10. A INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA A SER RECONHECIDA NESTA AÇÃO:
Aspecto de suma importância, que ora se requer, diz respeito ao reconhecimento da inversão do ônus da prova nesta ação, pois é forma de assegurar em juízo a defesa dos consumidores vulneráveis e hipossuficientes, na forma prevista no art. 6º, inc. VIII, do CDC, a saber:
"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:
(...)
VIII- a facilitação da defesa de seus direitos, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências." (grifo nosso).
É incontroverso que a INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA deve ser reconhecida pelo Julgador, uma vez que são defendidos interesses e direitos de consumidores notadamente HIPOSSUFICIENTES, circunstância esta que se soma ao reconhecimento ope legis da vulnerabilidade dos consumidores para que, em eventual hierarquização axiológica, penda o Magistrado para o acolhimento da parte mais frágil da relação de consumo.
O Ministério Público, caso seja necessária a realização de perícia, não poderá custeá-la, pois não possui autorização legal orçamentária para tanto, situação esta que facilita o entendimento que a eventual carência de prova sempre deve ser atribuída à parte mais poderosa, inclusive sob os aspectos técnicos da matéria ora posta em juízo.
Pede vênia este órgão para remeter a atenção de V. Exa. para o brilhante ensinamento de Adroaldo Furtado Fabrício(8) a respeito da inversão do ônus da prova e os novos poderes-deveres do Juiz no CDC:
"...Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 6º, VIII, quando assegura a este, ipsis litteris: a facilitação da defesa de seus direito, inclusive com a inversão do ônus da prova, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiência.
Importa muito anotar, no texto legal citado, a reiterada ênfase posta no assim chamado `critério do juiz. Primeiro, não se trata de inversão da carga da prova ope legis, mas ope iudicis, aí estando localizada a inovação relevante no âmbito deste estudo. As inversões diretamente decorrentes da lei não constituem novidade, pois outra coisa não ocorre nos tantos casos de presunção iuris tantum. Aqui, é nos limites e coordenadas de cada caso concreto, segundo suas específicas peculiaridades, que o juiz decidirá se inverte ou não o encargo. E essa vital decisão, que poderá ser a mais importante do processo porque em mais de um caso determinará inescapavelmente o rumo da sentença de mérito, é entregue por inteiro ao critério judicial, pois os marcos referenciais que o mesmo texto normativo oferece pouco ou nada têm de objetivos e correspondem a conceitos semanticamente anêmicos..." (grifo nosso).
Também abordando o tema, Nelson Nery Júnior(9) assim se posiciona:
"Todo e qualquer meio de prova permitido em direito pode ser utilizado nas ações propostas com base no Código.
A regra geral sobre o ônus da prova é aquela do artigo 333 do CPC. Entretanto, nas hipóteses descritas no artigo 6º, inc. VIII, do Código, poderá o Juiz inverter o ônus da prova em favor do consumidor, carreando-o ao fornecedor de produtos ou serviços. Essa inversão se dá ope judicis e não ope leges, devendo o Juiz pautar-se pelas máximas de experiência por inverter ou não o ônus da prova.
Como a inversão do ônus da prova pode ocorrer em qualquer ação ajuizada com fundamento no Código, inclusive nas de indenização por fato do serviço dos profissionais liberais, cuja responsabilidade é subjetiva e aferível mediante culpa (artigo 14 parágrafo 4º).
Em que momento e como deverá proceder o magistrado se for o caso de, em tese, inversão da prova?
O Juiz, ao receber os autos para proferir sentença, verificando que seria o caso de inverter o ônus da prova em favor do consumidor, não poderá baixar os autos em diligência e determinar que o fornecedor faça a prova, pois o momento processual já terá sido ultrapassado. Portanto, caberá ao fornecedor agir no sentido de procurar demonstrar a inexistência do alegado direito do consumidor, bem como a existência de circunstâncias extintivas, impeditivas ou modificativas do direito do consumidor, caso pretenda vencer a demanda.
As regras sobre a distribuição do ônus da prova são regras de juízo, de sorte que caberá ao Juiz, quando do julgamento da causa, agir de acordo com o procedimento autorizador, do artigo 6º, VIII.
Elas orientam o magistrado quando há um non liquet em matéria de fato.
Caso haja nos autos prova dos fatos constitutivos do direito do autor, normalmente o Juiz deverá julgar a demanda a favor deste. Quando estes fatos não estiverem provados, cumprirá ao Juiz verificar se o consumidor é hipossuficiente ou se suas alegações são verossímeis. Em caso afirmativo, deverá verificar se o fornecedor fez a prova que elide os fatos constitutivos do direito do consumidor. Na ausência dessa prova (non liquet) julgará a favor do consumidor.
