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A descoberta e a análise de vínculos na complexidade da investigação criminal moderna

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CONCLUSÃO

A investigação, na nova "Era da Informação", fica prejudicada com as limitações normais do intelecto humano. O excesso de informação, ao contrário do que possa parecer, muitas vezes é algo mais problemático do que a escassez dela. Somente a percepção intuitiva e o "trabalho artesanal", no ofício da "arte policial", parecem não ser mais suficientes. Isso porque é hoje necessário fazer frente à investigação de delitos complexos, ou de milhares ou mesmo milhões de eventos da chamada criminalidade urbana ou de massa. É preciso ter em conta, ainda, as deficiências típicas do Estado moderno, incluindo tanto a questão da necessidade constante de atualização da legislação penal, bem como de uma maior eficácia da ação do sistema de justiça criminal (polícias, promotorias, poder judiciário e sistema prisional).

Em termos investigativos, ainda que se chegue ao limite possível da habilidade humana, é questionável se algum agente da segurança pública, individualmente considerado, terá a necessária capacidade cognitiva para interpretar milhares de peças de dados e informações, relacionando-os, em seguida, a acontecimentos (ocorrências) do fenômeno do crime organizado e/ou criminalidade de massa.

Sendo assim, a nova metodologia da AV, com o concurso da TI, parece ser um recurso valioso e oportuno, porquanto capaz de induzir o desenvolvimento de novos mecanismos de processamento e identificação de delitos, em suas relações ou vínculos, transformando-se em um instrumento indiscutivelmente com o poder de produzir efeito real, efetivo, eficaz e eficiente no controle do fenômeno da criminalidade contemporânea.

A investigação tradicional, intuitiva e artesanal, parece em vias de ser completamente superada por esse novo modelo, intimamente associado à moderna Atividade de Inteligência de Segurança Pública (ISP), com o surgimento concomitante de uma nova vertente acadêmica de pesquisa e estudo sobre os fenômenos criminais, em harmonia com os modernos sistemas tecnológicos de suporte à investigação, e que hoje estão apenas começando a existir e estar disponíveis.

Para que as instituições de segurança pública possam manter sua tradicional hegemonia em relação às organizações criminosas, antecipando-se ou agindo com celeridade e efetividade diante do crime, muito há que fazer. Isso inclui, obviamente, o estabelecimento de instrumentos legais que permitam um rápido acesso a dados e informações de interesse da atividade policial investigativa. Diante do novo crime organizado e estruturado, não basta somente identificar criminosos e reunir provas. Depois de meses de investigação policial, para a propositura de uma ação penal e conseqüente prestação jurisdicional efetiva, é essencial desenvolver mecanismos de resposta imediata e de ação eficaz e integrada das diferentes instituições do sistema de justiça criminal.

SOUZA (2003) revela que a ameaça constante do crime, incidindo ao longo das grandes extensões do país, bem como o direito de ir e vir de todos, fazem com que a segurança pública precisa se valer de grandes volumes de conhecimento, válidos e confiáveis, obtidos a partir de dados e informações compartilhadas. Tudo isso pressupõe a necessidade de exercer um efetivo controle sobre o fenômeno do crime e da violência, sem, contudo, violar os direitos e garantias individuais, os dos delinqüentes inclusive. Assim, não há como conceber um sistema de justiça criminal que não compartilhe dados, informações e conhecimentos, cooperativamente produzidos e difundidos, mormente quando sua finalidade é a prevenção, previsão e repressão de atos anti-sociais, responsabilidade de todos.

A sobrevivência das organizações depende cada vez mais da capacidade de se instituir um modelo delas que esteja voltado para a construção do conhecimento, com estratégia, infra-estrutura, decisão e identidade, apto a responder a um contexto cada vez mais complexo e instável da sociedade. A AV, como mecanismo de cognição investigativa, impulsiona a investigação criminal para a solução de casos complexos, ampliando a visão da organização policial para decisões com resultados expressivos, com uma conseqüente e necessária ascensão da qualidade da atividade investigativa policial em prol da lei e da ordem e, por isso mesmo, da sociedade e de suas instituições democráticas.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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08. FBI. Federal Bureau of Investigation. Finding The Missing Links. Disponível em http://www.fbi.gov/page2/aug05/links081805.htm> Acesso em 24 mar 2006.

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Notas

01 Tradução Livre. Na visão de Thomas Kuhn [The Structure of the Scientific Revolutions (1962)], um paradigma é (...) "uma constelação de conceitos, valores, percepções e práticas compartilhadas por uma comunidade e que forma uma visão particular da realidade que é a base pela qual tal comunidade se organiza". Tradução livre: What is a paradigm. Khanhvo. Department of Computer Science and Engineering. Marlan and Rosemary Bourns College of Engineering. University of California, Riverside UCR). Disponível em http://www.cs.ucr.edu/~khanhvo/paradigm.htm. Acesso em 30 jun 2005.

