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Cobrança de taxa de abertura de cadastro

Agenda 06/02/2015 às 10:08

Abusiva a cobrança realizada pelo réu, sob tal rubrica, uma vez que não há qualquer esclarecimento quanto a sua finalidade, não tendo o consumidor como saber o motivo de tal obrigação e sua natureza. Mostra-se a mesma, portanto, inexigível.

Juizado Especial Cível de Santo Antônio da Patrulha

Vistos.

Relatório dispensado, nos termos do artigo 38 da Lei n° 9.099/95.

Passo ao parecer.

A impossibilidade de revisão de alguns contratos, sejam eles bancários ou não, junto ao Juizado Especial, não decorre das variadas interpretações acerca da cobrança de juros – decorre, sim, frente a impossibilidade prática de se realizar liquidação de sentença, uma vez que a Lei n° 9.099/95 determina que as sentenças advindas do microssistema processual, deverão ser, necessariamente, líquidas – ou seja, não há previsão legal para liquidação de sentença, que deve ocorrer após crivo revisional, assim que também, mas por outros motivos, a sentença não seria revista pelos Tribunais Superiores.

Partindo de tal entendimento, resta claro que o pedido revisional manejado pela autora á perfeitamente possível de ser processado perante o microssistema do Juizado Especial, uma vez que refere-se a cobranças alegadamente indevidas, de taxas de abertura de crédito e emissão de bloqueto.

Rejeito a prefacial de incompetência do Juizado Especial.

No mérito, procede o pedido da autora.

Com efeito, em que pese toda a argumentação expendida pelo réu quanto a Teoria da Imprevisão, e a possibilidade de cobrança de juros, o fato é que a pretensão da autora, conforme referido alhures não abarca tais itens – diz respeito, repito, à cobrança de taxa de abertura de crédito e de emissão de boleto.

Procede o pedido, incidindo, obviamente, na relação jurídica, as normas do Código de Defesa do Consumidor:

Segundo Nelson Nery Jr., referindo-se aos bancos, sendo também caso das empresas que emprestam dinheiro: “todas as operações e contratos bancários se encontram sob o regime jurídico do CDC, não só os serviços bancários expressamente previstos no CDC, art. 3o parágrafo 2º, mas qualquer outra atividade, dado que o banco é sociedade anônima, reconhecida sua atividade como sendo de comércio (Código de processo civil comentado, Ed. Rev. dos Trib.,1997).

Nesse passo, não comprovou o réu a não cobrança da tarifa bancária, ou taxa de abertura de cadastro.

Tenho como abusiva a cobrança realizada pelo réu, sob tal rubrica, uma vez que não há qualquer esclarecimento quanto a sua finalidade, não tendo o consumidor como saber o motivo de tal obrigação e sua natureza. Mostra-se a mesma, portanto, inexigível, por desatendido o disposto no art. 46, parte final, do Código de Defesa do Consumidor.

Como afirma o Desembargador Carlos Alberto Etcheverry [Apelação Cível Nº 70026994970, Décima Terceira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, 14/06/2009] não se chega a resultado diverso, adicionalmente, caso se pretenda que o mencionado encargo tem como suporte de incidência o simples fato de ter sido concedido o crédito, destinando-se a reembolsar as despesas feitas pela instituição financeira com a avaliação das condições do cliente de amortizá-lo, incluindo a pesquisa em cadastros de consumidores inadimplentes. Não se destina, assim, evidentemente, a remunerar um serviço prestado ao cliente, única hipótese em que seria admitida sua cobrança, pois o banco age em seu próprio interesse. Falta, portanto, causa à taxa de cadastro, pois ela diz respeito apenas a despesas feitas pelo mutuante para diminuir o risco de sua atividade profissional. Mostra-se esclarecedor, a propósito, o ensinamento de Mª Victoria Petit Lavall:

Son varias las razones a concluir que dichos gastos nunca debieran ser cargados a los clientes que han obtenido um préstamo hipotecario:[1] a) En primer lugar, porque es a la propria entidad de crédito a la que interesan com el objeto de evitar posibles riesgos de impago. Hay que poner en duda que com ello se preste um servicio al cliente, quando el banco en realidad está actuando pro domo sua, siendo, en consecuencia, contrario al artículo 1.274 CC,[2] puesto que su cobro no obedece a una efectiva prestación de servicios, tal y como ha declarado la jurisprudencia para el cobro de otros gastos. b) En segundo lugar, los gastos en los que incurre la entidad de crédito para estudiar la solvencia del cliente y la consiguiente posibilidad del mismo de devolver la cuantia prestada (capital e intereses) son escasos o nulos. Es lo que en la práctica bancaria se conoce como capacidad de endeudamiento (o capacidad financiera, según el art. 5 OM[3] de 5 de mayo de 1994), que se concreta entre un 30 y un 35 por 100 de los ingresos netos del solicitante o, en su caso, de la unidad familiar y para cuyo cálculo suele pedírsele las tres últimas nóminas y/o la declaración de la renta de los últimos años. c) En tercer lugar, dichos gastos ilógicamente sólo se cobran a los prestatarios cuando se les ha concedido el préstamo y, por tanto, presentan una capacidad de endeudamiento suficiente a juicio de la entidad. Por el contrario, no se cobran a aquellas personas a las que se les deniega el mismo. (...) Por último, la actividad de las entidades de crédito, tal y como la define el artículo 39.3 LDIEC consiste en ‘recibir fondos del público en forma de depósito, préstamo, cesión temporal de activos financieros u otras análogas que lleven aparejada la obligación de su restitución, aplicándolos por cuenta propria a la concesión de créditos u operaciones de análoga naturaleza’. Es decir, las entidades de crédito se dedican profesionalmente a captar fondos del público para aplicarlos precisamente al otorgamiento de créditos y similares, asumiendo el riesco de dicha actividad. Riesgo que se concreta em la posibilidad, nada infrecuente, máxime en épocas de crisis económica, de impago por parte del cliente ante una pérdida de su capacidad económico-financiera y donde el cobro de comisiones representa una forma indirecta de disminución del riesgo a costa de cliente.” [4].

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Destarte, resta claro que a cláusula contratual que impõe o pagamento da taxa de cadastro enquadra-se entre aquelas previstas no art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor, que impõe a pena de nulidade de pleno direito às cláusulas contratuais que estabeleçam “obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade”.

É evidente iniquidade do regulamento negocial que impõe ao contratante a obrigação de ressarcir as despesas feitas pelo contratado com o objetivo de diminuir os riscos de sua própria atividade profissional.

No mesmo sentido, é a cobrança por emissão de carnê, que é indevida pelos mesmos fundamentos.

Messe sentido:

CONSUMIDOR. CLAÚSULA QUE PREVÊ A COBRANÇA DE TAXA PARA EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. ABUSIVIDADE. NULIDADE RECONHECIDA. DEVOLUÇÃO DO VALOR PAGO. As despesas para a emissão de boleto bancário ou carnê para pagamento não podem ser repassadas ao consumidor, uma vez que a responsabilidade é integralmente do credor. É nula a cláusula que prevê a referida taxa, ante à abusividade da cobrança. Igual sentido deve dar-se ao pedido relativo à cobrança de tarifa para quitação antecipada. Recurso provido para julgar parcialmente procedente a ação proposta. Danos morais não reconhecidos na espécie. (Recurso Cível Nº 71001424332, Segunda Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Clovis Moacyr Mattana Ramos, Julgado em 26/09/2007).

