SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
RECURSO EXTRAORDINÁRIO
RECORRENTE: SINDICATO DOS DELEGADOS DE POLÍCIA DO PARÁ.
RECORRIDO: ESTADO DO PARÁ.
RAZÕES DO RECURSO
EGRÉGIO TRIBUNAL
1. DA QUESTÃO DEBATIDA. DA EXPOSIÇÃO DOS FATOS E DO DIREITO.
Ajuizou o recorrente a presente ação visando a garantir o direito líquido e certo dos Delegados de Polícia Civil do Estado do Pará, constitucionalmente assegurado, de cumprirem JORNADA DE TRABALHO não superior a 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais, sem prejuízo do pagamento por eventuais horas extras em que venham a prestar serviço (Gratificação por Serviço Extraordinário).
Nas informações prestadas, aduziu o impetrado, ora recorrido, em preliminar de mérito, a falta de legitimidade ativa do Sindicato-impetrante, ora recorrente, por vício de sua constituição e por ausência de registro sindical, no Cadastro Nacional de Entidades Sindicais do Ministério do Trabalho; e ainda, por não estar autorizado pela Lei para atuar como "substituto processual", nos termos do art. 6º do Código de Processo Civil; e por haver dúvida e indefinição quanto à base territorial do Sindicato-impetrante, ferindo a existência de outros sindicatos que já representam os Servidores Públicos do Estado do Pará.
Aduziu, também em preliminar, a inépcia da inicial, por não apresentar a identificação nominal e as qualificações pessoais dos beneficiários da Ação mandamental em questão; bem como o não cabimento do "writ" por ser utilizado pelo Impetrante como "ação de cobrança" e contra lei em tese.
No mérito, alegou o impetrado-recorrido ser inaplicável aos Servidos Públicos Civis Estaduais, e, assim, aos Delegados de Polícia, os direitos elencados no art. 7º, incisos XIII e XVI da Carta Magna, bem como, ser legal o recorrido-impetrado estabelecer, à luz do art. 8º da Lei Complementar Estadual nº 22/94, jornada de trabalho diferenciada, a ser cumprida pelo policial civil em geral, no que se incluem os Delegados de Polícia.
Por fim, alegou não caber a segurança em função de os Delegados de Polícia receberem a vantagem denominada de "GRATIFICAÇÃO DE TEMPO INTEGRAL", no seu entender, paga com a finalidade de remunerar a realização de trabalho extraordinário, consubstanciado nos plantões aos quais estão submetidos os membros da corporação policial, de 24 horas corridas, mediante escala que assegura ao policial a compensação pelo trabalho contínuo, com o gozar de 48 horas de folga.
Decidindo a questão, acertadamente, percebeu a sentença a quo serem impertinentes cada uma das preliminares suscitadas pelo impetrado, ora recorrido, no que foi acompanhada pelo órgão ministerial, que, de forma brilhante, rebateu uma a uma daquelas preliminares, remetendo-se desde já, quanto a isto, à manifestação do Parquet, evitando-se assim repetições desnecessárias.
No mérito, decidiu a sentença monocrática por conceder a segurança, a fim de que os Delegados de Polícia Civil do Estado do Pará tenham uma jornada de trabalho fixadas em 8 (oito) horas diárias e 44 (quarenta e quatro) horas semanais como estabelece o art. 7º, inciso XIII, por força do disposto no § 2º, do art. 39, da CF/88, devendo ser pagas horas extras quando extrapolado o horário normal (art. 7º, incisos IX e XVI, CF/88), assim fundamentada:
"DO PEDIDO
O impetrante sustenta ter direito líquido e certo a fim de ser cumprida a jornada de trabalho preconizada no art. 7º, XIII, da CF/88. Ainda que a autoridade impetrada alegue que tal dispositivo não se aplica aos funcionários públicos em geral, mas apenas aos trabalhadores urbanos e rurais regidos pelo Estatuto Obreiro, assim não entendo. Evidente, que a redação da referida regra constitucional por força do art. 39, § 2º da CF/88 conduz a certeza que a jornada de trabalho de quarenta e quatro horas semanais é extensiva ao servidor público, como um dos direitos fundamentais do trabalhador em geral, ensejando que se coloque um fim na lamentável exploração do trabalho humano.
......................................................................
