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“Juros zero”: ação contra montadoras de veículos por publicidade enganosa

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ABRANGÊNCIA DO PROVIMENTO JURISDICIONAL REQUERIDO PARA TODO O TERRITÓRIO NACIONAL

            É importante ressaltar que eventual decisão interlocutória ou sentença a ser prolatada no bojo dos presentes autos deverá ter seus efeitos estendidos para todos os consumidores substituídos, sobretudo quando é patente que estatutariamente a entidade autora possui expressamente poderes para representar todos os consumidores brasileiros.

            O debate acerca da abrangência das decisões judiciais proferidas em ações civis coletivas teve início com a edição da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997, originária da Medida Provisória nº 1.570/97, que alterou a redação do art. 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, restringindo o alcance da coisa julgada erga omnes aos limites da competência territorial do órgão prolator. (1)

            Os doutrinadores que já se debruçaram sobre o exame da alteração introduzida pela Lei nº 9.494/97 são unânimes em rechaçar a sua validade ou mesmo considerá-la inócua, cuja aplicação acabaria por desnaturar o instituto das ações coletivas. Isso porque o Código de Defesa do Consumidor adotou a teoria da coisa julgada secundum eventum litis (2), por meio da qual a determinação de seu alcance relaciona-se com os limites subjetivos desta (3). E tais limites, vale dizer, devem ser examinados de acordo com a natureza dos direitos a serem tutelados, cuja extensão, no caso das ações coletivas, reside na indivisibilidade do dano ou ameaça de dano que se pretende evitar. Ou seja, os efeitos da decisão do juiz são limitados somente pelo objeto do pedido e não pela competência territorial do órgão prolator.

            Algumas dúvidas poderiam, entretanto, emergir ao se constatar, por exemplo, que um juiz não tem a prerrogativa de praticar um determinado ato processual fora dos limites da comarca ou da seção judiciária. A explicação de tal constatação não está na alegação de que a jurisdição estaria limitada a uma circunscrição territorial, mas sim na necessidade de se distribuir entre os diversos órgãos judiciários as atribuições inerentes ao desempenho da jurisdição. (4) Por essa razão, embora o cumprimento de um determinado ato judicial não possa ser feito diretamente pelo juiz que o prolatou, na hipótese de ser endereçado para outra comarca ou seção judiciária, necessitando recorrer a instrumentos processuais, tais como carta precatória, a sua decisão é válida em todo o território nacional, devendo o juiz deprecado se limitar a dar cumprimento ao comando constante da decisão, não lhe sendo facultado modificá-lo ou mesmo se recusar a cumpri-lo (5), com exceção das hipóteses elencadas no art. 209 do CPC (6). Cada juiz ou tribunal exerce suas funções dentro dos limites impostos pela divisão do trabalho jurisdicional (7), embora não seja admissível confundir o instituto da competência com o da jurisdição, esta una e indivisível.

            A definição da competência territorial tem apenas um objetivo: estabelecer entre os vários juízes, de igual competência em razão da matéria ou em razão do valor, qual o que poderá conhecer de determinada causa, valendo-se de critérios ora baseados no domicílio da parte, na situação da coisa, ou ainda no local em que ocorreu o fato jurídico.

            No caso da ação civil pública, o foro competente é fixado de acordo com o local onde ocorreu o dano (art. 2º Lei nº 7.347/85), de modo que, uma vez definido o juízo competente, a decisão deverá alcançar todos os substituídos, seja qual for o seu domicílio. Por outro lado, a nova redação do art. 17 da Lei nº 7.347/85 desconsidera a distinção feita pelo art. 93 do Código de Defesa do Consumidor entre danos de âmbito local, regional e nacional. (8) Quaisquer dos entes legitimados estão autorizados a propor uma ação civil coletiva para a defesa de um dano até mesmo de âmbito nacional, hipótese em que a coisa julgada erga omnes ou ultra partes não poderá estar limitada somente aos limites territoriais do órgão prolator, sob pena de enfraquecer a tutela prevista na lei consumerista e conspirar contra os propósitos perseguidos com a introdução desse remédio processual, quais sejam, evitar o assoberbamento dos tribunais com causas idênticas, conferir um tratamento isonômico para os consumidores que se encontram em uma mesma situação fática e, por via de conseqüência, produzir uma maior tranqüilidade social e patamares mais avançados de proteção à coletividade de consumidores.

