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“Juros zero”: ação contra montadoras de veículos por publicidade enganosa

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Ação civil coletiva proposta pela ABRASCON, em Belo Horizonte, para questionar a publicidade de financiamento de veículos novos com “juros zero” veiculada pelas principais montadoras do País.

EXMO. SR. JUIZ DE DIREITO DA VARA CÍVEL DA COMARCA DE BELO HORIZONTE-MG.

            ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE DEFESA DO CONSUMIDOR - ABRASCON, entidade civil de direito privado, inscrita no CNPJ sob o nº 04.196.797/0001-03, com endereço nesta Capital à Rua Elói Mendes, nº 45, Bairro Sagrada Família, Cep 31.030-110, vem, à presença de V.Exª., para, com fulcro nos artigos 1º, II; 2º, 3º, 5º, "caput"; 11, 12, da Lei 7.347, de 24.07.85, que disciplina a Ação Civil Pública, e, ainda com fundamento nos artigos 6º, VI; 81, parágrafo único e incisos I e II; 82, I; 83, 84, "caput" e parágrafos 3º e 4º; 90 e 91 do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078, de 11.09.90), propor a presente AÇÃO CIVIL COLETIVA com pedido de tutela antecipada, visando a tutela preventiva de interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, em face de FIAT AUTOMOVEIS S/A - empresa inscrita no CGC sob o n. 167017160001-56, situada na Rodovia Fernão Dias, km 429, Betim, Minas Gerais, GENERAL MOTORS DO BRASIL – S/A, empresa inscrita no CGC sob o n.592757920001-50, situada na Av. Goiás, n. 1805, Bairro Santa Paula, São Caetano do Sul, São Paulo, CEP: 09550-900, FORD MOTORS COMPANY LTDA – empresa inscrita no CGC sob o n.0034707270001-20, situada na Av. Taboão, n. 899, prédio 6, São Bernardo do Campo, São Paulo, Caixa Postal Interna: 9308, CEP: 09655-900 e VOLKSWAGEN DO BRASIL LTDA, empresa inscrita no CNPJ sob o n. 59.104.422-005, situada na Via Anchieta, KM 23,5, Bairro Jordanópolis, CEP 09891-340, São Bernardo do Campo/SP, tudo de conformidade com os fundamentos fáticos e jurídicos a seguir aduzidos:


DA AÇÃO CIVIL COLETIVA DISCIPLINADA NO CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR

            O instituto da ação civil coletiva, disciplinada pelo Código de Defesa do Consumidor e supletivamente pela Lei 7.347/85, é vocacionado à tutela do consumidor em sua dimensão coletiva, podendo ser utilizado como instrumento para proteger tanto interesses difusos como coletivos, e mesmo os denominados individuais homogêneos.

            Insta ressaltar que, no regime estatuído pelo Código de Defesa do Consumidor, são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar a adequada e efetiva tutela dos direitos dos consumidores (art. 83). Se a Lei 7.347/85 restringia a ação civil pública à defesa de interesses difusos e coletivos, o Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 90, inova ao possibilitar a tutela coletiva de interesses individuais, quando decorrentes de origem comum, evitando com isso o ajuizamento de milhares de ações, proporcionando economia de tempo e dinheiro para as partes e para o Poder Judiciário.

            A classificação de um direito ou interesse como difuso, coletivo ou individual homogêneo está intimamente relacionada ao tipo de pretensão jurisdicional pleiteada, sendo possível, e mesmo comum, encontrar, em uma mesma ação, pedidos relativos a mais de uma espécie de interesse.

            Segundo o jurista Nelson Nery Júnior, "a pedra de toque do método classificatório é o tipo de tutela jurisdicional que se pretende quando se propõe a competente ação judicial. Da ocorrência de um mesmo fato, podem originar-se pretensões difusas, coletivas e individuais."(Código Brasileiro de Defesa do Consumidor. Forense Universitária, 1992, p. 621)

            A importância das ações coletivas deve ser aferida em face da ordem constitucional vigente que incrementou, de forma considerável, o arsenal de instrumentos jurídico-processuais aptos a propiciarem a tutela jurisdicional dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos. Evita-se, dessa forma, a pulverização de litígios similares e, ao mesmo tempo, assegura uma maior efetividade ao respeito dos direitos positivados na legislação pátria.

