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Nepotismo: servidor de carreira nomeado para cargo em comissão

Agenda 07/05/2010 às 00:00

Parecer pela legalidade da nomeação, por agente político, de sua esposa, servidora concursada, para cargo em comissão ou função de confiança.

CONSULTA

Configura a prática de nepotismo a nomeação, por prefeito municipal, de sua própria esposa, servidora efetiva do mesmo Município, a cujo cargo teve acesso após aprovação em concurso público, anteriormente à posse do marido, a cargo em comissão ou função de confiança?


Introdução

Há escassa literatura acerca do tema, a despeito de ser o nepotismo uma prática corriqueira e antiga na administração pública brasileira, que, pela intensidade com que vinha ocorrendo e ainda ocorre, acabou por despertar oportuno repúdio da sociedade. Mesmo nos tribunais, são em número reduzido as ações julgadas que tratam da espécie.

Não há, em razão disso, um conceito jurídico firmado para nepotismo. Num atrevido esforço visando a contribuir para uma reflexão a respeito, pode-se afirmar como sendo a apropriação do espaço público por quem exerce poder sobre ele, em seu próprio benefício patrimonial, pela nomeação de cônjuge, companheiro ou parente, para o exercício de cargo em comissão, declarado em lei de livre nomeação e exoneração, ou função gratificada.

Márcio Soares Berclaz, Promotor de Justiça do Estado do Paraná, assim examina o tema [01]:

"(...) a leitura principiológica e sistemática do nosso ordenamento jurídico autoriza concluir que o ato administrativo de investidura que traduz nepotismo guarda vício intrínseco insanável por implicar na presumida satisfação de interesses pessoais em detrimento da necessidade de respeito do interesse público forjado na exigência de que haja moralidade na composição do patrimônio humano que integra a estrutura administrativa.

(...)

Ademais, a proibição da contratação de parentes é medida pertinente capaz de trazer inúmeras outras vantagens ao Estado brasileiro, tais como reduzir focos de clientelismo, atenuar concessão de favores pessoais ilegais, restringir a excessiva politização e negociata no provimento de cargos públicos em comissão, incrementar a política de incentivo ao funcionalismo de carreira e, por último, reforçar o combate à corrupção endêmica que insistentemente assola e assombra a Administração Pública."

É da lavra do Ministro Celso de Mello [02], do Supremo Tribunal Federal, a seguinte lição, a respeito:

"Não custa enfatizar que a concepção republicana de poder mostra-se absolutamente incompatível com qualquer prática governamental tendente a restaurar a inaceitável teoria do Estado patrimonial.

(...)

Em suma: quem tem o poder e a força do Estado em suas mãos não tem o direito de exercer, em seu próprio benefício, a autoridade que lhe é conferida. O nepotismo, além de refletir um gesto ilegítimo de dominação patrimonial do Estado, desrespeita os postulados republicanos da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa".

A Súmula Vinculante nº 13 resultou de um amplo movimento relativamente recente que veio tomando corpo em todo o país a partir de iniciativas locais tendentes a coibir a nefasta prática administrativa, pela via da legislação municipal ou estadual ou de resoluções expedidas no âmbito de determinados órgãos públicos, passando por projetos de lei federal e propostas de emenda à Constituição ainda não apreciados pelo Congresso Nacional.

Assim, a Súmula Vinculante 13 é o único instrumento, por assim dizer, normativo (a rigor, a designação não é adequada) de abrangência nacional a tratar do tema.

Eis o seu teor:

"A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta em qualquer dos poderes da união, dos estados, do distrito federal e dos municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a constituição federal."

Referida súmula não é lei, nem tem força como tal, haja vista que não está elencada entre as hipóteses de norma primária do art. 59 da Constituição Federal; trata-se de interpretação dada pelo Supremo acerca de princípios constitucionais que regem a administração pública brasileira, os quais, ao ver da Suprema Corte, contemplariam a vedação ao nepotismo. Entenderam os Ministros que a prática ofende em particular o princípio da moralidade, um dos que norteiam a administração pública brasileira, segundo impõe o art. 37 da Constituição Federal.

Com isso, tanto a administração pública, nos processos administrativos, quanto juízes e tribunais, nos judiciais, por força da vinculação que caracteriza a edição dessa espécie de súmula (força atribuída pelo art. 103-A da CF), estão obrigados a considerá-la nos seus atos e julgamentos.