            Tão logo a MP nº 1.570/97 foi aprovada, o Partido Liberal propôs perante o Supremo Tribunal Federal uma ação direta de inconstitucionalidade (ADIn nº 1576-1), cuja liminar foi indeferida no que diz respeito ao pedido para a suspensão da eficácia do seu art. 3º. O STF não chegou a examinar o mérito da ADIn, uma vez que o feito foi extinto em face da ausência de aditamento da petição inicial, exigência prevista para a hipótese de reedição da medida provisória. Da mesma forma, o Superior Tribunal de Justiça também não examinou detidamente tal questão, tendo, inclusive, em sede de medidas cautelares propostas perante àquela Corte, suspendido a eficácia de decisões que determinavam a extensão da coisa julgada para todo o território nacional a fim de possibilitar uma análise mais aprofundada do art. 17 da Lei nº 7.347/85. (9) O Supremo Tribunal Federal, entretanto, no julgamento da Reclamação nº 602-6 (10), já na vigência da MP nº 1.570/97, firmou importante precedente a respeito do alcance das decisões proferidas em face do ajuizamento de ação civil pública. Ficou reconhecida a possibilidade de a eficácia de uma sentença atingir não somente as pessoas domiciliadas nos limites territoriais do órgão prolator, mas também quaisquer outras que se encontrassem na situação objetiva em litígio. Trata-se de entendimento que mais se harmoniza com a natureza dos remédios processuais coletivos, como, por exemplo, o mandado de segurança coletivo, hoje plenamente aceito, pela doutrina e pela jurisprudência, como apto a defender interesses de pessoas domiciliadas em diversas unidades da federação (11).

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DA NECESSIDADE DE CONCESSÃO DA MEDIDA DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA

            No caso dos autos, impõe-se a formulação de pedido de antecipação dos efeitos da tutela, nos termos do art. 273 do Código de Processo Civil, a fim de obrigar as rés desde já a adequar suas condutas aos ditames do Código de Defesa do Consumidor.

            A medida processual pleiteada afigura-se como providência justa e consentânea com a atual conjuntura, levando-se em conta todas as mazelas que fustigam o Poder Judiciário e que acabam por penalizar o jurisdicionado mais fraco.

            Foi exatamente para resolver tais problemas que a Lei nº 8.952, de 13 de dezembro de 1994, introduziu importante modificação em nossa sistemática processual, prevendo a possibilidade de antecipação dos efeitos da tutela pretendida.

            O requisito da verossimilhança resta configurado no caso em tela, já que os elementos trazidos à colação são aptos para imbuir o magistrado do sentimento de que a realidade fática corresponde ao relatado, levando-se, outrossim, em consideração que o pleito se estriba em consolidado entendimento jurisprudencial e a demora do provimento jurisdicional só acabará por prolongar, em demasia, a situação de franca desvantagem vivenciada pelos consumidores.

            Cite-se a lição do douto HUMBERTO THEODORO JÚNIOR: "Entre nós, várias leis recentes têm previsto, sob a forma de liminares, deferíveis inaudita altera parte, a tutela antecipatória, como, por exemplo, se dá na ação popular, nas ações locatícias, na ação civil pública, na ação declaratória de inconstitucionalidade, etc. Agora, com a Lei nº 8.952/94, que alterou a redação do art. 273, do CDC, está sendo introduzida a antecipação de tutela de caráter genérico, ou seja, para aplicação, em tese, a qualquer procedimento de cognição, sob a forma de liminar deferível sem necessidade de observância do rito das medidas cautelares." (THEODORO JÚNIOR, Humberto. As inovação no CPC. 2 ed., Rio de Janeiro: Forense, p. 11-13)

            A preocupação com a presteza da prestação jurisdicional tem por escopo evitar que o jurisdicionado seja compelido a suportar os efeitos danosos de uma lide tradicional, sabendo-se que não resta dúvida acerca da verossimilhança e cabimento de sua postulação.

