CONSULTA
Excelentíssimo Senhor Prefeito do Município de Bauru, Rodrigo Antônio de Agostinho Mendonça, solicita consulta e elaboração de parecer jurídico acerca da legalidade na nomeação como secretário municipal, do marido de sua vice-prefeita, notadamente em razão do que dispõe a Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal que preconiza:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".
Informa o consulente de antemão que, entre os anos de 2009 e 2012 o marido da vice-prefeita exerceu o cargo em questão, sem que fosse questionada a legalidade da nomeação por qualquer pessoa ou mesmo pelo representante do Ministério Público local, sendo certo que à época havia sido eleito também vereador, licenciando-se para assumir o cargo no Poder Executivo.
O fato é que no ano de 2012, o marido da vice-prefeita desincompatibilizou-se do cargo de secretário municipal para disputar sua campanha de reeleição ao cargo de vereador e, não obtendo êxito, pretende retornar ao cargo de secretário municipal, havendo diversas interpretações em sentidos opostos, tendo sido criada celeuma política e jurídica sobre a questão. O que era legítimo não o seria mais, havendo inclusive informação do Ministério Público local pela impossibilidade desta nomeação em razão de se considerar ato de nepotismo, com pena de ação de improbidade administrativa em face do Senhor Prefeito.
Assim, faz o senhor Prefeito as seguintes indagações:
a) Pode haver a nomeação do marido da vice-prefeita para exercer o cargo de secretário municipal de Bauru?
b) Em havendo esta nomeação, pode ser considerada nepotismo, nos termos do que prevê a súmula vinculante n. 13 do STF?
c) Quais as consequências jurídicas em face do ato de nomeação ao Senhor Prefeito, caso seja considerada nepotismo?
Passo ao respectivo parecer jurídico.
PARECER JURÍDICO
Excelentíssimo Senhor Prefeito Municipal,
1. Submeto à elevada consideração de Vossa Excelência parecer jurídico decorrente de consulta para analisar os aspectos jurídicos sobre a legalidade da nomeação do marido da vice-prefeita no cargo de secretário municipal, tendo em vista a possiblidade de se considerar ato de nepotismo, com as decorrentes consequências jurídicas do ato.
2. Antes de adentrar-me ao cerne da questão trazida para análise, é importante mencionar logo de início, que questões análogas a este caso já foram objeto de julgamento pelo plenário do Supremo Tribunal Federal[1], culminando com a edição da Súmula Vinculante n. 13, fruto também do anseio popular pela moralidade nos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário.
3. Também há que se levar em conta que o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJSP) já teve a oportunidade de se manifestar sobre leis municipais que dispõem sobre nepotismo em julgamentos de Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADIN), levando-se em conta sempre a aplicação do princípio da moralidade ao caso concreto, nos moldes do artigo 37 da Constituição Federal[2], julgando constitucionais as leis municipais de iniciativa do Poder Legislativo.
4. Certo é que o Supremo Tribunal Federal já deixou assentado que a vedação ao nepotismo não exige a edição de lei formal para coibir tal prática[3] - uma vez que o artigo 37, caput, da Constituição Federal é norma autoaplicável[4].
5. No município de Bauru não houve a promulgação de lei prevendo casos de nepotismo, razão pela qual o chefe do Poder Executivo deve se nortear pelos princípios encartados no artigo 37, caput, da CF e da Súmula Vinculante n. 13 do Supremo Tribunal Federal.
6. Há que se frisar que o tema em questão é extremamente sensível e, conforme se demonstrará, de insegurança jurídica nas interpretações feitas caso a caso – que ficam ao alvedrio do Poder Judiciário –, devendo o senhor Prefeito atuar com cautela na questão, até mesmo em razão de toda celeuma já criada, a fim de evitar a propositura de ação de improbidade administrativa por parte do Ministério Público local, que poderá ter consequências também na seara eleitoral, com declaração de inelegibilidade, nos moldes da Lei Complementar 64/90, alterada pela Lei Complementar 135/2010[5].
