoluta dos créditos de natureza alimentícia. Quanto ao poder liberatório dessa espécie de precatório pende de decisão da Corte Suprema.

Transcrevamos, a titulo ilustrativo, a ementa do acórdão proferido pelo STJ no Recurso em Mandado de Segurança nº 24.510-SP, em 21-5-2009, em que se fez referência a inúmeros precedentes do STF:

"EMENTA

CONSTITUCIONAL. PRECATÓRIO. CRÉDITO ALIMENTAR.

PRIORIDADE EM RELAÇÃO AOS COMUNS. QUEBRA DA PRECEDÊNCIA. SEQUESTRO. CABIMENTO.

1. Os atos do presidente ou do colegiado de Tribunal de Justiça que disponham sobre processamento e pagamento de precatório não têm caráter jurisdicional, mas administrativo (Súmula 311/STJ; Súmula 733/STF). Segundo a jurisprudência do STF (v.g.: ADI 1.098, Min. Marco Aurélio, DJ de 25.10.96; RE 281.208, Min. Ellen Gracie, DJ de 26.04.02) e do STJ (v.g.: RMS 14.940/RJ, 1ª T., DJ de 25.11.2002 RMS 26.990/SP, 1ª T., DJe 28.08.2008; RMS 19.047/SP, 2ª T. DJ de 26.09.2005; RMS 17.824/RJ, 2ª T., DJ de 01.02.2006), esse entendimento é aplicável também às decisões que, no curso do processamento, deferem ou indeferem pedido de seqüestro de recursos públicos.

2. "A jurisprudência do Supremo, ao interpretar o disposto no caput do artigo 100 da Constituição da República, firmou-se no sentido de submeter, mesmo as prestações de caráter alimentar, ao regime constitucional dos precatórios, ainda que reconhecendo a possibilidade jurídica de se estabelecerem duas ordens distintas de precatórios, com preferência absoluta dos créditos de natureza alimentícia (ordem especial), sobre aqueles de caráter meramente comum (ordem geral)" (STA - Ag 90, Min. Ellen Gracie, DJ de 26.10.97). No mesmo sentido, reconhecendo a "preferência absoluta" dos créditos alimentares, cujo pagamento deve ser atendido prioritariamente: ADI-MC 571, Min. Néri da Silveira, DJ de 26.02.93 e na ADI 47, Min. Octávio Gallotti, DJ de 13.06.97. Nesse pressuposto, o pagamento de crédito comum antes do alimentar importa quebra de precedência, autorizando a ordem a expedição de ordem de seqüestro de recursos públicos.

3. Recurso provido". (ROMS nº 24.510, Rel. Min. Denise Arruda, Rel. para acórdão, Min. Teori Albino Zavascki).

Dessa preferência absoluta do precatório alimentar é possível extrair-se a conclusão de que ele pode e deve, na hipótese de seu descumprimento, deflagrar o efeito liberatório do pagamento de tributo da entidade devedora. De fato, é inadmissível que créditos de natureza alimentícia, qualificados como de preferência absoluta, estejam desprovidos do mecanismo garantidor da efetivação dos direitos que protegem os créditos de outra natureza.

Ora, se o precatório alimentar preterido, o que se constata pelo simples confronto das duas filas de precatórios distintos, enseja o seqüestro (instituto garantidor previsto no § 4º, do art. 78 do ADCT) na linha da atual jurisprudência de nossos tribunais, parece lógico que ele possibilita, também, a utilização de outro instituto garantidor, ou seja, o poder liberatório do pagamento de tributos da entidade política devedora e inadimplente expressamente previsto no § 2º, do mesmo art. 78, do ADCT.

E mais, se ao invés do pagamento imediato, pressuposto levado em conta pelo legislador constituinte derivado, os créditos alimentares estão sendo preteridos pelos não-alimentares forçoso é concluir que aqueles créditos alimentares oriundos de precatórios pendentes na data da promulgação da EC nº 30/2000, bem como aqueles que decorram de ações judiciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 estão amparados pelo poder liberatório do pagamento de tributos a que alude o § 2º, do art. 78, do ADCT.

Destoa-se do bom direito a interpretação literal que leva a atribuir ao precatório, que goza de preferência absoluta, menos direito do que ao precatório não privilegiado submetido ao regime de pagamento parcelado em até dez anos.

