DAS DECISÕES JUDICIAIS EM CASOS ANÁLOGOS
A decisão abaixo transcrita se encaixa como uma luva no caso ora em apreço, senão vejamos:
PROCESSO Nº 2004.05.00.042560-2
AUTUADO EM 22/12/2004
ORGÃO: Terceira Turma
PROC. ORIGINÁRIO Nº 200480000087979
Justiça Federal – AL
VARA: 4ª Vara Federal de Alagoas (Competente p/ Execuções Penais)
ASSUNTO: Crimes Previstos na Lei de Estrangeiros (Lei 6.815/80) - Crimes Previstos na Legislação Extravagante - Penal
MARCELO SANTA CRUZ OLIVEIRA e outros impetraram habeas
corpus em favor de MAKUIZA SAMPY (natural de Kinshasa, República Democrática
do Congo) alegando que o mesmo está preso administrativamente por decreto do
Juiz Federal da 4a Vara da Seção Judiciária de Alagoas desde 29 de outubro
de 2004 (fls. 16/17).
2. Alegam os Impetrantes que o Paciente, vindo da África como clandestino no
navio Heidi II de bandeira da Geórgia, desembarcou no território brasileiro
em 21 de outubro de 2004. Após evadir-se do navio com o auxílio de
tripulantes, escondeu-se em um caminhão de transporte de açúcar até chegar
a Coruripe/AL. Naquela cidade, foi prontamente engajado no corte de cana, até
ser detido e conduzido à Delegacia Regional da Polícia Federal.
3. Aduzem que a prisão é ilegal por considerar a hipótese de deportação,
procedimento incabível ao caso do Paciente, pois este já apresentou pedido
formal de refúgio perante o CONARE (fl. 24/28).
4. Ademais, afirmam que o simples pedido de refúgio suspende qualquer
procedimento administrativo ou criminal pela entrada irregular, conforme o
art. 10 da Lei nº 9.474/97, o que por si já torna impossível o
encarceramento do Paciente.
5. Como suporte às suas alegações, os Impetrantes trazem, além do decreto
prisional e dos termos de interrogatório do Paciente, cópias do pedido de
revogação da prisão administrativa firmado pela Delegada da Polícia
Federal em Alagoas (fls. 19/20), do protocolo do pedido de refúgio no CONARE
(fl. 28) e do denominado "Questionário de Solicitação de
Refúgio" no qual o Paciente afirma que sua saída forçada do Congo foi
provocada por perseguições políticas à sua família (fls. 25/27).
6. É o que importa ser relatado.
7. Em termos competenciais, agiu acertadamente o Juiz Federal da 4a Vara de
Alagoas, posto que o art. 61 da Lei 6.815/80 foi recebido com temperamentos
pela ordem constitucional inaugurada em 05 de outubro de 1988. Assim, por
força do art. 5º, inciso LXI da Constituição Federal, somente uma
autoridade judiciária pode decretar prisões. Permanece a prisão
administrativa - como a ora posta em análise - sendo que o Ministro da
Justiça (ou quem agir por delegação deste) formulará representação ao
Juiz, que decidirá se ordena ou não o aprisionamento do representado. Só a
título de ilustração, consulte-se, na jurisprudência do Superior Tribunal
de Justiça, o RHC 9367-RJ (Relator Ministro JORGE SCARTEZZINI, DJ 05.06.2000)
e a COM 01-DF (Relator Ministro CARLOS THIBAU, DJ 12.3.1990).
8. Outrossim, não existia óbice, ao tempo da decisão (fls.16/17), para que
a Autoridade Coatora expedisse o decreto prisional.
9. Ocorre que, após o referido provimento, a própria Delegacia da Polícia
Federal relatou que o Paciente, por meio de seus advogados, apresentou
pedido de refúgio ao CONARE, sob a alegação de possível perseguição
de guerra. A partir de tal fato, o Paciente está acobertado pelo disposto
no artigo 10 da Lei 9.474, de 22 de julho 1997, de seguinte teor:
"Art. 10. A solicitação, apresentada nas condições previstas nos
artigos anteriores, suspenderá qualquer procedimento administrativo ou
criminal pela entrada irregular, instaurado contra o peticionário e pessoas
do seu grupo familiar que o acompanham".
10. Assim, suspenso ex vi lege o procedimento de expatriação do Paciente,
não há mais razão para que este permaneça preso. Afinal, não está mais
em território brasileiro na condição de elemento indesejado a ser
deportado, mas como indivíduo a ser protegido pela legislação protetiva de
refugiados. Tal conclusão faz com que o provimento posterior que negou a
reconsideração da prisão administrativa (fl. 23) seja considerado ato
coativo reparável pela presente ação mandamental.
11. Pelo exposto, concedo ordem de habeas corpus para que o Paciente
MAKUIZA SAMPY seja imediatamente posto em liberdade, sendo confiado à
responsabilidade do Conselho Estadual de Direitos Humanos do Estado de Alagoas
representado por seu presidente, Dr. Everaldo Bezerra Patriota, devendo ainda
ficar custodiado na Secretaria Especializada de Cidadania e Direitos Humanos
do Estado de Alagoas, sita à Rua Zadir Índio nº 220, Centro, Maceió/AL,
tendo como Secretária a Dra. Magali Pimentel Cardoso, até que seja
decidido pelo CONARE o pleito de refúgio.
