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Da não aplicação das regras de direito processual da reforma trabalhista aos feitos em que possam influenciar nas situações de direito material subjacentes (institutos bifrontes)

O Judiciário Federal a quo tem aplicado, às reclamatórias trabalhistas distribuídas antes da vigência da Lei nº 13.467/2017, as regras processuais trazidas por esta, resultando em decisões-surpresa, não admitidas.

Sabido é que a Lei n. 13.467/17, que instituiu a “Reforma Trabalhista”, em vigor desde 11 de novembro de 2017, trouxe institutos jurídicos que antes sequer eram previstos, especificamente, pela legislação especializada (Consolidação das Leis do Trabalho-CLT).

Fato é que questões relevantes surgem a partir desta constatação, sobretudo considerando-se que o Judiciário Federal a quo tem aplicado, às reclamatórias trabalhistas distribuídas antes da vigência da lei n. 13.467/2017, as regras processuais trazidas por esta, resultando em decisões-surpresa, não admitidas, aliás, posto que  as normas que causem gravame às partes somente serão aplicadas às ações trabalhistas propostas posteriormente ao seu advento.

Do brilhante magistério de Cândido Rangel Dinamarco, na obra "Instituições de Direito Processual Civil, vol. I", Malheiros, 2001, ressai que existem situações em que o direito processual e o direito material não são estanques, e é justamente nesses casos, de natureza híbrida, que a aplicação da regra do isolamento dos atos processuais pode não se apresentar como a mais adequada.

Seriam, por exemplo, as situações relacionadas às hipóteses de responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-b, CLT), que, antes da reforma trabalhista, não possuíam previsão expressa na CLT, e que em se constituindo em instituto de direito processual com nítida influência nas situações de direito material subjacentes (institutos bifrontes), não podem se aplicar aos feitos distribuídos antes da reforma trabalhista.

É necessário, pois, que a parte tenha ciência das consequências jurídicas da distribuição da ação, com a possibilidade de previsibilidade para avaliação das condutas processuais a serem adotadas, pelo que não é razoável que o empregado que tenha distribuído a ação enquanto vigente a legislação trabalhista que não estabelecia, expressamente, responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-b, CLT),  seja surpreendido com a condenação ao pagamento correspondente, em benefício da parte contrária, com a aplicação do novo art. 790-B da CLT, o que implica em afronta ao disposto nos arts. 10 e 14 do Código de Processo Civil, bem como ao artigo 2º da Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro (Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942), supletiva e subsidiariamente aplicados ao processo do trabalho, configurando decisão surpresa e em manifesta violação aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal.

Assim, algumas inovações trazidas pela lei nº 13.467/2017 e, especificamente, o art. 790-b, CLT, não deverão ser aplicados aos processos já em curso, uma vez que não se tratam de institutos exclusivamente processuais e a alteração da legislação poderia influenciar na conduta processual das partes e na avaliação dos riscos da demanda.

Portanto, tem-se que, tendo sido uma reclamatória trabalhista distribuída sob a égide da consolidação das leis do trabalho de 1943, tais questões deverão apreciadas de acordo com esta, e não de acordo com a reforma trabalhista, em respeito aos princípios do devido processo legal, da irretroatividade das normas jurídicas e da segurança das relações jurídicas.

Neste sentido, colaciona-se r. sentença proferida nos autos da reclamatória trabalhista RTORD 0000615-36.2017.5.05.0161, do Tribunal Regional do Trabalho da 5ª Região, Vara do Trabalho de Santo Amaro, em que figura como reclamado o município de Saubara, pela DD. Juíza Federal do Trabalho Luziane Silva Carvalho Farias, em 27 de novembro de 2017, in verbis:

A Lei nº 13.467/2017, que alterou a Consolidação das Leis do Trabalho, foi publicada no Diário Oficial da União em 14 de julho de 2017 e estabeleceu que os seus dispositivos entrariam em vigor após decorridos cento e vinte dias de sua publicação oficial. Partindo da premissa que a Consolidação das Leis do Trabalho é um diploma híbrido, que contempla normas de direito material e processual, tenho por certo que as mudanças provocadas pela reforma trabalhista serão aplicadas tanto aos contratos de trabalho que se iniciarem a partir da vigência da nova lei, como àqueles que já estiverem em vigor. Contudo, a meu ver, a nova lei não pode gerar efeitos retroativos, devendo ser respeitados todos os atos já concluídos. Pois bem. Ao me debruçar sobre a questão do direito intertemporal, em matéria processual, verifico que prevalece na doutrina a corrente que defende a teoria de isolamento dos atos processuais, segundo a qual a unicidade do processo não prejudica a autonomia dos atos processuais, sendo que cada ato praticado deve ser visto isoladamente e, desde que sejam respeitados os direitos e deveres decorrentes de cada um deles, a nova lei poderá ser aplicada aos atos subsequentes, mesmo que a fase ainda não tenha sido encerrada, mas não incidirá sobre os atos já praticados, ou sobre os seus efeitos supervenientes, mesmo que surgidos, apenas, na vigência da lei nova, uma vez que os efeitos são indissociáveis do ato praticado, ou que deixou de ser praticado (art. 14 do Código de Processo Civil, "A norma processual não retroagirá e será aplicável imediatamente aos processos em curso, respeitados os atos processuais praticados e as situações jurídicas consolidadas sob a vigência da norma revogada"). De fato, a Consolidação das Leis do Trabalho não contempla previsão expressa sobre a questão intertemporal, daí porque o dispositivo processual civil em destaque seria plenamente aplicável ao processo do trabalho, por for força do disposto no art. 769, da norma consolidada. Ocorre que, como bem adverte Cândido Rangel Dinamarco, in Instituições de direito processual civil, vol. I. Brasil: Malheiros, 2001, existem situações em que o direito processual e o direito material não são estanques. E é justamente nesses casos de natureza híbrida que a aplicação da regra do isolamento dos atos processuais pode não se apresentar como a mais adequada. Seriam, a título de exemplo, as situações relacionadas às hipóteses de fixação de honorários advocatícios de sucumbência (art. 791-A), dos novos requisitos para concessão dos benefícios da justiça gratuita ao trabalhador (art. 790, §§3º e 4º), ou da responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-B). No entender desta magistrada, estes seriam institutos de direito processual, mas que possuem nítida influência nas situações de direito material subjacentes (institutos bifrontes). No particular, ensina LUIZ RODRIGUES WAMBIER, in Curso avançado de processo civil. 7. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2005. p. 73. v. 1, ao tratar do princípio do devido processo legal, "(...) que toda e qualquer consequência processual que as partes possam sofrer, tanto na esfera da liberdade pessoal quanto no âmbito de seu patrimônio, deve necessariamente decorrer de decisão prolatada num processo que tenha tramitado de conformidade com antecedente previsão legal. O devido processo legal significa o processo cujo procedimento e cujas consequências tenham sido previstas na lei (...)". Partindo desta premissa, é imprescindível que parte tenha ciência das consequências jurídicas do ajuizamento do processo, ou da defesa apresentada, com a possibilidade de previsibilidade para avaliação das condutas processuais a serem adotadas. Não nos parece razoável, por exemplo, que o empregado ou o empregador, que tivessem ajuizado o processo ou apresentado defesa, enquanto vigente a legislação que não estabelecia a obrigatoriedade de pagamento de honorários advocatícios de sucumbência no âmbito da Justiça do Trabalho, fossem surpreendidos com a condenação ao pagamento correspondente, em benefício da parte contrária, com a aplicação do novo art. 791-A, da norma consolidada. Tal conduta implicaria em afronta ao disposto no art. 10 do Código de Processo Civil, subsidiariamente aplicado ao processo do trabalho, configurando decisão surpresa e em manifesta violação aos princípios da segurança jurídica e do devido processo legal. Dito isto, entendo que ALGUMAS INOVAÇÕES TRAZIDAS PELA LEI Nº 13.467/2017 e, no particular, já destaco como exemplo aquelas que estabelecem novos requisitos para a concessão dos benefícios da gratuidade da justiça (art. 790, §§3º e 4º), RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO DOS HONORÁRIOS PERICIAIS, EM CASO DE SUCUMBÊNCIA DO TRABALHADOR (ART. 790-B), ou condenação em honorários de sucumbência (art. 791-A) NÃO DEVERÃO SER APLICADAS AOS PROCESSOS JÁ EM CURSO, UMA VEZ QUE NÃO SE TRATAM DE INSTITUTOS EXCLUSIVAMENTE PROCESSUAIS E A ALTERAÇÃO DA LEGISLAÇÃO PODERIA INFLUENCIAR NAS CONDUTA PROCESSUAL DAS PARTES E NA AVALIAÇÃO DOS RISCOS DA DEMANDA. Assim, tendo sido o presente processo ajuizado e instruído sob a égide da Consolidação das Leis do Trabalho de 1943, as questões adiantes apreciadas considerarão o referido diploma consolidado, tudo em respeito aos princípios do devido processo legal e da segurança das relações jurídicas. (Grifou-se).

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Não bastasse isto, e basta, ainda, o Tribunal Superior do Trabalho-TST aprovou, em 22/06/2018, a Instrução Normativa n. 41/18, que define um marco temporal para a aplicação de regras trazidas pela reforma trabalhista – lei 13.467/17, sendo que o texto define que a aplicação das normas processuais previstas pela reforma é imediata, sem atingir, no entanto, situações iniciadas ou consolidadas na vigência da lei revogada.

Apesar de saber-se que as instruções normativas não têm natureza vinculante, ou seja, não são de observância obrigatória pelo primeiro e pelo segundo graus, tem-se que elas sinalizam como o Egrégio Tribunal Superior do Trabalho-TST aplica as normas por elas interpretadas, pelo que, por questão de bom senso, e para privilegiar o papel elucidativo e interpretativo destas, deveriam ser observadas, quando dos julgamentos dos casos concretos.

Ora, o art. 5, da Instrução Normativa TST n. 41/18, assevera:

Art. 5º O art. 790-B, caput e §§ 1º a 4º, da CLT, não se aplica aos processos iniciados antes de 11 de novembro de 2017 ( Lei nº 13.467/2017).