7. A título de esclarecimento e para que não paire qualquer dúvida, ainda que a Constituição Federal silencie a respeito da vedação na nomeação de parentes a cargos de comissão e confiança (artigo 37, II e V), as condutas das autoridades públicas devem pautar-se sempre, pelos princípios da moralidade e impessoalidade, que estão previstos no caput do artigo 37 da CF, que são autoaplicáveis e que nortearam a edição da súmula vinculante n. 13 do STF.
8. Assim, não existe contradição ou conflito de normas constitucionais sobre o tema, já que os princípios constitucionais não configuram meras recomendações, mas sim regras impositivas que devem ser observadas na Administração Pública, o que na lição de Gomes Canotilho são hierarquicamente superiores às demais e “positivamente vinculantes”.[6]
9. Sobre o princípio da moralidade já disse o Ministro Gilmar Mendes que:
“Essa moralidade não é elemento do ato administrativo, como ressalta GORDILLO, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente”.
A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota GARCÍA DE ENTERRIA, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um ‘núcleo fixo’ (Begriffkern) ou ‘zona de incerteza’, que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso. A vedação ao nepotismo é regra constitucional que está na zona de certeza dos princípios da moralidade e da impessoalidade.”[7]
10. Também a Ministra Cármen Lúcia, no sentido de que o princípio da moralidade administrativa tem primazia sobre outros princípios, fixando a importância que deve nortear as condutas dos agentes políticos, a fim de que se resguarde o interesse público, que deve prevalecer sempre sobre o interesse privado.
“O princípio da moralidade administrativa tem uma primazia sobre os outros princípios constitucionalmente formulados, por constituir-se, em sua exigência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Toda atuação administrativa parte deste princípio e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante do seu conteúdo. Assim, o que se exige, no sistema de Estado Democrático de direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa.”[8]
11. O princípio da moralidade, inclusive, já foi utilizado como fundamento de decidir na ADI 2.661/MA, Relator Ministro Celso de Mello, demonstrando sua importância dentro da órbita administrativa, condicionando a legitimidade e a validade de atos estatais, conforme ementa transcrita abaixo:
O PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA – ENQUANTO VALOR CONSTITUCIONAL REVESTIDO DE CARÁTER ÉTICO-JURÍDICO – CONDICIONA A LEGITIMIDADE E A VALIDADE DOS ATOS ESTATAIS.
– A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência está necessariamente subordinada à observância de parâmetros éticos-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. (grifo nosso)
– O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais.
12. Além do princípio da moralidade, a questão do nepotismo traz à tona também a aplicação de outro princípio encartado no caput do artigo 37 da Constituição Federal, que é o da impessoalidade no trato da coisa pública, evitando que bens públicos sejam utilizados para fins particulares, com o fito de atingir interesses menos nobres.
13. Nas palavras de Gilmar Ferreira Mendes, temos que o princípio da impessoalidade é o que não permite à Administração “fazer diferenciações que não se justifiquem juridicamente, pois não é dado ao administrador o direito de utilizar-se de interesses e opiniões pessoais na construção de decisões oriundas do exercício de suas atribuições.” [9]
14. No caso em debate, a impessoalidade refere-se à ausência de nomeações em cargos públicos que não exigem processo seletivo ou concurso público, tendo como critério simplesmente a questão de parentesco a justificar a nomeação em cargo de comissão ou de confiança, diferentemente do que ocorre na inciativa privada, tendo em vista que os princípios constitucionais mencionados são aplicados à Administração Pública.
