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Nigerianos clandestinos presos ao desembarcar.

Pedido de refúgio. Habeas corpus

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12/02/2007 às 00:00
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Habeas corpus em favor de um grupo de nigerianos, embarcados clandestinamente em navio comercial e presos ao desembarcar no Brasil, a despeito de pedido de refúgio à autoridade imigratória.

EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 2º REGIÃO.

          O solicitante de refúgio não está mais em território brasileiro na condição de elemento indesejado a ser deportado, mas como indivíduo a ser protegido pela legislação protetiva de refugiados.

Desembargadora Federal MARGARIDA CANTARELLI
Ex-Presidente do Tribunal Regional Federal da 5a. Região

          REF: PROCESSO ORIGINÁRIO: 2007.50.01.000040-0 (1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA-ES)

          RICARDO PIMENTEL BARBOSA, brasileiro, solteiro, advogado, inscrito na OAB/ES sob o n. 8.564, com escritório profissional situado à Rua Silvino Greco, 75, Jardim Camburi, Vitória/ES, CEP: 29090-230, telefones (27) 3337-8214 e 9971-5848, devidamente qualificado no instrumento procuratório anexo (docs. 01), vem, respeitosamente, à presença de V. Exa., consubstanciado nos artigos 5°, LXVIII e LXXVII da CF e 647 e seguintes do CPP, impetrar a presente ordem Constitucional de

HABEAS CORPUS
(COM PEDIDO URGENTE DE LIMINAR)

          em favor de ERIC FREEMAN, liberiano, nascido em 01 de janeiro de 1978, filho de Felicia Freeman e Nojuma Freeman; CHUKWUKA CHUKWU, nigeriano, nascido em 05 de março de 1985, filho de Janet Chukwu e Emanoel Chukwu; EMANOEL CHOS, nigeriano, nascido em 05 de fevereiro de 1984, filho de Che Chos e Ogugua Chos; ISAAC RICHARD, nigeriano, nascido em 29 de maio de 1984, filho de Josefine Richard e T. Richard; e LARRY BROWN, nigeriano, nascido em 05 de março de 1985, filho de Juliet Brown e Somemen Brown, atualmente presos administrativamente na sede da Superintendência Regional da Polícia Federal no estado do Espírito Santo, mantidos em tais condições por ordem do EXMO. SR. DR. JUIZ FEDERAL DA 1ª VARA FEDERAL CRIMINAL DE VITÓRIA-ES, DR. PABLO COELHO CHARLES GOMES, ora apontado como autoridade coatora, aduzindo, para tanto, as razões fáticas e jurídicas adiante apostas:


DOS FATOS

          Os Impetrantes embarcaram no navio denominado "MANA", de bandeira panamenha, de propriedade da empresa panamenha ANDROMEDA MARINE S/A e operado pela empresa grega GOODFAITH SHIPPING, no porto de Lagos na Nigéria, na África Central, com destino ao Porto de Vitória-ES, no Brasil, para embarque de vergalhões e bobinas de aço.

          Por razões políticas em seus países de origem, os Impetrantes vinham sendo perseguidos pelas autoridades e grupos para-militares nigerianos, devido à sua raça e grupo social.

          As perseguições e ameaças eram tamanhas que, em atitude totalmente desesperadora, embarcaram no navio em referência, sem ao menos conhecer o seu destino.

          Em condições subumanas, sofrendo de muito frio, sede e fome durante a viagem, os Impetrantes esconderam-se da tripulação do navio "MANA", com receio de que, eventualmente descobertos à bordo, sofressem algum atentado contra suas integridades físicas.

          Seus temores se tornaram realidade, como se verá mais adiante. Descobertos pela tripulação, os Impetrantes foram trancafiados em uma cabine do navio, até a chegada no Porto de Vitória-ES. Ressalta-se aqui que a alimentação servida aos Impetrantes, durante a viagem da África ao Brasil, era racionada e de baixa qualidade.

          Mesmo depois de atracado o navio no cais comercial do porto de Vitória, os Impetrantes permaneceram trancados na referida cabine, não sendo entregues às autoridades migratórias locais, in casu, a Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Espírito Santo, configurando um verdadeiro cárcere privado, promovido pelo comando do navio.

          Registre-se aqui que a obrigação do comandante pela entrega às Autoridades Migratórias, de pessoas não autorizadas, detidas a bordo, datam de 1850, ainda na época imperial de Dom Pedro II, quando da promulgação, do até hoje em vigor, Código Comercial Brasileiro – Parte Segunda.

          É o que dispõe o artigo 498 do Código Comercial:

              Art. 498 - O capitão tem a faculdade de impor penas correcionais aos indivíduos da tripulação que perturbarem a ordem do navio, cometerem faltas de disciplina, ou deixarem de fazer o serviço que lhes competir; e até mesmo de proceder à prisão por motivo de insubordinação, ou de qualquer outro crime cometido a bordo, ainda mesmo que o delinqüente seja passageiro; formando os necessários processos, os quais é obrigado a entregar com os presos às autoridades competentes no primeiro porto do Império aonde entrar.(nossos grifos)*
          *Para efeitos legais, o clandestino, o imigrante ilegal e o refugiado, equiparam-se aos passageiros.

          Ademais, comete crime, segundo a Lei 6815/80, conhecido como Estatuto do Estrangeiro, o transportador que omite das Autoridades Migratórias, a existência de clandestinos ou pessoa irregular a bordo, senão vejamos:

          Art. 125.
          XII - introduzir estrangeiro clandestinamente ou ocultar clandestino ou irregular:
          Pena: detenção de 1 (um) a 3 (três) anos e, se o infrator for estrangeiro, expulsão.

