4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como exposto, haja vista que, nos termos do art. 16, § 2º, da Lei nº 8.213/91, em sua redação originária, foi reconhecida ao menor sob guarda a qualidade de dependente do segurado do Regime Geral de Previdência Social, equiparando-o ao filho, e o fez com estrita observância aos preceitos estatuídos pela Constituição Federal no seu art. 227, que, a seu talante, colheu subsídios na legislação ordinária anterior, vigente, entre nós, há mais de meio século, bem como na "Convenção Internacional dos Direitos da Criança" ratificada pelo Brasil e 1989, temos que jamais poderia a lei ordinária posterior ter retrocedido para colocar o menor sob guarda fora da proteção previdenciária, ainda que a pretexto de contribuir para "reverter o quadro de deterioração da situação financeira da Previdência Social, preservando o Tesouro Nacional de pressões decorrentes desse desequilíbrio", conforme restou consignado na Exposição de Motivos da Medida Provisória nº 1.523/96.
Tal justificativa da Previdência Social não encontra respaldo na ordem constitucional vigente. Ao contrário, vilipendia nossa Carta Política, na parte em que assegura, em seu art. 227, até mesmo de forma redundante, "absoluta prioridade" à criança e ao adolescente, no atinente ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, e consagrar especialmente a garantia de direitos previdenciários.
Ora, sendo certo que mesmo na vigência do texto constitucional anterior, produzido durante uma ditadura, como entendem alguns, que não possuía preceito semelhante aos contidos no art. 227 da atual Constituição, o menor sob guarda sempre foi equiparado por lei ao filho do segurado, para fins de gozo de benefícios previdenciários, agora, evidentemente, no ambiente da "Constituição Cidadã", que se dizem potencializados os princípios democráticos e a República, não poderia o legislador modificar a legislação previdenciária, nesse ponto, malferindo o princípio da proteção integral à criança e ao adolescente, assegurado antes na "Convenção Internacional dos Direitos da Criança" aprovada entre nós e agora na Lei Maior, sob o pretexto de preservar a indenidade do "Tesouro Nacional".
Não se pode olvidar, data máxima venia, segundo alega geralmente a defesa do INSS, que a alteração legislativa teve como objetivo combater o número elevado de benefícios concedidos pelo INSS em decorrência de guardas judiciais que não teriam adequada correlação com a realidade, tendo apenas o escopo de instituir pensão previdenciária para quem não faz jus ao benefício, num espetáculo desonesto de desvio de recursos públicos.
Todavia, a despeito de eventuais fraudes que possam ter sido praticadas para a obtenção de guardas não legítimas, deve ser seguida a linha de entendimento adotada, por exemplo, pelo Ministro ARNALDO ESTEVES LIMA, em voto, infelizmente vencido, proferido durante o julgamento dos Embargos de Divergência em Recurso Especial nº 844.598-PI, no sentido de que não se pode perder de vista que
"(...) existem muitas [guardas] que são legítimas, a pessoa obtém a guarda de um menor legitimamente, pois quer proteger, tem condições, acha que é justo e merecido. Mas, aquele menor que está legitimamente numa situação desta, será colocado numa vala comum porque existem fraudes? As fraudes devem ser combatidas pela fiscalização, pela polícia, pelo aparelho preventivo e repressivo que a legislação coloca à disposição da nossa sociedade."
Nessa mesma linha doutrinária, também pode ser lembrado o magnífico voto, também infelizmente vencido, da lavra do eminente Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO (EREsp 844.598/PI, Relator: Ministro HAMILTON CARVALHIDO, 3ª Seção, maioria, DJe de 17/02/2009), de que destacamos o seguinte entendimento:
"5. As crianças e os adolescentes têm de ser protegidos pelo Poder Público e pelas famílias em qualquer circunstância (...). A criança estava sob a guarda do segurado. Não importa que a lei diga que ele não poderia designar. Ele nem precisa designar; ele não era o guardião? A lei deveria dizer que ele não poderia ser o guardião. Ora, ele pode ser o guardião, ter os ônus da guarda, e a criança, sob guarda, não tem as vantagens previdenciárias de uma situação de dependência qualificada pela guarda, e, ainda que não fosse, poderia justificar depois da morte? Essa decisão em contrário, com todo o respeito, com a devida vênia, além de afrontar a Constituição Federal, que estabelece que se dê às crianças o máximo de proteção, é uma recomendação muito antiga. Vem da época de Cícero, pueri debetur maxima reverencia. As crianças merecem o máximo de cuidado, e, no caso, estamos deixando a criança ao desamparo. Já ficou sem a proteção do guardião, sem o amparo moral do guardião, e fica, agora, também, sem a pensão que o guardião pode, legitimamente, deixar."