O argumento defendido de que todos os Delegados de Polícia Civil do Estado percebem Gratificação de Tempo Integral, como remuneração pelos plantões, de modo algum afasta o critério estabelecido pelo comando do texto constitucional. O que pretende o impetrante em defesa de seus associados é que se cumpra a Lei Maior de modo que a jornada de trabalho não ultrapasse oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais. Sobre a questão, o Egrégio TJE/PA no Acórdão n. 17.320, em que foi relatora a Exma. Des. Maria Lúcia Gomes Marcos dos Santos, assentou:
´O art. 7º item XIII da Constituição Federal é auto-aplicável A jornada de trabalho diária é de 8 horas e semanal de 44 horas. Pelo excedente o funcionário deverá perceber gratificação.´
.......................................................................
Ora, do que restou demonstrado pelo impetrante nenhuma dúvida há quanto a certeza e liquidez do direito colimado, é incontroverso e não necessita de alta indagação, razão pela qual o pleito deve ser acolhido."
De tal decisão apelou o impetrado-recorrido, renovando, em suas razões as mesmas preliminares de ilegitimidade alegadas nas informações.
Por outra, adentrando na questão de mérito do presente debate, renovou, também, os mesmos argumentos das suas informações e pleiteando, ao final, a promoção de reforma da decisão singular, com julgamento pela improcedência do pedido inicial, fundamentando dito pedido em questões que em nenhuma hipótese pudessem ensejar tal medida, francamente insubsistentes, que recorreu por recorrer.
O recorrente apresentou, tempestivamente, as suas contra-razões, requerendo pela negativa do apelo, mantendo a decisão singular em todos os seus termos, cujas razões e fundamentos são ratificadas e adotadas como integrantes deste recurso.
Recebido e processado o apelo, o Tribunal local, através da 2ª Câmara Cível Isolada, produziu decisão consubstanciada no Acórdão nº 35.105, assim ementado:
"EMENTA: REEXAME DE SENTENÇA E APELAÇÃO CÍVEL DIREITO CONSTITUCIONAL E ADMINISTRATIVO MANDADO DE SEGURANÇA.
PRELIMINAR DE IRREGULARIDADE NA CONSTITUIÇÃO DO IMPETRANTE, DA INEXISTÊNCIA DO REGISTRO SINDICAL E DA VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA UNICIDADE SINDICAL REJEITADA À UNANIMIDADE.
PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE ATIVA DO SINDICATO REJEITADA À UNANIMIDADE.
PRELIMINAR DE REPRESENTAÇÃO CLASSISTA E SUA BASE TERRITORIAL REJEITADA À UNANIMIDADE.
MÉRITO CABÍVEL MANDADO DE SEGURANÇA PARA FIXAR JORNADA DE TRABALHO QUE ESTÁ SENDO O EXTRAPOLADA POR DETERMINAÇÃO SUPERIOR, VIOLANDO DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS IMPETRANTES. NÃO GERANDO EFEITOS PATRIMONIAIS ANTERIORES À IMPETRAÇÃO, NÃO PODE SER TIDO O MANDAMUS COMO AÇÃO DE COBRANÇA.
A EXISTÊNCIA DE PORTARIAS DA AUTORIDADE IMPETRADA VIOLANDO AS DISPOSIÇÕES CONSTITUCIONAIS SOBRE HORÁRIO DE TRABALHO, TRANSFORMA A NORMA ABSTRATA EM CASO CONCRETO.
JORNADA DE TRABALHO. INOBSERVÂNCIA ÀS REGRAS DOS ARTS. 7º, XIII, XVI E 39, § 2º DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, OFENDE DIREITO LÍQUIDO E CERTO DOS SERVIDORES PÚBLICOS ESTADUAIS, INCLUINDO-SE ENTRE ELES OS REPRESENTADOS PELO SINDICATO IMPETRANTE.
INCOMPATÍVEL O PAGAMENTO DE HORAS EXTRAS COM O DE TEMPO INTEGRAL JÁ RECEBIDO PELA CATEGORIA IMPETRANTE, AO AMPARO DA LEI COMPLEMENTAR Nº 022/94.
RECURSO CONHECIDOS E PARCIALMENTE PROVIDOS. DECISÃO UNÂNIME."
As razões e fundamentos dessa decisão ora atacada se encontram no corpo do acórdão, constante dos autos.