          No Brasil, é prática comum o desembarque de clandestinos, imigrantes ou refugiados no primeiro porto que o navio atraca. O transportador está sujeito ainda ao pagamento de multa imposta pelo Ministério da Justiça, bem como pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária - ANVISA.

          In casu, o comandante do navio não autorizou o desembarque dos Impetrantes no Porto de Vitória por uma razão meramente econômica, já que se tem notícia de que o navio "MANA", após escala em dois outros portos brasileiros, retornaria à África, onde provavelmente seriam desembarcados, se lá chegassem vivos.

          A afirmação acima foi corroborada pelo depoimento do tripulante do navio, Tryukhan Tpioxah, perante o Juiz de Plantão do Fórum de Vitória (doc.02), que atesta que "recebeu ordem expressa do capitão do navio para manter os Requerentes na cabine".

          Durante a estadia no porto de Vitória, a tripulação do navio "MANA", formada por 27 tripulantes de nacionalidade, na sua maioria, ucraniana, começou a ameaçá-los, dizendo que o navio retornaria à África e que eles "seriam lançados ao mar para servirem de comida de tubarão".

          O medo e receio eram de tal sorte, visto que um sexto refugiado, de origem nigeriana, havia caído no mar, durante a viagem, tendo provavelmente encontrado a morte.

          O medo dos Impetrantes de ter o mesmo fim deste sexto nigeriano era tamanho, pois tinham ciência de que é comum alguns comandantes lançarem ao mar as "pessoas não convidadas" a bordo.

          As notícias publicadas na imprensa dão conta de que, infelizmente, essa prática de se "livrar" de clandestinos, imigrantes ou refugiados, é mais comum do que se possa imaginar.

          Diante de tamanhas ameaças e inseguranças, os Impetrantes tentaram persuadir a tripulação do navio MANA a desembarcá-los em terra, para posterior encaminhamento à Polícia Federal, entretanto, sem sucesso.

          A recusa da tripulação, adicionada as outras tantas ameaças, fizeram com que estes tentassem escapar do navio, chegando ao ponto de dois deles terem pulado do convés do navio ao mar, sofrendo risco de morte. Esta foi a solução encontrada para evitar serem espancados como os demais.

          Diante do cárcere privado instituído pelo comando do navio, em afronta à legislação nacional como também à alienígena, os Impetrantes tinham todo o direito de tentar escapar do navio, a fim de procurar refúgio perante as autoridades locais.

          É a mesma situação de uma pessoa que, vítima de seqüestro, tem todo o direito de tentar fugir de seu cativeiro, não importando os meios que utilize na fuga.

          Restou comprovado que o navio chegou ao porto de Vitória no dia 28 de dezembro de 2006, atracou no Cais Comercial, desligou os motores e iniciou o carregamento.

          Durante quase 24 horas, os Impetrantes foram mantidos trancafiados a bordo, ilegalmente, até a tentativa de fuga que se deu por volta das 07h40min, da manhã do dia 29 de dezembro de 2006.

          Se não bastasse tudo isto, três dos refugiados foram severamente espancados pela tripulação do navio "MANA", ocasionando a internação de dois deles no Hospital Santa Rita de Cássia em Vitória-ES.

          Tais fatos foram amplamente noticiados pela imprensa local, tanto escrita quanto televisiva, consoante links da internet abaixo e reportagens em anexo (docs.03).

          Briga entre tripulantes russos e nigerianos clandestinos em navio no porto de Vitória deixa seis feridos

          29/12/2006 11:38:26
        Redação Gazeta Rádios e Internet
          Álvaro Zanotti

          Seis pessoas ficaram feridas durante uma briga entre imigrantes clandestinos e a tripulação de um navio de bandeira panamenha na manhã desta sexta-feira no porto de Vitória. A embarcação é procedente da Nigéria – provável nacionalidade dos passageiros irregulares, que estão sem documentos de identificação. Durante a viagem, eles estiveram presos em uma das cabines do navio. O local foi destruído durante o confronto com a tripulação, que é de origem russa.
          Aduaneiros que trabalhavam no momento da briga contam que dois nigerianos teriam tentando fugir do navio pelas cordas que prendem a embarcação ao ancoradouro do porto. Outros dois teriam saído em macas de ambulâncias. O quinto desceu acompanhado por homens da Polícia Federal. Três tripulantes da embarcação também ficaram feridos e precisaram receber cuidados médicos.
          Um sexto nigeriano teria morrido no percurso entre o Rio de Janeiro e o Espírito Santo. Nas versões para o ocorrido, ele teria se jogado ou teria sido "despejado" pelos tripulantes.
          Um dos operários do porto, Antônio José Gomes, que trabalha no suporte de carregamento, viu os passageiros clandestinos sendo agredidos pelos tripulantes com uma marreta e com pedaços de pau. "Ouvi uma gritaria, achei até que estava pegando fogo. Então vi um tripulante batendo com a marreta na escotilha. Me assustei. Eles estavam batendo neles [nos nigerianos] com marreta e pedaços de pau. Absurdo! Isso não pode acontecer", denunciou.
          O chefe da Delegacia de Migração (Delemig) da Polícia Federal, Sandro Desan, deve pedir a prisão administrativa dos nigerianos para repatriação – eles serão levados de volta ao país de origem. O delegado também pretende analisar o caso para decidir sobre um possível indiciamento criminal. O navio foi interditado até que a perícia da Polícia Federal termine os trabalhos de investigação.
          O presidente do sindicato dos Arrumadores, Josué King Ferreira, condenou o abuso dos estrangeiros. A luta, na opinião dele, era desnecessária. "É uma atrocidade isso. Não podemos aceitar uma coisa dessa no nosso país, no nosso porto", reivindicou.
A embarcação chegou do Rio de Janeiro ao Estado nesta quinta-feira e foi atracado no porto de Vitória à tarde. O navio será embarcado com vergalhões de aço (em hastes e rolos).

