EXCELENTÍSSIMO SENHOR DESEMBARGADOR CORREGEDOR GERAL DA JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO
e espera seja minuciosamente apurada. A requerente tem esse direito, os serventuários têm esse direito, e a sociedade tem esse direito.Denunciou que "Despachos, decisões interlocutórias e sentenças, atos que a lei processual atribui ao juiz, em regra vêm sendo redigidos nos Ofícios de Justiça, ou por imposição – velada ou não –, ou por conveniência dos próprios juízes, salvo raras exceções. Essa delegação "fora da lei" deu origem a modalidade, bastante conhecida dos senhores advogados, como "Despachos de Cartório".
Exemplificou com episódio recente, que até a grande mídia divulgou, e essa E. Corregedoria Geral, certamente, está apurando ou já deve ter concluído sua apuração.
Os atos ordinatórios de que trata o artigo 162, § 4º, a que se reporta essa E. Corregedoria, em nenhum momento fizeram parte da denúncia da requerente, até porque, ninguém os redige para o juiz assinar, como é óbvio e decorre da própria leitura do dispositivo mencionado.
Ato ordinatório não é despacho, é ato. Já a outra figura, o "despacho de mero expediente", ou, simplesmente, despacho {art. 162, § 3º} , de forma alguma se constitui em atribuição do Escrivão, mas sim do juiz, como qualquer despacho, qualquer um, e independentemente do apelido ou do adjetivo que se lhe agregue, ou da justificativa para sua delegação, que será sempre ilegal.
O dispositivo legal, portanto, que se impõe exija cumprimento é, isto sim, o artigo 164 do Código de Processo Civil, a saber:
Art. 164 - Os despachos, decisões, sentenças e acórdãos serão redigidos, datados e assinados pelos juízes. Quando forem proferidos verbalmente, o taquígrafo ou o datilógrafo os registrará, submetendo-os aos juízes para revisão e assinatura.
É na Vara onde desempenha suas atribuições o datilógrafo {digitador}, ou taquígrafo {estenotipista}, enfim, o denominado escrevente de sala, a quem incumbem essas tarefas de que trata a segunda parte do artigo 164 do CPC, atos que nos Ofícios de Justiça, como é sabido, não se preparam; nos Ofícios de Justiça cumprem-se as determinações daí emanadas.
Senhor Corregedor.
Como um ato desses, proferido verbalmente {na Vara, imagina-se} pode ser taquigrafado, datilografado ou digitado no Cartório? Como podem ser proferidos verbalmente pelo juiz, sem a sua presença?
Recursos tecnológicos para isso existem no mundo de hoje, é verdade, mas, decididamente, ainda não fazem parte da antiquada estrutura imposta aos Ofícios Judiciais, onde grande parte dos equipamentos de informática, inclusive, pertence aos próprios funcionários, como há muito ocorre, do que a opinião pública tomou conhecimento, recentemente, por ocasião das notícias decorrentes da greve dos servidores do Poder Judiciário Paulista, veiculada pela mídia.
Por outro lado, transferir para o Cartório, quaisquer trabalhos, a pretexto da sobrecarga de serviços na Vara, como argumenta o parecerista, além de violentar a ordem dos serviços, e da ilegalidade que o caso em discussão representa, é demonstração manifesta de absoluta insensibilidade para a realidade {ou sofrimento atroz} decorrente da sobrecarga de serviços também reinante nos Cartórios, por todo o Estado.
Cada qual com suas atribuições, todos já estão sobrecarregados com o desumano volume de trabalho. Não é só magistrado, não. É lamentável que nem mesmo a E. Corregedoria Geral demonstre sensibilidade para isso, e procure desqualificar o fato e justificar uma irregularidade, grave, argumentando "... que vem atender à atual realidade por que passa o Poder Judiciário, diante da manifesta sobrecarga de serviços {dos juízes}".
A "atual realidade por que passa o Poder Judiciário, diante da manifesta sobrecarga de serviços", só é reconhecida para magistrados, e não para funcionários, ut supra?
O fabuloso volume de serviço nos cartórios gera, inexoravelmente, descumprimentos de prazos, ou dá ensejo a serviços mal feitos e nulidades, ambos levando impiedosamente a punições que, em se tratando de funcionários, são logo publicadas no Diário Oficial, "na forma da lei" e, portanto, com "direito" à execração pública.
Aliás, a execração pública ocorre antes mesmo de apurada a "falta", constituindo-se logo por ocasião da instauração do procedimento disciplinar, com a publicação da portaria inicial, constando a acusação com o nome completo, o cargo e o posto de trabalho do funcionário que será investigado.