            A preocupação com a eficácia dos direitos contemplados no direito positivo parece ser a nota característica que se depreende do microcosmo normativo consubstanciado no Código de Defesa do Consumidor. Inicialmente, mitigou-se a autoridade do princípio do pacta sunt servanda nas relações de consumo, estipulou-se normas de caráter cogente e inderrogável, estabeleceu-se remédios para viabilizar o equilíbrio processual (inversão do ônus da prova, v.g.), admitiu-se a vulnerabilidade jurídica do consumidor, acolheu-se a teoria do risco e, por fim, contemplou-se instrumentos processuais valiosos para o atendimento das diretrizes da política nacional de relações de consumo.

            Portanto, não há como se olvidar que o Codex Consumerista constitui-se como norma protetiva, de ordem pública, caráter social, dotada de sólido estofo constitucional e cujas prescrições são inderrogáveis.

            Caracteriza-se na verdade o Diploma Consumerista como norma mista, uma vez que não abarca em seu bojo apenas normas substantivas, apresentando, outrossim, normas processuais que procuram fornecer os meios adequados para a aplicação justa da vontade da lei. Os capítulos do CDC, dedicados à defesa do consumidor em juízo, são, indubitavemente, uns dos mais pródigos em inovações, haja vista a previsão de mecanismos facilitadores para a postulação judicial dos direitos titularizados pelos consumidores. Eis que o tratamento normativo conferido às ações coletivas ganha um destaque especial, já que, com o advento do Diploma Consumerista, admitiu-se a defesa coletiva dos direitos individuais homogêneos dos consumidores, nos moldes da class actio norte-americana.

            A ação ora manejada se revela, nesse particular, um remédio hábil para minimizar a incerteza jurídica que se instalou com a questão vertente, solucionando, através do mecanismo da eficácia erga omnes, todas as situações fáticas que se enquadrem no possível decisum a ser proferido.

            Por fim, ressalte-se que, somente por intermédio de ações desse jaez, é que se pode assegurar uma proteção efetiva aos direitos vulnerados no âmbito de uma sociedade de consumo de massa, já que muitos são os obstáculos existentes para que o consumidor tenha acesso à Justiça.

            Além da delonga para a distribuição da tutela jurisdicional, os custos elevados de uma contenda judicial acabam por excluir grande parte dos consumidores lesados, obrigando-os a se resignarem ante as muralhas erigidas para adentrarem nas vias judiciárias.


DA LEGITIMIDADE DA ENTIDADE AUTORA

            A entidade autora, qualificada no preâmbulo desta exordial, encontra-se legalmente legitimada para propor a presente ação civil coletiva, conforme se infere da análise do art. 5º da Lei de Ação Civil Pública, alterada pelos arts. 110 a 117 do Código de Defesa do Consumidor e do disposto no art. 82, IV e § 1º da Lei nº 8.078/90.

            Assim sendo, as entidades de defesa do consumidor foram equiparadas ao Ministério Público, adquirindo legitimidade para postular a tutela judicial protetora dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos dos consumidores. Nesse sentido, dispõe o art. 82 do Código de Defesa do Consumidor:

             "Art. 82 - Para os fins do art. 100, parágrafo único, são legitimados concorrentemente:

             (...)

             IV - as associações legalmente constituídas há pelo menos um ano e que incluam entre seus fins institucionais a defesa dos interesses e direitos protegidos por este Código, dispensada a autorização assemblear. (grifos nossos)


DA SITUAÇÃO FÁTICA

            As grandes montadoras de veículos instaladas no país vem deflagrando exaustivas campanhas publicitárias na mídia em geral, em cadeia nacional, anunciando a venda de veículos sem a incidência de qualquer espécie de taxa de juros. Conforme é possível inferir dos documentos anexos, as informações disponibilizadas pelas empresas configuram uma hipótese típica de publicidade enganosa, vulnerando o princípio da transparência, visto que são omitidos dados essenciais e indispensáveis relativos ao negócio jurídico, gerando a possibilidade de o consumidor ser induzido a erro.

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            Tal fato se evidencia sobretudo quando se analisa os anúncios veiculados nas emissoras de televisão, que já se tornou público e notório em razão das inserções freqüentes ocorridas em todas as emissoras, bem como nos jornais, nos quais as rés deixam de informar de forma adequada e clara aos consumidores que a não incidência da taxa de juros somente existe em determinadas condições negociais, que, diga-se de passagem, são extremamente restritivas e factíveis a poucos consumidores.

            Da forma como são realizados os anúncios publicitários gera-se a falsa expectativa no consumidor de que não existem restrições para que o mesmo seja beneficiado pela "promoção" dos juros zero.