12. Providências e comunicações de estilo. Remetam-se os presentes autos à
Secretaria Judiciária para que seja retificado o nome do juízo impetrado na
autuação (4ª Vara Federal da Seção Judiciária de Alagoas).
Recife, 23 de dezembro de 2004.
Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI -
Presidente do Tribunal Regional Federal da 5a. Região.
E M E N T A CONSTITUCIONAL. PROCESSUAL PENAL. HABEAS
CORPUS. ESTRANGEIRO. PRISÃO ADMINISTRATIVA. COMPETÊNCIA DA AUTORIDADE
JUDICIÁRIA. ART. 5º, LXI, DA CF. SOLICITAÇÃO DE REFÚGIO. ART. 10 DA LEI
9.474/97. MANUTENÇÃO DO PACIENTE EM ESTABELECIMENTO ADEQUADO. ORDEM
CONCEDIDA.
1. Não há discutir da competência exclusiva do Juiz indigitado coator para
decretar prisões e sobre elas decidir, à luz do disposto no artigo 5º, LXI,
da Constituição Federal.
2. Em face da suspensão do procedimento de expatriação do paciente, não
mais existe motivo da prisão cautelar, pois cessara a situação real de
permanecer ele no território brasileiro como pessoa indesejada. Dessa sorte,
e até que sobrevenha apreciação do pedido de refúgio pelo CONARE,
revela-se ilegal a decisão da autoridade coatora que negou reconsiderar a
prisão administrativa do paciente, submetido ao vexame de ser recolhido a
dependência do Departamento de Polícia Federal.
3. Paciente confiado à responsabilidade do Conselho Estadual de Direitos
Humanos do Estado de Alagoas, confiando sua custódia à Secretaria
Especializada de Cidadania e Direitos Humanos daquele Estado.
4. Ordem de habeas corpus concedida.
A C Ó R D Ã O - Vistos e relatados estes autos em que são partes as acima
indicadas. Decide a Terceira Turma do Egrégio Tribunal Regional Federal da
5ª Região, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus, nos termos do
voto do Relator e notas taquigráficas constantes dos autos, que integram o
presente julgado. Recife, 17 de março de 2005 (data do julgamento).
A Turma, por unanimidade, concedeu a ordem de habeas corpus, nos termos do
voto do relator. Participaram do julgamento os Exmos. Srs.: DESEMBARGADOR
FEDERAL RIDALVO COSTA, DESEMBARGADOR FEDERAL GERALDO APOLIANO e DESEMBARGADOR
FEDERAL PAULO GADELHA. (nossos grifos)
Leia-se também acórdão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região:
EMENTA:
LEI Nº 6.819/80 (ESTATUTO DO ESTRANGEIRO). DESNECESSIDADE DA CUSTÓDIA. CUMPRIMENTO DE NORMAS DE COMPORTAMENTO.
1 - A prisão de estrangeiro para aguardar o encerramento do processo de deportação somente se justifica mediante a apresentação de fundadas razões.
2 - A custódia para a efetividade do processo de deportação, por si só não constitui motivo para tanto.
3 - Verificada a desnecessidade da prisão, deve ser permitida a liberdade vigiada até a definição das normas de comportamento a serem observadas pelo estrangeiro, cujo descumprimento impõe a revogação da medida.
4 - Ordem de habeas corpus concedida.
(TRF4, HC 2004.04.01.012596-0, Oitava Turma, Relator Luiz Fernando Wowk Penteado, publicado em 16/06/2004)
Resta assim comprovado que os Impetrantes não estão mais em território brasileiro na condição de elementos indesejados a serem deportados, mas como indivíduos a serem protegidos pela legislação protetiva dos refugiados.
Na hipótese do Conselho Nacional para Refugiados – CONARE, através de decisão terminativa transitada em julgado, entender que os Impetrantes não merecem ser acolhidos como refugiados, aí sim se justifica o início do processo de deportação.
Portanto, não existem motivos para a prisão administrativa, sendo ILEGAL A SUA DECRETAÇÃO, cujo constrangimento deverá ser cessado, liminarmente, ante a presença dos requisitos do FUMUS BONI JURIS e do PERICULUM IN MORA, o que se discorre adiante.
DO FUMUS BONI JURIS
Há de se deixar claro que a decisão em que se decreta a prisão administrativa deve ser FUNDAMENTADA, e, como na hipótese de prisão preventiva, não são suficientes meras expressões formais ou repetição de dizeres da lei.
Deve a autoridade judiciária, apreciando os fundamentos de fato e de direito do pedido, motivar convenientemente a decisão, referindo-se aos pressupostos exigidos em lei, conforme a hipótese.