A toda proclamação de direitos, e no caso trata-se de direitos fundamentais do cidadão-contribuinte, devem corresponder mecanismos assecuratórios com vistas à efetivação dos direitos proclamados. De nada adianta a proclamação do direito de preferência dos credores a título alimentício se estes estiverem desprovidos de meios assecuratórios que estariam ao alcance apenas dos credores não-alimentícios.

Não discrepa desse raciocínio a lição de grandes mestres do Direito Constitucional:

"A afirmação dos direitos fundamentais do homem no Direito Constitucional positivo reveste-se de transcendental importância, mas, como notara Maurice Hauriou, não basta que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão ocasiões em que será discutido e violado. Ruy Barbosa já dizia que uma coisa são os direitos, outra as garantias, pois devemos separar, ‘no texto da lei fundamental, as disposições meramente declaratórias, que são as que imprimem existência legal aos direitos reconhecidos, e as disposições assecuratórias, que são as que, em defesa dos direitos, limitam o poder. Aquelas instituem os direitos, estas, as garantias: ocorrendo não raro juntar-se, na mesma disposição constitucional ou legal, a fixação da garantia, com a declaração do direito’. Não são nítidas, porém as linhas divisórias entre direitos e garantias, como observa Sampaio Dória, para quem ‘os direitos são garantias, e as garantias são direitos’, ainda que se procure distingui-los".

"A garantia dos direitos fundamentais enquanto direitos de defesa contra intervenção indevida do Estado e contra medidas legais restritivas dos direitos de liberdade não se afigura suficiente para assegurar o pleno exercício da liberdade. Observe-se que não apenas a existência de lei, mas também a sua falta pode revelar-se afrontosa aos direitos fundamentais. É o que se verifica, v.g., com as chamadas garantias de natureza institucional, com os direitos à prestação positiva de índole normativa, inclusive o chamado direito à organização a ao processo (Recht auf Organization und auf Verfahren) e, não raras vezes, com o direito de igualdade.

A concretização desses direitos exige, não raras vezes, a edição de atos legislativos, de modo que eventual inércia do legislador pode configurar afronta a um dever constitucional de legislar".

Indubitável, pois que há de ser buscado um mecanismo assecuratório do direito à prioridade absoluta dos créditos de natureza alimentícia proclamada pelos tribunais.

Por isso, interpretação que afasta a incidência da norma do § 2º, do art. 78 do ADCT em relação aos créditos de natureza alimentar nega a proclamada prioridade absoluta e choca-se com o princípio da supremacia da Constituição, pois ela em seu art. 100 caput, interpretada pelo STF, conferiu privilégio especial a esses créditos.

Se o grande número de credores alimentícios, decorrente de desrespeitos às leis salariais cometidos pelos governantes, tornou inviável financeiramente o pagamento das condenações judiciais a esse título de uma só vez, conduzindo à formação de ordem cronológica em separado, por óbvio, essa espécie de precatório alimentar há de ter precedência absoluta sobre os não-alimentares, conforme já proclamada pela jurisprudência. Afinal, ele representa verbas alimentares ilegalmente subtraídas ao longo de tempo de seus legítimos titulares causando situações de desconforto para si e seus familiares.

A inversão que vem ocorrendo na prática , fato público e notório, é inconstitucional, imoral e intolerável em face da ordem constitucional vigente, que não permite que esses credores continuem morrendo na fila de precatórios alimentares, depois de obterem vitória na Justiça ao cabo de mais de cinco anos de discussão judicial.

Impõe-se o reconhecimento do direito à compensação de que cuida o § 2º, do art. 78, do ADCT aos credores alimentícios que tiveram seus precatórios descumpridos no final do exercício respectivo, principalmente, àqueles vitimados com a preterição no seu direito de precedência verificável mediante o confronto das duas filas de precatórios: alimentares e não-alimentares.

Concluir de forma diversa é violar o princípio da coisa julgada (art. 5º, XXXVI da CF), pois subordinar a definição da época do pagamento à vontade unilateral do governante equivale, na prática, à subtração da efetividade da jurisdição em seu momento mais importante para o demandante vitorioso, qual seja, o momento de receber o que lhe é devido. E, por conseguinte, vulnera, também, o princípio da inafastabilidade da jurisdição (art. 5º, XXXV da CF), porque torna inócua a atuação do Poder Judiciário.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. Precatórios de natureza alimentícia.: Sua utilização para compensação de tributos e nomeação à penhora em executivos fiscais. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 14, n. 2267, 15 set. 2009. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16902. Acesso em: 24 nov. 2024.

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