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Cobrança de "taxa de contrato" para reserva de aluguel de imóvel

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NO MÉRITO:


Malgrado defenda a legalidade de cobrar do inquilino a "taxa de contrato", por entender ser um serviço prestado em virtude da elaboração do instrumento de locação, a recorrente nega que tenha o hábito de proceder tal cobrança.

Ao que tudo indica, a recorrente dá provas de seu comportamento censurável. Primeiro, tenta justificar o injustificável. Se não der certo (como evidentemente não dará), cinge-se a mentir, negando os fatos aduzidos na petição inicial. Assim, incorre em contradições, próprias da fragilidade de seus argumentos.

Ora, é inconcebível que alguém julgue ser seu direito cobrar por serviços que entende estar prestando e, sem razão plausível, termine por não cobrar. Será que a recorrente está fazendo obras beneficentes, ou está alterando a verdade dos fatos? À toda evidência, a última opção é a que mais se ajusta aos elementos colhidos durante toda a instrução processual.

Com efeito, a recorrente, provavelmente apostando na impunidade, costuma sim exigir o pagamento da referida taxa como condição para a assinatura do contrato de locação. E, para não correr o risco de ficar sem o imóvel, os inquilinos curvam-se aos seus caprichos, efetuando o pagamento indevido. Num primeiro momento, para conseguir alugar o imóvel, e, depois, para não sofrer represálias por ocasião da renovação.

Frise-se, por oportuno, que o autor logrou êxito em provar os fatos constitutivos do direito da massa de locatários que contrataram e que contratarão com o apelante, ratificando-os mediante provas documentais e testemunhais. Quem não se desvencilhou do ônus da prova foi a recorrente, que tropeçou em seus próprios estratagemas.

À f. 270, a testemunha Flodoaldo Alves de Alencar disse que, por ocasião da locação de um imóvel, a recorrente lhe cobrou o valor correspondente a um aluguel a título de "honorários advocatícios", muito embora não tenha tido, no momento da contratação, nenhum contato com advogado.

A pedido da testemunha, a imobiliária entregou-lhe um recibo, comprovando a cobrança da importância acima mencionada, cuja fotocópia encontra-se anexada à f. 16 destes autos.

Por seu turno, a testemunha João Naves de Oliveira, que acompanhou o Sr. Flodoaldo até a sede da administradora Carteira Predial, afirmou, em seu depoimento à f. 271, que efetivamente foi exigido de Flodoaldo o pagamento de uma taxa para a confecção do contrato de locação.

Assim, não há dúvidas quanto a ocorrência dos fatos aduzidos na exordial. Como é cediço em Direito, a cobrança da "taxa de contrato" pelas administradoras tem sido objeto de infindáveis querelas com os inquilinos. Sabe-se que a maioria das imobiliárias exigem ilegalmente o pagamento desta despesa. Tal fato, mais que público e notório, é já um truísmo em nossa grei. Cumpre, agora, à Magistratura dar um basta a tais abusos, zelando pelos interesses dos locatários que, incautos e vulneráveis, são dia a dia esmagados pelos novos césares do mercado imobiliário.

O art. 22, inciso VII, da Lei no 8.245, de 18.10.91 (Lei do Inquilinato), é claro ao dispor que:

"Art. 22 - O locador é obrigado a:

VII – pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente ou de seu fiador."

Ora, os serviços prestados pelas imobiliárias, consistentes nos atos de intermediação e administração vão desde o serviço inicial de aproximação dos interessados até a final elaboração do contrato de locação e recebimento dos aluguéis. Destarte, não há como atribuir ao locatário o pagamento da referida "taxa de contrato", posto que o locador é quem deve arcar com tais encargos.

