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Ação para impedimento de leilão e renegociação da casa própria

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DA INEXISTÊNCIA DE FUNDAMENTO LEGAL PARA A EXECUÇÃO EXTRAJUDICIAL.

Se foram revogados pela Constituição vigente os dispositivos do Decreto-lei 70/65 e da Lei 5.741/71, referentes à execução extrajudicial, há que se concluir que não há mais fundamentação legal para a execução em apreço, como anteriormente ressaltado.

Vale ressaltar que as mudanças pretendidas pela Lei 8.004/90 à legislação revogada, disciplinadora de execução extrajudicial, não tem qualquer eficácia no sentido de pretender restaurar a vigência da mencionada legislação, mormente a revogação tendo sido operada pela Lei Máxima. Portanto, em não existindo legislação válida, não há o que se falar em alteração.

Diante do aperfeiçoamento da garantia da tutela jurisdicional pela nova Carta Magna, com a previsão expressa, notadamente, do devido processo legal, nos termos do art. 5º, inc. LIV, complementando os princípios da inafastabilidade da jurisdição e da ampla defesa, a atual orientação jurisprudencial, tem-se firmado no sentido do reconhecimento da inconstitucionalidade da execução extrajudicial.

Em liminar inicialmente concedida em ação civil pública, promovida pelo Ministério Público Federal junto à 3ª Vara da Justiça Federal de Cuiabá - Seção Judiciária do Mato Grosso (Proc. 95.964-1), o MM. Juiz Federal Rubem Martinez Cunha, depois de descrever o procedimento da execução impugnada, assinala:

"É bastante singela a descrição para estabelecer-se o confronto com os aludidos princípios constitucionais e ficar bem ressaltada a antinomia. É o próprio direito à propriedade que é mortalmente ferido ao privar-se "o cidadão/executado de seus bens sem o devido processo legal"." (TRF, 1ª R, DJU 08.08.1994)

Não basta, como afirmam alguns credores, que eles só se utilizem da "preferência" que lhes é atribuída, após esgotarem todas as possibilidades de composição amigável. Não.

Direitos individuais não podem ser colocados ao inteiro arbítrio de alguns. Às vezes aos do que têm o poder de impor cláusulas contratuais. Às vezes aos do que tem poder de impor reajustes de preços nem sempre devidamente diferenciados segundo as diversas categorias de consumidores.

Nota-se então, que além de todo elenco de princípios constitucionais aqui avocados e violados por esse tipo de execução, tem-se ainda o princípio da igualdade

Na ação promovida pelo Ministério Público Federal junto à 1ª Vara da Justiça federal de Belo Horizonte - Seção Judiciária de Minas Gerais, o MM. Juiz Lourival Gonçalves de Oliveira assim dissertou:

"(...) configurado o art. 5º, inc. LIV e LV da Constituição Federal, porque as execuções extrajudiciais não asseguram aos mutuários a ampla defesa com recursos a ela inerentes e a matéria envolve questão complexa, somente solucionável pelas vias aptas do contraditório amplo, e não por via unilateral. Tal procedimento executório priva o usuário de seu imóvel, sem o devido processo legal e infringe o princípio constitucional da inafastabilidade da apreciação judiciária. Ademais, qualquer restrição ao citado preceito representaria violação aos princípios da tripartição, autonomia e harmonia dos poderes, para não dizer até mesmo de absorção do Judiciário pelo Executivo."


DA REVISÃO CONTRATUAL

Nos contratos bancários, onde as cláusulas estão postas, estabelecidas de forma unilateral, a autonomia da vontade da parte financiada, simplesmente aderente ao contrato, sem dúvida se coloca numa situação de desvantagem, dentro das condições gerais de um contrato, que se pode chamar de padrão, como é o caso dos contratos atinentes ao Sistema Financeiro de Habitação.

Para corrigir tal situação, os nossos Tribunais têm se pronunciado de forma favorável à alteração das cláusulas impostas de forma unilateral, e desfavoráveis ao mutuário, a exemplo da decisão do Eg. Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, em decisão de sua 5ª Câmara, na voz do Rel. Juiz de Alçada Silvestre Jasson Aires Torres:

"O posicionamento de que os contratos foram livremente firmados e de que não há cláusulas abusivas, não resiste a uma análise em torno do tema, que reiteradamente tem sido motivo de apreciação pelos Tribunais.

