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Ação contra banco por perdas em fundos de renda fixa

Agenda 01/01/2003 às 00:00

Ação de indenização movida por investidor contra banco em virtude de propaganda enganosa quanto aos “fundos de renda fixa”, em razão de perdas financeiras ocorridas no final de maio de 2002. A ação alega que o banco fez publicidade do investimento como sendo de perfil conservador, com liquidez e rentabilidade diárias, ocultando a possibilidade de prejuízos.

EXCELENTÍSSIMO SR. DR. JUIZ DE DIREITO DO JUIZADO ESPECIAL DA CIRCUNSCRIÇÃO DE BRASÍLIA

BRUNO MATTOS E SILVA, procurador federal, brasileiro, casado, residente nesta cidade de Brasília(DF) à **********, portador da cédula de identidade RG nº ***********, inscrito no CPF sob nº **********, vem mui respeitosamente à presença de V. Exª propor a presente AÇÃO DE INDENIZAÇÃO contra o BANCO DO BRASIL S/A, pessoa jurídica de direito privado com agência no ****************, nesta cidade de Brasília (DF), pelos motivos de fato e de direito a seguir articulados.


DOS FATOS.

1.O AUTOR é correntista do banco RÉU.

2.No início de 2002, seduzido com a propaganda veiculada pelo banco RÉU, o AUTOR aplicou suas economias no fundo BB FIX ESPECIAL. Para fazer essa aplicação, o AUTOR utilizou o terminal eletrônico do banco RÉU disponibilizado apenas para seus clientes, mediante utilização de senha. No dia 27/05/2002, tinha o AUTOR a quantia de R$ ***********aplicados nesse fundo (doc. nº __)

2.1.No dia 27 de maio de 2002 o AUTOR fez aplicação adicional, no valor de R$ ********, nesse mesmo fundo, também por meio de terminal eletrônico disponibilizado pelo banco RÉU.

3.De acordo com a propaganda do banco RÉU, mencionado investimento teria liquidez e rentabilidade diárias, sendo direcionado para os clientes que não desejam correr os riscos do mercado financeiro (perfil conservador).

3.1.Confira-se o teor da propaganda do RÉU, tal como exposta no seu site, http://www.investimentos-e.com.br :

"BB Fix Especial

Se você é um investidor com perfil conservador e procura um Fundo que lhe dê boa rentabilidade em cenário cuja tendência seja de baixa das taxas de juros, o BB Fix Especial é uma das opções que o Banco do Brasil criou para você.

Este Fundo também oferece liquidez e rentabilidade diárias com IOF regressivo para resgates realizados antes de 30 dias.

Investimentos BB, feitos sob medida para o seu perfil

Perfil do fundo: Conservador"

(original sem destaques)

3.1.1.Apenas a título de informação, os domínios na Internet http://www.investimentos-e.com.br e http://www.bb.com.br são de propriedade do RÉU, Banco do Brasil S/A, como provam os extratos que podem ser obtidos no site do registrador de domínios da internet brasileira (docs. nº ___ e ___). Ou seja, resta claro e evidente que era o RÉU e não outra pessoa quem disponibilizava as promessas acima.

3.2.Como se pode bem notar, a propaganda feita pelo RÉU é no sentido de prometer liquidez e rentabilidade diárias, para o investidor (na verdade, um poupador), que não deseja correr os riscos do mercado (perfil conservador). É por isso que esse tipo de investimento é chamado de "renda fixa".

3.3. Os fundos de renda fixa constituem patrimônio administrado por uma instituição financeira, que pode ser uma corretora ou uma distribuidora de valores mobiliários. Por isso é correto dizer que a instituição financeira é a administradora do fundo. Os investidores aplicam dinheiro nesses fundos. A administradora arrecada o dinheiro e o investe em títulos. Os investidores não sabem e não detêm controle no tocante à escolha dos títulos que serão adquiridos pelo fundo. Os investidores são proprietários de quotas desses fundos. Essas quotas sobem de valor na medida em que os títulos adquiridos proporcionam rendimentos, normalmente de juros. A administradora do fundo não ser o banco comercial, mas é ele parte legítima para compor o pólo passivo, como veremos adiante.