Julgamentos recentes do Tribunal Regional da 15ª Região, proferidos em setembro de 2018, dão conta de que ainda que o julgamento da demanda ocorra na vigência da Lei n.º 13.467/2017, as normas de direito processual com efeitos materiais devem observar a data da propositura da ação, pelo que, assim, NÃO há como reconhecer a aplicação imediata das alterações promovidas por intermédio da conhecida "reforma trabalhista" com vistas à apreciação da matéria responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-B, CLT).

Colhem-se, pois, os seguintes julgados:

HONORÁRIOS PERICIAIS TÉCNICOS. RESPONSABILIDADE PELO PAGAMENTO EM CASO DE IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO DE ADICIONAL DE INSALUBRIDADE. DISPOSIÇÕES DA LEI 13.467/2017. Não se aplica, à espécie, a disposição contida no artigo 790-B, caput e parágrafo quarto, com alteração introduzida por meio da Lei nº 13.467/2017, uma vez que a presente reclamação foi ajuizada em 4.12.2015 e a perícia determinada em 6.7.2016, ou seja, anteriormente ao início da vigência das alterações trazidas pela chamada "Reforma Trabalhista". Por outro lado, dispõe o art. 790-B da CLT, com a redação anterior à alteração dada pela Lei nº 13.467/2017, que não cabe à parte reclamante, beneficiária da justiça gratuita, o pagamento ou ressarcimento dos honorários periciais, mas sim à União Federal. (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região - PROCESSO Nº 0013418-41.2015.5.15.0097 - RECURSO ORDINÁRIO EM PROCEDIMENTO SUMARÍSSIMO RECORRENTE: W.C.A. SERVIÇOS EMPRESARIAIS LTDA. RECORRIDAS: ISABEL MARIA SILVA, SOBAM - CENTRO MÉDICO HOSPITALAR S/A - Data publicação: 14/09/2018) (Destacou-se).

I) - QUESTÃO PRÉVIA - DIREITO INTERTEMPORAL - INAPLICABILIDADE DAS ALTERAÇÕES INTRODUZIDAS PELA REFORMA TRABALHISTA (LEI Nº 13.467, DE 14/07/2017)

CONSIDERANDO A DATA DO AJUIZAMENTO DA PRESENTE AÇÃO (1/3/2017), QUE É ANTERIOR A 11/11/2017, DATA DE VIGÊNCIA DA LEI Nº 13.467/2017 (REFORMA TRABALHISTA), NÃO SERÃO APLICADAS NESTE PROCESSO AS ALTERAÇÕES RELATIVAS ÀS NORMAS MATERIAIS POR ELA INTRODUZIDAS, TENDO EM VISTA A APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO TEMPUS REGIT ACTUM.

NO QUE TOCA ÀS ALTERAÇÕES RELATIVAS ÀS NORMAS PROCESSUAIS, POR APLICAÇÃO DA TEORIA DO ISOLAMENTO DOS ATOS PROCESSUAIS, BEM COMO DO PRINCÍPIO DA CAUSALIDADE E DA GARANTIA DA NÃO SURPRESA, AS NORMAS QUE CAUSEM GRAVAME ÀS PARTES SOMENTE SERÃO APLICADAS ÀS AÇÕES TRABALHISTAS PROPOSTAS POSTERIORMENTE AO SEU ADVENTO. (Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região - PROCESSO nº 0010636-70.2017.5.15.039 (RO) - RECURSO ORDINÁRIO - RECORRENTE: TETRA PAK LTDA. - RECORRIDO: RICARDO LISBOA SOARES – RELATORA:ADRIENE SIDNEI DE MOURA DAVID DIAMANTINO - julgamento: 04 de setembro de 2018) (Grifou-se).

Portanto, a conclusão a que se chega é a de que, ainda que o julgamento da demanda ocorra na vigência da Lei n.º 13.467/2017, as normas de direito processual com efeitos materiais devem observar a data da propositura da ação, pelo que, assim, não há como reconhecer a aplicação imediata das alterações promovidas por intermédio da "reforma trabalhista", sobretudo aquela a respeito da responsabilidade pelo pagamento dos honorários periciais, em caso de sucumbência do trabalhador (art. 790-B, CLT), às reclamatórias trabalhistas distribuídas antes da vigência da lei nova, visto que as normas que causem gravame às partes somente serão aplicadas às ações trabalhistas propostas posteriormente ao seu advento por aplicação da teoria do isolamento dos atos processuais, bem como do princípio da causalidade e da garantia da não surpresa.

Sobre os autores
Rodrigo Chavari De Arruda

Advogado junto ao Escritório Colenci Advogados Associados– Botucatu/SP, Pós-graduando em Direito Civil e Processual Civil junto ao Centro de Pós-graduação da Instituição Toledo de Ensino – Bauru/SP

Antonieta Lima Brauer

Advogada militante em Botucatu/SP; Pós-Graduada em Direito Ambiental, Direito Agrário e em Didática do Ensino Superior; Professora do Centro Universitário Sudoeste Paulista-UniFSP, em Avaré/SP.

Informações sobre o texto

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