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Ensino jurídico e exame de ordem

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22/06/2007 às 00:00
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7. O direito de acesso à educação superior

Também deve ser dito que seria muito interessante, ou essencial, mesmo, que o Brasil pudesse garantir, à maior parte de sua população, o acesso à educação superior. Isso não seria mau, absolutamente, como pretendem os que alardeiam a existência de uma enorme proliferação de cursos superiores, ou de cursos jurídicos. Quanto mais bacharéis, ou quanto mais advogados tivermos, melhor, se considerarmos o interesse público. O mercado se encarregará de selecionar os bons e os maus profissionais. O mercado se encarregará de fixar os honorários, e cada profissional os receberá de acordo com os seus méritos e com a qualidade dos serviços que oferece. Da mesma forma como acontece, aliás, pela própria natureza das relações sociais, em qualquer profissão liberal, mesmo naquelas que não exigem um curso superior, um diploma, ou a inscrição em um conselho profissional.

Dessa maneira, uma vez democratizado o acesso à educação superior, se mesmo assim muitos desses profissionais não conseguissem exercer a profissão liberal para a qual foram diplomados, mesmo que eles fossem obrigados a aceitar trabalhos em outra área, não haveria qualquer prejuízo para o interesse público. Muito ao contrário, porque com a democratização do acesso à educação superior, de qualidade, evidentemente, como conseqüência, também, das melhorias no ensino fundamental e médio, teríamos, pelo menos, uma força de trabalho mais qualificada e, também, um eleitorado mais capacitado a escolher governantes decentes para o nosso País. Mais cidadania e mais democracia, portanto.


8. As conseqüências do Exame de Ordem

Não é verdade, também, que o Exame de Ordem possa servir para separar os bons e os maus profissionais, nem, muito menos, para avaliar a ética do futuro advogado. Inúmeros profissionais, aprovados no Exame de Ordem, advogados, juízes, promotores, delegados, etc.., têm sido envolvidos em escândalos de corrupção e em outros crimes. O Exame de Ordem tem servido, no entanto, entre outras coisas, para aumentar o poder dos dirigentes da OAB, em relação aos dirigentes dos cursos jurídicos e ao MEC. Hoje, a OAB pretende determinar, até mesmo, o que a Universidade deve ensinar, e como deve ensinar. Os dirigentes da OAB estão ensinando didática aos professores universitários! A Escola Superior de Advocacia da OAB/PA tem um curso de didática para professores de Direito! Trata-se de um "Curso de Aperfeiçoamento e Capacitação de Docência do Ensino Superior na Área Jurídica", com uma carga horária de 180 h.a., duração de quatro meses e valor de R$150,00 mensais. Em breve, os dirigentes da OAB estarão indicando, talvez – se é que isso ainda não está ocorrendo -, os nomes dos professores que estarão capacitados a ensinar em nossos cursos jurídicos!

Ao mesmo tempo, contraditoriamente, a OAB permite que suas bancas examinadoras do Exame de Ordem, que avaliam todos os bacharéis diplomados pelos nossos cursos jurídicos, sejam formadas por advogados que não possuem experiência didática !!! (Provimento nº 109/2005, que "estabelece normas e diretrizes do Exame de Ordem", art. 3º, §3º).

Quanto ao MEC, de acordo com o Decreto nº 5773/2006, ele já está sendo obrigado a respeitar os pareceres da OAB, a respeito da criação e do reconhecimento dos cursos de graduação em Direito.

O Exame de Ordem tem servido, também, para que muitas Escolas Superiores da Advocacia ofereçam cursos preparatórios para o Exame de Ordem. A de Alagoas chegou a alardear, em sua propaganda, "altos índices de aprovação, no exame anterior". Muitos dirigentes da OAB, em todo o Brasil, são também professores universitários, dirigem cursos jurídicos, possuem cursinhos preparatórios para o Exame de Ordem e publicam obras específicas, do tipo "Mil Perguntas e Respostas", em uma promiscuidade de interesses que atenta contra a credibilidade do Exame de Ordem e contra as tradições da própria OAB.

Mas o pior é que o nome da OAB está sendo citado, agora, nas sucessivas denúncias de fraudes, em diversas Seccionais, que culminaram com a operação "Passando a Limpo", da Polícia Federal, na OAB de Goiás, quando foram presos onze servidores da OAB, além do Presidente e do Vice-Presidente da Comissão de Exame de Ordem! A aprovação no Exame de Ordem, de acordo com a investigação da Polícia Federal, estaria sendo vendida a um preço que variava de dez a vinte mil reais. A quadrilha estaria faturando 3 milhões por ano, aprovando novos "advogados". Espera-se, apenas, que a OAB esclareça a opinião pública a respeito dessa investigação. Será que os culpados continuarão advogando e continuarão integrando o Conselho da OAB/GO, se for realmente constatada a veracidade das denúncias?

A unificação do Exame da OAB e a contratação da UNB para a elaboração das provas deve ter algo a ver com essas fraudes, ou com uma tentativa de que elas sejam evitadas. No último Exame, 17 Seccionais já haviam aderido a essa unificação.


