Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br
Petição Selo Verificado Destaque dos editores

Ação civil pública contra Coca-Cola: promoção de tampinhas de refrigerantes

Exibindo página 1 de 2
Agenda 01/10/2000 às 00:00

ACP contra subsidiária da Coca-Cola, referente a uma promoção de tampinhas de refrigerantes promovida na época das olimpíadas de 1996, por exigências adicionais para concessão dos prêmios não previstas no regulamento.

Excelentíssimo Senhor Juiz de Direito da _____ Vara de Fazenda Pública e Registros Públicos desta Capital:

"Bem-aventurado os que têm fome e sede de Justiça porque serão saciados."

O Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul, ora representado pelo Promotor de Justiça do Consumidor desta comarca, que ao final subscreve e que recebe as intimações pessoais, com a entrega dos autos, quando necessária, na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente, nesta, com fundamento no que prescreve o artigo 129, inciso III, da Constituição Federal; o artigo 132, inciso III, da Constituição do Estado de Mato Grosso do Sul; artigo 25, inc. IV, da Lei 8.625, de 12.02.93 (Lei Orgânica Nacional do Ministério Público); o artigo 1º; 2º; 3º; 5º, II; 6o;11; 12, § 2o, 13 e 16 da Lei 7.347, de 24.07.85 (Lei de Ação Civil Pública); os artigos 81, parágrafo único e incisos I, II e III; 82, I; 83; 84, "caput", parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90); o artigo 26, inciso IV, letra "a" da Lei Complementar Estadual n.o 072, de 18 de janeiro de 1994, e ancorado nos fatos apurados no Procedimento Administrativo n.o 34/96 (doravante apenas denominado de PA 34/96) em anexo, propõe nesse Juízo a presente

AÇÃO CIVIL PÚBLICA,

com preceito cominatório de obrigação de fazer e de não fazer, visando a tutela dos interesses individuais homogêneos e difuso dos consumidores, em face de Recofarma Indústria do Amazonas Ltda., empresa controlada pela Coca-Cola Indústria Ltda(1)., com sede na Praia de Botafogo, 374, no Município de Rio de Janeiro, RJ, Cep. 22250-040, inscrita no CGC/MF/N.: 61.453.393/0006-02, pelos motivos de fato e de direito a seguir expostos:


          A) Dos fatos

          1. Conforme se verifica no regulamento de f. 171, do Procedimento Administrativo 34/96, instaurado pela Promotoria de Justiça do Consumidor e que instrui a presente, a primeira requerida realizou, entre o período de 15.06.96 a 15.08.96, por ocasião dos jogos olímpicos, em alguns Estados, dente eles o de Mato Grosso do Sul, uma promoção denominada "Cartelas Olímpicas Coca-Cola", onde o consumidor, ao adquirir seus produtos, quais sejam, refrigerantes Coca-Cola e seus sabores (Coca-Cola, Diet-Coke, Fanta Laranja, Diet Fanta Laranja, Sprite, Diet Sprite, Guaraná Taí, Guaraná Taí Diet, Cherry Coke, Fanta Uva, Guaraná Charrua e Guaraná Charrua Diet), excluídas as aquisições de latas, obteria contramarcado na tampinha plástica, metálica ou selo post-mix da respectiva embalagem, duas combinações de letras e números, como por exemplo: 2C-4F.

2. De outro lado, o consumidor receberia cartelas da aludida promoção gratuitamente, onde deveria comparar as coordenadas da tampinha plástica, metálica ou selo post-mix com as marcações impressas nas cartelas e, caso obtivesse a citada coordenada, faria jus ao prêmio correspondente.

3. Caso o consumidor obtivesse duas coordenadas provenientes cada uma de tampinhas metálicas, plásticas e/ou selos post-mix diferentes que coincidissem com o prêmio marcado em duas casas do quadro, também faria jus ao respectivo prêmio.

4. Previa-se a distribuição de um total de 8.732 (oito mil, setecentos e trinta e dois) prêmios em dinheiro, nos valores de R$ 50,00 (cinqüenta reais), R$ 100,00 (cem reais), R$ 1.000,00 (mil reais), R$ 10.000,00 (dez mil reais) e R$ 50.000,00 (cinqüenta mil reais).