Cláusulas que são desfavoráveis ao mutuário, podem ser revistas se impostas de forma unilateral, criando uma situação de desigualdade no contrato, sob pena de se caracterizar uma verdadeira injustiça em cima de um conceito que precisa ser visto com uma visão moderna do direito contratual, e que tem levado a Jurisprudência a firmar posição no enfrentamento do alegado princípio ‘PACTA SUNT SERVANDA’. A doutrina também tem abordado tal tema mais consentânea com o mundo jurídico atual".

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Ao celebrar o contrato de mútuo a fim de adquirir a casa própria - contrato padrão com cláusulas já definidas, que só resguardam os interesses dos agentes financeiros e /ou agentes fiduciários, o mutuário a elas se submete, a despeito da absoluta unilateralidade, por ser o único meio disponível acessível para obter a moradia.

Utilizando-se a terminologia relativa ao CDC, observamos que os agentes fiduciários e/ou agentes financeiros se utilizam de técnicas abusivas de contrato, impondo ao consumidor dos seus serviços, aí incluídos os mutuários do SFH, condições que ofendem a dignidade do ser humano.

Não se vislumbra a característica de comutatividade inerente aos contratos de trato sucessivo, que nos leva à idéia de troca, como ocorre com os firmados entre os mutuários e a Ré, CEF, tendo em vista a flagrante a absurda desigualdade jurídica entre as partes.


DO DIREITO DE RENEGOCIAR AS CONDIÇÕES DE AMORTIZAÇÃO

O Contrato celebrado entre a mutuária e a CEF constitui-se em instrumento de valor regulador e disciplinador da relação entre ambos.

Pois bem, este instrumento regulador e disciplinador dos deveres e obrigações de ambos, disciplina em sua Cláusula 11ª, parágrafo quarto que caso a mutuária sofra redução de renda, terá ela direito de renegociar as condições de amortização, buscando adequar novo comprometimento de renda ao percentual máximo estabelecido na cláusula décima do citado contrato, devendo haver para tanto dilatação do prazo de liquidação do financiamento.

Vejamos in literis o teor das PARÁGRAFOS SEGUNDO, TERCEIRO e QUARTO DA CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA

"Cláusula 11ª

(....)

PARÁGRAFO SEGUNDO - Sempre que o valor do encargo for reajustado resultar em comprometimento da renda dos devedores em percentual superior ao estabelecido na cláusula 10ª deste contrato, a pedido dos devedores, será procedida a revisão do cálculo de seu valor para restabelecer referido percentual, mediante apresentação dos comprovantes de rendimentos/salários/vencimentos dos devedores que participaram da composição de renda inicial, conforme definido na letra "a" deste contrato, relativos ao mês imediatamente anterior ao mês do vencimento do encargo objeto de revisão.

PARÁGRAFO TERCEIRO - Não se aplica o disposto no parágrafo segundo desta cláusula às situações em que o comprometimento de renda em percentual superior ao disposto na cláusula. 10ª tenha se verificado em razão da redução da renda, mesmo que por mudança ou perda de emprego, ou por alteração na composição da renda familiar, inclusive em decorrência da exclusão de um ou mais coadquirentes, bem como ao devedor classificado como autônomo, profissional liberal sem vinculo empregatício, comissionista ou não assalariado.

PARÁGRAFO QUARTO - Nas situações de que trata o parágrafo anterior, ‘e assegurado aos devedores o direito de renegociar as condições de amortização, buscando adequar novo comprometimento de renda ao percentual máximo estabelecido na CLÁUSULA DÉCIMA deste contrato, mediante a dilatação do prazo de liquidação de financiamento, observado o prazo máximo de prorrogação constante na Letra "C" desta contrato."

Da simples análise dos parágrafos acima, percebe-se que no parágrafo segundo facultou-se ao devedor o direito de pedir revisão do valor do encargo mensal sempre que este comprometer o seu rendimento Entretanto, no parágrafo terceiro restringiu-se esta faculdade, mencionando-se algumas situações, nas quais não se aplicaria o disposto no parágrafo segundo, dentre elas a perda do emprego pelo mutuário. Contudo, surge o parágrafo quarto, que em total conflito com o disposto no parágrafo terceiro assegura ao mutuário nas situações que foram restringidas no parágrafo terceiro, aí incluída a perda do emprego por parte do mutuário, permitindo a renegociação das condições de amortização, para adequar o comprometimento da renda.

