AUTOS Nº 94.16316-9
AÇÃO CIVIL PÚBLICA
COMARCA DE CAMPO GRANDE MS
4ª VARA CÍVEL
VISTOS.
O MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE MATO GROSSO DO SUL, por sua Promotoria de Justiça de Defesa de Interesses Difusos e Coletivos, ajuizou em face de CARTEIRA PREDIAL - ADMINISTRAÇÃO E VENDA DE IMÓVEIS LTDA e IRINEU FARINA IMÓVEIS LTDA, a presente ação civil pública com preceito cominatório de obrigação de não fazer, com apoio nos artigos 1º, II e IV, 2º, 3º, 5º caput, e 11 da Lei 7.347/85; 6º, VI, 81 parágrafo único, I, 82, I, 84, caput e seu parágrafo 4º e 90 da Lei 8.078/90, bem como artigos 22, VII, e 43 da Lei 8.245/91.
Em apertada síntese, relata o promovente que mediante inquérito administrativo instaurado por aquela Promotoria, restou apurado que as empresas suplicadas, que atuam no ramo de locação, intermediação e venda de imóveis, estavam cobrando, ao arrepio do artigo 22, VII, da Lei de Locações (8.245/91), as chamadas "taxas de contrato" que consistem, segundo a inicial, na cobrança ilegal do valor de um aluguel para que o pretenso inquilino possa assegurar a celebração do contrato locatício, despesa esta que vez ou outra assume o rótulo de "taxa de expediente", "taxas de cadastro", "honorários advocatícios", mas que, em verdade - prossegue o exórdio -, nada mais são que formas de "mascarar" a ilegalidade da exação de um encargo que, nos termos da lei, deveria ser suportado pelo locador.
Assim é que no dia 14.01.94 - diz o promovente -, a primeira requerida teria cobrado do Sr. Flodoaldo Alves de Alencar a quantia de CR$ 50.000,00 pela reserva de um imóvel residencial que o mesmo pretendia locar, fornecendo-lhe um recibo titulado de "honorários advocatícios", valor este que veio a ser-lhe devolvido pela referida imobiliária, em face de reclamação deste inquilino junto a Promotoria requerente.
Instada a prestar esclarecimentos na fase inquisitorial, o representante legal daquela administradora justificou a cobrança em questão alegando que o funcionário da entidade a exigiu sem a sua expressa autorização, acostando ao procedimento uma declaração da vítima Flodoaldo atestando a devolução da quantia supra.
Quanto a segunda requerida, Irineu Farina Imóveis Ltda, diz que aos 07.04.94 teria cobrado do Sr. Denir de Souza Nantes a quantia de CR$ 40.000,00, correspondente ao valor de um aluguel para fins de preparação do contrato de locação a ser assinado ulteriormente, como também para fazer frente às despesas com advogado para aferição da idoneidade do locatário e de seu fiador, valor este que não lhe foi devolvido até a presente data.
Após dissertar sobre a abusividade e ilegalidade da cobrança de quaisquer valores do inquilino que não aqueles expressamente listados no artigo 23 da Lei 8.245/91, argumenta o "parquet" que em ação civil pública movida pelo M.P.F. contra a COFECI (Conselho Federal de Corretores de Imóveis) foi reconhecida por sentença a nulidade da resolução nº 334 de 10.08.92, editada por aquele conselho, que autorizava a cobrança do inquilino da taxa de preparação de contrato de locação, pelo que se mostra, ao ver do requerente, a flagrante ilegalidade da exação em testilha.
Citando numerosas lições doutrinárias, pediu a procedência da ação a fim de condenar os requeridos a se absterem de efetuar a cobrança da malsinada taxa ou de quaisquer outros valores que não aqueles previstos na legislação de regência, sob cominação de multa de até doze vezes o valor do aluguel mensal, sem prejuízo da responsabilização penal eventualmente cabível.
Pediu, também, seja reconhecido por sentença o direito a repetição em dobro dos valores indevidamente exigidos, a fim de que cada lesado, individualmente, intente, querendo, a competente execução do julgado.
Com a inicial vieram os documentos inclusos no procedimento administrativo, encartados às f. 14-110.
Instada, a suplicada Carteira Predial Adm. e Venda de Imóveis Ltda acudiu a citação oferecendo a contestação de f. 115-119.
Sustenta que não tem por habito cobrar a "taxa de contrato" aludida na inicial; que esta taxa não se confunde com as taxas de intermediação e administração que são cobradas do locador, vez que vocacionadas a cobrir despesas de contrato não vedadas pela lei, sendo, ademais, fruto da livre convenção das partes. Aduz que a se impedir a cobrança em questão estar-se-ia impedindo o sócio - proprietário José Garcez da Costa de exercer livremente o "munus" da advocacia, vez que nada obsta o seu exercício paralelo à atividade de locação de imóveis, consoante preceitos constitucionais e legais que cita. Protesta, alfim, pela improcedência do pleito inicial.