5. Ainda, segundo o regulamento, "Para saber como receber o prêmio, o consumidor dever(ia) ligar para Central de Atendimento, tel.: (011) 853-0477, de segunda a sexta-feira, das 9:00 às 12:30 e das 14:00 às 18:30".

6. Não era exigido no Regulamento que, para o consumidor ganhar o prêmio, ele deveria sujeitar-se a consulta de um código de segurança fornecido por um programa de computador desenvolvido pela White House. A única condição prevista era que o adquirente do produto conseguisse tampinhas que tivessem as coordenadas premiadas constantes das cartelas, gratuita e publicamente, distribuídas à população nos pontos de revenda dos refrigerantes fabricados pela ré.

7. Ocorre que os consumidores dos produtos da requerida, de quase todas as regiões do país, naquele aludido período, entusiasmado e confiante na farta publicidade feita, além de passar a consumir mais o produto fabricado pela ré, em detrimento dos produtos das outras empresas, que foram vítimas de concorrência desleal, fizeram intercâmbios, através dos meios de comunicação, internet, dentre outros, no sentido de localizar coordenada faltante para fazer jus ao prêmio, o qual seria dividido entre os detentores das respectivas coordenadas. Assim agindo, inúmeros consumidores, inclusive neste Estado de Mato Grosso do Sul, obtiveram êxito no sentido de preencher as coordenadas premiadas, porém ao se dirigirem ao estabelecimento bancário indicado no regulamento, para receber a premiação, esta não lhes era entregue, conforme se verifica nos documentos anexos.

8. Ao perceber que a organização inesperada dos consumidores de todo o Brasil lhe tiraria mais prêmios do que ela estava disposta a pagar, posto que, ao que tudo indica, as restrições das combinações alfanumérica eram feitas por regiões, sem se levar em conta a possibilidade de troca de tampinhas de uma região para outra – a ré começou a criar situações e justificativas infundadas para não fazer as devidas retribuições. Várias foram as desculpas e empecilhos apresentados para negar a entrega do prêmio devido.

9. Primeiramente, deixou os consumidores sem qualquer informação, posto que na Central de Atendimento indicada no regulamento como local de referência para o ganhador saber como receber o prêmio nunca tinha ninguém para orientar os ganhadores que para lá ligavam.

10. Após, a demandada passou a negar o prêmio, sob o pretexto de que as tampinhas não possuíam o código de controle ("código de segurança") que as identificava perante a empresa, código este que era fornecido pelo predito programa de computador, ao qual ninguém tinha acesso nem ciência de sua existência, mesmo porque ele não foi mencionado nas publicidades veiculadas. As publicidades deveriam ter informado todas as restrições existentes para o pagamento do prêmio, se é que se queria impor restrições desde o início, mas tal não foi feito. O que se exigiu foi tão somente que o consumidor conseguisse tampinhas que satisfizessem as coordenadas alfanuméricas constantes das cartelas fornecidas gratuitamente pela ré, sem necessidade de consulta a qualquer código de controle.

11. Posteriormente, tentou responsabilizar os consumidores, dizendo que eles haviam adulterado as tampinhas, nela imprimindo os números e as letras que quisessem, de forma a chegarem facilmente à combinação desejada. Para esclarecer essa acusação, o Procon/MS solicitou a instauração de inquérito policial, para apuração de possível crime de estelionato. Concluído o inquérito, a alegada falsificação não se evidenciou. Para reforçar ainda mais a improcedência da alegação, alguns consumidores "contrataram técnicos para constatar o preenchimento das condições exigidas no regulamento da promoção, bem como para verificar se as tampinhas e as cartelas haviam sofrido alguma espécie de adulteração, sendo certo que o trabalho pericial concluiu que todas as exigências foram cumpridas e que nenhuma fraude ou adulteração foram constatadas no material analisado". (271-272 dos autos de PA 34/96).

12. Diante da já esperada conclusão da perícia, a ré passou a dizer para alguns ganhadores que haviam satisfeito as condições para ganha o prêmio que a cartela deles "apresentava evidente defeito de impressão, uma vez que impressa com as coordenadas completamente fora de quadrante". (f. 181 do PA 34/96).