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          Com a prisão de mais cinco, sobe para trinta número de nigerianos clandestinos detidos no Espírito Santo em 2006


          29/12/2006 19:15:58 - Redação Gazeta Rádios e Internet
          Beth Guerra

          Com a prisão de mais cinco clandestinos nesta sexta-feira, sobe para  30 o número de nigerianos que tentaram entrar no Espírito Santo de forma irregular este ano. Vinte e cinco foram repatriados, de acordo com o chefe da Delegacia de Polícia de Imigração.
          Na próxima sexta-feira, um representante do consulado da Nigéria chega à carceragem da Polícia Federal, em Vila Velha, para ajudar  a identificar os cinco nigerianos clandestinos presos no Porto de Vitória nesta sexta-feira. Eles não possuem documentos
          Numa tentativa desesperada de ficar no Brasil, os nigerianos se envolveram em uma grande confusão com tripulantes ucranianos no Porto de Vitória.
          Na confusão, duas cabines onde estavam alojados os nigerianos e parte do convés ficaram destruídas. Dez pessoas ficaram feridas. Dois nigerianos vão permanecer internados no hospital Santa Rita, em Vitória, por mais três dias. O estado de saúde dos pacientes não é grave segundo a polícia. Os outros três africanos estão detidos da carceragem da Polícia Federal, em Vila Velha. Os passageiros irregulares foram submetidos a exames de corpo delito e o laudo será concluído em dez dias.
          Os africanos embarcaram na Nigéria, de onde partiu o navio no último dia 18, com destino ao Brasil. Eles tinham como propósito desembarcar e morar em território brasileiro. No entanto, foram descobertos pelo capitão da embarcação que comunicou o caso à Polícia Federal.

          Se não bastasse toda a perseguição que vinham sofrendo em seus países de origem; as condições precárias, com fome, frio e sede, durante a viagem da África ao Brasil; os espancamentos provocados pela tripulação do navio "MANA", os Impetrantes encontram-se presos. De vítimas passaram a réus, o que é inadmissível.


DA PRISÃO EM FLAGRANTE

          Os Impetrantes foram presos em flagrante, por estarem tentando ingressar no território nacional de forma clandestina e para tanto, teriam supostamente lesionado diversos tripulantes do navio de bandeira panamenha, denominado "MANA", que os conduziu ao Brasil.

          O Delegado de Polícia Federal, Dr. Sandro Lúcio Dezan, encaminhou o auto de prisão em flagrante ao Juiz Federal de Plantão, que, em 30 de dezembro de 2006, decretou a prisão cautelar dos Impetrantes, sem a devida fundamentação (docs.04).


DO PEDIDO DE REVOGAÇÃO DE PRISÃO

          Os Impetrantes, em 08/01/07, requereram a revogação da prisão cautelar (doc.05), pugnando pela concessão do benefício da liberdade vigiada, até decisão final quanto ao pedido de refúgio, formulado no dia 02/01/07.

          O Ministério Público Federal, instado a se manifestar, opinou pela revogação da custódia processual penal dos Impetrantes, entretanto, considerou conveniente a imposição de prisão administrativa, com fulcro no artigo 61 da Lei 6815/80 (doc.06).

          O MM Juiz Federal, através da decisão de folhas 138/139 (doc.07), afastou a prisão em flagrante, e determinou que os Impetrantes permanecessem sob custódia da Polícia Federal, pelo prazo de 60 (sessenta) dias, com fundamento exclusivamente no artigo 61 da Lei 6815/80 – Estatuto do Estrangeiro.


DO PEDIDO DE RECONSIDERAÇÃO DA DECISÃO QUE DETERMINOU A PRISÃO ADMINISTRATIVA DOS IMPETRANTES

          Os Impetrantes requereram a reconsideração da decisão que determinou a prisão administrativa, através da petição de folhas 164/189 (doc.08), trazendo fatos novos e outros julgados em casos análogos, a fim de que fosse concedido o benefício da liberdade vigiada.

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          O MM Juiz Federal, através da decisão de folhas 200/201 (doc.09), deixou de apreciar o pedido de reconsideração, alegando que "repelir tais argumentos novamente seria incorrer em tautologia relativamente ao que já decidi às fls. 138/139".

          No entanto, fez ainda dois acréscimos à decisão de folhas 138/139: "(i) a jurisprudência do STF é no sentido de que a solicitação de refúgio efetivada pelo extraditando não impede a prisão administrativa do mesmo; mutatis mutandis¸ o mesmo entendimento se aplica à pessoa que, sujeita a procedimento de deportação, solicita refúgio (pode permanecer sob prisão administrativa enquanto pende de análise a solicitação de refúgio); (ii) quanto à suposta desigualdade de tratamento conferida aos Impetrantes, com relação ao tratamento dado a outros alienígenas clandestinos que, noutra ocasião, usufruíram de liberdade vigiada, registro que a situação destes últimos não foi submetida a este juízo federal".

          A decisão que decretou a prisão administrativa dos Impetrantes (folhas 138/139), bem como a decisão que a manteve (folhas 200/201), são as que devem ser reformadas, data maxima vênia, pois configuram verdadeiro constrangimento ilegal, bem como cerceamento ao direito de locomoção dos Impetrantes.


DOS FUNDAMENTOS UTILIZADOS PARA DECRETAÇÃO E MANUTENÇÃO DA PRISÃO ADMINSTRATIVA

          O MM Juiz Federal da 1ª Vara Federal Criminal de Vitória-ES, ora apontado como Autoridade Coatora, através das decisões de folhas 138/139, datada de 18/01/07, e de folhas 200/201, datada de 25/01/07, determinou que os Impetrantes deverão permanecer sob custódia da SR/DPF/ES, com fundamento no caput do art. 61 da Lei 6815/80.