Vislumbrando a ocorrência de pressupostos legais e, ainda, visando expressamente prequestionar as matérias deduzidas em sede de apelação, o recorrente interpôs embargos declaratórios cujas razões são ratificadas e adotadas como integrantes deste recurso julgados pelo Tribunal local através do Acórdão nº 35.780, assim ementado:
"EMENTA: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. INEXISTINDO NO V. ACÓRDÃO AFIRMAÇÃO CONFLITANTE E NEM SE REVELANDO OMISSO, CONTRADITÓRIO, OBSCURO OU DUVIDOSO, EVIDENCIADO ESTÁ O CARÁTER INFRINGENTE DOS PRESENTES EMBARGOS QUE PRETENDEM MODIFICAR SUBSTANCIALMENTE A PARTE DISPOSITIVA DO JULGADO. EMBARGOS REJEITADOS. DECISÃO UNÂNIME."
As razões e fundamentos dessa decisão constam do corpo do acórdão existente nos autos.
2. DA ADMISSIBILIDADE E DAS RAZÕES DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO. VIOLAÇÃO À LITERAL DISPOSIÇÃO DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Nítida a violação à literal disposição da CF/88 (incisos IX e XVI do art. 7º, c/c o § 2º do art. 39) dos vv. Acórdãos ora guerreados, ao reformar parcialmente a sentença singular, entendendo ser "incompatível o pagamento de horas extras com o de tempo integral já recebido pela categoria impetrante, ao amparo da lei complementar nº 22/94."
As decisões colegiadas ora guerreadas, fundadas em uma interpretação equivocada sobre a natureza jurídica do adicional de tempo integral, ao mesmo tempo que reconhece o direito a nível constitucional dos substituídos do recorrente a uma jornada laboral não superior a 8 horas diárias ou 44 horas semanais, conforme dita a Constituição, inclusive trazendo à colação jurisprudência do Tribunal local sobre a matéria, contraditoriamente entende que, em virtude da percepção do adicional de tempo integral, ser incompatível com a remuneração pela jornada extraordinária. É o que se depreende, nitidamente, do cerne da fundamentação do acórdão recorrido, verbis:
"É consabido, que mesmo exercendo função pública em tempo integral, o servidor público não poderá trabalhar em horário que exceda a jornada diária e semanal de trabalho estabelecida no Art. 7º, inciso XIII, da Constituição Federal.
Em assim sendo, mesmo ganhando o adicional de tempo integral, não podem os Delegados de Polícia Civil do Estado continuar trabalhando em jornada laboral superior à prevista no dispositivo constitucional referido e se tal está acontecendo, o direito líquido e certo dos impetrantes está sendo violado. [GRIFAMOS]
Não se pode deixar de observar, porém, que o adicional de tempo integral já previsto na Lei Complementar nº 022 e que vem sendo recebido pelos impetrantes, é incompatível com o pagamento de horas extraordinárias, pois, sua concessão se deve ao fato dos impetrantes só poderem exercer a função pública de Delegado de Polícia, devido a exigência de prontidão permanente, (...)"
Com efeito, o legislador constituinte não só garantiu aos trabalhadores urbanos e rurais a jornada de trabalho normal não superior a oito horas diárias e quarenta e quatro horas semanais (art. 7º, XIII), como também estendeu esse mesmo direito aos servidores públicos civis (art. 39, § 2º), no qual se incluem os Delegados de Polícia Civil do Estado do Pará. Fica patente, assim, a existência do direito coletivo, líquido e certo, dos representados pelo recorrente.
Bem se vê que a norma constitucional do art. 39, § 2º, estende de maneira indubitável aos substituídos do recorrente, Delegados de Polícia, servidores públicos civis que são, a garantia contra a duração de jornada de trabalho fastidiosa e desumana, extrapoladora dos limites constitucionais estipulados no art. 7º, XIII, da Constituição Federal de 1988.
Ora, sendo o limite constitucional estipulado em 8 horas diárias e 44 horas semanais, qualquer determinação, a título de horário normal de jornada, para além de tais limites, configura o abuso ao direito coletivo líquido e certo em questão.
Conforme demonstrado exaustivamente, a Constituição Federal de 1988, ao limitar a duração do trabalho em 8 horas diárias e 44 horas semanais, reporta-se à jornada normal de trabalho, tanto é que em seu art. 7º, XIII, refere-se expressamente à "duração do trabalho normal".
Assim, o legislador constituinte limitou naqueles termos qualquer duração do trabalho normal. Entretanto, manteve a possibilidade de haver serviço em horário extraordinário, e garantiu a justa contraprestação por este serviço.
Tanto é assim que a Constituição Federal de 1988, depois de conceder, em seu art. 7º, XVI, aos trabalhadores urbanos e rurais "remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento à do normal", e inciso IX, "remuneração do trabalho noturno superior à do diurno", estendeu esses direitos também aos servidores públicos civis (art. 39, § 2º), abrangendo assim, nitidamente, os Delegados de Polícia, no Estado do Pará representados pelo Sindicato-recorrente.