13. Ao contesta algumas ações propostas, a requerida tentou, em vão, responsabilizar a Alcoa Alumínio S.A., uma das empresas que fabricou e fez a impressão nas tampinhas de plástico que foram utilizadas na promoção, denunciando-a, sem êxito, à lide. Essa denunciada, ao se manifestar no processo, não negou a ocorrência de falha na impressão de algumas tampas, mas deixou claro também que tais tampas não chegaram sequer ser colocadas no mercado, posto que o problema foi detectado e corrigido a tempo. (f. 284, penúltimo parágrafo, do PA 34/96).

14. Frustrados, vários consumidores que não conseguiram receber os prêmios a que tinham direito dirigiram-se ao Procon deste Estado, para as providências legais. Não obtendo aquele órgão êxito em compelir a requerida a efetuar o pagamento dos prêmios reclamados, remeteu à esta Promotoria de Justiça do Consumidor as reclamações, para as providências legais.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

          B) Do direito

          1. Da Legitimidade do Ministério Público em ajuizar Ação Civil Pública visando garantir a defesa de direitos difusos e coletivos(art. 129, III, CF/88) e, também, na defesa de outros direitos individuais (art. 129, IX, CF/88):

A presente ação civil pública visa defender direitos difuso e individuais homogêneos do consumidor. Em relação à defesa do direito difuso, consistente na tomada das medidas necessárias para que não ocorram fraudes e publicidade enganosa nas futuras promoções a serem lançadas no Estado pela ré, não há questionamento a respeito da legitimidade do Ministério Público Estadual. Ela é incontestável. A controvérsia surge, levantada pela insatisfação das empresas que resistem em resolver os problemas individuais de uma forma coletiva, em face do custo que isso lhes causa, quando se trata da defesa dos interesses e direitos individuais homogêneos dos consumidores lesados. Daí a necessidade de deixar esclarecidas, de forma contundente, a legitimidade do órgão ministerial para a defesa desse tipo de interesse.

O primeiro a clarear a legitimidade ministerial, neste último caso, dando seus fundamentos constitucionais e legais, é Nélson Nery Jr.:

"o Ministério Público é parte legítima para ajuizar ACP, não apenas na defesa dos direitos difusos e coletivos, mas de outros direitos individuais. A CF, art. 129, XI, autoriza a lei infraconstitucional a cometer outras atribuições ao MP, desde que compatíveis com sua função institucional de atuar no interesse público, defendendo os direitos sociais e os individuais indisponíveis(CF, art. 127, "caput"). Assim, por exemplo, é constitucional e legítima a atribuição, pelo CDC, art. 82, I, de legitimidade do MP para ajuizamento da ação coletiva na defesa de direitos individuais homogêneos, já que essa defesa coletiva é sempre de interesse social (CDC, art. 1º), ditada no interesse público".

É, sem dúvida, responsabilidade do Ministério Público a postulação em juízo da presente ação para garantir os direitos dos consumidores lesados pela demandada, que lhes negou a entrega dos prêmios devidos. Sem sua atuação, não há como ver restabelecidos os direitos dos lesados.

Encontra-se ainda a legitimidade do Ministério Público, para tutelar os direitos dos consumidores lesados pela Coca-Cola, amparado no art. 81, parágrafo único, III, do CDC, "in verbis":

"Art. 81 – A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único – A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum".

Ensina ainda Nélson Nery Jr. em comentários ao referido artigo do CDC:

"(....) a defesa do direito individual puro não pode ser feita pelo Ministério Público, exceto se for indisponível e houver autorização legal para tanto. No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos, dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo. Essa ação coletiva é deduzida no interesse público em obter-se sentença única, homogênea, com eficácia erga omnes da coisa julgada (CDC, art. 103, III), evitando-se decisões conflitantes. Por essa razão está o Ministério Público legitimado a propor em juízo a ação coletiva para a defesa de direitos individuais homogêneos (Constituição Federal, art. 129, IX; CDC, art. 82, I)".