4.Como é de notório conhecimento, nos dias 31 de maio e 3 de junho de 2002, muitos investidores (poupadores) perderam dinheiro nesses fundos. Houve muita perplexidade no país, o que foi fartamente noticiado pela imprensa. Toda a propaganda dos bancos comerciais era no sentido de que a "renda fixa" era segura sob aspecto econômico.

4.1.Aliás, também é notório o fato de que os gerentes dos bancos comerciais aconselhavam os clientes a investir nos fundos de renda fixa em razão da segurança. Esse aspecto notório inclusive constou de uma das diversas reportagens publicadas pelos jornais a respeito da questão objeto deste processo:

"A situação fica ainda mais complicada porque a clientela está se sentido traída pelos gerentes das agências. Os conselhos desses profissionais são decisivos na hora em que pequenos e médios investidores escolhem onde depositarão suas economias."

(Correio Braziliense, 9 de junho de 2002, p. 13. Reportagem assinada pelo jornalista Vicente Nunes)

"Existe um país em que o cidadão vai ao banco depositar a sua economia (...) Então o gerente o recebe todo feliz e lhe diz: o senhor quer arriscar ou segurança total? Claro que buscamos segurança. Aí ele diz: aplique em fundos de renda fixa, que é um rendimento melhor que a poupança e é super-seguro.(...) Esse país é o Brasil."

(Correio Braziliense, 8 de junho de 2002, p. 4. Carta de um leitor indignado, que demonstra que os gerentes dos bancos aconselhavam aplicação em renda fixa afirmando-a segura)

5.De acordo com os extratos anexos, no dia 27/5/2002 o AUTOR tinha R$ ********* no saldo do BB FIX ESPECIAL (doc. nº ___), que somados ao valor de R$ ********* aplicados em 27/05/2000 (doc. nº ___) totaliza R$ **********. Contudo, quando o AUTOR optou por sacar o valor total do seu investimento no dia 3/06/2002, uma vez que pelas regras do fundo poderia fazê-lo a qualquer tempo (liquidez diária), obteve apenas a quantia de R$ ********** (doc. nº ___).

6.Portanto, resta claro que o prejuízo do AUTOR foi de R$ ************, que é o valor da presente causa.

7.São os fatos.


DO DIREITO.

8.O banco RÉU é parte legítima para compor o presente pólo passivo desta ação pois foi ele quem captou o investimento (poupança) do AUTOR, oferecendo a possibilidade de ingresso no fundo BB FIX ESPECIAL, fazendo propaganda no sentido de ter esse fundo liquidez e rendimento diárias.

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9.Não é juridicamente relevante a discussão de que o fundo em questão não seria administrado pelo banco RÉU, mas sim por outra empresa do mesmo grupo, uma vez que o fundamento (causa de pedir) da presente ação não são os fatos relativos à administração do fundo. Com efeito, a causa de pedir da presente ação é a responsabilidade do RÉU pelo ato de prometer ao AUTOR um investimento de perfil conservador, com rendimento e liquidez diárias, sem informá-lo suficientemente da existência de risco.

10.Os fundos de renda fixa eram apresentados pelos bancos comerciais como a aplicação segura sob o ponto de vista econômico. Era dirigida ao investidor, ou melhor, ao poupador, que por desconhecer o mercado financeiro, se contentava com um rendimento inferior ao de outras aplicações, exatamente em razão da segurança que a renda fixa lhe proporcionaria.