E sempre que o tema da dependência previdenciária do menor sob guarda vem a julgamento na 3ª Seção, o eminente Ministro NAPOLEÃO MAIA reitera sua convicção no sentido da inconstitucionalidade da discriminação, como pode ser visto a partir dos precedentes específicos.
Nessa linha de pensamento, certamente, a exclusão da proteção ao menor sob guarda, com base na alegação da prática de eventuais abusos ou fraudes, com certeza, constitui fundamento absolutamente insuficiente para afastar a eiva de inconstitucionalidade ora arguida.
Além do mais que pode ser dito, pensamos que as teses agitadas pelo INSS terminariam por também legitimar eventual iniciativa legislativa destinada a excluir a companheira ou o companheiro, sejam homoafetivos ou não, do rol de beneficiários da pessoa do segurado do Regime Geral de Previdência Social, até porque iguais hipóteses de fraudes podem ser cometidas também com o propósito de contemplar situações jurídicas inexistentes, para fins de proteção de uniões estáveis inocorrentes no mundo fático.
Todavia, a prática reconhecida de fraudes pode constituir, isto sim, fundamento para a implementação de políticas públicas destinadas a coibi-las e jamais elemento suficiente para esvaziar de eficácia o texto constitucional, mediante inovação legislativa de legitimidade duvidosa, como é o caso da norma de que se cuida, que teve sua origem em medida provisória reeditada por treze (treze) sucessivas vezes, antes de sua conversão em lei.
Efetivamente, trata-se de discriminação feita pela lei de modo não razoável e em frontal desacato ao princípio da isonomia, principalmente se levadas em linha de consideração outras situações idênticas, no que tange ao fundamento para a concessão do benefício – menor sob guarda – , como é o caso, por exemplo, dos menores sob guarda de servidores públicos estatutários, aos quais a Lei nº 8.112/90 destina especial proteção, art. 217, nestes termos:
"Art. 217. São beneficiários das pensões:
(...).
II - temporária:
a) os filhos, ou enteados, até 21 (vinte e um) anos de idade, ou, se inválidos, enquanto durar a invalidez;
b) o menor sob guarda ou tutela até 21 (vinte e um) anos de idade (...)."
E tal dispositivo legal jamais foi suprimido por suspeita de fraude em sua aplicação.
A propósito, decidiu o Plenário do Excelso Pretório, em mandado de segurança impetrado contra ato de sua Egrégia Presidência, que o neto sob guarda da avó que faleceu nesse estado faz jus à pensão por morte, por ser legalmente equiparado ao filho, conforme melhor sintetizado pela ementa do v. acórdão, nestes termos:
"MANDADO DE SEGURANÇA. ATO DO PRESIDENTE DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, QUE EXTINGUIU PAGAMENTO DE PENSÃO A NETA DE EX-SERVIDORA. 1. O menor que, na data do óbito do servidor, esteja sob a guarda deste último, tem direito à pensão temporária até completar 21 (vinte e um) anos de idade (alínea "b" do inciso II do art. 217 da Lei nº 8.112/90). Irrelevante o fato de a guarda ser provisória ou definitiva. 2. Segurança concedida." (MS 25.823, Rel.: Min. CÁRMEN LÚCIA, Relator p/ o Acórdão: Ministro CARLOS BRITTO, Tribunal Pleno).
