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Mandado de segurança de consumidor doméstico contra racionamento

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Agenda 01/10/2001 às 00:00

Inicial de mandado de segurança impetrado por consumidor doméstico contra as medidas provisórias do racionamento de energia elétrica. A liminar foi negada pelo juiz, sob o fundamento de que as medidas provisórias teriam sido uma das poucas a atenderem os requisitos de relevância e urgência.

            EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DA___VARA FEDERAL DA COMARCA DE GOIÂNIA GO.

            ALBERTO DA SILVA DIAS, brasileiro, casado advogado aposentado, inscrito na OAB-GO sob o nº 595, residente e domiciliado na rua 22, nº 108, Setor Oeste, Goiânia, através de seu advogado que esta subscreve, com escritório profissional na Rua 10, nº 109, Ed. Gold Center, sala 06, Setor Oeste, Goiânia ­ GO, tel 062 2155408, vem à douta presença de Vossa Excelência com fulcro na da Lei nº 1.533/51 e no art. 5º, LXIX, da Constituição Federal, impetrar:

            MANDADO DE SEGURANÇA PREVENTIVO COM PEDIDO DE LIMINAR

            Em desfavor da Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica do Conselho de Governo GCE, criada pela Medida Provisória número 2.147, de 15 de maio de 2001, com sede em Brasília, na Praça Três Poderes, na Casa Civil da Presidência da Republica na pessoa de seu presidente. E como litisconsórcio passivo as Centrais Elétricas de Goiás CELG, pessoa jurídica com sede na no edifício Gileno Godoy, s/n, Jardim Goiás, Goiânia GO, na pessoa de seu presidente pelos fatos e fundamentos abaixo aduzidos:


DOS FATOS

            O Governo Federal após anos de descuido com a política de abastecimento de energia elétrica, deixou levar o país a uma crise que é de sua inteira responsabilidade.

            O povo brasileiro sensível a esta situação está dando sua colaboração e o consumo de energia já diminuiu cerca de 10%. O impetrante que é um cidadão cumpridor de seus deveres sociais está dando sua colaboração espontânea para economizar energia, se viu pego de surpresa com a edição da Medida Provisória número 2.147, de 15 de maio, que determina que as concessionárias permissionarias e autorizadas de serviços públicos de distribuição de energia elétrica, localizadas nas regiões Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste, adotem a redução de fornecimento às unidades consumidoras residenciais por elas atendidas, o que foi decretada pela impetrada através das Resoluções de número 1 a 16, de 16 de maio.

            O governo Federal sem ouvir a sociedade editou a Medida Provisória 2.147, de 15 de maio, criou Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE:

            Art. 1º Fica criada e instalada a Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica - GCE com o objetivo de propor e implementar medidas de natureza emergencial para compatibilizar a demanda e a oferta de energia elétrica, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia elétrica.

            Art. 2º A GCE compete:

            I - estabelecer e gerenciar o Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica;

            II - estabelecer e gerenciar o Programa Estratégico Emergencial de Energia Elétrica;

            VII - estabelecer medidas compulsórias de redução do consumo de energia elétrica;

            VIII - propor a alteração de tributos e tarifas sobre bens e equipamentos que produzam ou consumam energia;

            IX - decidir quanto à implantação de racionamento e suspensão individual e coletiva do fornecimento de energia elétrica;

            Art. 5º: O Programa Emergencial de Redução do Consumo de Energia Elétrica tem por objetivo compatibilizar a demanda de energia com a oferta, de forma a evitar interrupções intempestivas ou imprevistas do suprimento de energia, compreendendo ações de curto prazo para:

            I - estabelecer plano de contingenciamento de carga, definindo os elementos e as medidas necessárias para redução compulsória da demanda de energia elétrica;

            II - otimizar o consumo de energia, priorizando setores estratégicos;

            III - deflagrar campanhas educativas com vistas a conscientizar a população para a necessidade da redução do consumo de energia;