A segunda suplicada, em extenso arrazoado, também contestou às f. 123-143.
Em resumida síntese, diz que a remuneração dos serviços prestados pela administradora encontra sustento nos artigos 1.216 do C.C. e 5º, XIII, da C.F., alegando, ainda, que a prestação de serviços é contrato livre apoiado na permissão do artigo 444 da C.L.T.; articula que o Estatuto da Advocacia contempla o trabalho do advogado com o direito à remuneração dos honorários livremente avençados. Alinhou doutrina dos Professores Sylvio Capanema de Souza e Orlando Gomes, preconizando a legalidade da cobrança da taxa de elaboração do contrato, pois que, na visão destes doutrinadores, a intermediação não se confunde com a fase posterior de feitura do instrumento contratual.
Suscitou a segunda requerida, preliminar de inépcia da inicial, visto que a mesma estaria a descrever pedido contrário ao ordenamento jurídico e à Constituição, ao buscar condenação que obste os profissionais da advocacia de exercerem a sua profissão junto às administradoras de imóveis. Pede a solução de improcedência, acaso não acolhida a preliminar.
A contestação veio instruída com cópias reprográficas de pareceres firmados pelos professores Geraldo Beire Simões e Sylvio Capanema de Souza, em casos análogos ao dos autos (f. 163-211).
Às f. 215-220, o M.P. rebateu a preliminar, perseverando em suas razões de mérito.
Tentada a conciliação em audiência (f. 230), rejeitada esta, foi designada data para audiência de instrução e julgamento para o dia 28.09.95, a qual, após sucessivas redesignações, foi realizada somente em 09.09.96, ocasião em que foram colhidos os depoimentos de duas testemunhas arroladas pelo M.P., sendo designado o dia 19.11.96 para a oitiva de uma testemunha faltante, cujo depoimento encontra-se acostado à f. 278.
Apresentados os memoriais (f. 280-294), nos quais as partes ratificam suas anteriores manifestações, a requerida Irineu Farina, já no apagar das luzes processuais, levantou preliminar de ilegitimidade "ad causam" do M.P. para a propositura da ação, posto tratar-se de interesses individuais disponíveis, fora da esfera da autorização do artigo 81 do C.D.C. Ressalta, ainda, que atuou apenas como mandatária da locadora, sendo certo que o contrato de locação é firmado por esta última e o inquilino, pelo que não há de incidir as disposições do Código de Defesa do Consumidor. No mérito, assim como os demais litigantes, confirmou os seus arrazoados anteriores.
Os autos, então, volveram-me conclusos para sentença.
É o que interessa à guisa de relatório.
Decido.
Impõe-se, antes de mais nada, enfrentar as preliminares argüidas pela suplicada Irineu Farina em sua contestação e nos memoriais que apresentou às f. 283-294.
De inépcia da inicial, destarte, não se há de falar.
A inaugural descreve pedido certo, qual seja, a abstenção das rés em cobrar encargos dos locatários pretensamente ilegais, em procedimento apropriado, vale dizer: em sede de ação civil pública, que é o mecanismo processual idôneo para a proteção dos direitos e interesses do consumidor, tal como se dessume da conjugação dos artigos 81 e 90 da Lei 8.078/90, que rezam:
"Art. 81- A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas, poderá ser exercida em juízo individualmente ou a título coletivo.
Parágrafo único. ´omissis´
I- ´omissis´
II- ´omissis´
III- interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum."
E o artigo 90, de seu lado, prescreve:
(grifei)"Art. 90. Aplicam-se às ações previstas neste Título as normas do Código de Processo Civil e da lei 7.347, de 24 de julho de 1.985, inclusive no que respeita ao inquérito civil, naquilo que não contrariar suas disposições."
Verifica-se, pois, que a ação civil pública é o "remedium juris" adequado para a tutela jurisdicional colimada, sendo, portanto, de se conhecer da inicial.
Arreda-se, na trilha deste raciocínio, a preliminar de falta de pressuposto de desenvolvimento válido e regular do processo suscitada em face da alegada inaplicabilidade do C.D.C. à espécie relatada na inicial. Articula-se, como acentuei no relatório, que a administradora atuara na condição de mandatária da locadora, sendo que a relação locatícia se adstringiria entre esta e o locatário, não havendo, de conseguinte, campo propício para incidência da Lei 8.078/90.
