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PEC 33/11: parecer da OAB/MS

Agenda 26/06/2013 às 14:25

A OAB/MS formulou parecer sobre a proposta de emenda constitucional que submete decisões do STF sobre inconstitucionalidade ao Legislativo. E conclui: "Faria sentido que a minoria devesse ver a correção da situação depender de nova manifestação da mesma maioria que violou aqueles direitos?".

Sr. Presidente da OAB/MS, Dr. Júlio Cesar Souza Rodrigues:

Em atenção à solicitação de Vossa Excelência, e visando auxiliar o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, segue análise técnica da Proposta de Emenda à Constituição nº 33/2011, de autoria do Deputado Federal Nazareno Fonteles PT/PI, cuja ementa é a seguinte: “Altera a quantidade mínima de votos de membros de tribunais para declaração de inconstitucionalidade de leis; condiciona o efeito vinculante de súmulas aprovadas pelo Supremo Tribunal à aprovação pelo Poder Legislativo e submete ao Congresso Nacional a decisão sobre a inconstitucionalidade de Emendas à Constituição”.


1- A PEC 33/2011

O texto normativo da Proposta vem nos seguintes termos:

PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO Nº 33/2011

As Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, nos termos do art. 60 da Constituição Federal, promulgam a seguinte emenda ao texto constitucional:

Artigo 1º. O art. 97 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação

"Art. 97 Somente pelo voto de quatro quintos de seus membros ou dos membros do respectivo órgão especial poderão os tribunais declarar a inconstitucionalidade de lei ou do ato normativo do poder público. ...(NR)”.

Artigo 2º. O art. 103-A da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar com a seguinte redação

"Art. 103-A O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de quatro quintos de seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, propor súmula que, após aprovação pelo Congresso Nacional, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal.

§ 1o A súmula deverá guardar estrita identidade com as decisões precedentes, não podendo exceder às situações que deram ensejo à sua criação.

§2o A súmula terá por objetivo a validade, a interpretação e a eficácia de normas determinadas, acerca das quais haja controvérsia atual entre órgãos judiciários ou entre esses e a administração pública que acarrete grave insegurança jurídica e relevante multiplicação de processos sobre questão idêntica.

§ 3o Sem prejuízo do que vier a ser estabelecido em lei, a aprovação, revisão ou cancelamento de súmula poderá ser provocada por aqueles que podem propor a ação direta de inconstitucionalidade.

§4o O Congresso Nacional terá prazo de noventa dias, para deliberar, em sessão conjunta, por maioria absoluta, sobre o efeito vinculante da súmula, contados a partir do recebimento do processo, formado pelo enunciado e pelas decisões precedentes.

§5o A não deliberação do Congresso Nacional sobre o efeito vinculante da súmula no prazo estabelecido no §4o implicará sua aprovação tácita.

§6o Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar súmula com efeito vinculante aprovada pelo Congresso Nacional caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso. ......(NR)”

Artigo 3º. O art. 102 da Constituição Federal de 1988 passará a vigorar acrescido dos seguintes parágrafos:

"Art. 102. ...

...

§ 2o-A As decisões definitivas de mérito proferidas pelo Supremo Tribunal Federal nas ações diretas de inconstitucionalidade que declarem a inconstitucionalidade material de emendas à Constituição Federal não produzem imediato efeito vinculante e eficácia contra todos, e serão encaminhadas à apreciação do Congresso Nacional que, manifestando-se contrariamente à decisão judicial, deverá submeter a controvérsia à consulta popular.

§ 2o-B A manifestação do Congresso Nacional sobre a decisão judicial a que se refere o §2o-A deverá ocorrer em sessão conjunta, por três quintos de seus membros, no prazo de noventa dias, ao fim do qual, se não concluída a votação, prevalecerá a decisão do Supremo Tribunal Federal, com efeito vinculante e eficácia contra todos.

§2o-C É vedada, em qualquer hipótese, a suspensão da eficácia de Emenda à Constituição por medida cautelar pelo Supremo Tribunal Federal.

....(NR)”

Conforme se observa – e no que se tem por mais importante para a presente análise –, a medida modifica a Constituição da República da seguinte forma:

  1. No controle de constitucionalidade em geral, aumenta o quórum exigido para que os tribunais possam declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo. De maioria absoluta, passa-se a exigir 4/5 dos membros (podendo ser atribuída a competência para o respectivo Órgão Especial), o que no STF significa passar de 6 (seis) para 9 (nove) Ministros;
  2. Quanto às súmulas vinculantes, retira do STF a competência para sua aprovação (passará apenas a propor), atribuindo tal tarefa ao Congresso Nacional;
  3. Ainda quanto às sumulas vinculantes, no STF, eleva o quórum (de 2/3, passa-se para 4/5) necessário para sua proposição (não mais aprovação). Exigindo-se, para aprovação no Congresso Nacional, o quórum de maioria absoluta;
  4. Quanto ao controle concentrado de constitucionalidade (via ação direta) exercido pelo STF, passa a submeter a eficácia das decisões declaratórias de inconstitucionalidade material de emendas à Constituição ao crivo do Congresso Nacional que, discordando, formulará “consulta popular”;
  5. Ainda quanto ao controle concentrado, veda ao STF a suspensão cautelar da eficácia de emenda à Constituição.

Basicamente, o Deputado proponente apresentou como justificativa ser necessário deter o ativismo judicial, a exemplo (segundo o nobre Deputado) dos casos de infidelidade partidária, a extensão da vedação do nepotismo aos Poderes Executivo e Legislativo, a verticalização das coligações partidárias, a redução das vagas de vereadores, a súmula das algemas, a questão das ações afirmativas baseadas nas cotas raciais, a questão das células tronco “e tantos outros”, sendo “tarefa simples enumerar os casos de explícito ativismo judicial”, mas “difícil é mencionar exemplos de autocontenção de nossa Corte Suprema”. De modo que “restabelecer o equilíbrio entre os Poderes é, pois, o objetivo principal da presente proposição”.