          Art. 61. O estrangeiro, enquanto não se efetivar a deportação, poderá ser recolhido à prisão por ordem do Ministro da Justiça, pelo prazo de sessenta dias.

          Os fundamentos utilizados pelo MM Juiz para a decretação e manutenção da prisão administrativa, chamada por parte dos doutrinadores de prisão cautelar ou inominada, baseou-se nos seguintes pontos:

          DECISÃO DE FOLHAS 138 E 139:

          (i) que são vagas as alusões a perseguições sofridas pelos Impetrantes na Nigéria, contidas na solicitação de refúgio;

          (ii) (A)- que os Impetrantes entraram no Brasil de forma irregular;

          (B) - que não falam português;

          (C) - que não têm qualquer vínculo familiar ou social no Brasil;

          (D) - que não portavam nenhum documento de identidade;

          (E) - que foram autuados em flagrante; e

          (F) - que a imposição de termo de compromisso de comparecimento aos atos processuais será ato que, na prática, não terá força coativa contra os Impetrantes (já que não têm domicílio certo e nem vínculos familiares ou sociais no Brasil).

          DECISÃO DE FOLHAS 200 E 201:

          (i) a jurisprudência do STF é no sentido de que a solicitação de refúgio efetivada pelo extraditando não impede a prisão administrativa do mesmo; mutatis mutandis¸ o mesmo entendimento se aplica à pessoa que, sujeita a procedimento de deportação, solicita refúgio (pode permanecer sob prisão administrativa enquanto pende de análise a solicitação de refúgio); e

          (ii) quanto à suposta desigualdade de tratamento conferida aos Impetrantes, com relação ao tratamento dado a outros alienígenas clandestinos que, noutra ocasião, usufruíram de liberdade vigiada, registro que a situação destes últimos não foi submetida a este juízo federal.

          Entendeu o ilustre magistrado que estes seriam elementos suficientes para a manutenção da custódia dos Impetrantes na sede da Polícia Federal, pelo prazo de 60 (sessenta) dias.

          No que pese o brilhantismo e a celeridade das decisões proferidas por este culto magistrado federal, é importante destacar, data máxima vênia, alguns fatos e fundamentos que haverão de reformar as referidas decisões.

          Assim, necessário se faz analisar cada aspecto da referidas decisões, que fundamentaram a manutenção da custódia dos Impetrantes.

          (i) que são vagas as alusões a perseguições sofridas pelos Impetrantes na Nigéria, contidas na solicitação de refúgio;

          O primeiro passo para a concessão, por parte do governo brasileiro, de refúgio a estrangeiro, se dá através de solicitação a qualquer autoridade migratória.

          Nada impede que esta solicitação seja inclusive verbal. Cabe a autoridade migratória fornecer ao estrangeiro, as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.

          Isto é o que dispõe o artigo 7º da Lei 9474/97:

          Art. 7º O estrangeiro que chegar ao território nacional poderá expressar sua vontade de solicitar reconhecimento como refugiado a qualquer autoridade migratória que se encontra na fronteira, a qual lhe proporcionará as informações necessárias quanto ao procedimento cabível.

          Logo se conclui que não há, neste momento, a obrigatoriedade de se fundamentar, extensivamente, as razões que levaram o estrangeiro a solicitar o pedido de refúgio. Ao contrário, o espírito do legislador foi o de conferir à Autoridade Migratória, a função de orientar e instruir o estrangeiro de como proceder quanto ao pedido de refúgio.

          Ademais, os interrogatórios a que foram submetidos os Impetrantes no momento da prisão em flagrante, os quais foram posteriormente considerados nulos pela Autoridade Policial, que determinou nova inquirição, são atos previstos no artigo 304 do Código de Processo Penal.

          Não se confunde com a oitiva prevista no artigo 9º da Lei 9474/97, o que, in casu, até o presente momento não ocorreu, muito embora os Impetrantes tenham solicitado à Autoridade Migratória, através de seu patrono legalmente constituído, a assim proceder.

          São atos distintos, com finalidades distintas.

          O procedimento do processo de refúgio está previsto nos artigos 17 a 20 da Lei 9474/97.

          A Autoridade Competente notificará o solicitante para prestar declarações, levadas a termo, ato que marcará a data de abertura dos procedimentos (Art. 18 da Lei 9474/97), o que, in casu, não ocorreu até a presente data.

          As circunstâncias relativas ao ingresso no Brasil, as razões que o fizeram deixar o país de origem, bem como o relato das circunstâncias e fatos que fundamentem o pedido de refúgio, indicando os elementos de prova pertinentes, ocorrem neste momento. Assim estabelece a Resolução Normativa nº 1, de 27/10/98, do Comitê Nacional para Refugiados:

          RESOLUÇÃO NORMATIVA CONARE Nº 1, DE 27 DE OUTUBRO DE 1998 (DOU 19.11.1998)
          Estabelece modelo para o Termo de Declaração a ser preenchido pelo Departamento de Polícia Federal por ocasião da solicitação inicial de refúgio.

          O Comitê Nacional para os Refugiados CONARE, instituído pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, no uso de suas atribuições, objetivando implementar o disposto no artigo 9º do referido diploma legal, resolve:

          Art. 1º. Adotar o modelo de termo de declaração constante do Anexo I desta Resolução, a ser preenchido pelo Departamento de Polícia Federal por ocasião da solicitação inicial de refúgio.
          Art. 2º. O referido termo deverá ser encaminhado à Coordenadoria-Geral do CONARE, com cópia à respectiva Cáritas Arquidiocesana, visando ao preenchimento do questionário que possibilitará a apreciação do pedido de refúgio.
          Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
          Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

          SANDRA VALLE
          Presidente do Comitê

          O termo de declaração mencionado na Resolução nº. 01 do CONARE é lavrado pela Autoridade Migratória, em formulário próprio da Superintendência da Polícia Federal.