A dificuldade reside, justamente, na interpretação da súmula, sobretudo por sua redação ter sido concebida de modo açodado e sem apreço à boa técnica legislativa. Na verdade, o Supremo, no afã de dar uma pronta resposta ao clamor social e diante da omissão do Poder Legislativo, elaborou um texto sintético, como é próprio das súmulas, com a pretensão de açambarcar genericamente todas as hipóteses possíveis de nepotismo. Evidente que não conseguiu, e acabou por gerar mais dúvidas do que certezas.

Não será demais, tampouco impertinente, salientar que a Súmula foi editada a despeito de ausentes os pressupostos constitucionais estabelecidos no art. 103-A, quais sejam, a preexistência de "reiteradas decisões sobre matéria constitucional", a ocorrência de "controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica" e a verificação de "relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica". Desse modo, ignorando os requisitos constitucionalmente impostos para editar súmula vinculante, o Supremo, ao fazê-lo, como já se tem tornado hábito, pretendeu legislar sobre a matéria, ditando-lhe a disciplina aplicável, em clara usurpação das competências do Poder Legislativo e, em certa medida, do próprio Executivo.

Em razão da edição da Súmula, Luiz Flávio Gomes [03] teceu a seguinte crítica ao que chamou de ativismo judiciário:

"De qualquer modo, é certo que o novo ativismo judicial (do STF) está impregnado de vários riscos. O primeiro reside no enfraquecimento da democracia. Os parlamentares são os legítimos e diretos representantes do povo. Seu produto legislativo, portanto, quando compatível com a Constituição, é muito mais democrático que uma norma do judiciário. Atuando o STF como "legislador ativo", há sempre também o risco de "aristocratização do Direito" (ou seja: o Direito pode derivar de uma casta elitizada, não da vontade dos representantes do povo). Conforme a composição do STF, pode-se ademais descambar para uma "hipermoralização do Direito" (que significa priorizar as regras morais sobre o direito positivado)."

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Exame do caso

No caso trazido a exame, acerca da possibilidade ou não de um prefeito nomear sua própria esposa, servidora efetiva, admitida mediante concurso público anteriormente à posse do marido como chefe do Poder Executivo local, para cargo em comissão ou de confiança, a singela leitura da súmula não responde à questão suscitada.

A uma, porque a hipótese de nomeação de servidor de carreira não está expressamente excepcionada pela súmula. A duas, porque a súmula – segundo esclarecimentos do Supremo em julgamentos posteriores à sua edição – excepcionaria apenas a nomeação para cargo próprio de "agente político", como secretário municipal ou estadual, mas é certo que também essa exceção não foi contemplada pelo texto.

Assim, para obter a resposta, impõe-se reconstituir a evolução do tema ao longo do tempo.

A inserção mais remota de vedação ao nepotismo de que se tem notícia data da introdução respectiva no Regimento Interno do próprio Supremo Tribunal Federal, que no §7º de seu art. 355 já vinha tratando como excepcional a situação do servidor efetivo:

"Art. 355 (...)

§7º - Salvo se funcionário efetivo do Tribunal, não poderá ser nomeado para cargo em comissão, ou designado para função gratificada, cônjuge ou parente, em linha reta ou colateral, até terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade".

Na esteira dessa normatização, o Regime Jurídico dos Servidores do Poder Judiciário da União (Lei nº 9.427/96), em seu art. 10, passou a vedar a nomeação de cônjuge, companheiro ou de parentes até o terceiro grau, pelos membros de tribunais e juízes, a eles vinculados, ressalvando os servidores ocupantes de cargos de provimento efetivo das carreiras judiciárias.

A Lei Estadual nº 3.899, de 19 de julho de 2002, que dispôs sobre o quadro permanente de serviços auxiliares do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, estatuiu, em seu art. 25, que "é vedada a nomeação ou designação para exercer Cargo em Comissão de cônjuge, companheiro ou parente até o 3º (terceiro) grau, inclusive, de membros do Ministério Público, salvo se servidor do Quadro Permanente dos Serviços Auxiliares, caso em que a vedação é restrita à nomeação ou designação para servir junto ao membro determinante da incompatibilidade".

No Estado de Mato Grosso do Sul, o provimento para os cargos em comissão declarados em lei de livre nomeação e exoneração foi disciplinado na Constituição Estadual, contendo idêntica ressalva quanto aos servidores efetivos:

"Art. 27 (...)

