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Ação contra telefones 0300:

direito do consumidor à informação sobre o produto

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Agenda 01/11/2002 às 00:00

- DA RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DAS RÉS, COMO INTEGRANTES DA CADEIA DE FORNECIMENTO DO SERVIÇO.

          É cediço que as empresas administradoras de cartão de crédito, para operarem no mercado, associam-se às empresas representantes das bandeiras de cartão, com as quais mantêm vínculo contínuo.

          Com efeito, importante considerar que essas empresas, pelo sistema do CDC, compõem o que se convencionou denominar cadeia de fornecimento do serviço’. JOSÉ GERALDO BRITO FILOMENO bem coloca a opção adotada no CDC:

          "Como a responsabilidade é objetiva, decorre da simples colocação no mercado de determinado produto ou prestação de dado serviço, ao consumidor é conferido o direito de intentar as medidas contra todos os que estiverem na cadeia de responsabilidade que propiciou a colocação do mesmo produto no mercado ou então a prestação do serviço". (18)

          Nos ensinamentos da insigne consumerista CLÁUDIA LIMA MARQUES, o Código do Consumidor "revaloriza a solidariedade, como forma de responsabilização da cadeia organizada de fornecedores na sociedade de consumo atual" (19). Assim, sendo, no magistério da mesma autora:

          "Frente ao consumidor o que vigora é a chamada causalidade alternativa, em que se imputa a todo um grupo de fornecedores uma atividade lícita grupal (a de participar da cadeia de fornecimento), assim frente ao consumidor todos são responsáveis." (20)

          Também merecem ser trazidos à baila os esclarecimentos de RIZZATTO, que indica qual a sede legal dessa solidariedade:

          "A regra da responsabilidade estabelecida no parágrafo único do artigo 7º aparece novamente de forma expressa no caput do art. 18, no caput do art. 19, nos §§ 1º e 2º do art. 25, no § 3º do art. 28 e no art. 34. Dessa forma, está claro no sistema do CDC que a responsabilidade, quer por defeitos, quer por vícios é sempre solidária." (21)

          A razão da adoção desse modelo adotado pelo CDC reside justamente na necessidade faceada pelo legislador em mitigar a natural vulnerabilidade do consumidor que, não raras vezes, defronta-se com a massificação, a despersonalização e o anonimato nas relações de consumo que, por sua vez, dão origem a um novo elemento desafiador: a complexidade não apenas da cadeia de fornecedores como também dos atuais produtos e serviços oferecidos no mercado. (22)

          A multiplicidade de agentes, a burocracia propositadamente criada consistem em elementos correntemente presentes nesses contratos, justamente como óbice à defesa do consumidor, com o escamoteado intuito de burlar as leis de ordem pública por vias transversas, o que de longe satisfaz ao artigo 6º, VIII do CDC. Essa conduta, inadmissível na atual sociedade de massas, acaba por agravar a vulnerabilidade do consumidor, não podendo ser aceita pelo Estatuto Consumerista.

          Está em jogo aqui o princípio de proteção da confiança, despertada no consumidor pelos produtos e serviços colocados no mercado pela atividade dos fornecedores, exigindo que se responsabilize um maior número de agentes da cadeia de fornecimento. (23)

          Avulta, portanto, a aplicação sistemática dos artigos 7º, § único; 20; 24; 25, § 1º e art. 28, § 3º, 34, todos do CDC. Com relação à esse último artigo, algumas considerações merecem ser tecidas. Nele está disposto:

          "Art. 28. (...)

          § 3º. As sociedades consorciadas são solidariamente responsáveis pelas obrigações decorrentes deste Código."

          O consórcio, nos termos do artigo 278 e ss. da Lei das Sociedades Anônimas, é mera reunião de sociedades que se agrupam para executar um determinado empreendimento:

          "Art. 278. As companhias e quaisquer outras sociedades, sob o mesmo controle ou não, podem constituir consórcio para executar determinado empreendimento, observado o disposto neste capítulo".

          O consórcio não tem personalidade jurídica e, em princípio, as consorciadas só se obrigam em nome próprio, sem previsão de solidariedade.

          Mas O § 3º do art. 28 derrogou expressamente essa disposição da lei comercial, criando, nas relações de consumo, um vínculo de solidariedade entre as empresas consorciadas, em benefício do consumidor. (24)

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          Nesses casos, "o consumidor poderá escolher de quem se irá ressarcir: de uma, de todas, de algumas etc". (25)

          Não restam dúvidas, portanto, de que a aplicação de todos esses dispositivos legais destacados determina a "responsabilidade solidária de toda a cadeia de fornecedores" (26)

          As relações internas, existentes entre cada um dos componentes da cadeia de fornecimento, deverão ser discutidas extrajudicialmente ou por via de ação de regresso, aproveitando-se os mesmos autos, após a solução da demanda ajuizada pelo consumidor. (27)


          - TUTELA ESPECÍFICA- ARTIGOS 83 e 84 DO CDC.

