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A transferência do risco nos contratos de empreitada - EPC / Turn Key e os impactos técnicos e comerciais:breves considerações

Agenda 13/09/2016 às 12:55

Os riscos comerciais e técnicos decorrentes dos contratos de empreitada para as Partes - Contratante e Contratada. Aspectos Gerenciais e Jurídicos inerentes aos pleitos/claims.

É sabido que os Contratos de EPC / Turn Key são celebrados na modalidade empreitada global/integral visando que a parte Contratada assuma de forma basilar os riscos decorrentes da execução, como elaboração de projetos básico e executivo, metodologia executiva, quantitativos, atendimento das especificações técnicas, desenhos, riscos geológicos/arqueológicos, etc., estando a Contratada consequentemente obrigada a concluir o objeto em conformidade com os termos do Contrato, independentemente de qualquer revisão,  aprovação, exame ou comentários, e ainda sem o ressarcimento de custo adicional, uma vez que estes riscos foram assumidos pela Contratada.

Diante esta realidade nos empreendimentos de médio e grande porte (large projects), vem-se tecer algumas considerações sobre o tema com ênfase na gestão de contratos – Contract Mangement.

Em síntese, o interesse ou objetivo do Contratante é de que não será acatada qualquer alteração do preço global contratual, ainda que os documentos contratuais sejam omissos ou silentes em relação a qualquer serviço ou fornecimento inexato, seja em relação às quantidades dos serviços ou dos fornecimentos indispensáveis à fiel execução do escopo contratado.

Vejam que de início cito a questão da falta de informações ou má avaliação do escopo (serviços e fornecimentos), justamente por ser um dos motivos ou equívocos relacionados à baixa performance na execução de contratos firmados com base nesta concepção e modalidade.

Logo, é imprescindível que a Proposta Comercial e as contingências de risco sejam devidamente avaliadas pela Proponente/Contratada, para fins de ressalvar o que está excluso e não pode ser considerado parte do escopo, ressalvando o direito de ressarcimento em virtude das alterações de escopo supervenientes ou adicional.

Importante frisar que a transferência de responsabilidade pode parecer, a princípio, a blindagem necessária para o Contratante, porém, trata-se na realidade de uma falsa/equivocada percepção, já que está iniciando uma relação bilateral com a Contratada, que se diga, será a responsável pela entrega de um escopo relacionado direta ou indiretamente à sua atividade, ou seja, ao seu negócio.

Por essa razão, é preciso haver proporcionalidade e razoabilidade no momento de avaliar se a simples transferência do risco o eliminaria, e ainda garantiria um resultado satisfatório, diante todas as nuances no processo de execução e implantação do empreendimento.

Nesse sentido, recomenda-se a aplicação de regras contratuais/obrigações em consonância com os aspectos técnicos e comerciais detalhados e convergentes, com foco na gestão contratual, posto que a Contratada assume de fato e de direito os riscos inerentes à álea contratual ordinária e até mesmo extraordinária (caso não haja a devida percepção pelo Contratante) em razão da formatação do Contrato. 

No entanto, é recomendável que a Contratante antes de transferir os riscos, perceba que numa relação contratual, deve-se guardar a devida reciprocidade comercial entre encargos e resultado. Já que poderá incorrer em custos bem superiores ao previsto inicialmente, em razão da falta desta percepção.

Ademais, em relação as obrigações da Contratada, a comprovação de ocorrência da álea extraordinária poderá ser prejudicada, posto que a Contratada assume para si o risco de manter a equação econômico-financeira do Contrato, mesmo em razão de fatos alheios à sua responsabilidade e gestão.

Nesse sentido, a equalização adequada da Proposta Comercial com o contingenciamento, especificação detalhada, esclarecimentos e mitigação dos riscos contratuais relevantes deve sempre ser observada pela Contratada com exatidão, sendo de extrema importância que na fase de negociação sejam utilizados os stakeholders necessários, bem como os especialistas das áreas técnicas, comerciais e contratuais envolvidas.

Há que se observar que cada empreendimento é único em seu escopo, que tem características próprias e pode sofrer inúmeras variações, em função de uma série de fatores como local da execução da obra, clima, interferências de stakeholders, etc., exatamente o que definirá a sua real complexidade.

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Há ainda aqueles riscos que estarão sempre na esfera dos casos de força maior. E se deve ter muita cautela ao avaliar tais possibilidades e suas possíveis consequências, bem como as respectivas responsabilidades. Ou até mesmo, que não seja imputada a nenhuma das partes. Pois vale lembrar, que tais riscos quando se concretizam, em regra, sempre acarretam impactos relevantes nos prazos, custos, etc.