            Para ilustrar a questão cumpre citar como exemplo o anúncio veiculado pela Chevrolet, no qual existe a disfarçada informação de que a venda dos veículos sem a incidência de juros remuneratórios somente é possível quando o consumidor realiza o pagamento de uma entrada de 50% do valor do automóvel, devendo o valor remanescente ser pago através de 12 parcelas mensais e sucessivas; para outros veículos o consumidor deverá pagar o total de 65% do valor do bem e o restante em 12 parcelas. As outras montadoras adotam o mesmo artifício engenhoso: anunciam de forma ostensiva a promoção de juros zero sem, contudo, explicitar as restrições desta promoção, qual seja, que essas condições só ocorrem para alguns veículos e mesmo assim se o consumidor despender a entrada de 50% do valor total do bem.

            Note-se que as reais condições da oferta estão inseridas de uma forma discreta e em letras minúsculas no canto inferior dos anúncios, obrigando o consumidor a buscar o auxílio de uma lupa caso queira se inteirar do seu teor.

            Vale frisar que esta prática também vem se estendendo aos anúncios regionais elaborados pelas concessionárias das rés, na qual essa informação sequer é disponibilizada, consoante se conclui pela análise dos documentos anexos. Devem as fabricantes dos veículos comercializados assegurar o cumprimento das normas legais por seus prepostos, sendo, portanto, despicienda a presença dos mesmos no pólo passivo da presente lide. Isso porque seria despropositado incluir as milhares de empresas que detém uma concessão por parte das quatro maiores montadoras de veículos como rés nesta relação jurídico-processual, sobretudo porque estas empresas devem seguir rigorosamente as orientações das fabricantes, sob pena de perderem a própria concessão que lhes permite realizar a venda dos veículos e a utilização da marca das empresas.

            Assim sendo, deverão as rés adotar providências práticas que assegurem a observância de eventual ordem judicial que determine a adequação das publicidades veiculadas, exigindo de suas concessionárias a modificação da conduta censurada pela ação proposta, já que respondem as rés, de forma solidária, pelas condutas omissivas e comissivas adotadas por seus prepostos.

            O mais grave ocorre quando os anúncios são veiculados nas emissoras de televisão, uma vez que as "informações" mencionadas são transmitidas em apenas 2 ou 3 segundos em letras minúsculas, impedindo que o consumidor tenha acesso aos dados necessários para formar o seu convencimento.

            Essa estratégia revela a verdadeira intenção das montadoras que é atrair os consumidores para as dependências de suas concessionárias a qualquer preço, para que ali possam ser seduzidos pelos vendedores a fim de que realizem a compra de um automóvel, mesmo que não tenham condições de se beneficiarem com a "promoção" de juro zero. Muitos consumidores, influenciados pelo sentimento de euforia despertado pela publicidade promovida pelas rés, acabam se dirigindo as concessionárias e adquirem os bens comercializados, assumindo em algumas vezes o pagamento de prestações com a incidência de juros superiores a 40% ao ano.

            Destarte, pode-se claramente inferir que tal prática viola não somente o dever de informar imposto aos fornecedores, como também vulnera o princípio da boa-fé objetiva, na medida em que induz os consumidores a erro, fazendo com que estes sejam atraídos pela aparente facilidade de aquisição dos automóveis, situação que não é confirmada quando os mesmos comparecem às concessionárias e são surpreendidos com as reais condições negociais.


DO DIREITO

            Inicialmente se deve informar que a relação contratual gênese do presente litígio deve ser analisada à luz das normas insculpidas no Código de Defesa do Consumidor (Lei no 8.078/90), uma vez que o objeto da presente ação configura uma nítida relação de consumo.

            Assim, aplicam-se à hipótese dos autos os dispositivos constantes do Código de Defesa do Consumidor, que impõem condutas que devem ser seguidas por todos os fornecedores, sob pena de se sujeitarem à correção judicial e administrativa.

            Na apreciação do presente lide há também de se levar em conta a presunção da vulnerabilidade do consumidor, que se encontra expressamente consagrada no Diploma Consumeirista tendo em vista o grande desequilíbrio havido entre as partes contraentes no mercado de consumo.

            As publicidades levadas a cabo pelas rés relativas no que tange a promoção do juro zero pecam indubitavelmente pela ausência de informações claras e precisas sobre as condições promocionais, ferindo contundentemente os princípios da transparência das relações de consumo e da devida informação que se encontram inscritos no microcosmos legal estatuído pelo CDC, sobretudo no inciso III do art. 6º que preceitua:

            Art. 6º São direitos básicos do consumidor:

            A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços com especificação correta de quantidade, característica, composição, qualidade e preço, bem como sobre os riscos que apresentem;

            A informação clara e adequada é um direito básico do consumidor, sem o qual a vontade, essência do contrato, torna-se viciada, a ponto de não obrigar o consumidor(art. 46 do CDC).