No âmbito de cada Poder do Estado bem como do Ministério Público Estadual, o cônjuge, o companheiro e o parente consangüíneo ou afim, até o terceiro grau civil, de membros ou titulares de Poder e de dirigentes superiores de órgãos ou entidades da administração direta, indireta ou fundacional, não poderão, a qualquer título, ocupar cargo em comissão ou função gratificada, esteja ou não o cargo ou a função relacionada a superior hierárquico que mantenha referida vinculação de parentesco ou afinidade, salvo se integrante do respectivo quadro de pessoal em virtude de concurso público de provas ou de provas e títulos."

Por fim, a Resolução nº 7, de 2005, do Conselho Nacional de Justiça (a exemplo de medida semelhante adotada por seu congênere Conselho Nacional do Ministério Público), com a alteração que lhe foi promovida em 2006, trouxe exceção em relação ao servidor efetivo, redigida nos seguintes termos:

"Art. 2º (...)

§1º Ficam excepcionadas, nas hipóteses dos incisos I, II e III deste artigo, as nomeações ou designações de servidores ocupantes de cargo de provimento efetivo das carreiras judiciárias, admitidos por concurso público, observada a compatibilidade do grau de escolaridade do cargo de origem, ou a compatibilidade da atividade que lhe seja afeta e a complexidade inerente ao cargo em comissão a ser exercido, além da qualificação profissional do servidor, vedada, em qualquer caso, a nomeação ou designação para servir subordinado ao magistrado ou servidor determinante da incompatibilidade. (Parágrafo alterado pela Resolução nº 21/2006, de 29/08/2006 - DOU 04/09/2006)

É de se ver que a Resolução nº 7 do CNJ, que desencadeou a edição da Súmula Vinculante nº 13 do STF, excepcionou das restrições as hipóteses em que os servidores designados para os cargos em comissão ou função gratificada sejam ocupantes de cargo de provimento efetivo admitidos por concurso público, desde que exista compatibilidade de grau de escolaridade e compatibilidade entre a atividade a ser exercida e seu cargo de origem.

Numa de suas primeiras manifestações sobre o tema (ADI 1521-4 – RS), o Supremo Tribunal Federal, examinando a constitucionalidade de regra introduzida na Constituição do Estado do Rio Grande do Sul, já se houvera deparado com o dilema de o servidor efetivo vir a ser nomeado para cargo em comissão. O Ministro Carlos Velloso, acompanhando seu colega Ministro Ilmar Galvão, embora vencidos ambos, assim se posicionara, com impressionante lucidez:

"Penso que seria legítima a disposição que estabelecesse proibição desse tipo, mas que fizesse a ressalva, tal como fez, por exemplo, a Lei Federal 9.421, de 24.12.96, artio 10, e tal qual como fez, também, o nosso Regimento Interno, §7º do art. 355:

§7º Salvo se funcionário efetivo do Tribunal, não poderá ser nomeado para cargo em comissão , ou designado para função gratificada, cônjuge ou parente (art. 330 a 336 do Código Civil) , em linha reta ou colateral, até o terceiro grau, inclusive, de qualquer dos Ministros em atividade’"

Mais adiante, o mesmo eminente Ministro complementou:

"Mas não se pode perder de vista que ao servidor de carreira assiste o direito de ser nomeado para cargo em comissão e função de confiança (C.F., art. 37, VI), de modo que não pode ele ser discriminado com a generalidade como o foi, pela Emenda Constitucional nº 12, de 1995, do Rio Grande do Sul. Ora, servidores de carreira, muitos deles certamente concursados, que ocupam cargos efetivos, serão inapelavelmente afastados, não podem pugnar por uma pretensão legítima, qual a de exercer cargo em comissão ou função de confiança, para os quais a Constituição lhes confere o direito de preferência (CF, art. 37, V)"

E concluiu seu voto, em que considerou "excessiva" a norma constitucional gaúcha que impedia a nomeação sem ressalvar o caso de ser o nomeado servidor efetivo, de carreira, com as seguintes considerações:

"Antes de concluir, Sr. Presidente, é preciso ser dito que todos nós estamos empenhados em moralizar a administração pública brasileira, mesmo porque o princípio da moralidade administrativa é princípio constitucional (C.F. art. 37) e o povo tem fome de ética. Mas isto tem de ser feito de conformidade com o direito, com observância da ordem jurídica, mediante medidas e normas razoáveis, constitucionais, que respeitem os direitos das pessoas. Fora daí, será o caso e as pessoas ficarão sujeitas aos bons e maus humores de administradores, legisladores e juízes.