A mesma orientação tem prevalecido no Superior Tribunal de Justiça, em casos absolutamente similares, ou seja, em caso de neta cuja avó falece na titularidade da guarda judicial, com a única diferença de se cuidar de servidor público. E não se pode olvidar que a fraude também é possível neste caso. Mas segue transcrita a ementa do v. acórdão, ipsis verbis:
"PREVIDENCIÁRIO. MENOR SOB A GUARDA E RESPONSABILIDADE JUDICIAL. DEPENDÊNCIA ECONÔMICA. PENSÃO POR MORTE.
Tem direito à pensão por morte da guardiã, ex-funcionária pública, a menor que vivia sob sua guarda e responsabilidade, situação esta deferida judicialmente. Interpretação sistêmica da legislação de amparo ao menor (Lei 8.069/90, art. 33, § 3º) e da Lei 8.112/91 (art. 217, II, "b").
Recurso conhecido, mas desprovido." (REsp 237414-RS, Relator: Ministro GILSON DIPP, Quinta Turma, julgado em 6.4.2001, publicado no Dju de 4.6.2001, p. 210).
O relatório do v. acórdão foi assim redigido pelo Ministro GILSON DIPP:
"Cuida-se de recurso especial com espeque na alínea "a" do permissivo constitucional, interposto contra acórdão assim fundamentado, no que interessa:
"A dependência econômica da autora em relação a sua falecida avó, encontra respaldo jurídico a teor do art. 12, inciso I, parágrafo único, alínea "b", decreto n° 83.080/79, verbis :
'Art. 12. São dependentes do segurado:
I - a esposa, o marido inválido, a companheira mantida há mais de 5 (cinco) anos, os filhos de qualquer condição menores de 18 (dezoito) anos ou inválidos e as filhas solteiras de qualquer condição menores de 21 (vinte e um) anos ou inválidas;
Parágrafo único. Equiparam-se aos filhos, nas condições do item I, mediante declaração escrita do segurado:
b) o menor que, por determinação judicial, se acha sob a guarda do segurado.'
‘Ora, não há como negar-se que a menor não dependesse economicamente da segurada falecida, ante a prova coligida aos autos — termo de guarda e responsabilidade (fls. 14-15), bem como sua inscrição como dependente na Universidade Federal de Santa Maria." - (fl. 81).
Alega a Autarquia contrariedade ao art. 355 do Dec 83.080/79, aplicável aos funcionários federais, vez que a Autora que vivia sob a guarda e responsabilidade judicial da avó falecida em 22.12.83, ex-funcionária da Universidade Federal de Santa Maria/RS, não está contemplada como dependente econômico."
Nesse ponto, interessa destacar que, na alteração introduzida no art. 16, § 2º, da Lei 8.213/90, resulta clara igualmente outra espécie de ofensa, a ofensa ao princípio da isonomia, porque pessoas em situações idênticas, no concernente ao fundamento para concessão do benefício, caso de guarda, quando dependente de servidor público, merecem a proteção previdenciária, enquanto aos dependentes de segurados do regime geral de previdência social é negado o mesmo direito.
E outro exemplo de discriminação, bem mais evidente, ainda merece ser destacado. Enquanto o INSS insiste em manter a exclusão do menor sob guarda judicial, provada a dependência econômica, do rol dos dependentes do segurado, este mesmo direito vem sendo reconhecido aos companheiros e companheiras homoafetivos, na linha de jurisprudência desta Corte, conforme, por exemplo, o seguinte precedente:
"RECURSO ESPECIAL. DIREITO PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. POSSIBILIDADE DE CONCESSÃO DO BENEFÍCIO. MINISTÉRIO PÚBLICO. PARTE LEGÍTIMA.
..........................................................................................................................
3 - A pensão por morte é: 'o benefício previdenciário devido ao conjunto dos dependentes do segurado falecido - a chamada família previdenciária - no exercício de sua atividade ou não (neste caso, desde que mantida a qualidade de segurado), ou, ainda, quando ele já se encontrava em percepção de aposentadoria. O benefício é uma prestação previdenciária continuada, de caráter substitutivo, destinado a suprir, ou pelo menos, a minimizar a falta daqueles que proviam as necessidades econômicas dos dependentes'. (Rocha, Daniel Machado da, Comentários à lei de benefícios da previdência social/Daniel Machado da Rocha, José Paulo Baltazar Júnior. 4. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora: Esmafe, 2004. p.251).