            Ressalte-se que não basta uma simples informação superficial para que se cumpra o referido postulado, para que se atinja seus fins é mister que se promova a informação de modo ostensivo, alertando para todos os riscos e características do produto ou serviço.

            No caso em apreço, as publicidades promovidas pelas rés violam também o disposto no art. 31, que prevê a obrigatoriedade da disponibilização de ofertas contendo informações claras, precisas, ostensivas em língua portuguesa sobre o preço dos produtos, entre outros dados, in verbis:

            "Art. 31. A oferta e apresentação de produtos ou serviços devem assegurar informações corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentam à saúde e segurança dos consumidores." (destaques nossos)

            Vulnera também o art. 52 e seus incisos que preceituam:

            "Art. 52. No fornecimento de produtos ou serviços que envolva outorga de crédito ou concessão de financiamento ao consumidor, o fornecedor deverá, entre outros requisitos, informá-lo prévia e adequadamente sobre:

            I – preço do produto ou serviço em moeda corrente nacional;

            II – montante dos juros de mora e da taxa efetiva anual de juros;

            III – acréscimos legalmente previstos;

            VI – número e periodicidade das prestações;

            V – soma total a pagar, com e sem financiamento."

            Não pode a ré se esquivar de suas responsabilidades com base no argumento de que se essas informações tidas como essenciais constam nos respectivos contratos de adesão formulados pelas concessionárias quando da aquisição do veículo por parte do consumidor.

            O CDC traz uma série de disposições que visam a resguardar o consumidor já na fase pré-contratual e em razão disso é bem claro ao prescrever que não somente os contratos, mas também a publicidade está sujeita às mesmas imposições relativas ao dever de informar. Por outro lado, a Lei n. 8.979, de 13 de janeiro de 1995 que disciplina a questão das taxas de juros na venda a prestações de produtos é bem explícita ao determinar que os dados relativos a juros e condições de pagamento devem constar também da publicidade, consoante se infere do dispositivo abaixo transcrito:

            "Art. 1º – O art. 1º da Lei nº 6.463, de 9 de novembro de 1977, passa a vigorar com a seguinte redação:

             "Art. 1º – Nas vendas a prestação de artigos de qualquer natureza e na respectiva publicidade escrita e falada será obrigatória a declaração do preço de venda a vista da mercadoria, o número e o valor das prestações, a taxa de juros mensal e demais encargos financeiros a serem pagos pelo comprador, incidentes sobre as vendas a prestação."

            Ora, se as rés estão anunciando que não estão cobrando qualquer espécie de juros em face dos consumidores, nada mais plausível do que exigir delas a informação ostensiva das condições e requisitos necessários para que o consumidor seja beneficiado com tal promessa, evitando-se, assim, que o consumidor não seja induzido a pensar que, qualquer que seja a modalidade de pagamento do valor do bem, não será exigido dele a cobrança de juros remuneratórios.

            Ao que parece as rés desconhecem a gravidade e as conseqüências que esses anúncios lacunosos podem lhes acarretar. Se o Código de Defesa do Consumidor dispõe claramente que toda informação ou publicidade veiculada por qualquer forma ou meio de comunicação vincula o fornecedor e integra o contrato que vier a ser celebrado (art. 30), é possível formar o entendimento segundo o qual o consumidor tem o direito de exigir que a venda a prestações dos automóveis se processe sem a incidência de quaisquer juros, independentemente do número de prestações (12, 24, 36 ou 48) e de um valor a título de entrada.

            É o que leciona a jurista Cláudia Lima Marques:

            "Resumindo, como reflexos do princípio da transparência temos o novo dever de informar o consumidor, seja através da oferta, clara e correta (leia-se aqui publicidade ou qualquer informação suficiente, art. 30) sobre as qualidades do produto e as condições do contrato, sob pena do fornecedor responder pela falha de informação (art. 20), ou ser forçado a cumprir a oferta nos termos em que foi feita (art. 35); seja através do próprio texto do contrato, pois, pelo art. 46, o contrato deve ser redigido de maneira clara, em especial os contratos pré-elaborados unilateralmente (art. 54, § 3º), devendo o fornecedor dar oportunidade ao consumidor conhecer o conteúdo das obrigações que assume, sob pena do contrato por decisão judicial não obrigar o consumidor, mesmo se devidamente formalizado." (Contratos no Código de Defesa do Consumidor. Cláudia Lima Marques. P. 289)

            Outros dispositivos podem ser invocados para respaldar o entendimento ora destacado:

            "Art. 4º. (...)