CONSUMIDOR. CONTRATO DE FINANCIAMENTO. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE CLÁUSULAS CONTRATUAIS C/C REPETIÇÃO DE INDÉBITO. DEVIDA A RESTITUIÇÃO SIMPLES DOS VALORES. REPETIÇÃO DE INDÉBITO AFASTADA. TARIFA DE EMISSÃO DE BOLETO BANCÁRIO. A emissão de qualquer carnê ou boleto para pagamento é obrigação do credor não devendo ensejar ônus algum ao devedor, já que os arts. 319 do Código Civil/2002 e art. 939 do Código Civil/1916, não trazem no seu bojo a condição de pagamento em dinheiro para ele receber o que lhe é de direito. Disposição de ofício. TAXA DE ABERTURA DE CRÉDITO. Além de atender interesse exclusivo do mutuante, essa cláusula contratual contraria o disposto no art. 46, parte final, do Código de Defesa do Consumidor, pois não fornece ao mutuário todas as informações sobre sua finalidade e alcance. Disposição de ofício. (Apelação Cível Nº 70017508821, Décima Quarta Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Dorval Bráulio Marques, Julgado em 28/12/2006) RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Recurso Cível Nº 71001176254, Terceira Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Carlos Eduardo Richinitti, Julgado em 27/02/2007).

Tangente à repetição de indébito, é caso de aplicação da dobra legal disposta no artigo 42, parágrafo único do Código de Defesa do Consumidor, que possui aplicação objetiva, não se cogitando, como ocorre com o artigo 940, do Código Civil, de boa ou má fé, na cobrança indevida, mas tão somente erro justificável, o que não é o caso.

Por derradeiro, não tem a autora interesse processual no benefício da assistência judiciária gratuita nesta fase processual, a teor do que dispõe o artigo 55, da Lei n° 9.099/95.

Assim exposto, opino pela PROCEDÊNCIA do pedido aduzido pela autora, para condenar a ré a restituir em dobro os valores relativos a taxa de emissão do boleto bancário e taxa de abertura de crédito.

Os valores pagos pela autora serão acrescidos de juros de 12% ao ano a contar da citação, e atualizados pelo IGPM, a contar de cada desembolso, incidindo, então a dobra legal.

Fica a parte demandada ciente de que deverá efetuar o pagamento do débito em até 15 dias após o trânsito em julgado, e não o fazendo, sujeitar-se-á a multa de 10%, nos termos do artigo 475 - J, do Código de Processo Civil.

Sem condenação em custas e honorários advocatícios, nos termos do artigo 55, da Lei n° 9.099/95.

À consideração superior.

Homologada,

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Santo Antônio da Patrulha, 22 de setembro de 2009.

Marco Aurélio Martins Rocha

Juiz Instrutor

[1]  A doutrinadora comenta a “comissão de abertura”, equivalente à nossa tarifa, comissão ou taxa de abertura/análise de crédito, cuja cobrança foi autorizada pela Ordem Ministerial nº5 apenas os empréstimos hipotecários.

[2]  Art. 1274 En los contratos onerosos se entiende por causa, para cada parte contratante, la prestación o promesa de una cosa o servicio por la otra parte; en los remuneratorios, el servicio o beneficio que se remunera, y en los de pura beneficencia, la mera liberalidad del bienhechor. (Nos contratos onerosos se entende por causa, para cada parte contratante, a prestação ou promessa de uma coisa ou serviço pela outra parte; nos remuneratórios, o serviço ou benefício que se remunera, e nos de pura beneficência, a mera liberalidade do benfeitor)

[3] Ordem ministerial.

[4]  LAVALL, Mª Victoria Petit. Cláusulas abusivas en los contratos bancarios. In: Comentarios a la ley sobre condiciones generales de la contratación. Madri: Civitas, 2002, p. 1349-1350.

Sobre o autor
Marco Aurélio Martins Rocha

Advogado, Juiz Leigo no Rio Grande do Sul, Especialista em Direitos Reais. Especialista em Gestão e Tutoria em EAD, Metodologia do Ensino em Sociologia e Filosofia, Licenciando em História.

Informações sobre o texto

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