Neste diapasão, merece transcrição o magistério de ROGÉRIO LAURIA TUCCI e ÁLVARO VILLAÇA AZEVEDO, in Tratado da Locação Predial Urbana, 2o vol., pág. 579, Ed. Saraiva, 1980, vejamos:

"Intermediação, ou, mais simplesmente, mediação correspondente ao serviço inicial de aproximação dos interessados – locador e locatário – mediante a publicação de anúncios, publicidade de outra espécie, contatos com o pretendente à locação, tomada de informações a respeito deste e do fiador ou fiadores, efetuação das respectivas fichas cadastrais, elaboração do contrato locatício, etc."

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Há que se ressaltar que a preocupação em coibir estes abusos foi tão grande, que o legislador acabou tipificando como contravenção penal a cobrança de qualquer quantia além do aluguel e encargos permitidos, conforme preceitua o artigo 43, I, da Lei no 8.245/91, a saber:

"Art. 43 – Constitui contravenção penal, punível com prisão simples de cinco dias a seis meses ou multa de três a doze meses do valor do último aluguel atualizado, revertida em favos do locatário:

I – exigir, por motivo de locação ou sublocação, quantia ou valor além do aluguel e encargos permitidos"

A teor do art. 22 da nova Lei do Inquilinato, o tema é pacífico, sem maiores debates. As despesas com a elaboração do contrato de locação correm por conta do locador. Tal entendimento é também perfilhado pela jurisprudência dominante. O Egrégio Tribunal do Estado de São Paulo, em lapidar Acórdão da lavra do Juiz Canguçu de Almeida, assim se pronunciou sobre a matéria:

"A Lei do Inquilinato, não obstante contendo disposições que se subordinam à vontade das partes, admitindo, neste ponto, a livre convenção, por seu fim eminentemente social, ressaltado por uma preocupação de tutelar a economia da população num setor essencial concernente à moradia, traz, também, em seu contexto, disposições cogentes, de ordem pública, insuscetíveis de derrogação por simples avença, dentre as quais avulta aquela que impõe ao locador o ônus de responder por toda uma série de obrigações que elenca no artigo 18, a expressão despesas de intermediação contida no art. 18, VI, da Lei do Inquilinato, faz certo que a proibição legal abarca tanto os atos preparatórios, anteriores do contrato, como aqueles que lhe sejam posteriores, já firmado o vínculo, estes últimos mais precisamente objetos da palavra administração, também integrante do enunciado legal".


(JUTACRIM – 87/100)

Ao contrário do que dá a entender a recorrente, o Ministério Público não almeja impedir que ela ou seu advogado cobrem pelos serviços de elaboração de contratos de locação. Pretende-se tão somente que estes serviços sejam cobrados de quem realmente os deve, ou seja, do locador, que foi quem contratou o serviço.

Com efeito, é livre o exercício de qualquer profissão. Indubitavelmente, o trabalho do advogado deve ser remunerado. Se ele empregou seu engenho, seu talento e seu saber na confecção do contrato de locação, faz jus à percepção de honorários advocatícios. Todavia, não é lícito impingir ao locatário tais encargos, eis que não previstos em lei. Estas despesas devem ser suportadas pelo locador, já que se inserem em seu rol de obrigações, ex vi do que dispõe o art. 22, inciso VII, da Lei no 8.245/91.

Além do mais, há de se deixar claro que o valor cobrado pela elaboração de um contrato padrão, que depois será reproduzido em série, é por demais exorbitante. Mesmo porque, após sua elaboração, seu uso se limita a um simples preenchimento de dados, serviço esse que pode ser feito por qualquer funcionário da recorrente, sendo certo que esta é uma atividade de digitador e não de um advogado, posto que nenhum profissional do direito vai se prestar a fazer tal serviço.

Aliás, nem a própria elaboração demanda desse tipo de contrato exige um grande conhecimento jurídico, dado que contratos desse tipo são encontrados em qualquer livraria ou em qualquer livro jurídico do ramo, sendo até mesmo encontrados já prontos em CD-Room, sem necessidade sequer de digitá-los.