A preliminar, como disse, é inconsistente a mais não poder.
A qualidade de mandatária é negada por vozes de nomeada, senão vejamos:
Carvalho de Mendonça de há muito nos admoestava. Para o mestre "... Mas mandato não é, pois, o corretor não representa o interessado no negócio, mas apenas aproxima um contratante do outro, levando-os a contratar. Pode o corretor até aproximar, por sua iniciativa, dois interessados levando-os a realizar o negócio, atuando pelos dois interesses, o que não poderia ocorrer se fosse mandatário. O corretor não figura no contrato, não é contratante; faz apenas contratar. " (Carvalho de Mendonça, Repertório Enciclopédico do Direito Brasileiro, Borsoi, vol 13, pág. 153.).
No mesmo rumo é o autorizado magistério de José da Silva Pacheco: "parece-nos, igualmente, razoabilíssimo considerar a corretagem como um contrato à parte, de vez que a função do corretor parece, realmente, ser diversa de todas as outras por nós examinadas. A nosso ver, o corretor se distingue - como na prática é comum distinguir-se - do mandatário, do comissário, do locador de serviços e do empreiteiro. Sua função é aproximar dois contratantes ganhando como prêmio do êxito do negócio uma quantia determinada ou proporcional ao preço do negócio." (José da Silva Pacheco, Repertório Enciclopédico Brasileiro, Borsoi, vol. 13, pág. 158).
E assim é. As administradoras de imóveis, com efeito, se profissionalizaram, adquiriram personalidade jurídica de ente hoje classificado pela doutrina como comerciante (Rubens Requião "in" Curso de Direito Comercial, 1º volume, 15ª ed., Saraiva, 1.985, p. 143), vez que atuam com o requisito da habitualidade na intermediação de negócios mediante remuneração. As imobiliárias foram a tanto, que a profissão de corretor acabou por receber o beneplácito do legislador que reconheceu o ofício pela lei 6.530/78 que hoje regula o exercício da atividade, encontrando-se, como nos dá notícia os autos, organizada em conselho de classe (COFECI). Como se vê, as administradoras não atuam somente como simples mandatárias dos locadores. Antes disso, prestam-lhes serviços profissionais especializados na compra, venda, locação e administração dos imóveis que lhe são confiados.
Foi nesse estado de coisas que a Lei 8.078/90 foi editada, visando promover o equilíbrio nas relações de consumo onde o fornecedor de serviços - como é o caso das imobiliárias -, organizado e munido de aparato de profissionais do ramo, se defronta com o consumidor, muitas vezes incauto, que, como parte mais fraca, acabava contratando ao paladar das exigências da administradora.
Portanto, é inquestionável que entre o locatário e a administradora de imóveis estabelece-se uma relação de consumo de serviços, mormente quando se sabe que esta busca atrair o inquilino, oferecendo-lhe um serviço aparentemente confiável de intermediação de imóveis para locação.
Na mesma linha é de se rechaçar a preliminar de ilegitimidade ativa do M.P. para a defesa dos direitos postos na lide.
Para tanto, cabe a indagação: estaria o M.P. promovente buscando a tutela de interesses ou direitos disponíveis e individuais ?
Entendo que a resposta é negativa.
O contestante teria razão acaso se tratasse de ação intentada tão - somente com fulcro na lei 7.347/85, sem o concurso do C.D.C. A Lei da Ação Civil Pública, em seu artigo 1º consigna:
Art.1º. Regem-se pela disposições desta Lei, sem prejuízo da ação popular, a ação de responsabilidade por danos morais e patrimoniais causados:
I - ao meio ambiente;
II - ao consumidor;
III- a bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
IV- a qualquer outro interesse difuso e coletivo.
Portanto, não se cuidando de proteção das relações de consumo, defeso seria ao M.P. intentar a ação civil pública para a defesa de interesses individuais homogêneos, posto que não contemplados expressamente no inciso IV acima citado, que limitou - lamentavelmente, registre-se - a atuação do M.P. à defesa dos interesses difusos e coletivos, que são distintos dos interesses ou direitos individuais homogêneos.
Todavia, no caso dos autos trata-se de relação de consumo, incidindo a permissão do artigos 81, III, e 90 da Lei 8.078/90, que franquearam a via da ação popular, instrumento processual de estatura constitucional, para a defesa dos interesse e direitos individuais homogêneos do consumidor, assim entendidos aqueles decorrentes de origem comum.
Não queira o contestante argumentar que o suposto lesado poderia ter individualmente buscado a tutela de seu direito. Ora, semelhante raciocínio está em rota de colisão com o disposto no artigo 81, "caput", da Lei 8.078/90 que plurificou a legitimação ativa da ação para a defesa dos direitos ali elencados.