Ocorre, Sr. Presidente, que a proposta viola gravemente a Constituição Federal. É inconstitucional sua mera tramitação, dado ser ela tendente a abolir cláusulas pétreas (art. 60, §4º, III e IV da CF), conforme será demonstrado, de maneira respeitosa e técnica.


2- A ANÁLISE

Ao contrário do que consta na justificativa da Proposta de Emenda à Constituição, no lugar de restabelecer o equilíbrio entre os Poderes – que, em verdade, normativamente estão em plena harmonia no atual ordenamento jurídico superior –, a alteração acaba por desequilibrar a relação entre eles. Além disso, viola direitos e garantias fundamentais.

As Constituições, é certo, têm inúmeras funções. Não obstante, duas se destacam (e foram justamente elas que fizeram surgir a ideologia política do constitucionalismo): 1- estruturar o Estado e organizar a relação entre as funções, e 2- prever os direitos e garantias fundamentais. 

Nesse rumo de ideias, a norma superior (a Constituição), editada em momento de grande comoção social e altivez política, reserva para si direitos e estruturas de poder que não podem ser deliberados e, por consequência, extintos, por nenhum dos Poderes, especialmente o Legislativo.

Essa é a democracia das Constituições, a democracia constitucional: determinados temas/matérias ou direitos ficam excluídos da apreciação da maioria.

É que muitos desses direitos visam à defesa e à proteção das minorias ou, não sendo esse o caso, poderiam ainda (os direitos) ter seu exercício afastado em relação a elas por decisão da maioria (a história bem nos ensinou que, DEMOCRATICAMENTE, podem ser instalados Estados totalitários: a tão dolorosa DITADURA DA MAIORIA.

Daí ser doutrina remansosa no Direito Constitucional e na Teoria da Constituição que o controle jurisdicional de constitucionalidade de leis e atos normativos tem como ator principal o Poder Judiciário ou as Cortes Constitucionais. Isso porque não faria sentido que no principal mecanismo de defesa da Constituição tivesse atuação preponderante o Poder Legislativo, que representa a maioria política.

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A LÓGICA CONSTITUCIONAL é a seguinte: faria sentido que a minoria, tendo seus direitos constitucionais violados por decisões majoritárias (Parlamento), devesse ver a correção da situação depender de nova manifestação da mesma maioria que violou aqueles direitos? Evidente que não.

Cristalino, então, que a PEC 33/2011, ao aumentar o quórum da reserva de plenário (art. 97, CF) e do processo de edição de súmulas vinculantes, e ao atribuir a aprovação destas ao Congresso, além de contrariar a Teoria da Constituição e do controle de constitucionalidade, VIOLA GRAVEMENTE nosso direito constitucional positivo, pois o modelo adotado pela Constituição Federal de 1988 é inequívoco: o controle jurisdicional de constitucionalidade é de competência exclusiva do Judiciário (no que importa aqui, do Supremo Tribunal Federal), não se coadunando com o ordenamento jurídico brasileiro submeter essa sua atividade a óbices desproporcionais ou ao aval de qualquer outro Poder, notadamente o Legislativo.

A proposta analisada, ao caminhar nessa ilegítima trilha, tende a abolir a separação de poderes na estrutura determinada pela Constituição, incidindo em PATENTE vício normativo que agride cláusula pétrea.

E mais, ao submeter a eficácia das decisões declaratórias de inconstitucionalidade, em ação direta contra emenda à Constituição, ao crivo do Congresso, e ao vedar a suspensão cautelar da eficácia de tais emendas, vilipendia também (com tendência a abolir) o fundamental direito de acesso ao Judiciário (garantia fundamental da inafastabilidade da jurisdição), integralmente aplicável ao controle concentrado de constitucionalidade.

Portanto, bem analisado e interpretado prudentemente o ordenamento jurídico, vê-se que a PEC 33/2011 viola cláusulas pétreas, consubstanciadas na separação de poderes e em diversos direitos e garantidas fundamentais, tais como a democracia constitucional e a inafastabilidade da jurisdição, dificultando severamente a SAGRADA DEFESA DA CONSTITUIÇÃO.


3- CONCLUSÃO

Daí, Sr. Presidente – e resumidamente, dada a ocasião –, ser inconstitucional a mera tramitação legislativa da PEC 33/2011, sendo essa a posição que, opina-se, deve adotar o Conselho Seccional da OAB/MS, pelos fundamentos jurídicos e técnicos apresentados, encaminhando-se cópia ao Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

É o parecer.

Campo Grande, 30.04.2013.

Lucas Costa da Rosa

Presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MS

Sobre o autor
Lucas Costa da Rosa

Advogado constitucionalista em Campo Grande/MS. Mestre em Direito Constitucional pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo - PUC/SP. Atualmente é membro da Comissão Nacional de Estudos Constitucionais do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil. Foi presidente da Comissão de Estudos Constitucionais da OAB/MS. Foi assistente dos professores Sílvio Luís Ferreira da Rocha e Vidal Serrano Nunes Júnior no curso de Graduação da Faculdade de Direito da PUC/SP, respectivamente, nas áreas de Direito Administrativo e Constitucional. Graduado pela Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal - UNIDERP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Lucas Costa. PEC 33/11: parecer da OAB/MS. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 18, n. 3647, 26 jun. 2013. Disponível em: https://jus.com.br/pareceres/24789. Acesso em: 5 nov. 2024.

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