            V - fixar regimes especiais de tarifação ao consumidor segundo os seus níveis e limites de consumo, bem como propiciar a concessão de bônus por consumo reduzido de energia elétrica;

            VI - estabelecer limites de uso de energia;


O ATO ATACADO

            Em suas primeiras medidas, a ditatorial câmara, criada por uma malfadada medida provisória (onde a sociedade nem o congresso foram ouvidos) determinou:

            Que fosse criada uma supertarifa, para o consumo de 200 kWh até 500 kWh receberá multa de 50%.E de 200% sobre o consumo acima de 500 kWh por mês, além disso, o governo federal vai cortar o fornecimento de energia por três dias no para consumidores residenciais que não cumprirem a metade economia de 20%. Em caso de reincidência, o corte será de seis dias.

            O governo além de criar uma sobretaxa, que se caracteriza como um confisco também criou a pena capital do que e com corte de fornecimento da energia elétrica que é um bem essencial a sobrevivência humana, é uma dupla penalidade descumprindo o artigo 22 do Código de Defesa do Consumidor, que diz que o serviço tem de ser contínuo. Segundo o prestigiado o jurista Ives Gandra Martins: "Punição não pode ser imposta por um ato administrativo".

            Código de Defesa do Consumidor em ser art. 22 assevera:

            Art. 22 - Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias, permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto aos essenciais, contínuos. Parágrafo único. Nos casos de descumprimento, total ou parcial, das obrigações referidas neste artigo, serão as pessoas jurídicas compelidas a cumpri-las e a reparar os danos causados, na forma prevista neste código.

            As medidas do governo refletem um verdadeiro aumento nas tarifas de energia elétrica. Contudo, de acordo com as Leis 8.987/95 (Lei de Concessões) e 9.427/97, isso só poderia ocorrer do modo e nas datas previstas nos contratos de concessão, e obedecendo aos princípios constitucionais que garantem o acesso de todos os cidadãos aos serviços públicos essenciais e ao Código de Defesa do Consumidor, artigos 6º, inciso X, 22 e 39, X, que asseguram a obrigatoriedade da prestação eficaz desses serviços.

            É importante perceber que, mesmo obedecendo ao redutor de 20% no consumo, o consumidor estará sujeito a aumentos de tarifa. Veja o quadro abaixo feito pelo IDEC, onde se constata que o aumento do quilowatt-hora para o consumidor de até 500 kWh será de 20%, mesmo considerando o corte de 20% no consumo.

            E para o impetrante que terá sua média na casa dos 1000 kWh, o aumento real da tarifa mesmo com a redução de 20% será de 48.4%.

            O corte proposto pelo governo para os consumidores que, apesar de pagarem a conta, não atenderem à cota de 80% no consumo de energia elétrica é inconstitucional, porque viola o dever de prestação de serviço público essencial de forma contínua, tendo em vista o artigo 175 da Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, artigos 6º, inciso X, e 22.

            A Constituição Federal garante, em seu artigo 175, que o Estado deve garantir a continuidade da prestação dos serviços públicos essenciais de forma adequada, o que, no caso, não vem sendo realizado pelo governo, que nem mesmo tem obrigado as empresas a investirem no setor.

            Outra ilegalidade decorrente do aumento de tarifa somado à obrigatoriedade de redução do consumo é o fato de que parte da tarifa paga mensalmente pelos consumidores, pela lei, deveria ser direcionada à garantia de manutenção e investimento no sistema elétrico brasileiro. Há mais de dez anos o governo não faz investimentos no setor e o consumo esta sempre aumentando. O governo deixou de aplicar na manutenção do sistema energético os recursos que arrecadou durante anos dos consumidores, e desmontou o setor, sendo sua exclusiva culpa a atual situação.

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DO FUMUS BONI IURIS

            O impetrante tem 74 anos de idade, e em sua residência moram oito pessoas e sempre recebe visitas de filhos e netos e parentes de outras cidades. O consumo médio atual é de 1300 kWh, sendo que a mais de um ano já trocou todas as lâmpadas comuns pelo modelo econômico fluorescente. O impetrante já reduziu em muito o consumo de energia elétrica, mas dificilmente conseguirá atingir as metas impostas pelo governo sem grave prejuízo da qualidade de vida.