15. Corroborando a importância da prevalência dos princípios da moralidade e impessoalidade encartados no artigo 37, caput, da Constituição Federal no tema em questão, importante trazer ao conhecimento de Vossa Excelência que de 2008 a 2012 o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo extinguiu mais de 12 mil cargos criados ilegalmente em 78 municípios, nas quais o Ministério Público Estadual “apontou ilegalidades na edição de leis municipais que abriram caminho para apadrinhamentos e contratações de servidores pelo critério político, sem concurso público”.[10]
16. Ou seja, a contratação de parentes em cargos de comissão ou função de confiança – sem a necessidade de concurso público – é matéria recorrente no Poder Judiciário, que vem decidindo no sentido de que deve haver critérios claros que evitem o nepotismo ou o favorecimento de pessoas ligadas a agentes públicos, numa clara resposta à sociedade atual, que não mais tolera desmandos, clamando cada vez mais pela imposição da moralidade e impessoalidade no trato da res pública.
17. A fim de que se possa definir o que se entende por nepotismo, transcrevo o que foi dito pelo eminente Ministro Ricardo Lewandowski que, ao relatar o RE 579.951, assim se pronunciou:
“Como se sabe, do ponto de vista etimológico, a palavra ‘nepotismo’ tem origem no latim, derivando da conjugação do termo nepote, significando sobrinho ou protegido, com o sufixo ‘ismo’, que remete a idéia de ato, prática ou resultado. A utilização deste termo, historicamente, advém de autoridade exercida pelos sobrinhos e outros aparentados dos Papas na administração eclesiástica, nos séculos XV e XVI de nossa era, ganhando, atualmente, o significado pejorativo do favorecimento de parentes por parte de alguém que exerce o poder na esfera pública ou privada.” – grifo nosso.
18. Pois bem, alinhavadas as linhas gerais do tema nepotismo, que nos remete à aplicação máxima da norma constitucional que prevê os princípios da moralidade e da impessoalidade, temos que o Supremo Tribunal Federal já teve a oportunidade de se pronunciar em outros julgamentos, mais especificamente em dois casos de notória repercussão e que delinearam de vez a questão, inclusive com a edição de uma súmula vinculante (n. 13) que definiu regra a ser observada por todos os Poderes (LEGISLATIVO, JUDICIÁRIO E EXECUTIVO) e seus respectivos órgãos internos.
19. Em 18 de outubro de 2005, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) editou a Resolução n. 07, ato normativo que disciplinava o exercício de cargos, empregos e funções por parentes, cônjuges e companheiros de magistrados e de servidores investidos em cargos de direção e assessoramento no âmbito dos órgãos do Poder Judiciário e que foi objeto de Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal[11], tendo como autor a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) que não concordava com a regulação do tema no âmbito administrativo, entendendo haver ofensa ao princípio da separação dos poderes.
20. Naquela oportunidade, após todos os debates, ficou assentado que era desnecessária a edição de lei formal para cada ente das esferas federal, estadual e municipal regulando a vedação à prática do nepotismo, uma vez que esta nefasta conduta já era prevista e decorria diretamente do que previa o artigo 37, caput, da Constituição Federal ao mencionar os princípios que regem a Administração Pública, e que já foram explanados neste parecer.
21. Posteriormente, no ano de 2008, no julgamento do Recurso Extraordinário 579.951/RN, a questão foi novamente posta ao plenário do STF, questionando-se agora a contratação para cargo em comissão de Secretário Municipal de Saúde irmão de vereador e de um motorista, irmão do vice-prefeito do município de Água Nova.
22. Vislumbrando a necessidade de se pôr um norte à questão, como regra geral a ser observada em todo o País, foi aceita a repercussão geral[12] do RE 579.951, para que o plenário pudesse decidir a questão.
23. Neste recurso extraordinário, leading case, o aresto atacado, oriundo do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte, considerava inaplicável a resolução 7/2005 do Conselho Nacional de Justiça ao Executivo e ao Legislativo, assentando que a vedação à prática do nepotismo no âmbito desses poderes exigiria a edição de lei formal, bem como que a nomeação de parentes não violaria qualquer dispositivo constitucional.