A par disso, o que busca o promovente, é bem de ver, não é apenas restaurar os direitos pretensamente violentados das duas vítimas arroladas na inicial, mas sim impor o dever de abstenção dos suplicados em continuarem encetando a cobrança das malsinadas "taxas de contrato" de um grupo homogêneo de consumidores - locatários, ao arrepio da lei.
Em suma, a requerida está a confundir interesses ou direitos meramente individuais, com interesses e direitos individuais homogêneos: estes autorizam o uso da ação civil pública, aqueles não.
A suplicada Irineu Farina, em sua longa contestação, queixou-se de cerceamento de defesa na esfera administrativa, vez que não lhe foi oportunizado amplo contraditório no curso da sindicância presidida pelo "parquet".
No entanto, de cerceamento de defesa não se há de falar.
É que, no caso, não foi aplicada qualquer sanção administrativa à suplicada que importasse em cerceio de defesa. Ademais, como é cediço, nos procedimentos inquisitoriais extrajurisdicionais, a exemplo do inquérito policial, não se desenvolve contraditório, servindo tão - somente para a colheita de informações e elementos para formar o convencimento da autoridade representante do M.P. sobre a necessidade ou não de se instaurar a lide. Anote-se, por derradeiro, que a suplicada, em juízo, se defendeu amplamente das imputações contidas na inicial, confessando, inclusive, a cobrança da malsinada taxa.
Com estas considerações, afasto as preliminares de ilegitimidade "ad causam" ativa do M.P. e de cerceamento de defesa.
No mérito, tenho que procede o reclamo ministerial.
Insta esclarecer, de início, que ambas as requeridas não negam tenham procedido a cobrança das "taxas" postas em destaque. Tanto isso é certo que a Carteira Predial Ltda, ciente de que houvera reclamação de um locatário junto à Promotoria, apressou-se em devolver os valores cobrados, defendendo em juízo a legalidade da exação, embore negando a cobrança habitual de referido encargo. Quanto a essa questão, a segunda requerida - Irineu Farina - sequer negou procedesse a cobrança em tela, limitando-se a defender a legitimidade de sua atitude.
A questão, portanto, é de direito, e como tal será enfrentada neste decisório.
O artigo 22, VII, da Lei 8.245/91, guarda a seguinte redação:
"Art. 22. O locador é obrigado a:
VII - pagar as taxas de administração imobiliária, se houver, e de intermediações, nestas compreendidas as despesas necessárias à aferição da idoneidade do pretendente e de seu fiador."
E em seu artigo 45 dispõe:
"Art. 45. São nulas de pleno direito as cláusulas do contrato de locação que visem a elidir os objetivos da presente Lei, notadamente as que..."
Importa destacar, por necessário, que o legislador de 1.991 foi mais rigoroso que o legislador da revogada Lei 6.649/79, que no artigo 18, VI, dispunha, "et verbis":
"Art. 18 : O locador é obrigado:
VI - a pagar as taxas e quaisquer despesas de intermediação ou administração imobiliária, bem como as despesas extraordinárias de condomínio."
O Profº Gilberto Caldas, em sua obra LEI DO INQUILINATO COMENTADA, Ediprax Jurídica, 6ª ed., 1.997, em comentários ao dispositivo em exame, com pena de ouro, escreveu:
"Também a taxa de administração que é cobrada pelas administradoras de bens, que, na vigência da lei anterior era desavergonhadamente paga pelo inquilino, agora, com inteira justiça, embora tardia, foi atribuída ao locador.
A taxa cobrada a título de colher informações sobre a idoneidade do pretendente à locação, com uma providencial emenda de última hora (pois tanto o anteprojeto, quanto na tramitação continuavam a atribuir o pagamento da taxa ao locatário), por fim foi transferida para o deu real responsável, o proprietário.
Se o locador duvida da idoneidade do pretendente à locação, que pague o preço de sua incredulidade no ser humano. O seu direito de nutrir ceticismo não pode chegar ao ponto de criar ônus ao candidato à locação. Exigir que o locatário pague a despesa provocada por quem duvida de sua honestidade é, no mínimo, constrangedor" (obra citada,105-106).
O raciocínio do mestre é irreplicável e mostra, com exatidão, a "ratio essendi"da norma em foco. Basta ver que o legislador da atual lei das locações foi deveras mais explícito que o seu predecessor, uma vez que fez inserir a vedação de se exigir taxas do locatário para a aferição de sua idoneidade e de seu fiador, debelando de vez a cobrança aqui vergastada.
