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Donas de casa de Minas Gerais entram com ação contra sobretarifas

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Agenda 01/04/2001 às 00:00

DA TUTELA ANTECIPADA

            Diante tudo que já fora exposto, verifica-se de forma cristalina que o fundamento da demanda é de suma relevância social porquanto versa sobre uma questão fundamental, qual seja, o serviço público de energia elétrica.

Impõe-se, desta forma, no presente caso, a necessidade de concessão da medida "inaudita altera pars", uma vez que se encontram patentes e presentes os pressupostos jurídicos necessários para sua concessão.

            A verossimilhança das alegações torna-se indiscutível com base no direito defendido e amplamente demonstrado no corpo dos autos, notadamente no que diz respeito aos preceitos de ordem contratual, cotejados com os dispositivos legais invocados, além das inúmeras razões jurídicas já expostas.

            O receio da irreparabilidade do dano também já fora fartamente demonstrado em capítulo especial onde restou completamente demonstrado.

            O atraso de um provimento jurisdicional no caso em tela, adiará por vários anos a possibilidade dos consumidores lesados virem a reaver os valores já pagos, frustrando toda expectativa de uma sociedade e trazendo como conseqüência irreparáveis prejuízos para muitos consumidores.

            O provimento beneficiará a própria requerida que não se verá, no final da demanda, em caso de êxito, obrigada a devolver uma grande quantia a consumidores por ela lesados, por força de uma determinação judicial, além de evitar inúmeras batalhas judiciais individuais.

Ademais, insta ressaltar que o próprio CDC em seu artigo 84(2) autoriza à autoridade judiciária a adoção de medidas impeditivas de práticas lesivas ao consumidor.

            "Art. 84 – Na ação que tenha por objeto o cumprimento de obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            (...)

            § 3º Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu".

            O caso em tela enquadra-se na hipótese legal transcrita, na medida em que, como ficou patente, o fundamento da demanda é relevante não só pelo número de pessoas que estão sendo afetadas pela ilegalidade apontada, mas também por se estar tratando de serviço público essencial.

            E há, outrossim, justificado receio de ineficácia do provimento final, pois, com a imposição do novo reajuste, ressalte-se já em vigor e deflagrados os mecanismos de cobrança de tarifas com os novos preços, considerando-se a dimensão do Estado de Minas Gerais e seu imenso número de usuários, os transtornos para se repetir os valores pagos a mais a todos os consumidores será, se não inviável, extremamente difícil, penalizando-se a parcela mais pobre da população que se utiliza dos serviços de energia elétrica.

            Além destes fatos, o consumidor de baixa renda, grande maioria da população, será amplamente afetado, trazendo prejuízos de enorme monta para estes vez que serão obrigados a privar-se de um serviço essencial básico, fundamental para a manutenção de uma vida digna além de causar sério prejuízo financeiro para estes que ficarão comprometidos com os novos valores cobrados, principalmente os que não puderem reduzir seu consumo.

            Luiz Guilherme Marinoni – professor e doutor em direito processual civil, ao se pronunciar sobre a efetividade do processo, expendeu:

            "1. A problemática da tutela antecipatória requer seja posto em evidência o seu eixo central: o ‘tempo’. Se o tempo é a dimensão fundamental na vida humana, no processo ele desempenha idêntico papel, pois processo também é vida. O tempo do processo angustia os litigantes; todos conhecem os males que a pendência da lide pode produzir. Por outro lado, a demora processual é tanto mais insuportável quanto menos resistente economicamente é a parte, o que vem a agravar a quase que insuperável desigualdade substancial no procedimento. O tempo, como se pode sentir, é um dos grandes adversários do ideal de efetividade do processo.

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            2. Mas o tempo não pode servir de empeço à realização do direito. Ora, se o Estado proibiu a autotutela, adquiriu o poder e o dever de tutelar de forma efetiva todas as situações conflitivas concretas. O cidadão comum, assim, tem direito à tutela hábil à realização do seu direito, e não somente um direito abstrato de ação. Em outras palavras, tem o direito à adequada tutela jurisdicional.