            I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor;

            (...)

            IV – educação e informação de fornecedores e consumidores, quanto aos seus direitos e deveres, com vistas à melhoria do mercado de consumo;

            (...)

            VI – coibição e repressão eficientes de todos os abusos praticados no mercado de consumo (...);

            Ademais, cabe reproduzir outros dispositivos pertinentes ao caso em questão insertos no Código de Defesa do Consumidor, em seu art. 37, § 1º, in verbis:

            "Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

            (...)

            § 1º. É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, propriedades, origem, preço e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços."

            (...)

            § 3º. Para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço." (grifamos)

            Como já relatado anteriormente, poder-se-ia dizer que o consumidor será devidamente informado quando comparecer pessoalmente aos postos de venda dos veículos. No entanto, este argumento não é juridicamente aceitável para justificar a omissão de informações, uma vez que a legislação de ordem pública corporificada no Código de Defesa do Consumidor impôs obrigações claras para regular a conduta dos fornecedores, incluindo a fase da publicidade, sempre atenta à vulnerabilidade do consumidor em qualquer relação de consumo.

            Este descaso com as normas insculpidas na legislação consumerista não pode prosperar. Os fornecedores, movidos pelo afã de venderem seus produtos a todo custo, acabam desenvolvendo artifícios matreiros para justificar o cumprimento das normas legais e continuar adotando práticas abusivas. Pensam essas empresas, talvez por conveniência, que a simples menção durante dois segundos de algumas informações relativas a uma determinada oferta já é suficiente para cumprir o dever de informar imposto aos fornecedores em geral. Acalentam também a idéia equivocada e utópica de que a inserção de informações em caracteres minúsculos nos anúncios é bastante para cumprir com os mandamentos legais.

            Entretanto, a interpretação que se deve conferir aos dispositivos legais do CDC deverá sempre se pautar pela vulnerabilidade do consumidor, bem como pelo princípio da boa-fé, motivo pelo qual a análise da adequação da conduta do fornecedor não poderá ser feita segundo critérios de literalidade e sim de acordo com a verdadeira intenção da norma legal que foi sem dúvida de disponibilizar aos consumidores todas as informações capazes de orientá-los em uma escolha acertada e consciente.

            Exemplos de fornecedores que tentaram burlar o dever de informar existem aos borbotões. Cite-se a tentativa vil de alguns fornecedores de "maquiarem" aumentos de preços através da diminuição no conteúdo de diversos produtos, como, por exemplo, ocorreu com o sabão em pó, papel higiênico e outros produtos. Simplesmente estas empresas, sem qualquer pudor, diminuíram o conteúdo de 1kg para 900g, deixando, entretanto, de esclarecer tal alteração para o consumidor de forma ostensiva. Em razão das práticas adotadas por essas empresas, o Ministério da Justiça editou a Portaria n. 81, de 23 de janeiro de 2002, determinando, em seu art. 1º, ao fornecedores "que realizarem alterações quantitativas em produtos embalados, que façam constar mensagem específica no painel principal da respectiva embalagem, em letras de tamanho e cor destacados, informando de forma clara, precisa e ostensiva: I - que houve alteração quantitativa do produto; II - a quantidade do produto na embalagem existente antes da alteração; entre outras informações."

            Também os supermercados acharam que a mera existência do código de barras para informar os preços dos produtos seria suficiente para assegurar o cumprimento do dever de informar. O Superior Tribunal de Justiça já firmou entendimento segundo o qual devem os supermercados afixarem os preços das mercadorias nelas mesmas, não sendo admissível qualquer outra modalidade de divulgação.

            DIREITO DO CONSUMIDOR - PREÇO - PRODUTOS - SUPERMERCADOS – EXIGÊNCIA - CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR.

            Um dos princípios básicos em que se assenta a ordem econômica é a defesa do consumidor. A Lei nº 8.078/90, em seu artigo 6o, inciso III, relaciona entre os direitos básicos do consumidor: "A informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preço, bem como, sobre os riscos que apresentam." Os donos de supermercados devem fornecer ao Consumidor informações adequadas, claras, corretas, precisas e ostensivas sobre os preços de seus produtos à venda. O fato de já existir, em cada produto, o código de barras não é suficiente para assegurar a todos os consumidores estas informações. Para atender realmente o que estabelece o Código do Consumidor, além do código de barras e do preço nas prateleiras, devem os supermercados colocar o preço em cada produto. Segurança denegada.