Um cuidado especial também se faz necessário com as premissas, restrições e limites de bateria do projeto, e isto vale entre Contratante e Contratada, e esta com suas Subcontratadas. Há que se levantar o máximo possível de interfaces na execução do empreendimento. O que permitirá definir, com uma maior exatidão, as devidas responsabilidades.

Com efeito, as peculiaridades do empreendimento, informações disponibilizadas e levantadas, desenhos, orçamentos e demais itens que compõe o escopo a ser entregue, devem assegurar parâmetros qualitativos e quantitativos, respeitada a contrapartida adequada aos encargos e despesas previstas.

 No entanto, há uma linha tênue que costuma ser ultrapassada pela Contratante (e aceita pela Contratada), que insere nos Contratos cláusulas com prerrogativas descomedidas, que exigem uma série de adequações de cunho técnico e de impacto comercial que poderão simplesmente descaracterizar a responsabilidade e obrigações da Contratada, atraindo para si o papel de deliberar de forma diversa do acordado o escopo contratual, e consequentemente assumir indiretamente os riscos associados e seus respectivos custos, uma vez que a Contratada poderá abster-se de seguir ou suspender motivadamente ou não suas obrigações.

A assunção destes riscos tanto pela Contratante como pela Contratada, poderão implicar em atraso na implantação do empreendimento, em decorrência do descumprimento de marcos contratuais, prejudicados em razão dos impactos no caminho crítico do empreendimento e por razões diversas que não foram devidamente avaliadas ou tiveram assumido o seu risco sem a devida avaliação dos impactos.

Para evitar penalidades em razão da imputação de inadimplemento, a Contratada deve sempre evidenciar tempestivamente os fatos supervenientes que ocorreram durante a execução, pois, caso tais fatos não sejam pontuados com as devidas ressalvas, a dinâmica do empreendimento poderá enfraquecer ou mesmo impedir o ressarcimento de eventuais custos adicionais incorridos, posto que a Contratante buscará a aplicação de penalidade por atraso, devido não ter reconhecido oportunamente o mérito dos fatos alegados pela Contratada.

Sob o aspecto prático vivenciado na implantação de um Projeto, é comum em alguns Contratos que a Contratante faça comentários e exigências que acabam por se sobrepor ao escopo contratual de responsabilidade da Contratada e alterar de forma qualitativa e quantitativa a própria especificação técnica e as condições comerciais previstas, sob a equivocada concepção de que a Contratada deve arcar com todas as determinações apresentadas, devido à modalidade contratual e em decorrência do preço global.

Tal fato, acaba por gerar diversas discussões seja em relação a metodologia utilizada, ou em relação aos itens de fornecimento e a execução de serviços, que poderão impactar substancialmente no valor inicial do Contrato. 

Este impacto técnico comercial, de caráter econômico financeiro, acarreta reivindicações / pleitos / claims que são justificados à medida que se evidencia a quebra ou a alteração da modalidade contratual de empreitada, leia-se EPC / Turn Key. 

Sem adentrar no mérito ou no conceito de empreitada típica aplicada no ordenamento jurídico brasileiro, é salutar que qualquer alteração que impacte no valor ou preço, escopo e prazo,  seja  avaliada sob cinco aspectos, quais sejam: 

Importante ressaltar que a Contratada e sua Subcontratada, em atenção a boas práticas de engenharia, devem sempre deter experiência e qualificação necessária para proceder com a execução do objeto, de tal forma que devem deter procedimentos e processos (gestão contratual) que evitem custos adicionais ou obrigações que não foram previstas ou avaliadas de forma adequada, sob pena de se perder o lucro decorrente do Contrato, caso não seja possível ser coberto pela contingência prevista.