24. Quando do julgamento, o STF entendeu que, além de não ser necessária a edição de lei formal para aplicação dos princípios da moralidade e impessoalidade – ratificando o que havia decidido anteriormente na ADC 12-MC/DF –, a resolução n. 07 do CNJ era restrita ao Poder Judiciário, mas a prática do nepotismo nos demais Poderes também era ilícita, decorrente da imperiosidade de serem observados os princípios da moralidade e impessoalidade, descritos no artigo 37, caput, da CF, princípios estes que são autoaplicáveis à administração pública como um todo.
25. No mencionado julgamento, os Ministros foram unânimes também em entender que o cargo de secretário municipal é de Poder, de agente político, estando fora, a princípio, das vedações do nepotismo, o que possibilitaria a nomeação de parente para estes cargos, mas sempre com ressalvas.
26. Resumidamente, a questão assim foi tratada nos debates entre os Ministros, culminando por entender que a vedação de contratação de parentes – a princípio e em tese – não tem aplicação a agentes políticos, entendido estes como Ministros, Secretários de Estado e Secretários Municipais.
Então, quando o artigo 37 refere-se a cargo em comissão e função de confiança está tratando de cargos e funções singelamente administrativos, não de cargos políticos. Portanto, os cargos políticos estariam fora do alcance da decisão que tomamos na ADC nº 12, porque o próprio Capítulo VII é da Administração Pública enquanto segmento do Poder Executivo. E sabemos que os cargos políticos, como, por exemplo, os de Secretário Municipal, são de agentes do Poder, fazem parte do Poder Executivo. O cargo não é em comissão, no sentido do artigo 37. Somente os cargos e funções singelamente administrativos – é como penso – são alcançados pela imperiosidade do artigo 37, com seus lapidares princípios. Então, essa distinção me parece importante para, no caso, excluir do âmbito da nossa decisão anterior os Secretários Municipais, que correspondem a Secretários de Estado, no âmbito dos Estados, e Ministros de Estado, no âmbito federal.
...
Diz a Constituição Federal sobre o Poder Executivo: o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República, auxiliado pelos Ministros de Estado (art. 76). Ou seja, os Ministros de Estado são ocupantes de cargos de existência necessária, política, porque componentes do governo. Aonde eu quero chegar? O Chefe do Poder Executivo é livre para escolher seus quadros de governo, mas não o é para escolher seus quadros administrativos, porque dentre os quadros administrativos estão os cargos em comissão, os cargos de provimento efetivo e as funções de confiança. A própria Constituição, sentando praça desse caráter constitucional, eminentemente político, dos Ministros de Estado – e isso vale no plano dos Estados-membros e no plano dos municípios –, além de dizer os requisitos deles – “os Ministros de Estado serão escolhidos dentre brasileiros maiores de vinte e um anos e no exercício dos direitos políticos” –, diz o que basicamente lhes compete. Então, o assento, o locus jurídico dos auxiliares de governo é diretamente constitucional. A Constituição Federal a atestar o caráter político do cargo e do agente.[13]
27. Decorrente do julgamento deste recurso extraordinário, o Supremo Tribunal Federal, atendendo a comando constitucional encartado no artigo 103-A da Constituição Federal[14], e tendo por base dar segurança jurídica no trato da questão, evitando a proliferação de processos e recursos sobre a matéria por todo o território brasileiro, teve por bem editar a SUMULA VINCULANTE N. 13, que trata do tema nepotismo, com a seguinte redação:
“A nomeação de cônjuge, companheiro ou parente em linha reta, colateral ou por afinidade, até o terceiro grau, inclusive, da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica, investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, para o exercício de cargo em comissão ou de confiança, ou, ainda, de função gratificada na administração pública direta e indireta, em qualquer dos poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, compreendido o ajuste mediante designações recíprocas, viola a Constituição Federal".
28. Mesmo com a edição da súmula vinculante, ainda se entendia – com base no julgamento do RE 579.951 – que as vedações ali constantes não seriam aplicáveis quando se tratasse de nomeação de parentes para o cargo de secretários de estado ou de municípios, em razão de ser considerado o nomeado agente político e membro de Poder.