02 Inteligência Visual (IV) é a faculdade cognitiva de perceber padrões e vínculos por intermédio de grafismos (desenhos, gráficos, fotografias, gravuras, etc.), permitindo ao analista, inclusive, a compreensão simultânea do todo e de suas partes, em contextos informacionais de grande complexidade. Decorrentemente, a IV permite o incremento da capacidade de prospecção, descoberta e decisão, a partir de análises melhor informadas cognitivamente acerca da realidade observada.

03 Tradução livre. Advanced Knowledge Technologies

Disponível em http://www.aktors.org/akt/highway-2.jpg. Acesso em 13 mar 2006.

04 O genoma é a totalidade da informação genética de um determinado organismo. O genoma humano normal consiste de três bilhões de pares de bases de DNA (três bases codificam um aminoácido) para cada conjunto de 23 cromossomos de um dos pais do indivíduo considerado. Passaram 48 anos para que o genoma humano fosse mapeado, depois da descoberta do DNA em 1953, o que só foi possível em função da expansão da capacidade humana de processamento de grandes quantidades dados, graças ao desenvolvimento da moderna TI.

05 Instrumento manual de cálculo matemático aritmético, consistindo de uma armação de madeira com eixos nos quais deslizam pequenas esferas de madeira. A linha mais baixa dessas esferas representa as unidades, a segunda as dezenas e assim sucessivamente. O ábaco ainda continua a ser utilizado na China.

06 Nova área das telecomunicações, à qual correspondem modernas aplicações desenvolvidas a partir da fusão das tecnologias clássicas das telecomunicações com as da Tecnologia da Informação (TI).

07 Outra acepção da expressão multinacional. A transnacionalização trata, especificamente, da operação simultânea, de diferentes atividades, em diversos países simultaneamente: "empresas transnacionais", "redes transnacionais de terrorismo", etc.

08 Atividade delitiva englobando qualquer ato criminoso relacionado aos computadores e/ou redes computacionais, inclusive "hacking". Os crimes cibernéticos também abrangem os crimes tradicionais, só que perpetrados nos novo ambientes de redes, o da Internet inclusive.

09 A biopirataria pode ser definida como a apropriação privada ou utilização não-autorizada e predatória de recursos biológicos de povos nativos por determinadas organizações estrangeiras, incluindo empresas comerciais, instituições de pesquisa acadêmica e até mesmo governos. Tais organizações seriam estranhas ao país onde o conhecimento considerado já existia historicamente, com elas buscando assegurar legalmente direitos exclusivos de comercialização de espécies animais e vegetais locais, bem como órgãos, microrganismos e material genético. De acordo com essas práticas, é legalmente apropriado o conhecimento ancestral de comunidades nativas sobre seus recursos naturais, que passam a ser patenteados e explorados comercialmente pelos chamados biopiratas.

10 De acordo com a mitologia grega, caixa que o deus grego Zeus entregou a Pandora (a primeira mulher do mundo) com instruções de que não a abrisse; Pandora, curiosa (ainda que mulher de vários talentos), não resistiu e abriu a caixa, da qual saíram todos os sofrimentos e males do mundo. Restou apenas a esperança na caixa. A lenda, atribuída na mitologia ao próprio Zeus, justificaria a punição dada por ele aos humanos por haverem roubado o segredo do fogo.

11 Tradução livre. Dorland’s Medical Dictionary. Merck Medicus. Disponível em www.merckmedicus.com/pp/us/hcp/thcp_dorlands_content.jsp. Acesso em 06 jul 2005.

12 Tradução livre. Artificial Intelligence. Disponível em Webopedia. Disponível em http://www.webopedia.com/TERM/A/artificial_intelligence.html. Acesso em 09 Jul 2005.

13 Pertencente ao domínio da heurística, que por sua vez significa "arte e ciência da descoberta". A expressão deriva da raiz grega "eureca", que se traduz pelo verbo "encontrar".

14Modus operandi é uma expressão em latim (algumas vezes também representada por sua abreviatura: MO), cujo significado, no trabalho policial, refere-se à descrição do padrão de atuação de um determinado criminoso ou grupo deles.

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Sobre os autores
Celso Moreira Ferro Júnior

delegado de Polícia Civil do Distrito Federal, mestre em Gestão do Conhecimento e Tecnologia da Informação pela Universidade Católica de Brasília (UCB)

George Felipe de Lima Dantas

doutor pela The George Washington University (EUA), tenente-coronel reformado da Polícia Militar do Distrito Federal, coordenador de pós-graduação em Gestão da Segurança Pública e membro do Núcleo de Estudos em Defesa, Segurança e Ordem Pública (NEDOP) do Centro Universitário UNIDF

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

FERRO JÚNIOR, Celso Moreira ; DANTAS, George Felipe Lima. A descoberta e a análise de vínculos na complexidade da investigação criminal moderna. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1441, 12 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10002. Acesso em: 22 nov. 2024.

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