11.Os bancos vendiam a renda fixa - como o próprio nome está a dizer - como a aplicação destinada ao investidor (poupador, na verdade) que tivesse um perfil conservador. Tanto a propaganda veiculada nos meios de comunicação, como a orientação dada pelos funcionários e gerentes dos bancos - fato notório, como vimos no item 4.1. desta peça - era no sentido de que se o investidor (poupador) não quisesse correr riscos, deveria investir na renda fixa, em CDBs ou na caderneta de poupança.

12.O micro poupador, que não tinha acesso à possibilidade de manutenção de conta corrente em um banco comercial aplicava na caderneta de poupança. A ele não seria (como não é) possível manter uma conta corrente pois os bancos exigem saldo médio relativamente elevado e/ou taxas que ele não poderia arcar. Já ao investidor (poupador) que tem conta corrente poderia aplicar em renda fixa, que rendia um pouco mais do que a caderneta de poupança - note-se, assim, que o AUTOR somente pôde aplicar em renda fixa porque é cliente do RÉU.

13.Os bancos diziam ainda que haveriam dois outros tipos de investimentos, os moderados e os agressivos. Os investimentos considerados moderados, tais como fundos atrelados a títulos com variação próxima a do dólar, seriam destinados a investidores que estivessem dispostos a sofrer alguma perda, desde que houvesse uma perspectiva de ganho superior à média das taxas de juros pagas pelo mercado. Por fim, os investimentos considerados agressivos, tais como os fundos lastreados em ações e debêntures com cotação em Bolsa de Valores eram indicados para os investidores que pretendiam diversificar seus investimentos, podendo ter uma perda proporcionalmente grande, mas também um ganho proporcionalmente grande em relação à média das taxas de juros e em relação ao capital aplicado.

14.Todos esses fundos têm taxas de administração. Isto é, a administradora do fundo recebe um percentual incidente sobre o valor captado dos investidores pelo serviço de administração do fundo.

15.Como se pode notar, os bancos dividiam os investidores em três categorias, para os quais ofereciam três grupos de fundos: conservadores, moderados e agressivos. O investidor (poupador) deveria saber qual era o seu perfil e escolher um fundo para aplicar.

16.Como a maior parte da população brasileira desconhece os meandros do mercado financeiro, os fundos conservadores eram os preferidos pela maior parte dos poupadores.

17.Um aspecto fundamental é no tocante à liquidez dos fundos de renda fixa, que era diária: o investidor poderia sacar todo o seu capital a qualquer tempo, sem perda de rendimento.

18.O investidor dos fundos de renda fixa (na verdade, simples poupador), exatamente por não conhecer os meandros do mercado financeiro, não sabia - e não era mesmo obrigado a saber - quais os títulos que lastreavam esses fundos. Apenas sabia que os fundos de renda fixa - como os bancos chamavam os fundos conservadores - eram os mais seguros, que proporcionariam um rendimento pequeno, porém seguro sob o aspecto econômico. "Renda fixa" - nada poderia ser mais claro.

Por que ocorreu o prejuízo?

19.Não é juridicamente relevante para a presente ação saber porque ocorreu prejuízo, pois o RÉU oferecia "rendimento e liquidez diárias" e não "renda variável". Não cumpriu o prometido, deve responder pelo prejuízo.

20.Seja como for, apenas para fazer uma exposição completa da questão, a mídia divulgou que os prejuízos decorreram da mudança na forma de contabilidade dos fundos, que passariam a refletir diariamente os valores de mercado dos títulos que compõem o patrimônio do fundo (lastro) e não mais o valor do rendimento dos títulos proporcional ao período decorrente entre a sua emissão e seu resgate. Ocorre que os títulos podem ser negociados antes do seu vencimento no mercado secundário, ou seja, particulares podem compra e vender títulos de emissão de terceiros (normalmente títulos emitidos pelo governo) pelos valores que quiserem. Esse é o mercado secundário dos títulos.