            O consumo médio no ano passado foi de 1016 kWh (doc anexo). Ano passado vários membros da família viajaram durante o período que será retirado a média, portanto logo de cara o impetrante vai ter uma perda de 3oo kWh, decorrente de uma situação normal da vida das pessoas, ou seja, elas viajarem em certos períodos.

            O conceito de tarifa se identifica como a "quantia que o usuário de determinado serviço paga ao Estado pela utilização concreta do serviço público prestado".(J. M. Othon Sidou, in "Dicionário Jurídico").

            Segundo a definição de Plácido e Silva in "Vocabulário Jurídico":

            "tarifa não integra o gênero tributo, pois tem a significação de pauta ou tabela do que deve ser pago por alguma coisa, quando ocorrer o fato em que é devido".(grifos nossos)

            Seguindo esta linha de raciocínio a autoridade coatora vem atuando de forma contrária à lei, pois está cobrando por algo que não foi consumido pelo usuário do serviço.

            O futuro presidente do Supremo Tribunal Federal, ministro Marco Aurélio de Mello, afirmou em declarações na imprensa que o órgão deverá considerar a sobretaxa de energia um "confisco". "A jurisprudência do STF é no sentido do confisco quando a importância adicionada ultrapassa o próprio valor inicialmente devido".

            Caso a expectativa do ministro se confirme, serão derrubadas as duas medidas provisórias que dão base à cobrança de sobretaxa dos que consomem mais.

            O próprio Código de defesa do consumidor em seu Artigo 39 assevera:

            "Artigo 39 - É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços":

            I - condicionar o fornecimento de produto ou serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;

            V - exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva.

            A sobretaxa está em flagrante ofensa aos "princípios fundamentais do sistema jurídico", não só à que pertence (defesa do direito do consumidor), mas a toda ordem jurídica, enquanto tutelada pelo princípio do não enriquecimento ilícito, na medida em que há o auferimento de vantagem sem causa, e ninguém sabe a destinação dos recursos obtidos com essa absurda tarifa de 200%.

            É o art. 964 do Código Civil, preconiza que: "Todo aquele que recebeu o que lhe não era devido fica obrigado a restituir...."

            Em se tratando de direito do consumidor, toda cobrança indevida importa em devolução em dobro, tal qual reza o art. 42, parágrafo único, nos seguintes termos: "O consumidor cobrado em quantia indevida tem direito à repetição do indébito, por valor igual ao dobro do que pagou em excesso, acrescido de correção monetária e juros legais, salvo hipótese de engano justificável".


DO PERICULUM IN MORA

            Caso o impetrante não cumpra as metas estabelecidas pelo pela impetrada será penalizado com o corte de energia três dias e de seis dias caso não cumpra o estabelecido.

            Como já afirmamos será quase impossível o impetrante cumprir as metas estabelecidas, visto que já economiza muita energia, portanto a punição certamente virá.

            Trata-se de uma perversidade que não tem guarita em nosso direito o jurista Fábio Konder Comparato, afirma: "a legislação que trata do fornecimento de energia elétrica não permite o corte a não ser quando o consumidor deixa de pagar sua conta".

            O jurista Ives Gandra Martins endossa: "Punição não pode ser imposta por um ato administrativo".

            Portanto MM juiz só resta ao impetrante buscar a justiça afim de que aos 74 anos de idade, aposentado, seja compelido a voltar a idade das trevas.

            As medidas violam o Código de Defesa do Consumidor. Porque há um contrato de fornecimento e esse contrato não pode ser unilateralmente modificado. E também porque cria a chamada onerosidade do contrato, ou seja, talvez fique impossível para o impetrante que é aposentado cumprir esse contrato pelo ônus extraordinário que lhe advém, por causa da sobretaxa.