            3. O princípio da inafastabilidade não garante apenas uma resposta jurisdicional, mas a tutela que seja capaz de realizar, efetivamente, o direito afirmado pelo autor, pois o processo, por constituir a contrapartida que o Estado oferece ao cidadão diante da proibição da autotutela, deve chegar a resultados equivalentes aos que seriam obtidos se espontaneamente observados os preceitos legais. Dessa forma, o direito à adequada tutela jurisdicional garantido pelo princípio da inafastabilidade é o direito à tutela adequada à realidade de direito material e à realidade social"(3).

            Registre-se, por fim, que a defesa do consumidor está agora alçada, dentre nós, ao nível dos "direitos e garantias fundamentais"( CF art.5º, XXXII(4)) e também dentro do capítulo dos "princípios gerais da atividade econômica" (CF.art.170,V(5)), sendo que a promulgação do Código de Proteção e Defesa do Consumidor veio em cumprimento ao sinalizado no artigo 48 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias.

            Rodolfo de Camargo Mancuso, em sua obra Ação Civil Pública, 6ª Edição, Ed. Revista dos Tribunais, pág. 164, ensina, com propriedade que "É preciso não esquecer que estamos em sede de proteção a interesses metaindividuais, não intersubjetivos: sendo assim, o que conta é evitar o dano, até porque o sucedâneo da reparação pecuniária não tem o condão de restituir o "status quo ante". Segundo observou Hugo Nigro Mazzilli : É comovente o provérbio que lembra poder uma criança matar um escaravelho, mas não poderem todos os sábios do mundo recriá-lo... Não precisa de explicações : o dano é muitas vezes irreparável, principalmente no meio ambiente e no patrimônio cultural".

            Ainda Rodolfo de Camargo Mancuso ( ob.cit pgs. 162/163):

            " Aliás, a tutela de tipo cautelar há de ser muito utilizada no campo dos interesses metaindividuais, onde muita vez o que interessa é a prevenção do dano, antes que sua reparação, esta última tornada às vezes impossível ou ineficaz, como se dá, no sítio paisagístico irremediavelmente desfigurado ; na espécie animal tornada extinta ; no alimento deteriorado já distribuído à população etc. Compreende-se, pois, que a Lei 7.347/85 fale duplamente nas cautelares ( arts. 4º e 5º) meios coercitivos voltados à obtenção da tutela específica da obrigação ( astreintes, multa diária ) : CDC, arts. 84 §§ e 117 ; CPC, art. 461, introduzido pela Lei 8.952/94, com os temperamentos advindos do artigo 1º da Lei 9.494/97".

            Deste modo, presentes todos os requisitos legais necessários para a concessão da tutela antecipada se tem autorizada a sua concessão, com esteio no art. 273 do Estatuto Processual Civil Brasileiro, inafastado o disposto no § 3º, do art. 84, do Código de Defesa do Consumidor.

Caso V.Exa. entenda necessário, poderá determinar a realização de audiência de justificação, a fim de colher depoimentos de pessoas lesadas pelas rés, apesar de entender a entidade autora que a notoriedade dos fatos aqui descritos já seja suficiente para o deferimento da medida pleiteada.

            Como já dito anteriormente, a concessão de tal medida desafogará o judiciário uma vez que este deixará de ter a obrigação de decidir uma infinidade de ações individuais sobre o assunto, gerando grande economia processual, além de se evitar decisões divergentes, incompatíveis com os interesses dos cidadãos e do próprio Poder Judiciário.

            O que pleiteiam os consumidores, é uma resposta imediata e eficaz do Poder Judiciário, pois todos já se cansaram de esperar pelas boas intenções das requeridas.

            Na realidade, não atentam os consumidores contra todo e qualquer tipo de aumento, admitem sim a possibilidade de ajuste, desde que fundamentadas e fundadas em parâmetros justos e equânimes, o que não é o caso constatado no óbice em voga.

            Assim, impõe-se o imediato deferimento da medida requerida, com base no mandamento legal em vigor, cabendo ao Estado, por outro lado, prevenir efetivamente os consumidores de qualquer tipo de dano no mercado de consumo, além de exigir o cumprimento imediato de normas de ordem pública e de interesse social, diga-se de passagem, desconsiderada pela demandada.