          O Código de Defesa do Consumidor, como é cediço, instituiu um sistema processual próprio. Dessa forma, constata-se em seu artigo 83:

          "Art. 83. Para a defesa dos direitos e interesses protegidos por este código são admissíveis todas as espécies de ações capazes de propiciar sua adequada e efetiva tutela."

          Completando este dispositivo, segue o artigo 84, que confere aos consumidores a tutela jurídica processual específica e adequada de todos os direitos consagrados no Código (28):

          "Art. 84. Na ação que tenha por objeto o cumprimento da obrigação de fazer ou não fazer, o juiz concederá a tutela específica da obrigação ou determinará providências que assegurem o resultado prático equivalente ao do adimplemento."

          Os artigos 83 e 84, § 3º se interagem também com o PRINCÍPIO DA EFETIVA PREVENÇÃO E REPARAÇÃO DOS DANOS PATRIMONIAIS E MORAIS (art.6º, VI) e com o PRINCÍPIO DA FACILITAÇÃO DA DEFESA DO CONSUMIDOR (art. 6º, VII e VIII), formando o sistema processual de tutela do CDC.

          Cabe, então, determinar-se, em cada situação, quais as obrigações de fazer e de não fazer avençadas entre as partes, bem como as que decorrem da própria lei.

          Atente-se que a tutela específica positivada no artigo 84 do Código do Consumidor, tendo por objetivo proteger as obrigações de fazer e de não fazer que decorrem ex contratu ou ex lege, também permite que o juiz, a fim de assegurar o resultado prático correspondente aos direitos previstos no ordenamento jurídico bem como a efetiva prevenção de danos ao consumidor (art. 6º, VI), estipule um fazer (mandatory injunction) e um não-fazer (prohibitory injunction) ao fornecedor, salientando a natureza mandamental da sentença coletiva.

          "A adequada e efetiva tutela significa, também, a autorização legal para que o juiz possa conceder tutela jurisdicional mandamental, de forma semelhante aos institutos da injunction e do contempt of court do direito anglo-saxônico, bem como da ação inibitória do direito italiano." (NELSON NERY JÚNIOR). (29)

          "Os artigos 461 do CPC e 84 do CDC devem ser compreendidos como normas que permitem ao juiz I) impor um não-fazer ou um fazer, sob pena de multa, e II) determinar uma modalidade executiva capaz de dar ao autor um resultado equivalente àquele que poderia ser obtido com a imposição e o adimplemento do fazer ou do não-fazer". (LUIZ GUILHERME MARINONI) (30)

          Compreende-se, assim, o alcance dos artigos 83 e 84 do Código do Consumidor, que apresentam a mesma função dos artigos 11 e 12 da Lei da Ação Civil Pública, ressalvados alguns aprimoramentos efetuados por aqueles. Nas lições de Hely Lopes Meirelles:

          "A redação dos arts. 11 e 12 da lei de ação civil pública que se referia à natureza da decisão a ser proferida, à concessão da medida liminar e às demais providências que o juiz pode tomar, foi aprimorada no art. 84 da lei de proteção ao consumidor, dando maior efetividade à atuação do magistrado e concedendo-lhe poderes mais amplos." (31)

          A tutela da obrigação na forma específica é reflexo da tomada de consciência de que é imprescindível, dentro da sociedade contemporânea, dar ao jurisdicionado o bem que ele tem direito de receber, e não apenas o seu equivalente em pecúnia. Destaca KAZUO WATANABE que importa, mais do que a conduta do devedor, o resultado prático protegido pelo Direito (32), correspondente à obrigação, em sua plenitude. (33) É o que se lê do artigo 84, § 1º do mesmo Diploma:

          "§ 1º- A conversão da obrigação em perdas e danos somente será admissível se por elas optar o autor ou se impossível a tutela específica ou a obtenção do resultado prático correspondente."

          Este parágrafo vem complementar o princípio da efetividade da prevenção e reparação dos danos patrimoniais e morais, disposto no art. 6º, VI da mesma Lei . A ratio legis é a da maior concretização entre o direito e sua realização.