Nada impede, entretanto, que o magistrado o faça já na oportunidade da preparação para a fase instrutória (saneamento do processo), alvitrando a possibilidade de haver inversão do ônus da prova, de sorte a alertar o fornecedor que deve desincumbir-se do referido ônus sob pena de ficar em situação de desvantagem processual quando do julgamento da causa." (grifo nosso).
Portanto, justifica-se plenamente, na presente demanda, o reconhecimento da inversão do ônus da prova, a qual deve ser levada em consideração por parte da requerida, a fim de saiba desde logo que deverá desincumbir-se deste ônus.
11. BREVE SÍNTESE DA ARGUMENTAÇÃO CONTIDA NESTA PETIÇÃO INICIAL:
- pleiteia o autor que seja adotado um critério legal, justo, sério e definitivo, que esteja baseado no efetivo e periódico consumo medido por hidrômetro;
- pleiteia, em conseqüência, a adoção de medidas fortes do Poder Judiciário para que, de fato, seja compelida a CORSAN a, de uma vez por todas, passar a adotar uma política de colocação de hidrômetros;
- pleiteia o autor que sejam eliminadas as PRESUNÇÕES, tanto vigentes na política anterior (os 10 m3 para aqueles que não tinham hidrômetros, as metragens de residências e pequenos comércios), como na atual política instaurada (os mesmos 10 m3 para todos, tanto os que possuem hidrômetro como para os que não possuem);
- pleiteia o autor que o consumidor possa saber o que efetivamente utiliza de água, pois, somente assim é que poderá ser educado para evitar o desperdício de bem tão valioso e essencial à vida;
- pleiteia o autor que não sejam autorizados aumentos evidentemente abusivos, pois não é possível compactuar com as MAJORAÇÕES ILEGAIS, confessadas pela CORSAN (a análise técnica foi previdentemente feita em documentos apresentados pela empresa);
- pleiteia que seja respeitada a Lei que instituiu a AGERGS, entidade da qual, inclusive, participa como Conselheiro um representante idôneo dos consumidores;
- pleiteia que seja considerada a situação de VULNERABILIDADE dos consumidores de água da ré, eis que integram CONTRATO DE MASSA MONOPOLIZADO, o que, por si só, evidencia a disparidade de forças. Com a manutenção das ilegalidades, ainda mais desigual e injusta fica a relação de consumo, o que não pode ser aceito;
- pleiteia o autor que sejam respeitados os valores da tarifa mínima praticados antes da alteração da política tarifária, obedecidas as categorias de consumo (R$ 5,56 - BÁSICA; R$ 9,91, R$ 19,80 e R$ 19,80-EMPRESARIAL COM., PUB. E IND. vide quadro de fl. 06 desta inicial), para os consumidores sem hidrômetro;
- a presente AÇÃO COLETIVA DE CONSUMO objetiva também evitar que milhares de ações individuais sejam ajuizadas em todo o Estado, o que poderá causar abarrotamento dos Foros;
- pleiteia, por fim, que sejam respeitados os pilares da Lei Consumerista, qual sejam, O PRINCÍPIO DA VULNERABILIDADE, DA HARMONIA DAS RELAÇÕES DE CONSUMO E DA REPRESSÃO EFICIENTE AOS ABUSOS, fazendo com que seja concretizado, também, o PRINCÍPIO DA BOA-FÉ OBJETIVA, traduzido pela doutrina como DEVERES DE AMPLA COOPERAÇÃO, TRANSPARÊNCIA E AMPLA INFORMAÇÃO.
12. DO PEDIDO DE TUTELA ANTECIPADA:
Os requisitos que ensejam o pedido de tutela antecipada, o fumus boni iuris e o periculum in mora, encontram-se presentes nos autos, inclusive de forma bem notória.
O fumus boni iuris caracteriza-se pela farta documentação juntada aos autos e, ainda, notadamente, pela ausência de consulta ao órgão regulador para implementação da nova política tarifária, da contrariedade expressa a dispositivos de ordem pública e de interesse social assentados no Código de Defesa do Consumidor(10), que reveste de ilegalidade o procedimento da requerida, além, é claro, das várias reclamações de consumidores dos mais diversos municípios do Rio Grande do Sul, que insurgiram-se contra a modificação do valor das tarifas de água, gerando clamor público e social, que comprova, à saciedade, as lesões causadas aos consumidores.