DOS PEDIDOS:

TUTELA ANTECIPADA

            Diante de todos os fatos e provas carreados aos autos e de tudo que já fora externado, requer a entidade autora se determine às RÉS que se abstenham de aplicar valores diferenciados (50% e 200%, respectivamente) para os consumidores que a partir de junho do corrente ano consumirem acima de 200 kWh na forma anunciada pela tal Câmara de Gestão da Crise de Energia Elétrica.

            Assim não entendendo, que sejam poupados da referida sobretarifa, os consumidores que cumprirem as metas fixadas pela mesma CGCE. Em ambos os casos seja cominada multa diária de R$ 10.000,00 (dez mil Reais) para cada conta mensal enviada em descumprimento à ordem judicial eventualmente deverida.


DOS PEDIDOS DE MÉRITO:

            Requer o autor seja julgado procedente o pedido em todos os seus termos, confirmando, em sentença, a possível tutela deferida e ainda:

            1. Sejam as Rés citada, na pessoa de seu representante legal, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão;

            2. Seja a presente ação julgada procedente, confirmando as medidas antecipatórias porventura deferidas, para que seja declarada a abusividade da denominada sobretarifa decorrente das medidas de racionamento de energia, ou seja, que não se aplique os percentuais de 50% e 200%, respectivamente, para os consumidores que consumirem acima de 201 Kwh/mês. Como pedido sucessivo, que não se aplique tais percentuais para os consumidores que cumprirem as metas previstas para a EGCE.

            3. Requer também a publicação de edital no órgão oficial, a fim de que os interessados, querendo, possam intervir no processo como litisconsortes, sem prejuízo de ampla divulgação pelos meios de comunicação social por parte do Órgão de Defesa do Consumidor que ajuiza a presente demanda, tudo com previsão no Artigo 94, da Lei 8.078/90.

            4. A condenação das RÉS ao pagamento das custas processuais e honorários advocatícios;

            5. A dispensa do pagamento de custas, emolumentos e outros encargos, desde logo, a teor do art. 18 da Lei n.º 7.347/85 e do art. 87 da Lei n.º 8.078/90;

            6. A intimação do Ministério Público para acompanhar o presente feito na condição de custos legis ou, querendo, na condição de litisconsorte ativo;

            Pretende-se provar o alegado por todos os meios de prova em Direito admitidos, sem exceção de nenhum.

            Dando-se à causa o valor de R$ 10.000.000,00,

            pede deferimento.

            Belo Horizonte, 21 de maio de 2001.

Délio Malheiros
OAB/MG 54.413

Hênio Andrade Nogueira
OAB/MG 57.170

Izabelle Macêdo Nunes
OAB/MG 77.158

José Fernando Chaves
OAB/MG 65.840

Juliana de Cássia Brandão
OAB/MG 86.289

Magna Borges Santos
OAB/MG 82.956

Kátia Regina de Oliveira
OAB/MG 80.734

Daniela Diniz Faria
OAB/MG 86.303

Daniel Diniz Manucci
OAB/MG 86.414


NOTAS

            1.. Código do Consumidor Comentado, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, São Paulo, 1995, p. 41.

            2. Art. 84 - Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o Juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento.

            § - A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente.

            § - A indenização por perdas e danos se fará sem prejuízo da multa (artigo 287 do Código de Processo Civil).

            § - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificado receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao Juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citado o réu.

            § - O Juiz poderá, na hipótese do § 3º ou na sentença, impor multa diária ao réu, independentemente de pedido do autor, se for suficiente ou compatível com a obrigação, fixando prazo razoável para o cumprimento do preceito.

            § - Para a tutela específica ou para a obtenção do resultado prático equivalente, poderá o Juiz determinar as medidas necessárias, tais como busca e apreensão, remoção de coisas e pessoas, desfazimento de obra, impedimento de atividade nociva, além de requisição de força policial.

            3.. Efetividade do Processo e Tutela de Urgência, Sérgio Antonio Fabris Editor, Porto Alegre, 1994, p. 57.

            4. XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;

            5. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme dos ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:

            V - defesa do consumidor;

Sobre os autores
Délio Malheiros

coordenador do Procon Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MALHEIROS, Délio; NOGUEIRA, Hênio. Donas de casa de Minas Gerais entram com ação contra sobretarifas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 6, n. 50, 1 abr. 2001. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16415. Acesso em: 23 dez. 2024.

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