9. As razões do autor

Eu defendo a abolição do Exame de Ordem, portanto, porque ele é inconstitucional, e já escrevi diversos artigos a respeito desse tema, que podem ser lidos na internet, em: http://www.profpito.com/exame.html , mas não acho que eu esteja agindo "por inconsciência ou por má-fé", nem que eu esteja "conspirando para atingir o Judiciário", inviabilizando a sua atuação, em decorrência da má-formação profissional dos advogados. E nem, muito menos, estou atingindo a OAB. Ao contrário, estou defendendo os seus mais legítimos interesses. Na minha opinião, não se pode defender interesses corporativos, em detrimento do interesse público. É verdade que a advocacia deve ser qualificada, mas também é verdade que não cabe à OAB qualificar os bacharéis, nem avaliar a sua qualificação profissional, que já se encontra certificada através de um diploma de uma instituição de ensino superior, que deve ser fiscalizada pelo MEC, e não pela OAB. Se o MEC não desempenha corretamente as suas atribuições, não cabe à OAB usurpar essas atribuições, e isso é tão evidente que não pode ser discutido em um debate jurídico sério.

O que a OAB deve exigir é que o MEC desempenhe corretamente as suas funções. Se a qualificação profissional tem que ser avaliada, e isso é evidente, essa função cabe exclusivamente ao MEC, através de exames nacionais, a exemplo do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE), cujos resultados poderiam determinar o fechamento dos cursos deficientes, e até mesmo a não diplomação dos alunos que apresentassem rendimento insatisfatório.


10. Síntese das inconstitucionalidades

Em síntese, o Exame de OAB é inconstitucional porque:

a) atenta contra diversos dispositivos constitucionais, já referidos, ou seja, ele é materialmente inconstitucional. De acordo com a Constituição Federal (art. 205), a educação tem como uma de suas finalidades a qualificação para o trabalho. Diz ainda a Constituição que o ensino é livre à iniciativa privada e que cabe ao Poder Público a autorização, portanto, para a abertura e o funcionamento dos cursos, e a avaliação de qualidade (CF, art. 209, já citado), ou seja, o que a OAB pretende fazer, através do "ranking" dos cursos jurídicos, que publica, e através do Exame de Ordem. Ainda de acordo com a Constituição Federal, em seu catálogo de direitos e garantias – cláusulas pétreas (art. 5º, XIII, também já citado), é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer. Evidentemente, as qualificações profissionais seriam aquelas obtidas na Universidade, que qualifica para o trabalho. Nenhuma lei poderia estabelecer um Exame de Ordem, como o da OAB, para a verificação dessas qualificações profissionais, porque estaria invadindo a competência da Universidade (para qualificar) e a do Estado, do poder público, do MEC (para avaliar).

b) o Exame da OAB é formalmente inconstitucional, porque foi criado, na verdade, pelo Provimento nº 81/1996, já substituído pelo Provimento nº 109/2005, ambos editados, evidentemente, pelo Conselho Federal da OAB. Vejam o absurdo: um direito fundamental (art. 5º, XIII, da CF) sendo limitado, não por uma lei, mas por um simples provimento de um Conselho Profissional. Isso ocorre porque a Lei nº 8906, o chamado Estatuto da OAB, impõe, como requisito para a inscrição do advogado, a aprovação em Exame de Ordem (art. 8º, IV). Nada mais. Diz, apenas, que o Exame de Ordem será regulamentado em Provimento do Conselho Federal da OAB (art. 8º, §1º). Portanto, o Exame de Ordem não foi criado por lei do Congresso, porque o Estatuto da OAB nada disse a seu respeito, nem foi regulamentado pelo Presidente da República, como deveria ter sido (Constituição Federal, art. 84, IV, in fine). A norma do §1º do art. 8º do Estatuto da OAB é claramente inconstitucional, porque a competência de regulamentar as leis é privativa do Presidente da República. Somente uma lei do Congresso, devidamente regulamentada pelo Presidente da República, poderia restringir o direito fundamental ao exercício da profissão (CF, art. 5º, XIII). Ressalte-se que essa restrição, que está sendo feita através de um simples provimento da OAB, não poderia ser feita nem mesmo por uma Emenda Constitucional. Nem mesmo uma Emenda Constitucional poderia ser tendente a abolir uma cláusula pétrea. (CF, art. 60, §4º). Tendente, apenas; não é preciso que o diga expressamente.

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c) o Exame da OAB atenta contra o princípio constitucional da isonomia, porque somente os bacharéis em Direito estão sujeitos a esse Exame. Mesmo que esse Exame não fosse material e formalmente inconstitucional, mesmo assim o Congresso Nacional não poderia criar um Exame apenas para os bacharéis em Direito, sem qualquer razão plausível. Afinal, um médico sem a necessária qualificação profissional poderia matar o seu cliente, e um engenheiro incompetente poderia causar enormes desastres, com a perda de vidas e patrimônio, mas um advogado incompetente poderá colocar em risco, apenas, o patrimônio ou a liberdade de seu cliente. Para completar o absurdo, o exercício da medicina por um profissional não habilitado é crime, mas o exercício da advocacia é uma simples contravenção penal!!!