            O periculum in mora, é claro e cristalino, evidenciado pela plausibilidade do impetrante ser punido com a sobretaxa, onerosidade, e corte de um bem essencial na vida moderna. Conclui-se desde já que a interrupção do fornecimento de energia do impetrante jamais ocorrerá no interesse da coletividade, mas, sim, contra, pois não é demasiado difícil imaginar os nefastos efeitos que a interrupção, mesmo quando temporária, acarreta às pessoas.


OS SERVIÇOS PÚBLICOS E O DIREITO ADMINISTRATIVO

            À luz do Direito Administrativo, pode-se dizer que serviço público é toda atividade de oferecimento de utilidade ou comodidade material fruível diretamente pelos administrados, prestado pelo Estado ou por quem lhe faça às vezes, sob um regime de Direito Público.

            Segundo a doutrina de Hely Lopes Meirelles, os serviços públicos, em linhas gerais, ainda se classificariam em administrativos, industriais, uti singuli e uti universi.

            Serviços administrativos são os que a Administração executa para atender a suas necessidades internas ou preparar outros serviços que serão prestados ao público, tais como o da imprensa oficial, das estações experimentais e outros dessa natureza.

            Serviços industriais são os que produzem renda para quem os presta, mediante a remuneração da utilidade usada ou consumida, remuneração, esta, que, tecnicamente, se denomina tarifa ou preço público, por ser sempre fixada pelo Poder Público, quer quando o serviço é prestado por seus órgãos ou entidades, quer quando por concessionários, permissionários ou autorizatários.

            Serviços uti universi são aqueles que a administração presta sem ter usuários determinados, para atender à coletividade no seu todo, como os de polícia, iluminação pública, calçamento e outros dessa espécie. Esses serviços satisfazem indiscriminadamente a população, sem que se erijam em direito subjetivo de qualquer administrado à sua obtenção para seu domicílio, para sua rua ou para seu bairro. Estes serviços são indivisíveis, isto é, não mensuráveis na sua utilização.

            Serviços uti singuli são os que têm usuários determinados e utilização particular e mensurável para cada destinatário, como ocorre com o telefone, a água e a energia elétrica domiciliares. Esses serviços, desde que implantados, geram direito subjetivo à sua obtenção para todos os administrados que se encontrem na área de sua prestação ou fornecimento e satisfaçam as exigências regulamentares.

            Em face da Constituição Federal de 1988 (art. 175), entendemos conceituarem-se como serviços públicos todos aqueles prestados pelo Poder Público, quer diretamente ou por intermédio de seus delegados, os quais se submetem às regras e controles do Estado. O serviço público é, por natureza, estatal.

            Nesse contexto, pouco importa a sua classificação em administrativos, industriais, uti singuli e uti universi, eis que a sua natureza será sempre pública tão-só pelo fato de a Constituição assim ter definido.

            Calha, nesse diapasão, a doutrina do ilustre Celso Antônio Bandeira de Mello: "A Carta Magna do País já indica, expressamente, alguns serviços antecipadamente propostos como da alçada do Poder Público federal. É o que se passa com o serviço postal e o Correio Aéreo Nacional (art. 21, X, da Constituição), com os serviços de telecomunicações, de rádio difusão sonora e de sons e imagens, serviços e instalações de energia elétrica....

            A lei nº 8.987/95, a qual normatizou os institutos da concessão e permissão dos serviços públicos ante os termos do § 3º,inciso II, do seu art. 6º, verbis:

            "Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.

            A suspensão dos serviços de água e esgoto representaria risco à saúde pública, na medida em que alguns dos integrantes da comunidade poderiam adquirir doenças, evitável através do tratamento de água e esgoto. Algo similar pode ser afirmado no tocante ao fornecimento de energia elétrica para fins residenciais, em situação que possa colocar em risco sua sobrevivência.

            Em suma, quando a Constituição Federal assegurou a dignidade da pessoa humana e reconheceu o direito de todos à seguridade, introduziu obstáculo invencível à suspensão de serviços públicos essenciais.