29. Especificamente, uma decisão emanada do pleno do STF[15] – a qual aceitou a nomeação para secretário de transporte de irmão de governador –, corroborou o entendimento acima.
30. O tema, no entanto, ganhou novo destaque, agora no ano de 2011, quando o Ministro Joaquim Barbosa, numa decisão liminar em reclamação constitucional[16], que teve como autor o Ministério Público do Rio de Janeiro, afastou do cargo de Secretária da Educação, irmã do Prefeito do Município de Queimados, fazendo ruir por terra o entendimento que teria sido fixado pelo STF no julgamento do RE 579.951/RN.
31. No pedido da reclamação apresentada pelo Ministério Público, afirmava-se que a súmula vinculante não reconheceria exceções relacionadas à nomeação de parentes para cargos de natureza política, sendo que o município dizia que a nomeação não afrontava a lei uma vez que o STF teria reconhecido que cargos de natureza política não se submetiam ao comado vinculante.
32. O Ministro Joaquim Barbosa, ao deferir o pedido liminar e afastar do cargo a secretária da educação – irmã do prefeito – lembrou que os julgamentos do RE 579.951 e da RCL 6.650, além de não serem considerados representativos de jurisprudência da Corte, não poderiam ser considerados precedentes específicos de exceção, “pois a abordagem do nepotismo deveria ser realizada caso a caso” e que “a redação do verbete não prevê a exceção mencionada (possibilidade de nomeação de parente para cargos de natureza política) e esta, se vier a ser reconhecida, dependerá da avaliação colegiada da situação concreta descrita nos autos (do processo), ...”, finalizando que no caso concreto nem mesmo atribuições profissionais haviam para a nomeação ao cargo, bastando para tanto ser irmã do prefeito.
33. Mais uma vez verificamos a ingerência que o Poder Judiciário vem tendo em atos considerados pela doutrina administrativa de total discricionariedade do gestor público, tudo em nome da moralidade, levando ao seu crivo a possibilidade ou não de nomeações, tendo critérios subjetivos e verificados caso a caso, o que importa em enorme insegurança jurídica.
34. Ou seja, está claro assim que o Poder Judiciário poderá analisar a questão sempre que lhe posta para análise de legalidade e não a partir de uma premissa já fixada pela súmula vinculante n. 13, deixando a seu critério entender se há ou não nepotismo para os cargos de secretário municipal, o que sem dúvida gera enorme insegurança jurídica, pois o mesmo caso pode ser entendido de forma diferente em cada município ou estado da federação – o móvel (o porquê) da nomeação será analisado.
35. De acordo com o texto da súmula vinculante n. 13, violaria a Constituição Federal nomeação de cônjuge tão somente da autoridade nomeante ou de servidor da mesma pessoa jurídica investido em cargo de direção, chefia ou assessoramento, o que não é o caso aqui tratado, já que o possível nomeado é marido de vice-prefeita – não sendo parente da autoridade nomeante e de nem mesmo de servidor público municipal.
36. Em tese, o caso estaria resolvido, com a possibilidade da nomeação, através da simples leitura do texto da súmula, sem que houvesse infringência à norma que tem efeito vinculante para toda a administração direta e indireta, já que a nomeação não infringiria o que ali está disposto.
37. Todavia, a melhor técnica de interpretação das normas e das decisões jurisprudenciais e com o que já foi explanado acima, entendo, salvo melhor juízo, que a nomeação de marido da vice-prefeita seria temerária – ainda que dita nomeação se dê por ato administrativo do Sr. Prefeito, autoridade nomeante sem qualquer parentesco com o nomeado – e sem sombra de dúvida passível de questionamento junto ao Poder Judiciário, tendo em vista que as nomeações serão verificadas caso a caso, levando-se em conta fatores subjetivos que antes estavam submetidos totalmente à discricionariedade do administrador.