Portanto, verificou-se que a Prisão Administrativa foi decretada ante a ausência de fundamentos plausíveis como acima demonstrado, ofendendo, ainda, a Constituição Federal, de modo que se torna lesiva ao ordenamento jurídico, além de abusiva a sua decretação.
Ademais, a Lei 6815/80, conhecida como Estatuto do Estrangeiro, prevê expressamente a possibilidade dos Impetrantes serem colocados em regime de liberdade vigiada.
Lei 6815/80:
Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne
necessária, ou que tenha o prazo desta vencido, permanecerá em
liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministério da Justiça, e
guardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas. (Renumerado
pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
E ainda, o artigo 109 do Decreto 86.715, de 10/12/81, que regulamentou a Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro), dispõe que:
Art . 109 - O estrangeiro que permanecer em regime de liberdade vigiada, no lugar que lhe for determinado por ato do Ministro da Justiça, ficará sujeito às normas de comportamento estabelecidas pelo Departamento de Polícia Federal.
DO PERICULUM IN MORA
Os Pacientes, recolhidos à prisão, viram sua dignidade moral ofendida, uma vez que nunca deram motivo para sofrer tamanho constrangimento, sem que lhe fosse dado o direito de defesa, incisiva ofensa ao consagrado Princípio Constitucional do Contraditório e da Ampla Defesa.
Como já afirmado, o tempo de tramitação do processo de refúgio é crucial, como fase de aprendizado do idioma, hábitos e adaptação à alimentação. Caso os Impetrantes consigam o reconhecimento como refugiados, esta fase de adaptação, também chamada pelos educadores como ‘choque cultural’, estará superada, o que por certo facilitará em muito a retomada de suas vidas em nosso país.
Ademais, como relatado, os Impetrantes foram vítimas de agressões por parte dos tripulantes do navio MANA, que atualmente estão livres e bem longe do Brasil.
Tudo isso, por óbvio, só poderá ser amenizado com o deferimento LIMINAR DA ORDEM, cuja medida haverá de ser concedida por Vossa Excelência, mesmo porque se percebe a olhos vistos que a decretação da Prisão Administrativa reveste, a latere de ilegalidade, faltando-lhe justo motivo, de constrangimento ilegal, de ofensa aos Princípios Constitucionais, de ofensa ao Estado de Direito, o que deverá ser prontamente cerceado.
DOS PEDIDOS
Diante do exposto, com fulcro nas disposições contidas em nossa Legislação, pela farta prova acostada aos autos, e mais, pelos doutos adminículos de Vossa Excelência requer-se, em nome dos pacientes, nos termos do artigo 5º, inciso LXVIII, da Constituição Federal de 1988 e artigos 647 e 648 do Código de Processo Penal:
A) O RECEBIMENTO DO PRESENTE HABEAS CORPUS E SUA AUTUAÇÃO, VEZ QUE COMPROVADO O CERCEAMENTO À LIBERDADE FÍSICA DOS PACIENTES, COM A EXPEDIÇÃO, EM CARÁTER LIMINAR, DE ORDEM DE HABEAS CORPUS AOS MESMOS, ANTE A PRESENÇA DOS REQUISITOS DO FUMUS BONI JURIS E DO PERICULUM IN MORA, QUE AMPARAM O PRESENTE REQUERIMENTO, NO SENTIDO DA PRESERVAÇÃO EFETIVA DO SEU DIREITO DE LIBERDADE VIGIADA E LOCOMOÇÃO, AMPLAMENTE PROTEGIDOS PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, PELA LEGISLAÇÃO PROCESSUAL PENAL BRASILEIRA E PELO ESTATUTO DO ESTRANGEIRO;
B) Concedida liminarmente a Ordem de Hábeas Corpus, seja oficiado via fax, a Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Espírito Santo, com a determinação de providenciar junto ao transportador do navio "MANA", o local de estadia dos Impetrantes, onde deverão permanecer em regime de LIBERDADE VIGIADA, até a decisão final do CONARE quanto ao pedido de refúgio, tudo conforme disposto no artigo 27, parágrafo único da Lei 6.815/80, e artigo 55, parágrafo terceiro do Decreto 86.715/81.
C) Seja oficiado à Autoridade Coatora para que a mesma, querendo, preste as informações que julgar necessária;
D) Confiam os Pacientes no elevado sentido de justiça deste Egrégio Tribunal Regional Federal, aguardando-se a concessão da liminar, e ao final, a confirmação da decisão, concedendo-se, em definitivo, o presente writ.
E) Requerem, por derradeiro, que este Egrégio Tribunal, DETERMINE, AO FINAL, A REVOGAÇÃO DA PRISÃO ADMINISTRATIVA ILEGALMENTE DECRETADA, tendo em vista os fatos e fundamentos de direito acima delineados, por ser de DIREITO e de JUSTIÇA!
F) Sejam concedidos aos Impetrantes, os benefícios da assistência judiciária gratuita, porque pobres no sentido da lei.
N. termos,
P. deferimento.
Vitória/ES, 29 de janeiro de 2007.
Ricardo Pimentel Barbosa
OAB/ES 8.564