A Violação aos Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade

            A ameaça da imposição da dupla penalidade ao impetrante fere os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade.

            No Direito Brasileiro, a técnica da verificação da razoabilidade pode ser admitida como presente no Texto Constitucional sob duas óticas diversas. Abrem-se, assim, duas construções admissíveis. Primeiramente, e como decorrência da doutrina alemã, pode-se considerar o "princípio da razoabilidade" como implícito no sistema, revelando-se assim como um "princípio" constitucional não escrito. Por outro lado, poder-se-ia, já agora sob a inspiração direta da doutrina norte-americana, extraí-lo da cláusula do devido processo legal, mais especificamente como decorrente da noção substantiva que se vem imprimindo a dita cláusula.

            Doutrina o professor Luis Roberto Barroso:

            "O princípio da razoabilidade é um parâmetro de valoração dos atos do Poder Público para aferir se eles estão informados pelo valor superior inerente a todo ordenamento jurídico: a justiça. Sendo mais fácil de ser sentido do que conceituado, o princípio se dilui em um conjunto de preposições que não o libertam de uma dimensão excessivamente subjetiva. É razoável o que seja conforme à razão, supondo equilíbrio, moderação e harmonia; o que não seja arbitrário ou caprichoso; o que corresponda ao senso comum, aos valores vigentes em dado momento ou lugar. Há autores, mesmo, que recorrem ao direito natural como fundamento para a aplicação da regra da razoabilidade, embora possa ela radicar-se em princípios gerais da hermenêutica. Sobre este ponto em particular, veja-se a passagem, inspirada em San Thiago Dantas:

            "Não é apenas a doutrina do Direito Natural que vê no Direito uma ordem normativa superior e independente da lei.Mesmo os que concebem a realidade jurídica como algo mutável e os princípios do Direito como uma síntese das normas dentro de certos limites históricos reconhecem que pode haver leis inconciliáveis com esses princípios, cuja presença no sistema positivo fere a coerência deste, e produz a sensação íntima do arbitrário, traduzido na idéia de "lei injusta".

            É clara e cristalina que a dupla penalidade que os impetrados querem impor ao impetrante tratas-se de uma arbitrariedade jurídica desproporcional e dirigida a uma especifico segmento da sociedade como afirmou o Chefe da Casa Civil Pedro Parente quando divulgou as normas, "somente 4% da população vai ser prejudicada". O impetrante está situado nesta faixa e é um absurdo que tenha que bancar de seu próprio bolso as mazelas do governo.

            Sobre o princípio da proporcionalidade assesta o mestre português Canotilho:

            "Quando se chegar à conclusão da necessidade e adequação do meio para alcançar determinado fim, mesmo neste caso deve perguntar-se se o resultado obtido com a intervenção é proporcional à <<carga coativa>> da mesma. Meios e fim são colocados em equação mediante um juízo de ponderação, a fim de se avaliar se o meio utilizado é ou não desproporcionado em relação ao fim. Trata-se, pois, de uma questão de <<medida>> ou <<desmedida>> para se alcançar um fim: pesar as desvantagens dos meios em relação às vantagens do fim."

            Ao suspender o fornecimento de energia elétrica à qualquer pessoa, as concessionárias de energia elétrica estarão, na verdade, provocando a paralisação das atividades por ela desenvolvidas, o que, no caso das empresas, redundará no seu fechamento, enquanto em face das pessoas físicas impedirá a sua própria subsistência, a sua sobrevivência com um mínimo de dignidade.

            Como conseqüência do exposto, se o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão é livre, dada a clareza da dicção do texto constitucional, pode-se dizer que a ameaça de paralisação de fornecimento de energia elétrica às pessoas físicas ou jurídicas redundará na violação do artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, eis que estarão, por óbvio, impedidas de exercer plenamente e normalmente as suas atividades se não dispuserem da necessária energia elétrica.