Deste modo, deve-se dar maior foco para a gestão contratual e o respectivo planejamento das atividades, a saber:

  1. Explanação geral do Contrato (avanços, marcos contratuais, prazos, valores, obrigações respectivas das partes, etc.);
  2. Conciliação Econômica Financeira – Pró Formas ou Faturas emitidas e eventos ou fornecimentos cumpridos pela Contratada e pagos pelo Contratante;
  3. Plano de Suprimentos;
  4. Licenças obrigatórias (ambientais e administrativas) e Autorizações para Início do Serviços/Fornecimento – Ordens de Início ou de Serviço;
  5. Atividades iniciadas/realizadas no período (projetos emitidos e aprovados, fornecimento, etc.);
  6. Programação de atividades para próximo mês;
  7. Caminho Crítico e Impactos no Prazo;
  8. Registro histórico / fatos relevantes;
  9. Registro fotográfico (com identificação dos locais das fotos e data de registro acompanhado de respectivo relatório);
  1. Cronograma detalhado de atividades;
  2. Curvas de acompanhamento físico (previsto / real / projetado);
  3. Curvas de acompanhamento econômico (previsto / real / projetado);
  4. Planilha de controle das medições, contendo o saldo contratual, conforme EAP;
  5. Relação de pendências e tratativas;

Todos estes processos e atividades devem ser realizados visando evitar eventuais prejuízos e atrasos decorrentes da execução do objeto contratual, por falta da devida observação das disposições contratuais.

Estes aspectos de gestão contratual implica no emprego de profissionais com a expertise necessária para dar sequência ao empreendimento sem contrariar as disposições contratuais, a fim de não se configurar atraso ou inadimplemento.

No que se refere aos Projetos Executivos e a liberação para construção, a Contratante na modalidade de empreitada deve apenas pautar-se no prazo e no cumprimento dos eventos, aprovando com comentários os projetos executivos, sem retirar da Contratada a sua responsabilidade técnica e legal do escopo contratado. Já que previamente definidas as atividades e metodologia a ser empregada pela Contratada. 

Assuntos envolvendo qualidade e confiabilidade representam as exceções em que a Contratante deve assumir o papel de interessado em primeiro grau, uma vez que os riscos associados representam perdas econômicas substanciais e que podem ultrapassar o limite de responsabilidade da Contratada.  Sendo perfeitamente admissível a intervenção direta e até mesmo a redução de escopo da Contratada para evitar prejuízos significativos.

Aliás, tais assuntos também devem ser observados pela Contratada em relação às suas Subcontratadas, uma vez que por diversas vezes a própria Contratada transfere o seu risco original, sem a devida observância quanto à capacidade técnica de quem ela contrata, já que em geral, por razões óbvias, se busca o melhor preço,  mas que na maioria das vezes não se justifica. 

Por fim, nos casos em que o Contrato eximir a Contratante de qualquer responsabilidade pela sua ação ou omissão relacionada à aprovação, revisão, exame ou comentários nos termos acordados, visa-se não prejudicar os direitos e garantias da Contratante e nem afetar as obrigações ou responsabilidades da Contratada, considerando que a Contratada estará sempre obrigada a concluir o objeto em conformidade com os termos contratuais, independentemente da modalidade contratual avençada.

Assim sendo, é imprescindível que o processo de aprovação/emissão/revisão/ de documentos não impacte no caminho crítico do empreendimento, em razão de um processo de execução lógico de dependência ou precedência de atividades.

Na realidade, a interferência desarrazoada da Contratante provoca efeito adverso, uma vez que a Contratada poderá ser impactada no prazo de execução, tendo em vista que se cria um gatilho e/ou barreira que impede o seu avanço. 

Em que pese haver a suposta ausência de responsabilidade da Contratada, é inegável que as Partes serão impactadas de forma negativa, sendo que o cenário atual na gestão de Contratos visa criar uma concepção de execução mais voltada para a entrega no prazo e com o lucro esperado, com o atendimento das premissas exigidas pelo Contratante, a fim de assegurar não apenas a imagem da Contratada, mas a sua qualificação, experiência e tradição na condução do seu negócio. 

A cultura e as formas de contratação apresentam-se cada vez mais dissociadas do risco em razão dos interesses comerciais, o que tem ocasionado elevadas perdas para os envolvidos, mas que  podem ser evitadas a partir  de uma concepção de gestão contratual direcionada para o resultado, com a adoção de uma estrutura composta por um corpo técnico, operacional, suprimentos, legal, contratual e administrativo com capacidade de promover oportunidades e mitigar riscos de forma adequada e benéfica para as partes envolvidas.

Sobre os autores
Mauro Sarmento

Contract Claim Management <br>Responsável pela elaboração e orientação jurídica normativa, assessoria preventiva e consultiva.* Risk Management;<br>• Atuação na prevenção e resolução de conflitos;<br>* Arbitragem;<br>* Mediação;<br>* Negociação; Especialista em Contratos / Contract Claim Management

Richard Araújo

Analista de Controles Internos / Gestão e Fiscalização de Contratos (colaborador)

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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