O periculum in mora está presente, diante da natural demora de tramitação de uma ação coletiva, a qual oportunizará a continuidade das práticas abusivas, trazendo como resultado a ocorrência de vários reflexos financeiros e sociais pelo inevitável inadimplemento das tarifas (multas) e dos "cortes" (com posterior cobrança de taxas de religação) do abastecimento de água, acarretando prejuízos evidentes e irreparáveis aos consumidores, principalmente tendo-se em conta o baixo nível econômico das pessoas atingidas, ainda mais considerando tratar-se de serviço público essencial.
Assim, forte no art. 84, § 3º e § 5º, do Código de Defesa do Consumidor, que tem o escopo também de prevenir o dano e tornar eficaz as medidas de defesa do consumidor desde logo, requer o Ministério Público que:
a) SEJA DETERMINADO à demandada:
a.1- a suspensão, de forma imediata, de todos os efeitos gerados por sua nova política tarifária, retornando a proceder o cálculo das tarifas de água e de esgoto com a mesma metodologia vigente até o mês de agosto do corrente ano. Excepciona-se neste pedido o retorno às presunções de 10 metros cúbicos de consumo para as economias sem hidrômetro e eventuais fixações de preço com base na metragem das economias;
a.2- proceda a imediata devolução, mediante desconto discriminado nas próximas duas faturas de água, dos valores cobrados a mais de consumidores com base na nova política tarifária;
a.3- se abstenha, de forma imediata, de interromper qualquer suspensão do abastecimento de água que tenham sido motivados pelo não pagamento das faturas de água dos meses de setembro e outubro do corrente ano, e que tenham se utilizado da nova política tarifária para o cálculo do valor a ser pago pelo usuário;
a.4- que providencie a religação, no prazo de 48 horas, dos serviços de água cujo corte tenha se originado do não pagamento das tarifas dos meses de setembro e outubro do corrente ano, isentando estes consumidores do pagamento de qualquer multa ou taxa de religação em função do corte;
b) que seja submetida à AGERGS, em respeito à Lei n.º 10.931/97, qualquer eventual e futura modificação de política tarifária ou qualquer modificação do valor das tarifas da requerida;
c) que veicule durante duas semanas, em dez dias intercalados, mas sem exclusão do domingo, em três jornais de grande circulação do Estado, COMUNICADO com dimensões de metade de página, na parte das publicações legais, informando sobre os provimentos liminares eventualmente deferidos, bem como que eles foram determinados pelo "Poder Judiciário em Ação Coletiva de Consumo intentada pela Promotoria de Defesa do Consumidor (Ministério Público Estadual)".
Essa medida objetiva dar ciência aos consumidores e a sociedade em geral relativamente aos provimentos eventualmente deferidos, a fim de que a conduta ilegal da empresa pare IMEDIATAMENTE DE GERAR EFEITOS E PREJUÍZOS À COMUNIDADE.
Objetiva, também, dar ciência erga omnes da decisão, para consumidores de outras Comarcas, vez que a área de atuação da requerida abrange diversos municípios do Rio Grande do Sul, a fim de que estes possam ter conhecimento de que existem caminhos para impugnar a conduta ilegal da requerida, oportunizando a fiscalização e o conhecimento, igualmente, de Promotores e Juízes.
Visa, ainda, o ressarcimento do dano moral coletivo (art. 6º, inciso VI, do CDC), tendo em vista a notoriedade do clamor público e social da questão, a merecer um resposta eficaz no sentido de que os órgãos públicos e o Poder Judiciário estão atentos na defesa da cidadania e do respeito ao Estado de Direito.
d) requer, ainda, a cominação de multa pecuniária por ocorrência no montante de 5.000 UFIRs, ou outro índice legal que venha a substituir este, para o caso de descumprimento dos provimentos representados pelo item "a", sub-itens "a.3" a "a.4" (inclusive), que eventualmente sejam deferidos. Para o caso de descumprimento do pedido representado pelos item "a", sub-itens "a.1 e "a.2", e itens "b" e " c", todos anteriores, requer a fixação de multa diária equivalente a 5.000 UFIRs.
e) por fim, os provimentos ora requeridos tem cunho mandamental e executivo, devendo ser dito, entretanto, que as multas requeridas não prejudicam as eventuais sanções pelo crime de desobediência, sabido que os desrespeitos às ordens do Poder Judiciário caracterizam tal tipificação, bem como relevando as determinações do artigo 84, § 5º, do CDC.