Trata-se de violência e ilegalidade flagrantes, sem falar da violência a princípios processuais, posto que, o (1) funcionário é julgado pelo mesmo juiz que acusa. E mais. (2) O juiz que julga, conhece a parte, (3) é seu superior hierárquico, e até (4) tem conhecimento ou participou dos fatos que examinará no processo administrativo disciplinar.
A insensibilidade, ou indiferença em geral, da autoridade diante de seus funcionários, já não é denunciada apenas por nós, como evidencia recente artigo da lavra do Eminente Desembargador aposentado, Regis Fernandes de Oliveira, cuja cópia instrui esta representação e dela também fica fazendo parte integrante.
Acrescentaríamos ali a lembrança recente de que sequer Comissões Internas de Prevenção de Acidentes existem.
Ainda temos os males do excesso de trabalho; falta de pessoal; falta de material e equipamentos; acomodações inadequadas; falta de Comissões Internas de Prevenção de Acidentes; falta de expediente interno, . . . e também o volumoso atendimento do público no balcão do cartório (este último, fator que não consta de nenhuma estatística do Tribunal, embora interfira, dramaticamente, na eficiência dos trabalhos diários), que não se vêem ponderados por ocasião de punições.
Observamos, por outro lado, que Vossa Excelência tem juízes assessores, a exemplo do referido parecerista de fls. 7/8.
Os Senhores Juízes, na primeira instância, não os têm, mas, a grande maioria {certamente existem exceções} recebe os autos em suas mesas, com os despachos prontos, para assinatura, ou para datar e assinar, objeto inicial de nossa denúncia.
A forma, aliás, é muito parecida com essa de fls. 09, nestes mesmos autos em que ora retornamos.
E então, naqueles casos, pergunta-se:
Por que um despacho, decisão etc . . ., feito sob ditado, seria datilografado ou digitado sem a data?
Não são assinados na hora e/ou no mesmo dia?
Como e por que assinar no dia seguinte, ou dias depois? Aí, necessariamente, teria o magistrado que ler novamente os atos e termos processuais para a conferência e convicção do que está sendo assinado.
Estaríamos identificando, então, causa importante para solução da conhecida morosidade da Justiça?
Será que o expediente é assinado sem ler, "em confiança", somente no caso concreto confessado, já referido em nossa representação?
Então, e ainda, por que os autos dos processos submetidos à conclusão diária, em geral {feitas as possíveis ressalvas} são colocados sobre a mesa do juiz, abertos na página que contenha o ato a ser assinado? Isso, efetivamente, também faz parte da rotina e, francamente, não demonstra nenhuma intenção de ler os atos e termos processuais anteriores.
É só comparecer nos Ofícios de Justiça, ou nas Varas, antes da chegada dos magistrados, e comprovar que, dificilmente haverá autos de processos, da conclusão diária, que ali estejam sem despachos ou decisões, ou informações de habeas corpus, e até algumas sentenças, enfim, tudo isso já pronto para assinar.
A precariedade do cargo do Escrivão e o viciado sistema de apuração e aplicação de penalidades disciplinares, vigentes para os Ofícios de Justiça, contribuem para o problema.
Explica-se.
Qual a segurança garantida a qualquer funcionário do Cartório, ainda mais ao Escrivão, na precariedade de seu cargo em comissão, que permita contrariar qualquer pretensão daquela autoridade que, depois, pode acusá-lo de qualquer irregularidade, formalizar ela própria a peça acusatória, instaurar ela própria o processo disciplinar, colher ela própria as provas e, ao final, ela própria decidir?
Há ou não há algo errado no sistema atual?
Como pode, sem temer represália, contrariar o Escrivão, legitimamente, pretensões da autoridade, discutíveis ou até ilegais, se estará sujeito a que essa mesma autoridade proponha sua destituição ― sem precisar alegar qualquer motivo ― podendo, ainda, indicar outro Escrivão para ser nomeado em seu lugar? O simples fato de ser possível essa ocorrência mostra que algo está mesmo errado no sistema atual.
Se cargo em comissão, isto é, passível de demissão ad nutum, como esperar não seja o Escrivão compelido a aceitar, então, os atos delegados pelo juiz, preparando para ele despachos, informações em habeas corpus, algumas sentenças etc.?
Como afirmar que na hipótese referida, havendo recusa, não será provocada a destituição ad nutum do cargo em comissão, realizando, pois, sua principal característica?
Por que tamanho receio do cargo efetivo para o Escrivão, a ponto de comprometer a fé pública atribuída aos atos dos ocupantes desse cargo, e a credibilidade desses atos, e, ainda retirando a estabilidade necessária para o desempenho independente das atribuições pertinentes, antes existente?