            Nesse aspecto, importa lembrar o ensinamento de Randolfo de Camargo Mancuso, no sentido de que, em sede de proteção de interesses difusos, "o que importa é evitar o dano, até porque o sucedâneo da reparação pecuniária não tem o condão de restituir o status quo ante." (in Ação Civil Pública, pp. 11-112)


DOS PEDIDOS

            Liminarmente

            Requer-se seja concedida liminar inaudita altera parte, com a expedição de mandado para:

            - Sejam as RÉS compelidas a veicular, em âmbito nacional, nas publicidades por elas realizadas (televisão, rádio, prospectos, outdoors ou por qualquer outro meio de divulgação) informações claras e ostensivas sobre as condições de venda dos veículos disponibilizados, bem como sobre as condições da anunciada "promoção de juros zero" (percentual da entrada ou sinal a ser dado pelo consumidor, número de prestações remanescentes, encargos cobrados tais como IOF e TAC, e modelos de veículos), em caracteres semelhantes aos dizeres da oferta, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), devendo as rés exigir o cumprimento desta decisão por parte de suas concessionárias;

            - Sejam as rés compelidas a promover contrapropaganda divulgando nos mesmos veículos de comunicação, horários e espaços, as condições relativas à promoção juros zero, de forma clara e ostensiva, conforme requerido no item anterior, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, sob pena de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais);

            Dos pedidos do mérito

            1.Sejam as Rés citadas, nas pessoas de seus devidos representantes legais, para, querendo, contestar a presente ação, sob pena de revelia e confissão;

            - Seja a presente ação julgada procedente, confirmando a medida liminar porventura deferida, com o fim de compelir as RÉS compelidas a veicular, em âmbito nacional, nas publicidades por elas realizadas (televisão, rádio, prospectos ou qualquer outro meio de divulgação) informações claras e ostensivas sobre as condições de venda dos veículos disponibilizados, bem como sobre as condições da anunciada "promoção de juros zero" (percentual da entrada ou sinal a ser dado pelo consumidor, número de prestações remanescentes, encargos cobrados, tais como IOF e TAC, e modelos de veículos), em caracteres semelhantes aos dizeres da oferta, sob pena do pagamento de multa diária de R$ 100.000,00 (cem mil reais), devendo as rés assegurar o cumprimento desta decisão por parte de suas concessionárias;

            2.Seja notificado ao MP para que acompanhe o presente feito, conforme dispõe a Lei 8078/90;

            3.Seja publicado o edital na forma da referida norma legal;

            4.Enfim, sejam as Rés condenadas ao pagamento de custas, honorários advocatícios e demais cominações de estilo.

            Protesta-se provar o alegado por todos os meios em direito admitidos, especialmente por via de testemunhas, documentos, perícias e depoimentos pessoais, o que desde já requer.

            Dá-se à presente causa o valor de R$ 1.000.000,00.

            Belo Horizonte, 17 de abril de 2002

            Daniel Diniz Manucci- OAB/MG 86.414

            Kátia Oliveira Rocha- OAB/MG 80.734

            Antônio Eduardo Lanna Lopes - OAB/MG 86.309

            Roberto de Carvalho Santos- OAB/MG 76656


Notas

            1. Preceitua o art. 2º da Lei nº 9.494, de 10 de setembro de 1997: "O art. 16 da Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985, passa a vigorar com a seguinte redação: ‘Art. 16. A sentença civil fará coisa julgada erga omnes, nos limites da competência territorial do órgão prolator, exceto se o pedido for julgado improcedente por insuficiência de provas, hipótese em que qualquer legitimado poderá intentar outra ação com idêntico fundamento, valendo-se de nova prova.’"