21.Portanto, o suposto motivo do prejuízo teria sido uma decisão administrativa do Banco Central e da Comissão de Valores Mobiliários no sentido de mudar as regras da contabilidade dos fundos, que deveria passar a, diariamente, refletir o valor dos títulos do patrimônio dos fundos de acordo com os valores no mercado secundário. Se isso fosse a verdadeira causa, isto é, se o prejuízo fosse realmente decorrente da mudança na forma de contabilidade dos fundos, então os fundos que já contabilizassem o valor das quotas pelo valor de mercado dos títulos não deveriam ter apresentado prejuízo expressivo nos dias 31 de maio e 3 de julho.

22.Na verdade, já existia desde 1995 normas administrativas do Conselho Monetário Nacional a determinar que os fundos de investimento financeiro (FIF) e os fundos de aplicação em quotas de fundos de investimento – MAIS CONHECIDOS COMO "FUNDOS DE RENDA FIXA" – TIVESSEM OBRIGATORIAMENTE COMO CRITÉRIO DE AVALIAÇÃO DOS SEUS ATIVOS O VALOR DE MERCADO ("marcação a mercado"). Era o que dispunha o art. 1º, parágrafo único, II, da Resolução nº 2.183, de 21 de julho de 1995 (doc. __), bem como o art. 17 do Regulamento aprovado pela Circular nº 2.594, de 21 de julho de 1995 (doc. __)

22.1.É de se notar que embora a Circular nº 2.594 tenha sido revogada pela Circular nº 2.616, de 18 de setembro de 1995, foi mantida a regra de contabilização dos ativos constantes da carteira pelo valor de mercado.

22.2.Essa mesma regra – contabilidade pelo valor de mercado – foi mantida pela Circular nº 2.601, de 9 de agosto de 1995 (doc. __) e pela Circular nº 2.654, de 17 de janeiro de 1996 (doc. __).

22.3.Se as instituições financeiras não cumpriam o determinado pelas normas administrativas acima mencionadas, devem responder pelo prejuízo causado aos investidores, nos termos do art. 4º, XII, da Lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1994, c.c. art. 159 do Código Civil.

23.Seja como for, sob o aspecto jurídico não é relevante saber qual a causa econômica do prejuízo do investidor-poupador para efeito de se concluir pela responsabilidade civil do banco comercial, pelas razões a seguir expostas.

A responsabilidade extracontratual e contratual do banco comercial (RÉU da presente ação) pelos prejuízos sofridos pelo AUTOR.

24.É fato notório, tal como acima exposto, que os bancos comerciais vendiam os fundo de renda fixa como investimentos seguros e com liquidez diária.

25.Diz o caput do art. 159 do Código Civil:

"Art. 159. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência, ou imprudência, violar direito, ou causar prejuízo a outrem, fica obrigado a reparar o dano".

26.Os fundos de renda fixa - como o próprio nome está a dizer - eram vendidos pelos bancos comerciais como sendo um investimento seguro, com liquidez e rentabilidade diárias.

27.Portanto, o ato ensejador da responsabilidade extracontratual do banco comercial é o ato de vender os fundos de renda fixa administrados por sua distribuidora de valores como sendo um investimento seguro, com liquidez e rentabilidade diárias, destinado ao investidor conservador, que não deseja correr riscos.

28.Por isso a denominação "renda fixa", em oposição aos demais fundos, nominados de "renda variável".

29.Se havia possibilidade de perdas, não poderiam os bancos vender os fundos com sendo "renda fixa", salvo se dispostos a cobrir os prejuízos eventualmente sofridos pelos investidores (poupadores) em decorrência dos riscos do mercado.

30.Este é o cerne da questão sob o aspecto jurídico: os bancos comerciais praticaram o ato de disponibilizar os fundos de renda fixa como sendo investimentos seguros, de perfil conservador, com liquidez e rendimento diários. Ocorrente o prejuízo no valor das quotas desses fundos, devem os bancos por ele responder.