Prescreve ainda a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público:

          Art. 25 - Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:

IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:

a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos; (grifo nosso)

É dada essa legitimidade para o Ministério Público com a finalidade de se evitar decisões conflitantes sobre uma mesma demanda judicial, já que existe a possibilidade de inúmeros consumidores pleitearem em juízo seus direitos, em ações autônomas.. Assim, os direitos individuais homogêneos podem e devem ser defendidos pelo órgão ministerial com o objetivo de se ter decisão única, em benefício de todos os lesados pela ré.

Nesse sentido é o artigo 103, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 103 – Nas ações coletivas de que trata este Código, a sentença fará coisa julgada:

III – erga omnes, apenas no caso de procedência do pedido, para beneficiar todas as vítimas e seus sucessores, na hipótese prevista no inciso III do parágrafo único do art. 81."

Sobre o tema, cabe ainda citar aqui os ensinamentos da Professora Ada Pellegrini Grinover, em parecer publicado na Revista de Direito do Consumidor, Ed. RT, vol. 5, pp. 213/217, sobre a importância do artigo 81, do Código de Defesa do Consumidor, para o nosso ordenamento jurídico:

"Por esse dispositivo – complementado pelos arts. 91-100 do Código de Defesa do Consumidor quanto aos interesses (ou direitos) individuais homogêneos – o ordenamento pátrio marcou um importante passo no caminho evolutivo das ações coletivas, iniciado pela LACP (Lei n.º 7.347/85). Esta só havia cuidado da defesa de interesses difusos e coletivos (transindividuais de natureza indivisível), voltando-se à proteção dos consumidores e do ambiente, em sentido lato, na dimensão da indivisibilidade do objeto. Agora, com o inc. III do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, complementado pelos arts. 91-100 do mesmo Código, o sistema brasileiro abre-se para o tratamento coletivo da tutela de direitos subjetivos individuais, que podem ser defendidos isoladamente, na linha clássica, mas que também podem ser agrupados em demandas coletivas, dada sua homogeneidade. É a transposição, para o ordenamento jurídico brasileiro, das class actions for damages ou dos mass tort cases do sistema da common law".

O Código de Defesa do Consumidor instituiu uma maior interação entre este diploma legal e a Lei da Ação Civil Pública:

"Art. 117 – Acrescente-se à Lei n.º 7.347, de 24 de julho de 1985, o seguinte dispositivo, renumerando-se os seguintes:

Art. 21 – Aplicam-se à defesa e interesses difusos, coletivos e individuais, no que for cabível, os dispositivos do Título III da Lei que instituiu o Código de Defesa do Consumidor".

Não é outro o entendimento de NELSON NERY JÚNIOR (in "Código Brasileiro de Defesa do Consumidor", Ed. Forense Universitária, 1991, p. 617/619):

"Como o artigo 21 da Lei nº 7.347/85 determina a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor às ações que versem sobre direitos e interesses difusos, coletivos e individuais, o art. 83 do CDC tem incidência plena nas ações fundadas na Lei nº 7.347/85.

Diz o artigo 83, CDC, que são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela. De conseqüência, a proteção dos direitos difusos e coletivos pela LACP, como os relativos ao meio ambiente, bens e valores históricos, turísticos, artísticos, paisagísticos e estéticos, não mais se restringe àquelas ações mencionadas no preâmbulo e artigos 1º, 3º e 4º da Lei 7.347/85. Os legitimados para a defesa judicial desses direitos poderão ajuizar qualquer ação que seja necessária para a adequada e efetiva tutela desses direitos."

Nesse mesmo sentido já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça ao julgar o Recurso Especial nº 49.272-6/RS, onde foi Relator o Ministro Demócrito Reinaldo, recorrente Ministério Público do RS e recorrido Município de Alvorada, no seguinte sentido:

"PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA PARA DEFESA DE INTERESSES E DIREITOS INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. TAXA DE ILUMINAÇÃO PÚBLICA. POSSIBILIDADE.

A Lei nº 7.347, de 1985, é de natureza essencialmente processual, limitando-se a disciplinar o procedimento da ação coletiva e não se entremostra incompatível com qualquer norma inserida no Título III do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90).

É princípio de hermenêutica que, quando uma lei faz remissão a dispositivos de outra lei de mesma hierarquia, estes se incluem na compreensão daquela, passando a constituir parte integrante do seu contexto.