            (STJ. MS n.º 6.010/DF, Rel. Min. Garcia Vieira, 1ª Seção, publ. no DJ, pág. 62, em 06-12-99). (MS n.º 5.986/DF, idem, publ. no DJ, pág. 116, em 29-11-99).

            No julgamento do MS 5943 ficou comprovado que os supermercados praticavam alterações dos preços, deixando o consumidor completamente desinformado no momento em que suas compras são registradas no caixa. Nesse sentido, o relator afirma: "Esses lamentáveis fatos concretos trazidos ao conhecimento do MJ, também se traduzem, como se extrai do douto parecer ministerial, na experiência de que ‘Este quadro dramático e caracterizador de conduta abusiva dos supermercados, restou, de acordo, ainda, com as informações citadas, materializado no Juízo da 16ª Vara da Seção Judiciária do Distrito Federal, através de autos de constatações, pelos quais, por exemplo, em Brasília, aferiu-se que, enquanto um produto era ofertado ao consumidor pelo preço de R$ 4,90 na prateleira, no caixa, por ocasião do pagamento, o mesmo produto recebia o preço de R$ 8,26’".

            A publicidade dever ser feita levando-se em conta a vulnerabilidade do consumidor. Nesse sentido, faz-se menção ao escólio do douto ANTÔNIO HERMAN DE VASCONCELOS E BENJAMIN, que, discorrendo sobre o assunto em questão, asseverou:

            "Nesta avaliação do potencial de induzimento ao erro do anúncio, considera-se não apenas o consumidor bem informado e atento, mas também aquele outro que seja ignorante, desinformado ou crédulo. Afinal, ‘aquilo que for enganoso para um consumidor pode não sê-lo, em algum casos, para outros. (...) Em outras palavras, não se exige que a maioria dos consumidores seja atingida pela capacidade de induzir ao erro" (Código Brasileiro de Defesa do Consumidor comentado pelos autores do anteprojeto, p. 276).

            Cite-se, ainda, a lição de Fábio Konder Comparato, que bem ilustra a situação de vários consumidores ante a conduta atentatória adotada pela RÉ:

            "O consumidor, vítima de sua própria incapacidade crítica ou susceptibilidade emocional, dócil objeto de exploração de uma publicidade obsessora e obsidional, passa a responder ao reflexo condicionado da palavra mágica, sem resistência. Compra um objeto ou paga por um serviço, não porque a sua marca ateste a boa qualidade, mas, simplesmente, porque ela evoca todo um reino de fantasias ou devaneios de atração irrresistível." (Ensaios e pareceres de direito empresarial, Rio de Janeiro, Forense, 1978, p. 475)

            Por outro lado, em face da constatação da publicidade enganosa noticiada nestes autos, capaz de induzir os consumidores a erro, devem as rés ser obrigadas a promover a contrapropaganda divulgando de forma apropriada as reais condições relativas à promoção anunciada. Aplica-se o disposto no art. 60 do CDC:

            "Art. 60. A imposição de contrapropaganda será cominada quando o fornecedor incorrer na prática de publicidade enganosa ou abusiva, nos termos do art. 36 e seus parágrafos, sempre às expensas do infrator.

            § 1º. A contrapropaganda será divulgada pelo responsável da mesma forma, frequência e dimensão e, preferencialmente no mesmo veículo, local, espaço e horário, de forma capaz de desfazer o malefício da publicidade enganosa ou abusiva."

            É preciso que se diga que algumas das empresas rés informaram que a promoção só iria vigorar até a data de 16 de abril de 2002. Entretanto, antes mesmo desta data, as rés já prorrogaram a anunciada promoção, tendo, ademais, constado dos anúncios que esta oferta poderá se estender até o fim do estoque de veículos. Assim, a promoção tal como anunciada está plenamente em vigor, conforme é possível inferir dos sites das respectivas empresas e perante as concessionárias das rés.

Sobre os autores
Daniel Diniz Manucci

advogado em Minas Gerais

Roberto C. Santos

advogado em Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANUCCI, Daniel Diniz; SANTOS, Roberto C.. “Juros zero”: ação contra montadoras de veículos por publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16504. Acesso em: 23 dez. 2024.

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