Dando concreção ao preceito constitucional, a Constituição do Estado do Pará previu, entre os direitos dos servidores públicos civis do Estado, "a remuneração do serviço extraordinário superior, no mínimo, em cinqüenta por cento do normal" (art. 31, X), o mesmo fazendo o Regime Jurídico Único dos Servidores Públicos Civis do Estado do Pará (Lei Estadual nº. 5.810/94, art. 133).
Assim, toda vez que, por necessidade do serviço, em situações excepcionais e temporários, o servidor for chamado pela Administração para executar suas atividades em período superior à duração da jornada normal de trabalho, aí haverá "serviço extraordinário", devendo ser paga a gratificação correspondente a este serviço extraordinário. Essa a situação fática que enseja a concessão do benefício.
Por outro lado, equivoca-se o Acórdão guerreado, ao sugerir que o reconhecimento do direito à GRATIFICAÇÃO PELO SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO é incompatível com o ADICIONAL DE TEMPO INTEGRAL já percebido pelos Delegados de Polícia do Estado do Pará.
São situações fáticas completamente distintas que dão ensejo a cada um daqueles direitos, sendo a sua concessão conjunta perfeitamente compatível. Senão vejamos.
Ora, a GRATIFICAÇÃO PELO SERVIÇO EXTRAORDINÁRIO (equivocadamente rotulada de horas extras) é devida em função do serviço prestado além da jornada normal, que é de 8 horas diárias e 44 horas semanais. Engloba os vencimentos do servidor a título de vantagem pecuniária, em caráter transitório, em razão das condições anormais em que venha o Delegado de Polícia a realizar o serviço. Assim, havendo serviço extraordinário, deverá a gratificação ser paga; inexistindo, entretanto, o serviço além da jornada normal, não é devida.
Já o adicional de tempo integral (erroneamente tratado pela Lei Complementar Estadual nº 22/94 como "gratificação" de tempo integral, art. 69, II) é devido em conseqüência do desempenho de função especial. Integra os vencimentos do servidor a título de vantagem pecuniária, mas em caráter permanente, em razão da importância e complexidade da atividade policial. Aqui, sendo reconhecidamente peculiar a função exercida pelo Delegado de Polícia, a todo instante é devido aquele adicional.
O administrativista Hely Lopes Meirelles respalda de forma lapidar esse entendimento:
"Vantagens pecuniárias são acréscimos de estipêndio do servidor, concedidas a título definitivo ou transitório, pela decorrência do tempo de serviço (ex facto temporis), ou pelo desempenho de funções especiais (ex facto officii), ou em razão das condições anormais em que se realiza o serviço (propter laborem), ou, finalmente, em razão de condições pessoais do servidor (propter personam). As duas primeiras espécies constituem os adicionais (adicionais de vencimento e adicionais de função), as duas últimas formam a categoria das gratificações (gratificações de serviço e gratificações pessoais). Todas elas são espécies do gênero retribuição pecuniária, mas se apresentam com características próprias e efeitos peculiares em relação ao beneficiário e à Administração" (Direito Administrativo Brasileiro, 18 ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 402).
Bem se vê, pois, que o serviço prestado além da jornada normal, ou seja, em condições anormais, enseja ao servidor o pagamento de GRATIFICAÇÃO. E o exercício puro e simples de função especial, como é a de Delegado de Polícia, enseja o pagamento de adicional. Duas vantagens nitidamente diferenciadas, correspondendo cada qual a outras duas situações fático-geradoras do benefício, claramente distintas. Daí não ser possível a exclusão uma da outra, como inusitadamente ameaça a decisão colegiada ora guerreada, pois constituem vantagens plenamente harmonizáveis.
Daí ter doutrinado o Prof. Hely Lopes Meirelles, mais uma vez, o seguinte
"Em princípio, as vantagens pecuniárias são acumuláveis, desde que compatíveis entre si e não importem repetição do mesmo benefício concedido pela lei. Não há confundir acumulação de cargos com acumulação de vantagens de um mesmo cargo, ou de cargos diversos constitucionalmente acumuláveis. Desde que ocorra o motivo gerador da vantagem, nada impede sua acumulação, se duplicadas forem as situações que a ensejam" (Direito Administrativo Brasileiro, 18 ed. São Paulo: Malheiros, 1993, p. 403).