          Até a presente data, sequer foi produzido este documento, muito embora, na data de 22/01/2007, os Impetrantes tenham reiterado a solicitação de início do procedimento de refúgio.

          O segundo passo do procedimento de refúgio se dá através do preenchimento do "questionário para solicitação de refúgio", junto à Cáritas Arquidiocesana, consoante Resolução Normativa nº. 02, de 27/10/98, do Comitê Nacional para Refugiados:

          RESOLUÇÃO NORMATIVA CONARE Nº 2, DE 27 DE OUTUBRO DE 1998 (DOU 19.11.1998)
          Adota o modelo de questionário para solicitação de refúgio.

          O Comitê Nacional para os Refugiados CONARE, instituído pela Lei nº 9.474, de 22 de julho de 1997, no uso de suas atribuições, objetivando implementar o disposto no artigo 19 do referido diploma legal, resolve:

          Art. 1º. Adotar o modelo de formulário de solicitação do reconhecimento da condição de refugiado constante do Anexo I desta Resolução.
          Art. 2º. O referido questionário será preenchido pelo solicitante de refúgio na sede da respectiva Cáritas Arquidiocesana, e posteriormente encaminhado à Coordenadoria-Geral do CONARE para os procedimentos pertinentes.
          Art. 3º. Esta Resolução entra em vigor na data de sua publicação.
          Art. 4º. Revogam-se as disposições em contrário.

          SANDRA VALLE
          Presidente do Comitê

          Da mesma forma, este questionário para solicitação de refúgio sequer foi elaborado, em razão da ausência do início do processo formal de refúgio.

          Como muito bem destacado pelo ilustre Procurador da República, Dr. Helder Magno da Silva, em seu parecer de fls. 101/104, imcumbe tão somente à Autoridade Administrativa analisar o mérito do pedido de refúgio.

          Logo, o foro competente para discussão, do cabimento ou não, do reconhecimento da condição de refugiado dos Impetrantes é o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE.

          Com todo o respeito e admiração que merece o MM Juiz prolator das decisões ora atacadas, não é de competência da Justiça Federal, analisar o cabimento ou não do pedido de refúgio.

          A Lei 9474/97 atribui esta competência ao CONARE, órgão do Ministério da Justiça, do Poder Executivo.

          Não obstante, os Impetrantes afirmaram em seu interrogatório (docs.10), aquele do art. 304 do CPP, quando reinquiridos pela Autoridade Policial, na presença de um TRADUTOR JURAMENTADO, que são vítimas de perseguição política em seu país.

          O Impetrante Issac Richard afirmou "que entrou no navio com a intenção de ser encontrado pela tripulação, com a intenção de chegar a qualquer país e obter a condição de refugiado político, vez que se retornar para a Nigéria será morto; que há aproximadamente dois anos vem sendo assediado por um grupo criminoso denominado A-KA-21, que exige que o interrogado participe desta organização, cometendo delitos; que este grupo criminoso pratica tipos de delito a exemplo de furtos, roubos, lesões corporais, ligados à violência urbana e que desde a época da escola as pessoas são assediadas por este grupo e obrigadas a fazer parte desta organização;...que o seu país, Nigéria, encontra-se em guerra mais religiosa do que civil".

          O Impetrante Emanoel Chos assim se manifestou: "que embarcou no navio no dia 18 de dezembro de 2006 em razão de conflitos religiosos entre cristãos e muçulmanos".

          Já o Impetrante Eric Freeman disse "que na Nigéria há conflitos religiosos e em razão de já ter perdido o pai numa guerra civil na Libéria resolveu fugir da Nigéria embarcando no navio Mana".

          O Impetrante Larry Brown afirmou "que deixou a Nigéria no dia 16 de dezembro de 2006, num sábado, se escondeu a bordo do navio Mana, para fugir da Nigéria com qualquer destino, vez que sua mãe queria forçá-lo a pertencer a uma comunidade chamada "OGONI III"; que, para não ter que pertencer a essa comunidade procurou emprego de varredor no Porto para ganhar algum dinheiro e depois resolveu sair da Nigéria como já afirmado; ...que o seu país, Nigéria, encontra-se em conflito religioso".

          Por fim, o Impetrante Ckukwuka Ckukwu disse "que embarcou no navio no dia 18 de dezembro de 2006, no Porto de Lagos, fugindo de conflitos religiosos entre cristãos e muçulmanos".

          A solicitação de refúgio (docs.11) mencionada na decisão de fls. 138/139 é apenas uma manifestação por parte dos Impetrantes, de suas vontades em serem reconhecidos como refugiados, pelo governo brasileiro. Não era aquele o momento de se fundamentar o pedido de refúgio.

          Considerando que os Impetrantes, até então, não foram ouvidos pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Espírito Santo, para o fim específico de refúgio, conforme preceitua o artigo 9º da Lei 9474/97, não há que se falar em vagas alusões a perseguições sofridas na Nigéria.

          E mesmo que os Impetrantes tivessem sido ouvidos pela Superintendência Regional da Polícia Federal no Espírito Santo, suas alusões a perseguições serão analisadas e julgadas no foro competente, qual seja, o Comitê Nacional para Refugiados – CONARE.

          (ii) (A) - que os Impetrantes entraram no Brasil de forma irregular;

          O ingresso irregular no país não é crime e sim infração administrativa, sujeito o infrator à pena de deportação.

          Lei 6815/80: 
          Art. 125. Constitui infração, sujeitando o infrator às penas aqui cominadas: (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)
          I - entrar no território nacional sem estar autorizado (clandestino):
          Pena: deportação.