..........................................................................................................................
5 - Diante do § 3º do art. 16 da Lei n. 8.213/91, verifica-se que o que o legislador pretendeu foi, em verdade, ali gizar o conceito de entidade familiar, a partir do modelo da união estável, com vista ao direito previdenciário, sem exclusão, porém, da relação homoafetiva.
6 - Por ser a pensão por morte um benefício previdenciário, que visa suprir as necessidades básicas dos dependentes do segurado, no sentido de lhes assegurar a subsistência, há que interpretar os respectivos preceitos partindo da própria Carta Política de 1988 que, assim estabeleceu, em comando específico:
'Art. 201. Os planos de previdência social, mediante contribuição, atenderão, nos termos da lei, a:
[...]
V - pensão por morte de segurado, homem ou mulher, ao cônjuge ou companheiro e dependentes, obedecido o disposto no § 2º'.
7 - Não houve, pois, de parte do constituinte, exclusão dos relacionamentos homoafetivos, com vista à produção de efeitos no campo do direito previdenciário, configurando-se mera lacuna, que deverá ser preenchida a partir de outras fontes do direito.
8 - Outrossim, o próprio INSS, tratando da matéria, regulou, através da Instrução Normativa n. 25 de 07/06/2000, os procedimentos com vista à concessão de benefício ao companheiro ou companheira homossexual, para atender a determinação judicial expedida pela juíza Simone Barbasin Fortes, da Terceira Vara Previdenciária de Porto Alegre, ao deferir medida liminar na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, com eficácia erga omnes. Mais do que razoável, pois, estender-se tal orientação, para alcançar situações idênticas, merecedoras do mesmo tratamento.
9 - Recurso Especial não provido." (REsp 395904-RS, Relator: Ministro HÉLIO QUAGLIA BARBOSA, 6ª Turma, publicado no DJ de 06/02/2006, p. 365). [Os destaques não são do original].
No mesmo sentido, há decisão do Supremo Tribunal Federal, da lavra do eminente Min. MARCO AURÉLIO, indeferitória de pedido de suspensão de liminar em ação civil pública deferida pela Justiça Federal para assegurar, em caso de homoafetivos, a qualidade de dependente para fins de pensão previdenciária pela morte do companheiro, nos termos seguintes:
"AÇÃO CIVIL PÚBLICA - TUTELA IMEDIATA - INSS - CONDIÇÃO DE DEPENDENTE - COMPANHEIRO OU COMPANHEIRA HOMOSSEXUAL - EFICÁCIA ERGA OMNES - EXCEPCIONALIDADE NÃO VERIFICADA – SUSPENSÃO INDEFERIDA.
1. O Instituto Nacional do Seguro Social - INSS, na peça de folha 2 a 14, requer a suspensão dos efeitos da liminar deferida na Ação Civil Pública nº 2000.71.00.009347-0, ajuizada pelo Ministério Público Federal. O requerente alega que, por meio do ato judicial, a que se atribuiu efeito nacional, restou-lhe imposto o reconhecimento, para fins previdenciários, de pessoas do mesmo sexo como companheiros preferenciais.
..........................................................................................................................
Constitui objetivo fundamental da República Federativa do Brasil promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (inciso IV do artigo 3o da Carta Federal).
Vale dizer, impossível é interpretar o arcabouço normativo de maneira a chegar-se a enfoque que contrarie esse princípio basilar, agasalhando-se preconceito constitucionalmente vedado. O tema foi bem explorado na sentença (folha 351 à 423), ressaltando o Juízo a inviabilidade de adotar-se interpretação isolada em relação ao artigo 226, § 3º, também do Diploma Maior, no que revela o reconhecimento da união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar. Considerou-se, mais, a impossibilidade de, à luz do artigo 5º da Lei Máxima, distinguir-se ante a opção sexual.