O artigo 21 da Lei nº 7.347, de 1985 (inserido pelo artigo 117 da Lei nº 8078/90) estendeu, de forma expressa, o alcance da ação civil pública à defesa dos interesses e "direitos individuais homogêneos", legitimando o Ministério Público, extraordinariamente e como substituto processual, para exercitá-la (artigo 81, parágrafo único, III, da Lei 8.078/90).

(....) Recurso conhecido e provido para afastar a inadequação, no caso, da ação civil pública e determinar a baixa dos autos ao Tribunal de origem para o julgamento do mérito da causa. Decisão unânime."

Em face dos fundamentos apresentados, o Ministério Público tem total legitimidade para tutelar os direitos dos consumidores lesados pela requerida, até por um questão de economia processual, evitando-se, dessa forma, inúmeras ações que poderiam inviabilizar ainda mais o Poder Judiciário, visto que são muitos os prejudicados pela empresa ré.

2. Da competência do Juízo da Capital para conhecer e julgar a presente causa (ACP para todo o MS):

Em sendo os danos e prejuízos aqui tratado de âmbito regional, competente é o Juízo desta Comarca para conhecer e julgar a presente causa. É nesse sentido que dispõe o Código de Defesa do Consumidor:

Artigo 93 - Ressalvada a competência da Justiça Federal, é competente para a causa a justiça local:

(....);

II - no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente.

Efetivamente, os danos a que estão sujeitos todos os consumidores deste Estado e que são objeto da presente são "danos de âmbito regional", assim entendidos os danos que transcendem a área de uma determinada comarca, como se depreende da lição do professor Vladimir Passos de Freitas:

"quando transcender à área de uma dada Comarca, tratar-se-á de dano regional, enquanto circunscrito ao âmbito de um Estado Federado e a competência para a causa é o foro da Capital do Estado. (Código de Defesa do Consumidor Comentado, 2º Edição, revista e ampliada, 2º tiragem - Arruda Alvim, et alli, Editora TR., pág. 426.)

          3. Da pretensão da presente ação civil pública

          O objetivo desta ação é obrigar a requerida a cumprir a promessa feita, como beneficiária única que foi, em virtude da aludida promoção, onde aumentou substancialmente suas vendas de refrigerantes sua clientela, para vendas futuras, uma vez que os consumidores se sentiam atraídos a adquirir seus produtos com o intuito de receberem os prêmios prometidos.

          É objetivo igualmente dessa demanda a tomada de todas as medidas preventivas, para se evitar outras promoções fraudulentas e enganosas promovida pela ora ré.

          4. Da Prescrição do direito ao prêmio:

          O prazo prescricional de 180 dias para o recebimento do prêmio estatuído no artigo 6º do Decreto 70.951 não se aplica ao caso vertente, dado que os participantes da promoção não ganharam os prêmios porque deixaram de reclamá-los, mas porque a reclamada se negou a entregá-los, sob alegações e justificativas não aceitáveis. Em verdade, o que deve ocorrer no caso presente é uma indenização a ser levada a efeito pela empresa promotora.

          A perda do direito à ação, na espécie, por se tratar de direito pessoal, só se dá após o transcurso de vinte anos.

5. Da aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao caso em exame:

          Indubitavelmente, no presente caso, aplica-se a Lei Protetiva, tanto para os participantes do concurso que não receberam o prêmio, quanto para aqueles que poderão ser vítimas, no futuro, de nova publicidade enganosa.

No primeiro caso, a configuração da relação de consumo se encontra no "caput" do artigo 2º(2) c.c. o artigo 3º, "caput" e parágrafo 1º,(3) ambos do Codecon.

No segundo caso, a aplicação do CDC se dá em virtude da equiparação feita pelo artigo 29(4) deste diploma legal que equipara a consumidor todos aqueles expostos às práticas de publicidades abusivas e enganosas.

          6. Da publicidade enganosa e dos métodos comerciais desleais:

          A respeito da publicidade enganosa, a Lei Protetiva dispõe que:

"Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:

(....);

IV - a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços.

(....).

Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores.

(....)

Art. 36. (....).