Falamos da fé pública, atribuída ao Escrivão, e que, indiscutivelmente ficou comprometida no momento em que o cargo deixou de ser efetivo, passando a ser "em comissão".
Parte da legislação que reestruturou os cargos da administração pública, mais recentemente, deixou até de tratar do cargo específico, o de Escrivão Judicial, com essa nomenclatura e atribuições previstas nas leis processuais e Código Judiciário, entre outras.
Vale dizer, tirada sua característica de cargo efetivo e, ainda, ignorada a nomenclatura própria, é indiscutível que perdeu o Escrivão a estabilidade, a independência e a autonomia indispensáveis à natureza desse cargo.
Tal circunstância compromete e mostra-se, mesmo, incompatível com a fé pública atribuída ao Escrivão. É só lembrar, dentre os muitos, do seguinte exemplo: certificar e dar fé o Escrivão, sem que os registros autorizem, que o juiz corregedor permanente respectivo, interessado em inscrever-se em concurso de promoção, não tenha em seu poder autos de processos conclusos para ato de sua atribuição, fora dos prazos legais.
Dar validade a tais certidões equiparar-se-ia a dar validade a documento em que o empregado atestasse algo sobre o próprio patrão, para que este último pudesse utilizar tal documento em ato de seu exclusivo interesse.
Qual a credibilidade de documento assim produzido?
Qual a credibilidade de certidão do Escrivão ocupante de precário cargo em comissão, extraída por ordem e no exclusivo interesse do Juiz Corregedor Permanente a que subordinado — como no exemplo acima — e que pode destituí-lo sem precisar alegar o motivo, principal característica do cargo em comissão atualmente imposto ao Escrivão?
Oportuno lembrar, por seu turno, que o artigo 219 do Código Judiciário do Estado de São Paulo (Decreto Lei Complementar nº 3, de 27/08/69) atribuiu à E. Corregedoria Geral da Justiça a incumbência de apurar a capacidade de direção do Escrivão, estabelecendo que essa capacidade é condição essencial para o provimento do cargo.
Art. 219 É condição essencial para o provimento do cargo de escrivão que o candidato tenha capacidade de direção, a ser apurada na forma que for estabelecida pela Corregedoria Geral da Justiça.
Sequer esse comando legal supra referido, foi aplicado algum dia? Foi abandonado? Por quê? Foi estabelecido algo mais objetivo e melhor para o provimento do cargo? Por que foram revogadas as regras, que já existiram, embora efêmeras, prevendo o concurso para o cargo de Escrivão? Será sem motivo, enfim, ter sido questionado pelo Desembargador aposentado Regis Fernandes de Oliveira, se "Há seriedade na designação dos ‘diretores’?"
Senhor Corregedor.
A insensibilidade ou indiferença da autoridade diante de seus funcionários, como já referido, não é única. Ela também está presente no tratamento diferenciado entre as instâncias; está presente, ainda, em relação ao tratamento dispensado às Partes e aos Advogados.
Realidade no tratamento diferenciado entre as instâncias:
Consta que na segunda instância, no dia 22 de agosto de 2001, 328.655 (trezentos e vinte e oito mil seiscentos e cinqüenta e cinco) processos encontravam-se parados, numa fila de espera de muitos e muitos meses, aguardando simples distribuição, espera essa que se sabe estende-se por cerca de trinta e três meses, mais ou menos. Isso aqui em São Paulo, e do fato se tem notícia até em processo que tem curso no Supremo Tribunal Federal {autos nº 2238}.
Importante ressaltar que essa "realidade", institucionalizada, nada tem a ver com a greve dos funcionários e servidores do Poder Judiciário, deflagrada em nosso Estado no final do mês de agosto, cuja suspensão foi manifestada no dia 14 de novembro p.p..
Queremos argumentar que, se na segunda instância não existem Magistrados suficientes para o grande número de recursos ou processos de competência originária, menos ainda na primeira instância, e nem por isso nela um processo fica meses ou anos aguardando distribuição.
A lógica haveria de ser a seguinte: ou se distribui tudo o que está parado na segunda instância, ou se adota para a primeira instância o mesmo sistema hoje vigente para a distribuição da segunda instância, ou seja, a colossal fila de espera para a distribuição.
Significa que, nos tribunais, adaptou-se a distribuição ao ritmo de trabalho dos magistrados, enquanto que, nos juízos monocráticos, na primeira instância, funcionários e juízes é que têm de buscar, desesperadamente, adaptar seu ritmo de trabalho à volumosa distribuição.
A solução adotada para o trabalho dos tribunais pode ser conveniente aos magistrados, mas, seguramente, a manutenção desse sistema é injusta para o jurisdicionado, ilegal e inaceitável.