30.1.Vamos frisar, mais uma vez, tal como vimos no item 4.1. desta peça, que é fato notório (e como tal independe de prova) que os gerentes dos bancos comerciais aconselhavam os clientes a investirem em renda fixa, exatamente em razão da segurança.

31.Não se alegue que o banco não é parte no contrato de investimento que o cliente faz com a administradora do fundo de investimento. Com efeito, a responsabilidade civil preconizada pelo art. 159 do Código Civil independe de relação contratual. O banco comercial praticou um ato - disponibilizar a aplicação em renda fixa por meio de suas diversas agências, com orientação dos seus profissionais (gerentes e funcionários). Ninguém se dirigiu ao escritório da distribuidora da valores para adquirir quotas de fundos. Todas as operações foram feitas por meio das agências do banco comercial.

32.Nem se alegue que passado os investidores teriam obtido lucros com o investimento em "renda fixa" e que no futuro, se deixarem o dinheiro aplicado, terão coberto o prejuízo com lucros supervenientes. Muito ao revés, por basicamente três razões:

33.É certo, ademais, que o Código do Consumidor se aplica bancos. Dentre os atos praticados pelo banco comercial, encontra-se a disponibilização de um leque de investimentos possíveis ao cliente, bem como a orientação sobre qual o investimento é o mais adequado para cada cliente.

34.Portanto, ao oferecer ao seu cliente a possibilidade de investimento com liquidez e rentabilidade diárias, o banco comercial, também sob o aspecto da relação contratual com seu cliente, é civilmente responsável pelo prejuízo sofrido.

35.Assim, se o investimento não era 100% seguro ou se a rentabilidade não era ou seria sempre diária, há publicidade enganosa, tal como definida no art. 37, §§ 1º e 3º, do Código do Consumidor.

36.O que o banco comercial oferecia era: liquidez diária sem perda de rendimento e rentabilidade diária.

37.Não é só. O caput do art. 14 do Código do Consumidor é expresso no sentido que de o fornecedor de serviços (no caso, o banco comercial) responde independente de culpa pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação de serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos. No caso em análise, os bancos simplesmente não informavam ou não informavam suficientemente sobre os riscos da aplicação em renda fixa (aliás, diziam sempre que a aplicação não tinha riscos). In verbis:

"Art. 14. O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes ou inadequadas sobre sua fruição e riscos."

(Original sem destaques)

O serviço prestado pelo banco comercial é, justamente, propiciar ao seu cliente (correntista do banco) a aplicação nos fundos de renda fixa, ainda que se venha a admitir que o contrato de investimento seja com a administradora do fundo e não com o banco RÉU. Admitindo-se isso, o serviço é a intermediação entre o cliente (correntista) e a administradora do fundo (que normalmente é parte do grupo econômico constituído pelo banco ou por controlador comum), o que enseja a responsabilidade do RÉU no caso concreto. Pouco importa se o banco agiu com culpa: é o teor expresso do art. 14 do Código do Consumidor. Não é acaciano lembrar que os serviços bancários estão sujeitos à disciplina do Código do Consumidor, como claramente expresso no seu art. 1º, § 2º.

Da ausência de responsabilidade da CVM e do Banco Central.

38.Finalmente, não é possível alegar que a responsabilidade pelos prejuízos teria sido do órgão estatal regulador dos fundos de renda fixa (Banco Central e CVM).

39.Com efeito, nenhum órgão do estado vendeu quotas de fundos ou disse que esses fundos eram seguros sob o aspecto econômico ou mesmo incentivou qualquer pessoa a neles aplicar. Ao determinar forma de contabilidade diversa dos fundos, o órgão regulador nada mais fez que exercer um juízo de conveniência e oportunidade, decorrente de sua função reguladora. Esse ato em si não causou imediatamente dano a ninguém, uma vez que não "confiscou" ou "bloqueou" títulos em poder dos fundos ou dos bancos.