          O ingresso irregular em território nacional não necessariamente resulta na prisão do clandestino ou irregular. O texto da lei (artigo 61 da Lei 6815/97) estabelece "poderá" e não "deverá".

          Atualmente, os imigrantes ilegais são mantidos sob custódia do Estado somente naqueles casos que ofereçam riscos à ordem ou saúde pública, o que não é o caso.

          Na prática, o transportador, através de seu agente marítimo local, ou através de uma representante da seguradora do navio, chamada de Clube de P&I (Protection and Indemnity Club), promove a comunicação à Autoridade Migratória, que encaminha o imigrante ilegal a um hotel na cidade, mantido sob vigilância, até que as providências burocráticas sejam efetuadas, a fim de possibilitar sua deportação.

          Há relatos, inclusive publicados na imprensa local, de que no ano de 2006, houve 25 casos de imigrantes ilegais, que foram desembarcados nos portos do Espírito Santo e posteriormente deportados. Em apenas três casos, estes imigrantes permaneceram na custódia da Polícia Federal, para posterior deportação.

          Por razões óbvias, os Impetrantes não dispõem da documentação que comprovam tais afirmações. Mas o fato é que foi o próprio Delegado da Polícia Federal, Dr. Sandro Dezan, que prestou estas informações à imprensa (ver notícias imprensa), bem como pessoalmente a este subscritor.

          Não se discute aqui a possibilidade ou não da decretação de prisão cautelar, de estrangeiro que ingressa irregularmente em território nacional. Isto o próprio Estatuto do Estrangeiro, Lei 6815/80, estabelece ser possível na forma do artigo 61.

          O que se debate, este sim o ponto crucial de toda a questão, é a pertinência ou não de custodiá-los na sede da Polícia Federal.

          Se for feita uma análise levando-se em conta o histórico de incidentes envolvendo imigrantes ilegais nos portos do Espírito Santo, no ano de 2006, se conclui que está havendo um tratamento diferenciado em relação a este caso, comparado aos demais casos.

          AOS IGUAIS, ESTÁ HAVENDO TRATAMENTO DESIGUAL.

          O refugiado político deve receber proteção do Estado a que requer abrigo. Ao solicitante de refúgio deve-se oferecer proteção e não as garras do Estado.

          A prisão do imigrante ilegal é medida extrema, de exceção, que tem a finalidade de garantir à ordem pública. É decretada somente em último caso pelo Juiz Federal.

          Não se deve tratar o refugiado como um criminoso, de alta periculosidade, que possa oferece risco à segurança nacional. Não é essa a leitura que se faz do Estatuto dos Refugiados.

          "Um refugiado ou uma refugiada é toda pessoa que por causa de fundados temores de perseguição devido à sua raça, religião, nacionalidade, associação a determinado grupo social ou opinião política, encontra-se fora de seu país de origem e que, por causa dos ditos temores, não pode ou não quer regressar ao mesmo". Convenção de 1951 sobre o Estatuto dos Refugiados.

          A dificuldade inicial e aparente de acolhimento de refugiados, não significa que o Estado deva reprimi-los, repudiá-los.

          O Brasil possui uma das mais avançadas legislações em termos de tratamento de refugiados, em total consonância com as Convenções Internacionais que disciplinam a matéria.

          Os operadores do direito devem lutar para que esta legislação seja efetivamente aplicada. Não se admite virar as costas para um problema que atinge milhares de pessoas em diversos países.

          É verdade que muitos países, xenófobos, não querem nem ouvir falar em pessoas perseguidas e desprotegidas. Não é o caso do Brasil, que preza pela integração e acolhimento de outros povos, através de uma legislação específica.

          A convenção de 1951, o Estatuto dos Refugiados, foi fruto de discussão logo após a II Guerra Mundial, onde um êxodo de pessoas se achava totalmente desprotegida por seus estados nacionais.

          Ademais, o ingresso irregular no território nacional não constitui impedimento para o estrangeiro solicitar refúgio às autoridades competentes (art.8º da Lei 9474/97).

          (ii) – (B) - que os Impetrantes não falam português;

          De fato, os Impetrantes não falam português. E dificilmente os Impetrantes aprenderão o nosso idioma se permanecerem custodiados na sede da Polícia Federal.

          Atualmente, os Impetrantes ocupam duas celas da Polícia Federal. Em uma cela estão Larry Brown e Isaac Richard. Eric Freeman, Ckukwuka Ckuwu e Emanoel Chos estão em outra cela. Passam a maior parte do tempo confinados. O banho de sol, ocasião em que podem ter contato com outros presos, de nacionalidade brasileira, ocorre apenas durante uma hora por dia.

          Logo, se os Impetrantes não têm contato com outros brasileiros, estão impedidos de sequer tentarem aprender o idioma português.

          O tempo de tramitação do processo de refúgio é crucial, como fase de aprendizado do idioma, hábitos e adaptação à alimentação. Caso consigam o reconhecimento como refugiados, esta fase de adaptação, também chamada pelos educadores como ‘choque cultural’, estará superada, o que por certo facilitará em muito a retomada de suas vidas em nosso país.

          A Universidade de Vila Velha – UVV, no estado do Espírito Santo, possui um projeto de extensão denominado NUARES – Núcleo de Apoio aos Refugiados do Espírito Santo. Todas as atividades do campus são colocadas à disposição das pessoas atendidas, dentre elas aulas de português, que poderão muito bem ser freqüentadas pelos Impetrantes, caso consigam, imediatamente, o benefício legal da liberdade vigiada.

          (ii) – (C) - que os Impetrantes não têm qualquer vínculo familiar ou social no Brasil;

          É verdade que os Impetrantes não possuem familiares no Brasil. O único até então que tem lhes dado algum tipo de apoio é este subscritor, que vem agindo voluntariamente, fornecendo-lhes assistência jurídica.