Embora não se justifique esse sistema da distribuição nos tribunais, por que ainda não foi proposta a criação de mais cargos de desembargador, como prevê o artº 4º, parágrafo único, do Regimento Interno do Tribunal de Justiça? Além do estímulo decorrente da grande movimentação na carreira, a providência traria alento não só a magistrados, mas, também a funcionários e à sociedade, posto que, sem dúvida, é uma das soluções para agilizar o julgamento de recursos hoje represados, "aguardando distribuição".
Por que somente na primeira instância todas as petições iniciais que são protocoladas, seguem imediatamente para a distribuição, e é exigido de funcionários e magistrados que cumpram os prazos processuais?
Por que somente na primeira instância as audiências são diárias, enquanto nos tribunais só ocorrem uma vez por semana as sessões de julgamento?
Instituiu-se uma espécie de "moratória recursal" na segunda instância, e, ao que parece, todos estão plenamente "acostumados" ou conformados com essa "realidade".
Tanto estão acostumados que, ao se propor o mesmo para a primeira instância, repercute absurdo.
Senhor Corregedor.
O que é absurdo? Será essa "realidade" da distribuição diferida, na segunda instância, ou a proposta de instituir esse mesmo sistema na primeira instância? Ou serão ambas?
Realidade no tratamento dispensado em relação às partes e aos advogados:
Em relação às Partes e aos Advogados a indiferença manifesta-se flagrante na evidente falta de controle dos magistrados {feitas as devidas ressalvas} sobre as pautas das audiências diárias. Conseqüência de função delegada, ou falta de controle mesmo?
Quem pode ignorar o grande volume de Partes e Advogados nos corredores dos fóruns, aguardando audiências que raramente têm início na hora marcada. É regra, não exceção. Responsável é a Parte, o Advogado, os Funcionários, ou será o Juiz?
E se os advogados começarem e exigir sejam certificados, tanto sua presença no horário marcado, como o atraso na pauta da Vara, retirando-se do local, como de direito, a exemplo do disposto no artigo 98, § 1º, 2ª parte, do R.I.T.J.S.P. Será conveniente esperar isso acontecer para depois pensar em mudar essa outra "realidade"?
Como se vê, Senhor Corregedor, a própria greve atual deflagrada pelos funcionários do Poder Judiciário, a maior de sua história, na verdade, transcende à questão da reposição salarial, estando profundamente marcada pela "atual realidade por que passa o Poder Judiciário".
Indiferença existe até nessa questão salarial, pois, concedido aumento de vencimentos à magistratura, em sessão do Tribunal Pleno de 21 de junho de 2000, de 38,15% segundo consta, retroativo ao mês de fevereiro daquele ano, e ignorada reposição salarial aos funcionários, em que pese, inclusive, o comando do artigo 37, incisos VII, X e XV, da Constituição Federal, e do artigo 5º da mesma Carta.
Embora essa sessão do Tribunal Pleno tenha sido anunciada como "sessão pública" no Diário da Justiça nº 144, caderno I, parte I, página 3, de 19 de junho de 2000, consta que sequer existiu registro em ata, do julgamento pertinente {Processo G-35.079/00}, existindo, apenas, a tira de julgamento onde consignado que "Aprovaram a Resolução por maioria de votos".
A E. Corregedoria Geral da Justiça tem conhecimento desse fato? Houve providências?
Por todo o exposto, que espera tenha melhor dimensionado o problema, a requerente, na forma da representação supra, cumpre seu dever e insiste para que todos sejam logo enfrentados pela E. Corregedoria Geral, sendo efetivamente resolvidos, contando com o empenho pessoal de Vossa Excelência, especialmente diante dos referidos "despachos de cartório".
Espera, ainda, providências dessa E. Corregedoria, solucionando ou promovendo o encaminhamento devido, também das demais questões suscitadas e pertinentes (1) aos procedimentos disciplinares; (2) à necessidade de expediente interno nos Ofícios de Justiça; (3) à precariedade do atual cargo em comissão atribuído ao Escrivão, que perdeu a estabilidade, a independência e a autonomia indispensáveis à natureza desse cargo; (4) ao sistema de distribuição na segunda instância; (5) às audiências no foro judicial, que não se iniciam no horário marcado; (6) às resoluções do próprio Tribunal, em sessão pública, que não são registradas em ata, entre outras questões que envolvem o funcionamento do Poder Judiciário, e que estamos à disposição para demonstrar.
Termos em que
pede e espera
deferimento.
São Paulo, 22 de novembro de 2001
Maria Apparecida Paschoal dos Santos
OAB-SP 104.580