Distintas são as vantagens, porque distintas igualmente são as situações fáticas que as ensejam; e a ambas fazem jus os Delegados de Polícia do Pará, porque a ambas as situações fáticas que as ensejam encontram-se eles sujeitos, como se demonstrará a seguir.
Para não restar dúvidas a esta E. Suprema Corte, não é de mais o apelo à doutrina administrativista pátria, que assim enquadra o adicional por tempo integral:
Hely Lopes Meirelles diz que os adicionais:
"são vantagens pecuniárias que a Administração concede aos servidores em razão do tempo de serviço (adicional de tempo de serviço), ou em face da natureza peculiar da função, que exige conhecimentos especializados ou um regime próprio de trabalho (adicionais de função)" (Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 405).
Maria Sylvia Zanella Di Pietro assim se reporta aos adicionais:
"Os adicionais de função são pagos em decorrência da natureza especial da função ou do regime especial de trabalho, como as vantagens de nível universitário e o adicional de dedicação exclusiva. Em regra, também se incorporam aos vencimentos e aos proventos desde que atendidas as condições legais" (Direito Administrativo, 5 ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 385).
Ora, não resta dúvida que a atividade do Delegado de Polícia apresenta uma natureza peculiar, nitidamente especial e complexa, assim reconhecida em lei.
Nesse sentido, a própria Lei Complementar n. 22, de 15 de março de 1994 ("Estabelece normas de organização, competências, garantias, direitos e deveres da polícia civil do Estado do Pará") admitiu em seu art. 61, I, que:
"Art. 61 - São direitos dos policiais civis, além dos atribuídos aos servidores públicos no artigo 39 e §§ 1º e 2º da Constituição Federal e artigos 30 e 31 da Constituição Estadual, os seguintes:
I - vencimentos compatíveis com a importância e complexidade da atividade policial, cujo exercício, reconhecidamente perigoso, penoso e insalubre é necessário à defesa do Estado e do povo."
Demais disso, ainda a mesma Lei, desta feita em seu art. 72, impõe aos Delegados de Polícia as mesmas vedações previstas na Constituição Estadual aos membros do Ministério Público, quais sejam:
"Art. 181. Aos membros do Ministério Público [leia-se ao Delegados de Polícia] são estabelecidas: (...)
II - as seguintes vedações:
- receber, a qualquer título e sob qualquer pretexto, honorários, vantagens ou custas processuais;
- exercer a advocacia;
- participar de sociedade comercial, na forma da lei;
- exercer, ainda que em disponibilidade, qualquer outra função pública, salvo uma de magistério;
- exercer atividade político-partidária, salvo exceções previstas na lei".
Bem se vê, pois, que o adicional por tempo integral merece ser pago aos Delegados de Polícia não em função do exercício de eventuais serviços extraordinários, mas em decorrência da importância e complexidade da atividade policial, expressamente reconhecidas em lei. Deve ser pago ainda em decorrência do fato de o Delegado exercer a função policial com exclusividade, impondo-se-lhe vedações idênticas às atribuídas a membros do parquet.
Também não importa se a jornada de trabalho é intervalar ou ininterrupta (a jornada dos Delegados de Polícia do Estado tem sido de vinte e quatro horas ininterruptas!). Com feito, não se confunde "função exercida em tempo integral" com "jornada de trabalho ininterrupta". Aquela diz respeito a vedações funcionais impostas ao servidor, tais como as atribuídas aos Delegados de Polícia, nisso assemelhados aos Promotores de Justiça; esta se refere ao lapso temporal diário em que o serviço é prestado. Apenas a primeira (função exercida em tempo integral) é ensejadora da gratificação por tempo integral.
Em vista disso, a própria Lei Complementar n. 22/94 concedeu de maneira insofismável o referido adicional aos Delegados de Polícia, apelidando-o erroneamente, entretanto, como já visto, de "gratificação", conforme se vê abaixo:
"Art. 69 - O policial civil terá as seguintes gratificações policiais:
...............................................................
II - Gratificação de dedicação exclusiva e/ou de tempo integral"
Pouco importa aqui o apelido dado pelo legislador estadual à referida vantagem, sendo de relevar antes a sua natureza jurídica, isto porque, conforme aponta Hely Lopes Meirelles:
"A legislação federal, estadual e municipal apresenta-se com lamentável falta de técnica na denominação das vantagens pecuniárias de seus servidores, confundindo e baralhando adicionais com gratificações, o que vem dificultando ao Executivo e ao Judiciário o reconhecimento dos direitos de seus beneficiários" (Direito Administrativo Brasileiro, cit., p. 404).