Poder-se-ia objetar, como fizeram os contestantes, que as taxas cuja exação busca-se vedar, referem-se aos honorários advocatícios tendentes a elaboração do contrato locatício, nada tendo, pois, de ilícito o regular exercício da advocacia assegurado pela Carta e pela legislação infraconstitucional.
Situo a questão posta em mesa, em saber se o disposto no artigo 22, VII, da Lei 8.245/91, reclama interpretação estreita ou lata.
A exegese restritiva, "permissa venia" dos respeitáveis entendimentos esposados nos pareceres acostados aos autos, é, a meu aviso, inaceitável.
A uma porque em se tratando de relação de consumo, vale dizer, regida pela Lei 8.078/90, toda e qualquer interpretação, seja legal, seja convencional, há de ser procedida em favor do consumidor, posto que este é o espírito da Lei em comento. E a duas porque em hora alguma se está a cercear o direito constitucional do advogado associado à empresa administradora de imóveis. O exercício do "munus" da advocacia não pode se sobrepor aos limites da lei, tal como expressamente enuncia o artigo 133 da C.F.
Tenho presente, nessa linha, a cláusula constitucional que consagra o princípio da legalidade estrita inserta no artigo 5º, II, (de que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa, senão em virtude de lei). Ora, não há lei que constranja o locatário a se submeter ao serviço profissional do advogado que milite nas empresas administradoras de imóveis. Ao contrário, o que há é expressa disposição de lei que atribui esse ônus ao locador, devendo ele ser responsabilizado pelos honorários advocatícios devidos àquele operário do direito.
Demais disso, atente-se que a o artigo 45 da presente lei do inquilinato (acima transcrito), fulmina de nulidade qualquer disposição contratual, ainda que verbal, que vise contornar os objetivos do legislador, nestes incluídos, à evidência, a liberação do locatário do pagamento de quaisquer encargos que não aqueles elencados no artigo 23 da Lei 8.245/91.
Nesse contexto, chega a ser falaciosa a argumentação de que houve um contrato de trabalho entre o locatário e o advogado da imobiliária, regido pelo artigo 444 da C.L.T. É que os requeridos olvidaram o princípio da especialidade, segundo o qual o inciso VII do artigo 22 da lei das Locações, vedou fosse cometido ao locatário os ônus de malsinado contrato de honorários, não vedando, como referi amiúde, seja ele celebrado com o proprietário do prédio locando.
Portanto estou convencido de que as chamadas "taxas de contrato", "taxas de cadastro", "honorários advocatícios" cobradas dos locatários ou candidatos à locação de imóveis realmente estão em descompasso com o artigo 22, VII, da lei 8.245/91, sendo, pois, caso de proclamar a procedência do pedido inicial.
Isto posto e considerando tudo mais que dos autos consta, JULGO PROCEDENTE o pedido contido na inicial, a fim de:
a) determinar que as requeridas Carteira Predial Administração e Venda de Imóveis Ltda e Irineu Farina Ltda se abstenham de efetuar a cobrança em desfavor dos inquilinos ou candidatos à locação de quaisquer encargos ("taxa de contrato", "honorários advocatícios",...), seja ela a que título for, salvo, naturalmente dos encargos listados no artigo 23 da Lei 8.245/91, sob pena de multa correspondente 12 (doze) vezes o valor ilegalmente cobrado, quantia esta que será revertida ao fundo institucional regulado pelo Dec. 92.302/1.986;
b) considerando que nos termos do artigo 103, III, da Lei 8.078/90, a presente decisão possui eficácia "erga omnes" em benefício das vítimas de que trata o artigo 81, III, do mesmo diploma, reconheço, desde já, o direito de todos os lesados pela cobrança da aludida "taxa de contrato" efetuada pelas requeridas, de intentarem, querendo, a competente execução deste julgado para que, nos termos dos artigos 95, 97 e 98 do C.D.C., repitam em dobro (art 42, parágrafo único) os valores indebitamente cobrados, acrescidos de correção monetária a partir do desembolso e juros moratórios a contar do eventual ajuizamento da execução que se processará em liquidação por artigos.
c) fica incumbido o M.P. de dar publicidade, pelos meios que dispuser, do teor desta decisão para o fim de levá-lo ao conhecimento de eventuais lesados para que ingressem, querendo, com a execução de sentença.
As custas e despesas processuais serão suportadas pelas vencidas.
Sem honorários em face de ser a presente promovida pelo Ministério Público.
P.R.I.
Campo Grande MS, 26 de janeiro de 1.998.
Luiz Gonzaga Mendes Marques
Juiz de Direito da 4ª Vara Cível