Ora, a mutuária sofreu redução de renda, encontra-se hoje fora da categoria profissional a que pertencia, achando-se desempregada. Disso adveio a sua inadimplência inicial. Posteriormente quando procurou a CEF para proceder refinanciamento da dívida como se encontrava prescrito no próprio contrato, recebeu resposta negativa de funcionária da CEF, que somente lhe acenou com a possibilidade de um parcelamento da dívida e com pagamento em conjunto com as prestações vincendas. Utilizou-se a Caixa de decisão arbitrária, desrespeitando o próprio contrasto por ela firmado, negando o refinanciamento à Autora.

Não se entende o motivo da CEF não querer cumprir um contrato por ela mesma desenvolvido e redigido em acordo com a sua vontade e de forma unilateral. O que alega a empresa ré, é que a mutuária adquiriu o seu imóvel através do FTGS e , portanto, não poderia ter o seu débito refinanciado. Ora o próprio contrato deixa de maneira clara, na indigitada CLÁUSULA DÉCIMA PRIMEIRA e seus PARÁGRAFOS, que o financiamento lastreado com recursos do FGTS pode e deve ser renegociado de forma a adequar um novo comprometimento de renda com alongamento do prazo de quitação.

Ainda que o contrato fosse omisso no tocante a revisão contratual, utilizar-se-ia o Código de Defesa do Consumidor, que preceitua em seu Art. 6º e incs. V, VI e VII o direito do consumidor renegociar o seu contrato com o prestador de serviço/fornecedor de bens, in verbis:

"Art. 6º - São direitos básicos do consumidor:

V - a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas;

VI - a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos;

VII - o acesso aos órgãos judiciários e administrativos, com vistas à prevenção ou reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos ou difusos, assegurada a proteção jurídica, administrativa e técnica aos necessitados;"

No caso sob análise, a perda do emprego pela mutuária configura-se como um fato superveniente ao contrato celebrado com a empresa Ré, contrato este que vincula os reajustes da prestação à variação salarial da categoria profissional que a mutuária ora ocupava e hoje não mais faz parte, uma vez que não mais pertence a categoria profissional dos bancários, que pode ser considerada uma profissão temporária.


DOS PEDIDOS

1 - Renegociação das condições de amortização e alongamento do prazo de liquidação do financiamento nos termos mencionados pela CLÁUSULA 11ª em seu PARÁGRAFO QUARTO, de forma que o valor da prestação mensal alcance o ápice de R$ 220,00 (duzentos e vinte reais);

2 - O cumprimento de obrigação de não-fazer, a fim de que se abstenha a CEF de executar extrajudicialmente a retomada do imóvel com amparo nos Art. 31. e 32 do Decreto Lei 70/66, com alteração do Art. 1º, primeira parte, da Lei 5.741/71, e Art. 19. e 21 da Lei 8.004/90.

3 - Cominação de multa diária em caso de desobediência no valor de R$ 10.000,00 (dez mil reais)

4 - O cumprimento de obrigação de fazer, a fim de que passem a observar o devido processo legal na eventualidade de retomada do imóvel, tornando a ficar prestações atrasadas

Requer-se, ainda, pela citação dos réus nas pessoas e endereços acima mencionamos, para, querendo, contestarem essa ação em rodos os seus termos até decisão final sob pena de revelia, pugnando pela procedência das pretensões acima referidas

Protesta ainda a Autora, por todos os meios de prova admitidos em Direito, especialmente depoimentos pessoais dos prepostos dos réus, pena de confissão, inquirição de testemunhas, apresentação posterior de novos documentos e realização de perícias.

Propugna também pela condenação da empresa ré nos pagamentos de custas processuais e honorários advocatícios em percentual a ser fixado pelo prudente arbítrio de V. Exª.

Dando-se a causa o valor de R$ 21.000,00 (vinte e um mil reais)

Nestes Termos.

P. Deferimento e juntada aos Autos mencionado em epígrafe,

Itabuna (Ba), 12 de julho de 2000

Pedro Augusto Vivas, Adv. OAB/Ba N º16.080

Aílton Abreu Rocha, Adv. OAB/Ba Nº 15.682

Sobre os autores
Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROCHA, Aílton Abreu; SANTOS, Pedro Augusto Vivas A.. Ação para impedimento de leilão e renegociação da casa própria. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. -1004, 1 out. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16071. Acesso em: 23 nov. 2024.

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