          O intuito é de criar uma tutela capaz de impedir a prática, a repetição ou a continuação do ilícito, bem como uma tutela capaz de remover o ilícito continuado, para que danos não ocorram, não se multipliquem ou não sejam potencializados. (34)

          Inegável, portanto, que a ação coletiva consumerista tem por escopo obstar o ilícito, obter a reparação direta e preventiva do dano, tal como vem ocorrendo na sistemática das Ações Civis Públicas. (35)

          A tutela específica, instrumentalizando-se através de uma ordem que impõe um não fazer ou um fazer sob pena de multa, volta-se exatamente a evitar a prática, a continuação ou a repetição do ilícito. Faz-se necessária sempre que o fornecedor tem o dever de agir e sua omissão leva a prejuízos de direitos individuais ou metaindividuais.

          Essa ação, justamente porque pode ordenar um fazer ou um não fazer, presta-se para impedir a prática, a continuação ou a repetição de um ilícito, o que é fundamental quando se pensa na efetividade da tutela dos direitos. (36)

          A tutela específica sob comento poderá ser concedida liminarmente, caso presentes, cumulativamente, dois requisitos, como se depreende do artigo 84, § 3º:

          "§ 3º - Sendo relevante o fundamento da demanda e havendo justificável receio de ineficácia do provimento final, é lícito ao juiz conceder a tutela liminarmente ou após justificação prévia, citando o Réu."

          Tais requisitos, apesar de próximos, não se confundem com aqueles exigidos para concessão das liminares "comuns" ou antecipação de tutela prevista no artigo 273 do CPC. A natureza da liminar presente do artigo 84, §3º-adverte a doutrina, é de típico provimento antecipatório, mas a Lei preferiu conferir-lhe requisitos mais flexíveis a fim de resguardar a facilitação da defesa do consumidor (art. 6º, VIII).

          Assim, de grande relevância é o fundamento da demanda. A importância dos serviços prestados pelas rés, que atingem todo o estado de Minas Gerais, não deixa dúvidas de que as condutas ora combatidas tocam à maioria dos mineiros. Facilmente se percebe que a tutela que se busca por via da presente ação representa interesses de um considerável contingente de consumidores, prejudicados pela conduta ilícita e arbitrária das rés. O serviço telefônico é largamente utilizado pelos usuários de cartão de crédito, e a cobrança repentina do serviço que até então era contratualmente assegurado como gratuito acarretou, em conjunto, prejuízos de alta monta.

          Salta aos olhos, da mesma forma, o justificado receio de ineficácia do provimento final. Pelo já exposto, claro é o intuito da lei de evitar o dano, antes mesmo que ocorra. (art. 6º, VI c/c art. 84, § 1º e § 5º do CDC). Assim, com o atraso na prestação jurisdicional, uma grande massa de consumidores continuará desamparada, não tendo como contornar a relatada prática das rés. No lapso temporal que decorrerá entre o ajuizamento da ação e a solução final, um considerável contingente de usuários continuará sendo lesado. Para estes, que não são poucos, a Lei Consumerista terá falhado em seu intento.

          O atraso na prestação jurisdicional equivale à denegação de justiça, principalmente no caso sub judice, onde se tem por objetivo evitar uma cobrança encetada por uma alteração contratual sem respaldo legal e contrária ao princípio da informação do CDC.

          Observe-se, ainda, que a discussão que se traz ao judiciário é eminentemente de direito, e a conclusão que dela se retira, em confronto com a Lei, é evidente.

          Em síntese, deixar de conceder a tutela antecipada pleiteada ou apreciá-la somente quando da prolação da sentença, equivale, em termos práticos, a privar de tutela os direitos em litígio, uma vez que não impedirá a consumação de danos irreparáveis ou de difícil reparação aos substituídos, tendo em vista as repercussões sociais provocadas pelo estipêndio de capital sem amparo legal, fato de maior interesse par a tutela da economia popular.

          Restam configurados, então, os requisitos do artigo 84, § 3º, já que os elementos trazidos à colação são aptos para imbuir o magistrado do sentimento de que a realidade fática corresponde ao relatado, levando-se, outrossim, em consideração que o pleito se estriba em sólido entendimento pretoriano e que a demora do provimento jurisdicional só acabará por prolongar, em demasia, a situação de franca desvantagem vivenciada pelos consumidores.

Sobre o autor
Marco Paulo Denucci Di Spirito

assessor jurídico do Conselho Regional de Economia da 10ª Região

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

DI SPIRITO, Marco Paulo Denucci. Ação contra telefones 0300:: direito do consumidor à informação sobre o produto. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 7, n. 60, 1 nov. 2002. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16525. Acesso em: 23 dez. 2024.

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