Parágrafo único. O fornecedor, na publicidade de seus produtos ou serviços, manterá, em seu poder, para informação dos legítimos interessados, os dados fáticos, técnicos e científicos que dão sustentação à mensagem.

Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§ 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços.

(....).

Art. 38. O ônus da prova da veracidade e correção da informação ou comunicação publicitária cabe a quem as patrocina.

Vê-se, assim, que não há no ordenamento jurídico pátrio espaço para o comportamento da empresa ré.

Todas as informações deveriam ter sido anunciadas ao consumidor, a requerida não poderia, como não pode, depois que o consumidor preencheu os requisitos anunciados fazer novas exigências para cumprir a oferta. Todas as informações e exigências, para ter validade, deveriam já constar do regulamento e da publicidade amplamente feita.

Comportamento como o dela é caracterizado pelo Codecon como prática comercial desleal, em que falta a boa fé e a equidade e que coloca o consumidor em desvantagem exagerada.

A respeito da aplicação do disposto no Código de Defesa do Consumidor no caso de promoções, ensina Antônio Herman de Vasconcelos de Benjamin:

"Não se imagine que, em marketing, só a publicidade pode ser contaminada por enganosidade ou abusividade. Todas as técnicas mercadológicas dão azo a tais desvios. Por conseguinte, as promoções de venda também podem ser enganosas ou abusivas."

E não poderia ser de outra forma, já que o volume da venda, presente e futura, dos produtos estão diretamente ligado as promoções e aos concursos feitos, afetando diretamente a liberdade de escolha do consumidor.

É completamente ilegal, portanto, a pretensão da Recofarma de se furtar à cumprir sua promessa. Nenhuma exigência foi feita ao consumidor a não ser as estampadas no Regulamento do concurso e nas publicidades veiculadas pela imprensa, onde nunca foi sequer ventilada a existência de um código de segurança e muito menos a necessidade de sua consulta.

Mesmo que, por uma hipótese provável, surgissem dúvidas a respeito da satisfação ou não, por parte dos participantes do concurso, das condições estipuladas, estas deveriam ser resolvidas em favor do consumidor(5) e não em favor da empresa, em prejuízo daquele.

          7) Da necessidade de cumprir a promessa feita:

          Com objetivo de aumentar a venda de seus refrigerantes no período de junho a agosto de 96, durante os jogos olímpicos, e com o fim de conquistar mais uma fatia do mercado consumidor globalizado para vendas futuras, majorando assim seu império e sua supremacia no ramo, a Coca-Cola promoveu o concurso "Cartelas Olímpicas". Esta promoção oferecia um prêmio em dinheiro para quem localizasse nas tampinhas dos refrigerantes fabricados pela requerida, bem como nos selos de copos dos produtos participantes, as coordenadas alfanuméricas existentes nas cartelas distribuídas gratuitamente à população.

Os consumidores, diante da vantagem manifesta, além de passar a consumir mais os referidos produtos, desprezando, com certeza, os dos concorrentes, organizaram-se na busca da tal coordenada premiada, na forte expectativa de conseguir o prêmio prometido.

          No final da promoção, apesar de vários consumidores terem logrado êxito em encontrar a tão almejada combinação alfanumérica, não conseguiram, entretanto, receber os prêmios, posto que a promotora do concurso se negou a entregá-los.

A promessa da ré foi clara, bem como foi evidente a aceitação, pelos participantes, das condições impostas, aplicando-se ao caso a lição de Whashington de Barros Monteiro:

          "Aquilo que as partes, de comum acordo, estipularam e aceitaram, deverá ser fielmente cumprido (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o devedor inadimplente". (Cód. Civil, art. 1058, parágrafo único – Curso de Direito Civil, 5º vol, Direito da Obrigações, 2º parte, Ed. Saraiva, 1989, pág 09 ).

No mesmo sentido é Sílvio Rodrigues:

          "Aquele que, através de livre manifestação de vontade, promete dar, fazer ou não fazer qualquer coisa, cria uma expectativa no meio social, que a ordem jurídica deve garantir." (Em Direito Civil, vol. 03, Ed. Saraiva, 7º edição, pág. 12 ).

