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Incitação ou apologia ao crime

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12/09/2022 às 18:27
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6. ANÁLISE JURÍDICA SOBRE ATIPICIDADE DAS FAKE NEWS

Na observância da previsão do inciso XXXIX, do artigo 5º, da CF/88, proclamando que não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal. Trata-se do denominado Princípio da Legalidade em Matéria Penal, Nullo crimen, nullo poena sine lege praevia . Porquanto, diante da carência de lei penal, sem a presença de fato anterior à edição da norma incriminadora, não há que se falar em crime.

Nessa inteligência, não há como enquadrar qualquer tipo de conduta reprovativa, seja ela imoral, uma ilicitude tipicamente civil, porém sem a previsibilidade de uma lei anterior, definindo-o e cominando sanção, não há que perquirir sobre a existência prática de um delito.

7. ANÁLISE SOBRE A CONDUTA DO PRESIDENTE DA NAÇÃO

De conformidade com o noticiado alhures, a Delegada de Polícia Federal requereu ao Ministro Alexandre de Moraes autorização para o indiciamento do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, por haver associado ao risco da vacina contra a Covid-19, desenvolver o HIV (Human Immunodeficiency Virus ), o vírus da Aids, durante uma live em suas redes sociais em outubro de 2021, praticando, em tese, o crime de incitação, previsto no artigo 286 do CPB.

Trata-se, portanto, da imputação de um crime cibernético, contra a paz pública, infra:

Art. 286. Incitar, publicamente, a prática de crime.

A um exame perfunctório do dispositivo nuclear acima avistável, mais precisamente no pertinente a opinião doutrinária, exigindo-se pressupostos para que o crime de incitação se configure: (1) Exige-se que o crime ainda não tenha ocorrido, com estímulo direto, com clara instigação, a exemplo do agente que sobe em um veículo e passa a gritar para a multidão destruírem o patrimônio público; (2) a necessidade de que tenha havido dolo, por ser inadmissível a forma culposa; (3) incitar é induzir ou instigar alguém a fazer algum ato futuro, que ainda não ocorreu.

Vale ressaltar que, na prática, o procedimento judicial contra o crime de incitação à ação penal é pública incondicionada, com pena não superior a 2 anos, por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo, nos termos do artigo 61, da Lei nº 9.099, de 1995; sendo da competência dos Juizados Especiais Criminais, por meio do procedimento sumaríssimo, em audiência de conciliação e julgamento, já que a vítima não é determinada. Ademais, costumeiramente ocorre o sursis processual, com a suspensão do processo, antes da prolação da sentença, sob a condição de que o agente beneficiado não voltará a delinquir e, ao revés, quando o caso segue em frente, a pena resulta, meramente em uma multa ou uma prestação de serviço à comunidade.

Quanto a penalização do crime de incitação, a sanção é de detenção, inexistindo a privação de liberdade em regime fechado, com o enquadramento em regimes semiaberto ou aberto.

Por outra monta, é cabível a transação penal, em face da sanção ser inferior a 2 anos, de acordo com a previsão do artigo 76, da Lei nº 9.099, de 1995. Ademais, é cabível, a suspensão condicional do processo, uma vez que a pena mínima não é superior a 1 ano, nos termos do artigo 89, do mesmo diploma legal.

Levando-se em consideração a imputação do crime de incitação, supostamente praticado pelo Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, nos termos do artigo 286 do CPB, chega-se à dedução seguinte:

  • 1ª) A divulgação da live do Presidente Bolsonaro ocorrida no dia 23/10/2021, teve como base a publicação do jornalista Rodrigo Lourenço, estampada na revista Exame, edição de 20/10/2020.

  • 2ª) De acordo com a reportagem publicada pela revista Exame, na data de 19/10/2020, ocorreu a publicação de um estudo editado no jornal científico The Lancet de autoria do pesquisador Lawrence Corey, do Centro de Pesquisa do Câncer Fred Hutchinson, situado nos Estados Unidos, apontando que a infecção por HIV pode ser facilitada, caso o paciente vacinado tenha recebido uma dose, contendo adenovírus de número 5 (Ad5).

Porquanto, pesquisadores apontam que algumas vacinas que se utilizam de um adenovírus específico, no combate ao vírus SARS-CoV-2, podem aumentar o risco de que pacientes sejam infectados com o HIV, o vírus da Aids. Neste sentido, a pesquisa aponta que a infecção por HIV pode ser facilitada caso o paciente vacinado, tenha recebido uma dose contendo adenovírus de número 5 (Ad5).

  • 3ª) A responsabilidade pela divulgação da questionada noticia é totalmente do jornalista Rodrigo Lourenço, editor da revista Exame, conforme acima noticiada.

  • 4ª) A participação do Presidente da República, no episódio, foi em repassar uma notícia publicada pela conceituada revista Exame de circulação nacional e mensal, especializada em economia, negócios, política e tecnologia, criada em julho de 1967.