            A ruína do comércio, da indústria e da vida das pessoas será inexorável, hipóteses essas inadmissíveis.

            A energia elétrica é, atualmente, bem de uso vital a qualquer pessoa, e não meramente facultativo como se pensava anteriormente. É impensável a sobrevivência digna de qualquer ser humano ou a manutenção e desenvolvimento de qualquer atividade econômica sem que dela se faça uso. A vida moderna sem energia elétrica é impensável.

            Por isso as Concessionárias de Serviços, as quais exercem funções delegadas pelo Poder Público, não possuem o direito (= poder) de deixarem de prestar um serviço que na atualidade apresenta-se de vital importância à sociedade.

            Atualmente, podemos denominar o fornecimento de energia elétrica de serviço existencial.

            O fornecimento de energia elétrica não é apenas necessário à vida humana, mas, sim, a qualquer atividade empreendida pelo homem. Portanto, como se vê, o seu fornecimento é necessário à existência e manutenção de todas as pessoas.

            Em remate, o que cumpre deixar certo é que não há possibilidade de o Estado restringir o número de trabalhos, ofícios ou profissões do particular, entendido este como todo aquele que irá exercer estes misteres autonomamente ou mediante vínculo empregatício com entidades não governamentais, o que estará ocorrendo de forma oblíqua, diga-se sub-reptícia, se qualquer pessoa não mais tiver acesso ao consumo de energia.

            Conclui-se, assim, que a postura adotada pelos impetrados de energia elétrica viola frontalmente o artigo 5º, inciso XIII, da Constituição Federal, o que pode ocorrer, em regra, de forma direta, no caso das pessoas jurídicas, ou indireta, no das pessoas físicas.

A Violação ao Inciso XXXV, do Art. 5º.

            Todas as leis infraconstitucionais devem - ou pelo menos deveriam - haurir validade na Constituição Federal, sob pena de invalidade.

            Entretanto, a partir do momento em que os impetrados se arrogam no direito de suspender o fornecimento energia elétrica, estão na verdade, a subtrair do crivo do Poder Judiciário o monopólio da Jurisdição, instituindo verdadeiro Tribunal de Exceção: alegam existir uma crise e ameaçam suspender o fornecimento de energia se não cumprirem as metas de corte de racionamento Tal postura viola frontalmente o artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição Federal, verbis:

            "XXXV ­ a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito";

            Embora o destinatário principal desta norma seja o legislador, o comando constitucional atinge a todos indistintamente, vale dizer, não pode o legislador e ninguém mais impedir que o jurisdicionado vá a juízo deduzir pretensão.

            Em igual medida, todo e qualquer expediente destinado a dificultar ou mesmo impedir que a parte exerça sua defesa no processo civil atenta contra o princípio da ação e, por isso, deve ser rechaçado.

            Não podem as leis ou atos judiciais, quer direta ou indiretamente, subtrair da apreciação do Poder Judiciário, através da criação de obstáculos ou imposição arbitraria como o corte compulsivo do suprimento de energia, qualquer lesão ou ameaça a direito. Com efeito, constitui a proteção contra a lesão ou ameaça um direito fundamental assegurado às pessoas físicas ou jurídicas.

            Na realidade, a ameaça de suspensão do fornecimento de energia elétrica funciona como meio de constranger o impetrado e todos os demais consumidores a pagar a abusiva sobretaxa, e também o que não devem, pois dado que ante a iminência do corte certamente pagarão quaisquer valores que lhes forem apresentados sem pestanejar.

            Quem não teme pela sorte do seu negócio ou pela impossibilidade de viver condignamente, assistindo ao seu programa de tevê predileto, ou até de não mais poder usufruir água quente no inverno, ou até mesmo de manter os alimentos conservados em geladeira.