Em suma, S.Exª, com inteira razão, já apontava o risco de discriminação – e, em consequência, de violação do princípio da igualdade – em relação ao servidor efetivo, justamente aquele que, admitido com observância da regra constitucional que exige prévio concurso público, foi apontado expressamente pelo constituinte pátrio como ocupante preferencial dos cargos em comissão ou funções de confiança (art. 37, inc. V).

Tudo quanto visto até aqui já permite concluir pela possibilidade de nomeação, como objeto da consulta, eis tratar-se, no caso em exame, de servidora pública previamente admitida por concurso público para o cargo de professora, recomendando-se que sua nomeação só se faça desde que para cargo compatível com aquele e com os atributos pessoais da nomeada.

Mas há mais. Como opina Émerson Garcia [04], membro do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, consultor jurídico da Procuradoria Geral de Justiça, pós-graduado em Ciências Políticas e Internacionais e mestrando em Ciências Jurídico-Políticas pela Universidade de Lisboa, "identificada a aparente ocorrência do nepotismo, prática de todo reprovável aos olhos da população, devem ser apuradas as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público. A partir da aferição desses elementos, será possível identificar a inadequação do ato aos princípios da legalidade e da moralidade, bem como a presença do desvio de finalidade, o que será indício veemente da consubstanciação de ato de improbidade".

Há, por fim, a possibilidade a ser examinada de a servidora vir a ser nomeada para cargo de Secretária Municipal (ou equivalente, considerando o pequeno porte do município), circunstância acerca da qual cabe ressaltar que se trataria de cargo de natureza política, hábil a caracterizar seu ocupante como agente político. O jurista Celso Antônio Bandeira de Mello leciona que "agentes políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado" [05].

Desfiando idêntica linha de raciocínio, o saudoso Hely Lopes Meirelles assim já definia "agentes políticos" [06]:

"Os agentes políticos constituem, na realidade, categoria própria de agente público. Porém, sem dúvida, no Título e Seções referidas, a Carta Magna, para fins de tratamento jurídico, coloca-os como se fossem servidores públicos, sem embargo de os ter como agentes políticos. São eles os componentes do governo nos seus primeiros escalões, investidos em cargos, funções, mandatos ou comissões por nomeação, eleição, designação ou delegação, para o exercício de atribuições constitucionais. Nesta categoria encontram-se, na órbita municipal, o chefe do Executivo (prefeito) e seus auxiliares imediatos (secretários municipais), os membros do Poder Legislativo (vereadores), os membros do Tribunais de Contas (nos municípios onde houver) e demais autoridades que atuem com independência funcional no desempenho de atribuições constitucionais" (grifei).

Vem bem a calhar a recente decisão do próprio Supremo Tribunal Federal [07], posterior à edição da SV13, que a esta deu interpretação adequada, excepcionando do rigor a nomeação para cargo próprio de agente político:

"AGRAVO REGIMENTAL EM MEDIDA CAUTELAR EM RECLAMAÇÃO. NOMEAÇÃO DE IRMÃO DE GOVERNADOR DE ESTADO. CARGO DE SECRETÁRIO DE ESTADO. NEPOTISMO. SÚMULA VINCULANTE Nº 13. INAPLICABILIDADE AO CASO. CARGO DE NATUREZA POLÍTICA. AGENTE POLÍTICO. ENTENDIMENTO FIRMADO NO JULGAMENTO DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 579.951/RN. OCORRÊNCIA DA FUMAÇA DO BOM DIREITO.

1. Impossibilidade de submissão do reclamante, Secretário Estadual de Transporte, agente político, às hipóteses expressamente elencadas na Súmula Vinculante nº 13, por se tratar de cargo de natureza política. 2. Existência de precedente do Plenário do Tribunal: RE 579.951/RN, rel. Min. Ricardo Lewandowski, DJE 12.9.2008. 3. Ocorrência da fumaça do bom direito. 4. Ausência de sentido em relação às alegações externadas pelo agravante quanto à conduta do prolator da decisão ora agravada. 5. Existência de equívoco lamentável, ante a impossibilidade lógica de uma decisão devidamente assinada por Ministro desta Casa ter sido enviada, por fac-símile, ao advogado do reclamante, em data anterior à sua própria assinatura. 6. Agravo regimental improvido."