Tendo a ré se beneficiado com as promoções feitas, a não retribuição no tempo e modo aprazado, constitui-se em enriquecimento ilícito, o que é vedado pelo ordenamento jurídico pátrio.

A tentativa da ré em mudar as regras do jogo para prejudicar o consumidor, mormente quando este já havia feito sua parte, ofende de morte o Código de Defesa do Consumidor, como se vê pela citação abaixo;

"Art. 51 – São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

I - impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor-pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

( .... );

III - transfiram responsabilidade a terceiros;

( .... );

IX - deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

( .... );

XI - autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

( ... )

XIII - autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após a sua celebração;

( .... );

XV - estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor".

Se a ré não poderia sequer mudar unilateralmente o conteúdo da obrigação, como se há de admitir que ela, após o consumidor fazer sua parte, venha a negar a adimplir o prometido, transferindo sua responsabilidade para terceiro ou apresentando justificativas infundadas.

Efetivamente, o comportamento da ré está em desacordo com o sistema de proteção à parte mais vulnerável na relação de consumo, mesmo porque a publicidade feita deve ser cumprida nos moldes em que foi veiculada, pois ela vincula o fornecedor a sua observância integral, consoante se verá no tópico subsequente.

Mais especificadamente, estabelecem os artigos 1.512 e 1.513 do Código Civil:

"Art. 1.512 – Aquele que, por anúncios públicos, se compromete a recompensar, ou gratificar, a quem preencha certa condição, ou desempenhe certo serviço, contrai obrigação de fazer o prometido".

"Art. 1.513 – Quem quer que, nos termos do artigo antecedente, fizer o dito serviço, ou satisfazer a dita condição, ainda que não pelo interesse da promessa, poderá exigir a recompensa estipulada".

Não é outra a disposição do Código de Defesa do Consumidor:

"Art. 30. Toda informação ou publicidade, suficientemente precisa, veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação com relação a produtos e serviços oferecidos ou apresentados, obriga o fornecedor que a fizer veicular ou dela se utilizar e integra o contrato que vier a ser celebrado.

(....).

Art. 35. Se o fornecedor de produtos ou serviços recusar cumprimento à oferta, apresentação ou publicidade, o consumidor poderá, alternativamente e à sua livre escolha:

I - exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;

(....).

Art. 37 – (....).

§ 4º. Quando o fornecedor de produtos ou serviços se utilizar de publicidade enganosa ou abusiva, o consumidor poderá pleitear indenização por danos sofridos, bem como a abstenção da prática do ato, sob pena de execução específica, para o caso de inadimplemento, sem prejuízo da sanção pecuniária cabível e de contrapropaganda, que pode ser imposta administrativa ou judicialmente."

Como se percebe, a pretensão dos consumidores em exigir, através do Ministério Público Estadual, o prêmio prometido através de anúncios públicos tem farto amparo no ordenamento jurídico pátrio, não havendo, portanto, justificativa para a resistência oposta pela requerida.

          8) Da mora e da conseqüente obrigação de reparar os prejuízos causados:

A responsabilidade da ré não se resume em pagar simplesmente os valores prometidos. Não tendo cumprido a tempo os compromissos assumidos, deve ela ressarcir também os danos causados (Artigo 159 do Código Civil e 12 e 14 do CDC).

A ré se encontra, evidentemente, em mora, visto que deixou de cumprir as obrigações dela, "ex vi" do disposto no artigo 955 do Código Civil, cabendo-lhe, portanto, o dever de purgar a mora, arcando com os prejuízos decorrentes.

Nesse sentido é a lei civil, "in verbis":

"Art. 956 – Responde o devedor pelos prejuízos a que a sua mora der causa.

(....).

Art. 959 – Purga-se a mora:

I – por parte do devedor, oferecendo este a prestação, mais a importância dos prejuízos decorrentes até o dia da oferta."

Por prejuízo, mister se faz lembrar, entende-se não só o que o credor efetivamente perdeu, mas o que razoavelmente deixou de lucrar. Essa é a inteligência do artigo 1.059 do códex civil brasileiro.

Sobre o autor
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido. Ação civil pública contra Coca-Cola: promoção de tampinhas de refrigerantes. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 46, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16038. Acesso em: 22 nov. 2024.

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!