            Além do mais, é sabido e ressabido que a ninguém é dado tomar a justiça em suas próprias mãos. Ora, por exemplo, se perante o inquilino recalcitrante o único meio de que dispõe o locador para expulsá-lo do prédio locado é a ação de despejo, porquê às concessionárias de energia elétrica seria permitido fazer justiça pelas próprias mãos através da suspensão do fornecimento do serviço, o que inclusive estaria a violar o Princípio da Continuidade dos Serviços Públicos Essenciais? Não há, com efeito, fundamento constitucional para tanto. Portanto, a violação ao inciso XXXV, do artigo 5º, da Constituição Federal é indiscutível.

            A Violação ao Inciso LV, do Art. 5º.

            O princípio do devido processo legal entra no Direito Constitucional positivo com um enunciado que vem da Magna Carta inglesa: ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV). Combinado com o direito de acesso à Justiça (art. 5º, XXXV) e o contraditório e a plenitude da defesa (art. 5º, LV), fecha-se o ciclo das garantias processuais. Garante-se o processo, e "quando se fala em ‘processo’, e não em simples procedimento, alude-se, sem dúvida, a formas instrumentais adequadas, a fim de que a prestação jurisdicional, quando entregue pelo Estado, dê a cada um o que é seu, segundo os imperativos da ordem jurídica. E isso envolve a garantia do contraditório, a plenitude do direito de defesa, a isonomia processual e a bilateralidade dos atos procedimentais", conforme autorizada lição de Frederico Marques.

            Eis a lição de Pontes de Miranda:

            "A regra do texto não é regra jurídica vazia, não é, como diriam os juristas alemães, "leerlaufend"; trata-se de direito subjetivo (constitucional) de defesa. Dele nasce direito constitucional a defender-se ou a ter tido defesa; em conseqüência disso, é nulo o processo em que se não assegura ao réu a defesa, ainda que tenha o juiz aplicado alguma "lei". A lei que não obedece ao art. 150, § 15, é inconstitucional, e, ainda em processo de habeas-corpus, deve ser posta de parte."

            Caminhando nesta mesma direção, Hely Lopes Meirelles aponta que, "a defesa, como já vimos, é garantia constitucional de todo acusado, em processo judicial ou administrativo (art. 5º, LV), e compreende a ciência da acusação, a vista dos autos na repartição, a oportunidade para oferecimento de contestação e provas, a inquirição e reperguntas de testemunhas e a observância do devido processo legal (due process of law). É um princípio universal dos Estados de Direito, que não admite postergação nem restrições na sua aplicação".(Grifamos)

            Outrossim, o jurista Roque Antonio Carrazza doutrina:

            "Percebemos, pois, que o direito à ampla defesa traz à sirga o direito ao devido processo legal. Ambos são inseparáveis, de modo que vulnerar um equivale a ferir de morte o outro".(Grifamos)

            Ora, os impetrados, ao ameaçarem suspender unilateralmente o fornecimento de energia elétrica ao usuário (impetrante), até mesmo em razão do impagamento de contas de consumo, em face de extrema majoração das tarifas através da sobretaxa estarão, ao impedir que o mesmo possa contestar os valores que alegam serem devidos, a ele transferindo o ônus de ingressar em juízo para impugnar valores que desconhece completamente: a medição do consumo, a apuração e o cálculo utilizado são do exclusivo conhecimento das empresas, e não dos consumidores. Daí se vê, portanto, que as concessionárias criam inúmeros obstáculos para que os eventuais prejudicados possam defender-se regularmente, dado ser curial que este obstáculo se traduz em um entrave, conforme a hipótese até mesmo insuperável, ao atingimento da finalidade do objetivo do constituinte, que foi a de propiciar pleno acesso ao Poder Judiciário. Portanto, ante o rito Ditatorial imposto pelos impetrados aos usuários,

            conclui-se inexistir respeito ao inciso LV, do artigo 5º, da Constituição Federal.

Sobre o autor
Edilberto de Castro Dias

advogado em Goiânia (GO)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DIAS, Edilberto Castro. Mandado de segurança de consumidor doméstico contra racionamento. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 51, 1 out. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16402. Acesso em: 5 nov. 2024.

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