Referida decisão, por sinal, já serviu de parâmetro para manifestação do Tribunal de Justiça de São Paulo no seguinte sentido [08]:

"IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. Município de Ilhabela. Nepotismo. Esposa e irmã de Prefeito nomeadas Secretarias Municipais. Cargos políticos. Inaplicabilidade da Súmula Vinculante n° 13, conforme interpretação que lhe vem sendo dada pelo próprio Supremo Tribunal Federal. Decisão agravada que recebeu a petição inicial de ação de improbidade, em relação às duas nomeações e de outros servidores parentes do co-réu Prefeito. Pedido que, no tocante às duas nomeações, deve ser rejeitado desde logo. Decisão agravada que deve ser parcialmente reformada para tal finalidade, improcedente a alegação de nulidade feita pelo agravante. Agravo provido em parte.

(...)

Por mais que o Ministério Público insista em defender entendimento contrário, a violação não ocorreu. Não se trata, evidentemente, de descumprir a Súmula, mas de aplicá-la de acordo com a interpretação que o próprio Supremo Tribunal lhe vem conferindo. Tal entendimento é no sentido de que ela não abrange os agentes políticos, nos quais se inclui o cargo de Secretário Municipal. A esse respeito, vale atentar para o que ficou consignado no julgamento do RE 579.951/RN, um dos precedentes da Súmula, e no Agravo Regimental na Medida Cautelar na Reclamação 6.650-9. Neste a Relatora, Ministra ELLEN GRACIE, referiu-se àquele RE e assinalou que "...Naquela ocasião, assentou-se que a nomeação de parentes para cargos políticos não configuraria afronta aos princípios constitucionais que regem a Administração Pública, tendo em vista sua natureza eminentemente política". Conclui, por isso, que "...As nomeações para cargos políticos não se subsumem às hipóteses elencadas nessa Súmula [n° 13]". Tal entendimento foi acolhido, à unanimidade, pelo Plenário da Corte, e a cópia do acórdão foi trazida a estes autos (fls. 345/376)."

Não há como encerrar o presente parecer, porém, sem antes advertir que, mesmo à luz da Súmula Vinculante nº 13 e da ulterior interpretação que lhe deu o próprio Supremo, ainda não se pode afirmar que seja pacífico o entendimento acerca da licitude da nomeação de parente para cargo próprio de agente político. Há notícia de pelo menos uma recente decisão do Tribunal de Justiça paulista em que, analisando o caso de esposa (de prenome Mirian) e de irmã (Maria) de prefeito nomeadas para cargos de secretárias municipais, não se acolheu o tratamento excepcional [09]:

"(...) A alegação de que as co-rés Mirian B* B* e Maria de J* B* F* são Secretárias Municipais em nada altera as suas situações, pois a elas, igualmente, é aplicada a vedação das suas nomeações, em virtude da ocorrência da vedação relativa ao nepotismo e, igualmente, em relação aos apelantes Cássia S* F* e Carlos A* M* Q*, pois são eles parentes de "secretários" do Município, conforme elas próprias admitem (fls. 692).

Aliás, essa vinha sendo a tônica do Tribunal paulista, como se vê do julgamento, em fevereiro de 2008, de caso análogo [10]:

"Ação civil pública - Nepotismo - Tutela antecipada concedida para determinar a exoneração de cônjuges do Prefeito Municipal e do Procurador Geral do Município, nomeadas para exercer cargo em comissão - Violação ao artigo 37 da CF - Decisão mantida - Recurso desprovido.

(...) Embora a Lei municipal n° 3 568/07 não proíba expressamente a nomeação de cônjuges para cargos em comissão, o sentido da lei é claro em se coibir o chamado "nepotismo". Como se vê de fls. 88, a lei proíbe nomeação de parentes em linha reta, colateral, inclusive por afinidade, até o terceiro grau. Ora. se até os parentes cm afinidade são proibidos de ser nomeados, com maior razão a proibição de contratação de cônjuges, que encerra maior grau de intimidade.