          Até mesmo o governo de seu país, através da representação diplomática da Nigéria no Brasil, está lhes negando apoio, visto que tem demonstrado claramente o desejo de repatriá-los o quanto antes. Já o Representante do governo da Libéria, sequer foi localizado.

          Quanto a estabelecer vínculos sociais, isto só será possível a partir do momento em que os Impetrantes passarem a ter convívio com outras pessoas.

          Da forma como estão, custodiados na sede da Polícia Federal, a socialização está ocorrendo com os piores indivíduos de nossa sociedade, como traficantes de armas e drogas, estelionatários e contrabandistas, ou seja, com os outros presos, acusados de crimes de competência da Justiça Federal.

          (ii) - (D) - que os Impetrantes não portavam nenhum documento de identidade;

          Os Impetrantes só possuíam a roupa do corpo quando foram presos pela Polícia Federal. Não portavam documento algum, mas não se negaram a fornecer seus nomes, filiação e data de nascimento.

          O artigo 21 da Lei 9474/97, trata da Autorização de Residência Provisória do solicitante de refúgio, assim como o fornecimento de documento de identidade.

          Art. 21. Recebida a solicitação de refúgio, o Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante e de seu grupo familiar que se encontre no território nacional, o qual autorizará a estada até a decisão final do processo.
          § 1º O protocolo permitirá ao Ministério do Trabalho expedir a carteira de trabalho provisória, para o exercício de atividades remuneradas no País.

          Desta forma, depois de preenchida a solicitação de refúgio (Resolução nº. 01 do CONARE), os Impetrantes estarão hábeis para pleitear junto ao Ministério de Trabalho, a expedição de carteira de trabalho que servirá de comprovação de suas identidades, bem como para exercer atividades remuneradas.

          A Resolução Normativa nº 006 do CONARE regulamenta o artigo 21 da Lei 9474/97.

          RESOLUÇÃO NORMATIVA No 006, de 26 de maio de 1999.

          Dispõe sobre a concessão de protocolo ao solicitante de refúgio.

          O COMITÊ NACIONAL PARA OS REFUGIADOS – CONARE, instituído pela Lei no 9.474, de 22 de julho de 1997, objetivando implementar o disposto no artigo 21 e parágrafos do referido diploma legal, Resolve:

          Art. 1o O Departamento de Polícia Federal emitirá protocolo em favor do solicitante de refúgio e de seu grupo familiar que se encontre em território nacional, mediante a apresentação de declaração a ser fornecida pela Coordenação - Geral do CONARE.
          Parágrafo único. A declaração deverá conter o nome, nacionalidade, filiação, data de nascimento, bem como a data de preenchimento do questionário de solicitação de refúgio.
          Art. 2o O prazo de validade do protocolo será de 90 (noventa) dias, prorrogável por igual período, até a decisão final do processo.
          Art. 3o O protocolo dará direito ao solicitante de refúgio a obter a carteira de trabalho provisória junto ao órgão competente do Ministério do Trabalho, cuja validade será a mesma do documento expedido pelo Departamento de Polícia Federal.
          Art. 4o Esta Resolução entrará em vigor 60 dias após a sua publicação.
          Art. 5 o Revogam-se as disposições em contrário.

          SANDRA VALLE - Presidente

          A emissão da carteira de trabalho é importante para evitar que os Impetrantes circulem pelas ruas da cidade, sem portar qualquer documento de identificação.

          (ii) - (E) - que os Impetrantes foram autuados em flagrante;

          Esta matéria já está ultrapassada, considerando a decisão proferida pelo MM Juiz Federal (fls. 138/139), que entendeu não existir requisitos para impor a prisão preventiva, sendo inviável a manutenção da prisão em flagrante (parágrafo único do art. 310 do CPP).

          Neste aspecto, a decisão está em perfeita consonância com o parecer (fls. 101/104) do ilustre Procurador da República, que opinou ser inviável a manutenção da custódia processual penal dos Impetrantes, à luz do que dispõe a legislação pátria.

          (ii) - (F) - que a imposição de termo de compromisso de comparecimento aos atos processuais será ato que, na prática, não terá força coativa contra os Impetrantes (já que não têm domicílio certo e nem vínculos familiares ou sociais no Brasil).

          O artigo 73 da Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro) dispõe que:

          Lei 6815/80:
          Art. 73. O estrangeiro, cuja prisão não se torne necessária, ou que tenha o prazo desta vencido, permanecerá em liberdade vigiada, em lugar designado pelo Ministério da Justiça, e guardará as normas de comportamento que lhe forem estabelecidas. (Renumerado pela Lei nº 6.964, de 09/12/81)

          O artigo 109 do Decreto 86.715, de 10/12/81, que regulamentou a Lei 6815/80 (Estatuto do Estrangeiro), dispõe que:

          Art . 109 - O estrangeiro que permanecer em regime de liberdade vigiada, no lugar que lhe for determinado por ato do Ministro da Justiça, ficará sujeito às normas de comportamento estabelecidas pelo Departamento de Polícia Federal.

          Concedida a liberdade vigiada, será designado o local de permanência dos Impetrantes, inclusive com a fixação de normas de comportamento.

          A liberdade vigiada muito se assemelha à prisão domiciliar, em alguns aspectos, principalmente aqueles atinentes às normas de conduta fixadas pelo magistrado.

          Previamente, será possível conhecer o local de estadia dos Impetrantes, para fins de intimação dos atos processuais futuros.

          Por certo, os Impetrantes haverão de seguir as normas de comportamento fixadas, bem como o dever de permanência no local indicado, caso contrário, poderão perder o direito ao regime de liberdade vigiada, tendo que retornar à custódia da Polícia Federal.