11. O Exame injusto, absurdo, arbitrário e sem transparência

Mas o Exame da OAB, além de inconstitucional, é injusto e absurdo, além de arbitrário e sem transparência:

a) O Exame da OAB é injusto e absurdo, porque cria uma barreira tardia, ao exercício profissional, levando o bacharel em Direito a perder cinco anos e muitos milhares de reais, para depois ser impedido de trabalhar. São quase 100 mil bacharéis que ficam impedidos de exercer a profissão, a cada ano. Não é possível que se continue a permitir a realização de um Exame desse tipo, apenas ao término do Curso de Direito e depois de uma caricata diplomação, para que depois sejam reprovados 90% dos bacharéis, sob a alegação de que os cursos jurídicos são deficientes. Os professores desses cursos, muitos deles, são os próprios Conselheiros da OAB, às vezes integrantes das Comissões de Exame de Ordem!!! Dessa maneira, apenas os bacharéis em Direito são punidos, por culpa do MEC, que não fiscalizou, por culpa dos cursos jurídicos, que não se preocuparam com a verdadeira qualificação profissional de seus diplomados, ou melhor, que não foram capazes de prepará-los para a aprovação no Exame de Ordem, o que não o mesmo, evidentemente, e por culpa da OAB, que não respeita a Constituição.

b) O Exame da OAB é arbitrário e sem transparência, porque não tem critérios estabelecidos e não é fiscalizado por ninguém. Ao mesmo tempo em que a Ordem, no Acre, aprova quase todos os bacharéis, ela reprova 97% no Paraná! A Ordem está pretendendo unificar esse exame, nacionalmente, como já referido, certamente para evitar as enormes disparidades que têm ocorrido, com reprovações maciças em alguns Estados e altos índices de aprovação, em outros. Evidentemente, também, deveria haver um controle externo, como existe, da própria OAB, em qualquer concurso da área jurídica. Chega a ser ridículo que a Ordem dos Advogados fiscalize todo e qualquer concurso jurídico; que ela participe, com dois advogados, por ela escolhidos, do Conselho Nacional de Justiça, que controla a magistratura; que, da mesma forma, ela participe do Conselho Nacional do Ministério Público, que controla os membros do "parquet"; e, no entanto, ninguém possa controlar o seu Exame de Ordem, que é capaz de afastar, anualmente, do exercício da advocacia, cerca de 100 mil bacharéis, que concluíram o seu curso jurídico em instituições reconhecidas e credenciadas pelo Estado brasileiro, através do MEC.


12. Proposições

a)Para que fosse mantido o respeito à Constituição, bem como à imparcialidade e à veracidade das informações jornalísticas, essenciais em um regime que se pretende seja republicano e democrático, os dirigentes da OAB deveriam sair de seu isolamento, para contestar os argumentos jurídicos contrários à constitucionalidade do Exame de Ordem. Não basta dizer que o Exame é necessário, devido à proliferação de cursos jurídicos. A imprensa deveria divulgar também as opiniões contrárias ao Exame de Ordem, com o mesmo destaque que ela costuma dar às opiniões dos dirigentes da OAB. Deveria ser programada, aliás, a realização de uma completa reportagem a respeito desse Exame, para que fossem ouvidos os dois lados interessados na questão: os dirigentes da OAB e os bacharéis, impedidos de trabalhar.

b)Seria muito interessante, da mesma forma, que os dirigentes da OAB se empenhassem, junto à imprensa local, para que os meus artigos voltassem a ser publicados. No interesse da própria OAB e de suas tradições, como defensora dos ideais democráticos e republicanos. A OAB precisa ter transparência. Ela precisa defender a liberdade de manifestação do pensamento, mesmo que seja para a divulgação de opiniões contrárias aos interesses eventuais de alguns de seus dirigentes.

c)Não tenho a menor dúvida de que será muito difícil conseguir, tão cedo, a extinção do Exame de Ordem, apesar de sua gritante inconstitucionalidade, devido ao prestígio de que gozam a OAB e seus dirigentes, junto aos Poderes Constituídos, especialmente o Congresso Nacional e o Poder Judiciário, mas enquanto for mantido esse Exame, seria da maior importância que ele fosse controlado externamente, para que se evitasse a possibilidade de abusos e fraudes, como as que já têm ocorrido. Assim, da mesma forma como acontece em relação aos concursos jurídicos, que são fiscalizados pela OAB, o Exame de Ordem deveria ser fiscalizado pelo Judiciário, pelo Ministério Público, e pelas Universidades e instituições superiores de ensino jurídico. Essa fiscalização seria muito importante para a própria OAB, porque tornaria mais transparente a sua atuação e daria maior credibilidade ao próprio Exame de Ordem.

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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

LIMA, Fernando. Ensino jurídico e exame de ordem. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1451, 22 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10009. Acesso em: 22 nov. 2024.

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