A própria lei que criou tais vantagens diz que elas são devidas em razão do especial regime de exercício de Polícia Judiciária, cuja prestação de serviço sujeita o funcionário à dedicação exclusiva e ao cumprimento de horário em regime de tempo integral. É nesse sentido o art. 45 da Lei Complementar n.º 22/94:
"Art. 45. A função de Polícia Judiciária sujeita o funcionário à prestação do serviço com risco de vida, insalubridade, dedicação exclusiva, respeitadas as garantias constitucionais e cumprimento de horário em regime de tempo integral, realizações de plantões noturnos e chamadas a qualquer hora do dia ou da noite, inclusive nas dispensas de trabalho, bem como, a realização de diligências policiais, em qualquer região do Estado ou fora dele, recebendo o policial todas as gratificações e adicionais correspondentes à exigibilidade e peculiaridade do exercício de sua função, conforme dispõe esta Lei" (destacamos)
Por outra, a despeito de a Lei Complementar n. 22/94 não prever a gratificação pelo serviço extraordinário, é inconstitucional negar tal direito aos substituídos do recorrente, até porque tal garantia lhes é assegurada pelas próprias Constituições Federal e Estadual, independentemente de lei ordinária concretizadora, como já restou demonstrado.
Assim, incide na espécie o disposto na Lei n. 5.870/94 (RJU dos Servidores Públicos Civis do Estado), em tudo aplicável aos Delegados de Polícia sempre que não contrariar o regime especial despendido a estes. Tal Lei prevê em seu art. 133 a gratificação pelo serviço extraordinário eventualmente prestado pelo policial. A referência legal, todavia, é plenamente dispensável, uma vez que tal direito é garantia constitucional autônoma.
A gratificação pelo serviço extraordinário é devida em função de um plus, de um acréscimo eventual à jornada ordinária de trabalho, conforme já se viu. Não se confunde com o adicional de tempo integral, este devido ao servidor em razão da peculiaridade de sua função, reconhecidamente importante e complexa, para a qual o servidor se dedica em regime de dedicação integral (não confundir "regime de dedicação integral", do que se está tratando aqui, com "regime de trabalho em turno ininterrupto").
A concessão da gratificação pelo serviço extraordinário, direito autônomo do servidor, assegurado constitucionalmente, nem se confunde com o adicional de tempo integral, nem por este pode ser elidido.
Daí porque inconstitucional o disposto no art. 138 da Lei n. 5.870/94 (RJU), que priva o servidor público de um direito assegurado tanto em sede de Constituição Federal como de Estadual. E o faz ao legislar que
"As gratificações por prestação de serviço extraordinário e por regime especial de trabalho excluem-se mutuamente."
O "absurdo legislativo" está em que o legislador ordinário, acostumado às arbitrariedades anteriores à Carta Democrática de 1988, raciocinou em termos de "regime especial de trabalho" (no caso dos Delegados de Polícia, vinte e quatro horas diárias e, às vezes, setenta e duas horas semanais!), deixando de entrever a limitação constitucionalmente imposta, em garantia dos cidadãos-funcionários.
Direito autônomo, constitucionalmente garantido, a gratificação pelo serviço extraordinário merece reconhecimento mesmo em face da torpeza da Autoridade Administrativa de plantão. E mais, a gratificação é direito que subsiste em patamar de supremacia constitucional mesmo diante da atitude do legislador ordinário em tentar derribá-lo.
E a decisão adotada pelo acórdão guerreado fere a literalidade dos preceitos constitucionais indicados.
3. DAS RAZÕES DO PEDIDO DE REFORMA DA DECISÃO RECORRIDA.
Assim, não pode prevalecer a decisão recorrida, tudo levando à necessidade de reforma do julgado, para afastar a violação à Constituição Federal que garante aos servidores públicos civis do qual se incluem os substituídos do recorrente o direito a jornada de trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais (art. 7º, XIII), e a remuneração pela jornada de trabalho extraordinária (art. 7º, incisos IX e XVI).
9. CONCLUSÃO
Ante o exposto, demonstrado o cabimento do recurso, pede que essa Egrégia Suprema Corte, em dele conhecendo, dê-lhe provimento para reformando a decisão colegiada guerreada, seja concedida a segurança nos exatos termos da decisão singular, por ser medida de direito e justiça.
Belém/PA, 27 de abril de 1999
Advogado OAB/PA Nº 6795