40.É de meridiana clareza que a adoção de regra de contabilidade não é ato ensejador de responsabilidade civil, uma vez que a contabilidade deve apenas retratar a realidade dos fatos e não criar ou destruir riqueza. Se a contabilidade não retratava a realidade, é porque ela estava errada. Não é o órgão regulador que deve responder por erro na contabilidade das instituições financeiras, por óbvio.

41.Na verdade, o prejuízo decorreu da flutuação do mercado. Quem deve responder pela flutuação do mercado? Em princípio, poderia-se pensar que seriam os detentores dos títulos. Contudo, os bancos devem responder perante esses investidores (poupadores), pelas razões descritas no tópico anterior. Assim, o prejuízo decorrente da flutuação do mercado que ocorreu no caso concreto é do RÉU, que deve ressarcir o AUTOR.

42.A ausência de responsabilidade do Banco Central e da CVM na questão é inclusive reconhecida pelos profissionais do mercado. A título de exemplo, convém transcrever o que disse o Diretor de Administração de Terceiros da CEF, Wilson Risolia:

"Por mais que saibamos que a decisão do BC é correta, explicar isso para quem perdeu dinheiro exige muita dedicação."

(Correio Braziliense, 9 de junho de 2002, p. 13. Reportagem assinada pelo jornalista Vicente Nunes)


DO PEDIDO.

43.O AUTOR tem interesse tão-somente na recomposição do seu patrimônio em moeda corrente (expresso em REAIS) no dia 27/05/2002.

44.Não pede o AUTOR (embora pudesse fazê-lo) a devolução da CPMF ou mesmo de lucros cessantes, que seria o rendimento devido depois do dia 27/05/2002 (data em que tirou extrato no banco RÉU). Ao revés, pede apenas a recomposição do seu patrimônio.

ANTE TODO O EXPOSTO, REQUER:

A)a citação do RÉU para audiência de conciliação, instrução e julgamento, que poderá ser concentrada em uma única audiência, a critério de V. Exª, uma vez que não há necessidade de produção de prova testemunhal ou depoimento pessoal, uma vez que os fatos estão provados, sendo a questão unicamente de direito;

B)o julgamento pela procedência desta ação, com a condenação do RÉU a pagar ao AUTOR a quantia de R$ ********* (**********), devidamente corrigidos monetariamente e acrescidos, na forma da Lei nº 9.099/95, de eventuais custas, honorários, e demais verbas.

O AUTOR concorda, desde logo, em receber o valor de R$ ********* mediante depósito na conta corrente que mantém com o banco RÉU, agência nº ********, conta corrente nº *********, conferindo a esse depósito quitação do valor devido a título de ressarcimento do prejuízo sofrido, caso realizado até a data da primeira audiência de conciliação a ser designada pelo juiz.

A despeito da matéria ser apenas de direito e os fatos estarem provados, requer o AUTOR a produção de provas por todos os meios admitidos em direito, caso no curso do processo ocorra qualquer fato ensejador dessa necessidade, razão pela qual protesta por posterior especificação.

Dá-se à causa o valor de R$ ******* (************).

Pede deferimento.

Brasília, *** de novembro de 2002

Bruno Mattos e Silva

Sobre o autor
Bruno Mattos e Silva

Bacharel em Direito pela USP. Mestre em Direito e Finanças pela Universidade de Frankfurt (Alemanha). Foi advogado de empresas em São Paulo, Procurador-chefe do INSS nos tribunais superiores, Procurador Federal da CVM e Assessor Especial de Ministro de Estado. Desde 2006 é Consultor Legislativo do Senado Federal, na área de direito empresarial, de regulação, econômico e do consumidor. Autor dos livros Direito de Empresa (Ed. Atlas) e Compra de Imóveis (Edi. Atlas/GEN).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SILVA, Bruno Mattos. Ação contra banco por perdas em fundos de renda fixa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 8, n. 61, 1 jan. 2003. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16537. Acesso em: 22 dez. 2024.

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