38. A nomeação, neste caso, se submetida ao crivo do Poder Judiciário levaria em conta a afronta aos princípios constitucionais da legalidade, moralidade e impessoalidade e não somente ao texto da súmula, levando-se em conta ainda aspectos políticos locais, capacidade do nomeado, possível acertos políticos entre partidos e até mesmo o simples fato de se empregar parente da vice-prefeita na administração, – atentando-se para a máxima de que nem tudo que é imoral é ilegal ou o que é legal nem sempre é moralmente aceito.
39.Nos debates travados entre os Ministros do STF assim foi dito:
Ao longo do meu voto disse exatamente isso: essa questão há de ser apreciada em cada caso concreto, conforme vossa excelência está fazendo. Quer dizer, o ministério público atuará em cada caso concreto e verificará se houve, ou não, ofensa aos princípios do artigo 37.[17]
...
Então, por isso é que eu preferi dizer, eminente Ministro, que cada caso concreto deverá ser avaliado à luz da proibição do nepotismo que emana do artigo 37, caput, ...[18]
...
...Não existe liberdade absoluta em espaço algum, senão o governante poderia escolher apenas os seus familiares para todos os cargos. E por ser cargo político, isso seria permitido? De modo algum.[19]
40. Isto porque, como dito, ainda que se entenda que a súmula vinculante não se aplique ao caso concreto, o ato pode ser submetido à análise em decorrência da infringência do próprio texto constitucional que prevê a aplicabilidade dos princípios da moralidade e impessoalidade à Administração Pública (artigo 37, caput).
41. Da forma como o Poder Judiciário se porta sobre o tema, impossível falar que a nomeação estaria livre de questionamentos jurídicos, por total ausência de segurança jurídica, mesmo que numa primeira leitura da súmula vinculante o ato de nomeação do marido da vice-prefeita pelo Prefeito – autoridade nomeante sem vínculo de parentesco – no cargo de secretário municipal, estaria hígida e longe de configurar atentado ao texto da Constituição Federal.
42. Há que se notar que o Supremo Tribunal Federal já entendeu ser imoral contratação em cargo em comissão de parente de vice-presidente de Tribunal Regional do Trabalho[20] – autoridade que também não era a nomeante.
MANDADO DE SEGURANÇA. NEPOTISMO. CARGO EM COMISSÃO. IMPOSSIBILIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE ADMINISTRATIVA.
Servidora pública da Secretaria da Educação nomeada para cargo em comissão no Tribunal Regional do Trabalho da 16ª Região à época em que o vice-presidente do Tribunal era parente seu. Impossibilidade.
A proibição do preenchimento de cargos em comissão por cônjuges e parentes de servidores públicos é medida que homenageia e concretiza o princípio da moralidade administrativa, o qual deve nortear toda a Administração Pública, em qualquer esfera do poder.
Mandado de segurança denegado (grifei)
43. Caso o Ministério Público seja provocado a investigar eventual ato de nepotismo em caso de contratação de secretário municipal marido da vice-prefeita, tanto de oficio como através de representação de terceiros, poderá haver a instauração de uma ação de improbidade administrativa – com pedido liminar de afastamento imediato do nomeado – para ao final declarar-se nula a nomeação, com a punição das sanções do artigo 12 da LIA (Lei de Improbidade Administrativa)[21], notadamente a suspensão dos direitos políticos, perda do cargo e proibição de contratar com o poder público por determinado prazo, além da pena de multa civil, sem se falar, a princípio, em lesão aos cofres públicos.
44. No caso em debate, haveria ação por ato de improbidade que atentou contra os princípios da administração pública, previsto no artigo 11 da Lei de Improbidade Administrativa, que dispõe sobre condutas dolosas (ações ou omissões).
Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:
I - praticar ato visando fim proibido em lei ou regulamento ou diverso daquele previsto, na regra de competência;...