            2. RAMOS, André de Carvalho. A abrangência nacional de decisão judicial em ações coletivas: o caso da Lei 9.494/97. Rt-755, p. 115.

            3. GRINOVER, Ada Pelegrini. A ação civil pública e a defesa de interesses individuais homogêneos. Revista de Direito do Consumidor. Pareceres, v. 5, p. 206-229. Ressalte-se que o entendimento da jurista foi citado em decisão proferida pelo STJ, no voto de lavra do Min. José Delgado, REsp nº 294021, DJU 02.04.01, P. 00263, sinalizando a inclinação daquela Corte no sentido de considerar a eficácia da coisa julgada não somente restrita aos limites territoriais do órgão prolator, no caso das ações civis públicas.

            4. THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. Rio de Janeiro: Forense. 1996. P. 153.

            5. O STJ já firmou entendimento acerca da impossibilidade de o juiz deprecado se recusar a cumprir comando constante de precatória. Nesse sentido, é o REsp nº 174529/PB, DJ, 18.12.98. PG 00200. Relator Min. Humberto Gomes de Barros: " I - É defeso ao juiz deprecado negar cumprimento a precatória, sob o argumento de que o deprecante é incompetente e de ser inconstitucional o ato requisitado."

            6. Preceitua o art. 209 do CPC: "O juiz recusará cumprimento à carta precatória, devolvendo-a com despacho motivado: I – quando não estiver revestidas dos requisitos legais; II – quando carecer de competência em razão da matéria ou da hierarquia; III – quando tiver dúvida acerca de sua autenticidade."

            7. MARQUES, José Frederico. Instituições de direito processual civil. 3 ed. Rio de Janeiro: Forense, 1996. V1.

            8. Preceitua o art. 93: "Ressalvada a competência da justiça federal, é competente para a causa a justiça local: I – no foro do lugar onde ocorreu ou deva ocorrer o dano, quando de âmbito local; II – no foro da Capital do Estado ou no Distrito Federal, para os danos de âmbito nacional ou regional, aplicando-se as regras do Código de Processo Civil aos casos de competência concorrente."

            9. Cf: Decisão monocrática proferida pelo Min. Barros Monteiro na MC nº 003292. DJU 22.11.00. AGRMC nº 1.427/SP, Relator Ministro Sálvio de Figueiredo. DJU 28.06.99.

            10. RCL nº 602-6. Rel. Min. Ilmar Galvão. Julgamento em 03.09.1997. No mesmo sentido: RCL nºs 597-SP e 600-SP.

            11. O Min. Ilmar Galvão no julgamento da RCL nº 602-6 teceu as seguintes considerações: "Afastadas que sejam as mencionadas exceções processuais – matéria cujo exame não tem aqui cabimento – inevitável é reconhecer que a eficácia da sentença, no caso, haverá de atingir pessoas domiciliadas fora de jurisdição do órgão prolator, o que não poderá causar espécie, se o Poder Judiciário, entre nós, é nacional e não local. Essa propriedade, obviamente, não seria exclusiva da ação civil pública, revestindo, ao revés, outros remédios processuais, como o mandado de segurança coletivo, que pode reunir interessados domiciliados em unidades diversas da federação e também fundar-se em alegação de inconstitucionalidade de ato normativo, sem que essa última circunstância possa inibir o seu processamento e julgamento em litígio de primeiro grau que, entre nós, também exerce controle constitucional das leis."

Sobre os autores
Daniel Diniz Manucci

advogado em Minas Gerais

Roberto C. Santos

advogado em Belo Horizonte

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

MANUCCI, Daniel Diniz; SANTOS, Roberto C.. “Juros zero”: ação contra montadoras de veículos por publicidade enganosa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 57, 1 jul. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16504. Acesso em: 23 dez. 2024.

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