          Se a vontade dos Impetrantes é permanecer legalmente no país, estes são os maiores interessados em cumprir fielmente as regras estabelecidas, caso contrário, serão deportados ou até mesmo expulsos.

          Durante o período de tramitação do processo de refúgio no CONARE, será de responsabilidade do transportador arcar com as despesas de manutenção dos Impetrantes em território nacional, à luz do que determina diversos artigos da Lei 6815/80, conhecida como Estatuto do Estrangeiro.

          Art. 27. A empresa transportadora responde, a qualquer tempo, pela saída do clandestino e do impedido.
          Parágrafo único. Na impossibilidade da saída imediata do impedido ou do clandestino, o Ministério da Justiça poderá permitir a sua entrada condicional, mediante termo de responsabilidade firmado pelo representante da empresa transportadora, que lhe assegure a manutenção, fixados o prazo de estada e o local em que deva permanecer o impedido, ficando o clandestino custodiado pelo prazo máximo de 30 (trinta) dias, prorrogável por igual período.
          Art. 125 .
          V - deixar a empresa transportadora de atender à manutenção ou promover a saída do território nacional do clandestino ou do impedido (artigo 27):
          Pena: multa de 30 (trinta) vezes o Maior Valor de Referência, por estrangeiro. (nossos grifos)

          Não se pode transferir para o Estado o ônus pela manutenção dos imigrantes ilegais, já que o custo de manutenção é de responsabilidade do transportador, que deveria ter sido mais vigilante para impedir o ingresso de pessoas não autorizadas a bordo do navio.

          Manter os imigrantes presos gera ônus ao Estado, ao invés de gerar ao transportador, que no caso é o verdadeiro responsável.

          O delegado da Polícia Federal de Santos-SP, Antônio Hadano, responsável pelo Núcleo Especial de Polícia Marítima – NEPOM, explica que "a legislação brasileira atribui a responsabilidade de todas as despesas dos clandestinos que entram no país sempre ao transportador, no caso do porto, ao armador". Entrevista site: portogente.com.br

          Ademais, o Clube de P&I do navio MANA, The America Club, que é uma associação de armadores, onde o segurador é constituído pelas próprias empresas de navegação seguradas, possui cobertura para arcar com as despesas de manutenção e eventual repatriação de clandestinos.

          Ao transportador, será ótimo que os Impetrantes consigam o refúgio no Brasil, pois não terão que arcar com o custo de repatriação, orçado pelo advogado da seguradora entre vinte a vinte e cinco mil dólares americanos per capita, valores estes muito superiores aos que terão que desembolsar pela manutenção dos Impetrantes em território nacional, até a decisão final do CONARE.

          A Convenção sobre Facilitação do Tráfego Marítimo Internacional, conhecida com Convenção FAL 63, ratificada pelo Brasil através do Decreto Lei n° 80.672, de 07/11/77, com alterações posteriores, recomenda, em sua Norma 4.15, que as autoridades públicas devam reduzir os custos de manutenção de clandestinos ao mínimo possível, na hipótese de serem suportados pelo armador, o que é o caso.

          Não se pretende onerar o transportador (armador) com despesas de hotel cinco estrelas. A manutenção deve ser feita em condições satisfatórias de habitação, instalação sanitária, alimentação, vestuário, higiene pessoal e tratamento médico e odontológico, se necessário.

          O que se deve garantir aos Impetrantes é o mínimo recomendável para a sobrevivência destes, a fim de que possam aguardar a conclusão do processo de refúgio, respeitando-se os princípios humanitários, bem como os do bem estar social e a da segurança pessoal.

          (i) a jurisprudência do STF é no sentido de que a solicitação de refúgio efetivada pelo extraditando não impede a prisão administrativa do mesmo; mutatis mutandis¸ o mesmo entendimento se aplica à pessoa que, sujeita a procedimento de deportação, solicita refúgio (pode permanecer sob prisão administrativa enquanto pende de análise a solicitação de refúgio);

          A decisão a que se refere o eminente Juiz Federal, diz respeito ao extraditando que solicita refúgio. Não se aplica ao caso em questão. Extradição e Deportação são institutos distintos.

          O Extraditando é aquele indivíduo que responde a um processo em seu país de origem, cujas autoridades solicitam ao governo brasileiro, através do STF, que o encaminhe ao seu país para ser submetido a julgamento.

          Não há pedido de extradição contra os Impetrantes.

          Os Impetrantes estão sendo mantidos presos administrativamente em razão de ingresso irregular no país, o que não é crime. É infração sujeita a deportação, que somente ocorrerá caso não consigam o reconhecimento como refugiados junto ao CONARE.

          A analogia feita pelo magistrado, data vênia, não se aplica ao caso em análise.

          (ii) quanto à suposta desigualdade de tratamento conferida aos Impetrantes, com relação ao tratamento dado a outros alienígenas clandestinos que, noutra ocasião, usufruíram de liberdade vigiada, registro que a situação destes últimos não foi submetida a este juízo federal.

          Esta afirmação só vem a corroborar com as alegações dos Impetrantes.

          A situação dos demais alienígenas clandestinos não foi submetida à análise do juízo federal, justamente porque nenhum deles foi preso administrativamente. Todos foram mantidos em regime de liberdade vigiada pela própria Superintendência Regional da Polícia Federal no Estado do Espírito Santo.

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Sobre o autor
Ricardo Pimentel Barbosa

advogado especialista em Direito Marítimo e Portuário em Vitória (ES)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BARBOSA, Ricardo Pimentel. Nigerianos clandestinos presos ao desembarcar.: Pedido de refúgio. Habeas corpus. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1321, 12 fev. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/peticoes/16746. Acesso em: 23 abr. 2024.

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