45. Os atos que atentem contra os princípios da administração não comportam condenação por condutas meramente culposas, devendo haver uma conduta dolosa por parte do nomeante, sabendo que a nomeação de marido da vice-prefeita atenta frontalmente contra a legalidade, moralidade e impessoalidade.
46. É pacífico no Superior Tribunal de Justiça que para aplicação das sanções previstas no artigo 12 da LIA deve haver – necessariamente – a prova da má-fé, uma vez que meras irregularidades administrativas, por si só, não teriam o condão de gerar condenação por improbidade.[22]
47. Além da ação civil pública, nada obstaria que cidadão ingressa-se com ação popular, visando nulidade do ato de nomeação em questão.
48. Certo é que, caso seja proposta ação por ato de improbidade administrativa com pedido liminar, o Supremo Tribunal Federal pode se manifestar sobre o tema através de instituto jurídico de competência originária do Pretório Excelso, pouco utilizado pelos operadores do direito, mas merecedor de grande destaque no mundo jurídico atual, através da reclamação constitucional, prevista na Constituição Federal de 1988, artigo 102, inciso I, alínea “l”[23], com o rito processual descrito no regimento interno do STF, artigos 156[24] a 162, bem como na Lei n. 8.038/90, artigos 13 a 18.
49. A reclamação constitucional é cabível aqui, para que seja preservada autoridade da decisão do Supremo Tribunal Federal, consubstanciada na possível violação da Súmula Vinculante n. 13, nos termos do que dispõe o § 3º do artigo 103-A da Constituição Federal.
Do ato administrativo ou decisão judicial que contrariar a súmula aplicável ou que indevidamente a aplicar, caberá reclamação ao Supremo Tribunal Federal que, julgando-a procedente, anulará o ato administrativo ou cassará a decisão judicial reclamada, e determinará que outra seja proferida com ou sem a aplicação da súmula, conforme o caso.
50. Desta forma, o caso pode ser resolvido diretamente pelo STF, sem que o processo de improbidade percorra todos os lentos caminhos do Poder Judiciário, tendo em vista a possibilidade de interposição de uma reclamação constitucional.
51. DIANTE DE TUDO O QUE FOI EXPOSTO, passo à resposta das questões que foram submetidas pelo Senhor Prefeito de Bauru:
Sobre o item (a), “Pode haver a nomeação do marido da vice-prefeita para exercer o cargo de secretário municipal de Bauru?”. O ato de nomeação é discricionário do Sr. Prefeito, que pode nomear qualquer pessoa que entenda ser o ideal para exercer a atividade pública, sendo, num primeiro momento, totalmente legal a nomeação do marido da vice-prefeita ao cargo de secretário municipal;
Sobre o item (b), “Em havendo esta nomeação, pode ser considerada nepotismo, nos termos do que prevê a súmula vinculante n. 13 do STF?”. A nomeação pode ser considerada nepotismo sim, não por violação à súmula vinculante, já que a autoridade nomeante não tem qualquer vínculo de parentesco com o nomeado, mas sim por infringência aos princípios constitucionais da moralidade e da impessoalidade encartados no caput do artigo 37 da Constituição Federal, uma vez que o Poder Judiciário verificará caso por caso, bem como as condições pelas quais se deram a mencionada nomeação;
Sobre o item (c), “Quais as consequências jurídicas em face do ato de nomeação ao Senhor Prefeito, caso seja considerada nepotismo?”. Caso considerada a nomeação ato de nepotismo – o que se verificará nos autos de uma ação de improbidade administrativa ou ação civil pública – o Sr. Prefeito poderá ser condenado às sanções do artigo 12 da LIA, notadamente à suspensão dos direitos políticos, suspensão de contratação com o Poder Público e multa civil, o que poderá lhe trazer consequências na seara eleitoral, conforme prescreve a LC 64/90, alterada pela LC 135/2010.
Bauru, maio de 2013.
RAFAEL DE ALMEIDA RIBEIRO
CONSULTOR JURÍDICO E PARECERISTA