Será que a apelante, sabendo agora que não mais poderá cobrar do consumidor o valor correspondente a um mês de aluguel por cada contrato que firmar, continuará pagando os direitos autorais ao advogado que elaborou o contrato, cada vez que fizer uso dele ?

Lógico que a resposta é pela negativa. Então, qual a razão de se fazer uma cobrança dessas ao consumidor?

Insurge-se também a recorrente quanto à condenação de restituir aos consumidores, em dobro, o valor recebido a título de "taxa de contrato", por entender que não houve cobrança, mas sim o pagamento espontâneo desta quantia pelo locatário, que foi recebido por engano por um uncionário da empresa. Alega, ainda, que o único lesado já teria sido ressarcido de seus prejuízos.

Patética a asserção. Ora, é evidente que o locatário não iria se predispor a efetuar o pagamento, a menos que tal lhe fosse exigido como condição para a celebração do negócio jurídico. Ademais, o funcionário da imobiliária não seria tão ingênuo a ponto de receber uma quantia considerável, sem ao menos questionar o motivo do pagamento.

Também não merece crédito o argumento de que o único consumidor lesado já foi devidamente reembolsado. Por certo, várias outras pessoas, além daquelas que denunciaram o fato o Ministério Público, foram vítimas da cobrança da "taxa de contrato", o que, aliás, é de praxe dentro do mercado imobiliário, como bem disse a testemunha Denir de Souza Nantes, à f. 278.

Como já se expendeu à exaustão, a cobrança da taxa foi amplamente provada durante o trâmite da instrução processual, tanto por depoimentos testemunhais, quanto por elementos documentais. Assim, a recorrente acabou incidindo nas proibições do art. 42, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 42 – Na cobrança de débitos, o consumidor inadimplente não será exposto a ridículo, nem será submetido a qualquer tipo de constrangimento ou ameaça.

Parágrafo único – O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável.

Este artigo contempla uma sanção imposta àqueles que, ao agirem de má-fé, locupletaram-se em detrimento do consumidor. Aqui, o fulcro do conceito ressarcitório encontra-se deslocado para a convergência de três forças: o "caráter punitivo" , o "caráter preventivo" e o "caráter compensatório" da norma. Tem cunho punitivo, pois a condenação à repetição do indébito, em dobro, avulta-se como um castigo para aquele que infringiu a lei. É de inspiração preventiva, já que evitará que a lesão se perpetue a outros membros da sociedade. Por fim, tem natureza compensatória, pois ressarcirá o consumidor dos prejuízos experimentados.

E, é exatamente isto que o autor pretende obter, atendendo a um anseio eminentemente social.

Cabe salientar que neste particular, o parágrafo único do art. 42 do Código de Defesa do Consumidor é mais benigno do que a Lei do Inquilinato, que prevê, em seu artigo 43, na situação tratada nos autos, multa, em favor do consumidor, no valor de 3 a 12 vezes o valor do último aluguel atualizado.

Se a apelante não quer se submeter ao Código de Defesa do Consumidor, deve ela arcar com a multa prevista na Lei de Inquilinato. Ilesa é que ela não deve ficar, posto que não é possível que se admita que tão somente o consumidor seja, impunemente, lesado.



DOS PEDIDOS:


Ante o exposto, o Ministério Público requer a manutenção da r. sentença de f. 297 a 314, proferida pelo MM. Juiz da 4a Vara Cível desta comarca, Dr. Luiz Gonzaga Mendes Marques, por ser medida da mais lídima justiça.

Nestes Termos,

pede deferimento.

Campo Grande, 20 de julho de 1998.

Amilton Plácido da Rosa

Estagiário do Ministério Público

Sobre os autores
Amilton Plácido da Rosa

Procurador de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROSA, Amilton Plácido; PUCCINELLI JÚNIOR, André. Cobrança de "taxa de contrato" para reserva de aluguel de imóvel. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16040. Acesso em: 23 nov. 2024.

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