(...) a exclusão dos cônjuges da proibição burla a vontade da lei e fere o disposto no artigo 37 da Constituição Federal, em especial o princípio da impessoalidade e da moralidade."


Conclusão

Por todo o exposto, ressalvando-se melhor juízo e os entendimentos em contrário já apontados, conclui-se que:

a)a nomeação, para cargo em comissão ou função de confiança, da esposa do prefeito, professora concursada, ocupante de cargo efetivo, em plena atividade, coaduna-se perfeitamente com os princípios constitucionais da legalidade, moralidade, impessoalidade e eficiência, insculpidos no art. 37 da Constituição Federal;

b)é de todo recomendável que a nomeação se dê para cargo compatível com aquele que ela hoje exerce, bem como com seus atributos pessoais de ordem profissional, depois de regularmente apuradas "as causas da nomeação, as aptidões do nomeado, a razoabilidade da remuneração recebida e a consecução do interesse público" [11];

c)a possibilidade de nomeação alcança cargos de primeiro escalão, próprios de agentes políticos, em relação aos quais, a despeito de recente posicionamento do TJSP em contrário, retro apontado, há expressa manifestação do STF excepcionando-os das restrições sumuladas.

Entende-se ser essa a melhor solução sobretudo como modo de, evitando-se demagógica "hipermoralização de Direito" (que, no caso, de modo enviesado, poderia violar o princípio da isonomia, acarretando odiosa discriminação), prestigiar-se a regra do acesso por concurso público e, ao mesmo tempo, a preferência expressamente manifestada pelo constituinte pátrio para preenchimento de cargos em comissão e funções de confiança no art. 37, inc. V, da Carga Magna brasileira:

"Art. 37 (...)

V - as funções de confiança, exercidas exclusivamente por servidores ocupantes de cargo efetivo, e os cargos em comissão, a serem preenchidos por servidores de carreira nos casos, condições e percentuais mínimos previstos em lei, destinam-se apenas às atribuições de direção, chefia e assessoramento."

De Americana para

Luís Antônio Albiero

OAB/SP 92.435


Notas

  1. BERCLAZ, Márcio Soares. O Ministério Público e o combate ao nepotismo . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 948, 6 fev. 2006. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/7916> . Acesso em: 15 abr. 2009.
  2. ADI 1521-RS
  3. GOMES, Luiz Flávio. Nepotismo: o STF pode legislar? Jus Navigandi, Teresina, ano 12, n. 1902, 15 set. 2008. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/11718>. Acesso em: 15 abr. 2009.
  4. GARCIA, Emerson. O nepotismo . Jus Navigandi, Teresina, ano 7, n. 72, 13 set. 2003. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/4281>. Acesso em: 15 abr. 2009.
  5. MAGALHÃES, Bruno Barata. Agente político municipal e a Súmula Vinculante nº 13. Análise do verbete nº 13 do Supremo Tribunal Federal em face da Reclamação nº 7.317. Jus Navigandi, Teresina, ano 13, n. 2018, 9 jan. 2009. Disponível em: <http://jus.com.br/artigos/12181>. Acesso em: 15 abr. 2009
  6. MEIRELLES, Hely Lopes, Direito Municipal Brasileiro, 13ª edição, 1990, Malheiros Editores, pág. 564.
  7. STF – Rcl-MC-AgR 6650 PR - Relatora Min. ELLEN GRACIE, Tribunal Pleno, 16.10.2008, DJe-222 20-11-2008 ; pub. 21-11-2008
  8. AI 868.308-5/4-00-Ilha Bela, 10ª Câmara de Direito Público, maioria, Relator Desembargador Antônio Carlos Villen
  9. Apelação Cível 8499455100 - Valparaíso – 11ª Câmara de Direito Público, Relator Pires de Araújo; julgamento: 02/03/2009; registro: 06/04/2009
  10. AI 695 519-5/1 - Pirassununga - 13ª Câmara de Direito Público Relator(a): Borelli Thomaz; julgamento: 20/02/2008; registro: 06/03/2008
  11. GARCIA, Emérson, cit.
Sobre o autor
Luís Antônio Albiero

Advogado em Capivari e Americana (SP), assessor jurídico parlamentar

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ALBIERO, Luís Antônio. Nepotismo: servidor de carreira nomeado para cargo em comissão. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 15, n. 2501, 7 mai. 2010. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/16919. Acesso em: 23 dez. 2024.

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