Levou-se em conta o fato de o sistema da Previdência Social ser contributivo, prevendo a Constituição o direito à pensão por morte do segurado, homem ou mulher, não só ao cônjuge, como também ao companheiro, sem distinção quanto ao sexo, e dependentes - inciso V do artigo 201. Ora, diante desse quadro, não surge excepcionalidade maior a direcionar à queima de etapas. A sentença, na delicada análise efetuada, dispôs sobre a obrigação de o Instituto, dado o regime geral de previdência social, ter o companheiro ou companheira homossexual como dependente preferencial. Tudo recomenda que se aguarde a tramitação do processo, atendendo-se às fases recursais próprias, com o exame aprofundado da matéria. Sob o ângulo da tutela, em si, da eficácia imediata da sentença, sopesaram-se valores, priorizando-se a própria subsistência do beneficiário do direito reconhecido. É certo que restou salientada a eficácia da sentença em todo o território nacional. Todavia este é um tema que deve ser apreciado mediante os recursos próprios, até mesmo em face da circunstância de a Justiça Federal atuar a partir do envolvimento, na hipótese, da União. Assim, não parece extravagante a óptica da inaplicabilidade da restrição criada inicialmente pela Medida Provisória nº 1.570/97 e, posteriormente, pela Lei nº 9.497/97 à eficácia erga omnes, mormente tendo em conta a possibilidade de enquadrar-se a espécie no Código de Defesa do Consumidor.
3. Indefiro a suspensão pretendida." (Pet 1984-RS, Relator: Ministro MARCO AURÉLIO, publicada no DJ de 20/02/2003, p. 00024).
Certo é que, atualmente, a proteção dada pelos órgãos da previdência social à união homoafetiva vem expressa na Portaria MPS nº 513, de 09.12.2010, DOU de 10.12.2010, baixada pelo Ministro de Estado da Previdência Social, com base no Parecer nº 038/2009/DENOR/CGU/AGU, de 26 de abril de 2009, aprovado pelo Despacho do Consultor-Geral da União nº 843/2010, de 12 de maio de 2010, e pelo Despacho do Advogado-Geral da União, de 1º de junho de 2010, nos autos do Processo nº 00407.006409/2009-11, pela qual o eminente Ministro resolveu:
"Art. 1º Estabelecer que, no âmbito do Regime Geral de Previdência Social - RGPS, os dispositivos da Lei nº 8.213, de 24 de julho de 1991, que tratam de dependentes para fins previdenciários devem ser interpretados de forma a abranger a união estável entre pessoas do mesmo sexo." (São nossos os destaques).
Curiosamente, no caso das crianças e adolescentes, ainda que sob guarda judicial, a maioria deles desamparados, por isso que acolhidos em lares substitutos, a recusa da proteção previdenciária tem sido defendida com tão inédito rigor pelos órgãos previdenciários incumbidos de sua proteção.
O que se observa no dia a dia é uma incansável luta no sentido de recusar-lhes os benefícios a cargo da previdência social assegurados a todos os demais menores, quer na condição tutelados do segurado ou na condição de filho adotivo, assim como a companheiros e companheiras, até homoafetivos, maiores e capazes, olvidando, assim, a norma inscrita no art. 227 da Lei Maior que assegura "absoluta prioridade", em primeiro lugar, à proteção integral das crianças e adolescentes, nestes termos:
"Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. (...).
§ 3º O direito a proteção especial abrangerá os seguintes aspectos: (...)
II - garantia de direitos previdenciários e trabalhistas; (...)."
E que nos seja lícito reiterar que o menor sob guarda é destinatário de especial proteção previdenciária pela Constituição, que não discrimina quanto à filiação à previdência social geral ou à previdência social do servidor público, por isso que cabe ao legislador ordinário providenciar para que as leis sejam feitas em harmonia com a Constituição Federal. Isso foi observado pela legislação previdenciária do servidor público e agora também em recentes decisões judiciais em relação à união homoafetiva, mas desrespeitado pela legislação da previdência do menor sob guarda daquele que não é servidor público.