  • 5ª) Segundo os pressupostos para que o crime de incitação se configure, exigem que o delito ainda não tenha acontecido, ou seja, um ato futuro, por meio de um estímulo direto, com clara instigação. Exigindo-se ainda que tenha havido dolo.

  • 6ª) No pertinente a competência apuratória é da Polícia Judiciária Civil e para julgar é do Juizado Especial Cível, cuja ação é pública incondicionada, com sanção não superior a dois anos, por se tratar de um crime de menor potencial ofensivo, com base no artigo 61 da Lei nº 9.099, de 1995, por meio de um procedimento sumaríssimo.

No entanto, como a suposta acusação recai sobre o Presidente da República, a competência ratione personae é absoluta do STF, para julgar infrações penais comuns, na hipótese de admissão da acusação, nos termos do artigo 96, caput, da CF/99.

Por outro lado, é sabido que o Presidente da República, na vigência do seu mandato, não poderá ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções, nos termos do § 4º, do artigo 86, da CF/88.

Destarte, a quaestio iuris aqui tratada, gira em torno da pretensão de demonstrar a manifesta atipicidade da conduta do Presidente da República, Jair Messias Bolsonaro, pela prática do delito de incitação ao crime, além da ausência de provas de existência do crime e indícios veementes de autoria, evidenciados pela singela e perfunctória leitura do texto apontado como criminoso, tornando-se desnecessária a perquirição de outros elementos probatórios, sendo cabível de discussão da matéria no âmbito do remédio constitucional habeas corpus , para o trancamento do procedimento judicial.

Centrado nos fundamentos das razões de fato e de direito a seguir delineadas, preliminarmente, de que a notícia imputada ao Presidente Jair Bolsonaro não pode ser considerada uma fake news , simplesmente porque ela foi objeto de uma pesquisa científica, conforme acima exposicionada, e devidamente publicada por um jornalista da revista Exame, em data anterior a divulgação, via live, nas redes sociais do Presidente da República. Neste caso, na hipótese comprovada de que a notícia não é verdadeira, a responsabilidade é totalmente do editor da revista Exame e jamais do Presidente Bolsonaro, que apenas repassou a notícia para seus seguidores do facebook, como qualquer pessoa teria feito sem perquirir sobre a sua veracidade da publicação da revista Exame, cuja divulgação repercutiu, indubitavelmente, em todo o território nacional, e por que não dizer internacionalmente.

Insta salientar, por pertinente, a respeito da tipificação imputada ao Presidente da República, por meio do preceito do artigo 286 do Código Penal, prevendo a incidência do crime de incitação que, de acordo com seus pressupostos exige, na prática, que o delito ainda não tenha se configurado, ou seja, um ato futurístico, por meio de um estímulo direto, com a clara manifestação de instigação, com a presença subjetiva do dolo.

Ora, como já explicado a divulgação, embora verdadeira ou falsa, ocorreu no pretérito, como acima avistável, por meio de um jornalista da revista Exame, ou seja, em data anterior a divulgação da live do Presidente da República. Portanto, não há configuração do crime de incitação, uma vez que não houve o exigido estímulo direto, que partiu originalmente do editor da revista e, sim, de um estímulo indireto de repassar a notícia, sem a presença subjetiva do dolo, tampouco por presumida culpa, que é incabível ao tipo.

Daí a advertência sobre a necessidade das autoridades policiais e judiciais de realizarem uma requalificação na área do Direito Penal, com o fim de evitar tamanhos constrangimentos a honra alheia, mormente contra o Chefe Executivo da Nação, e a violação flagrante das regras constitucionais, da leis infraconstitucionais e dos direitos fundamentais, com o propósito de imputar o Presidente da República, caluniando-o sobre um fato definido como crime, sem a presença imprescindível de ofensa com dolo, como já explicado.

Por outra monta, incidem em todos os casos de crimes contra a honra, certas características de cada uma das figuras típicas, com o propósito imprescindível de ofender. Senão vejamos, não incide no crime por ausência de dolo: (1) o agente que age com o escopo de brincar (animus jocandi ); (2) o agente que atua no sentido de aconselhar (animus consulendi ); (3) o agente que faz uma narrativa na condição de testemunha (animus narrandi ); (4) o agente que atua corrigindo (animus corrigendi ); e (5) o agente age na defesa de um direito (animus defendendi ).

Neste sentido, vislumbra-se, in casu , não o que perquirir a respeito da exclusão do dolo, incumbindo sempre a vítima de abuso de autoridade representar, por meio de uma petição, à autoridade superior competente, ou por meio do Ministério Público, com o escopo de dar início a um processo-crime contra a autoridade que agiu com abuso de poder, com base no artigo 27 da Lei nº 13.869, de 2019, tipificando os crimes funcionais, praticados pelo agente público que extrapola os seus limites de atuação, e ferindo o interesse público, in verbis:

Art. 27. Requisitar instauração ou instaurar procedimento investigatório de infração penal ou administrativa, em desfavor de alguém, à falta de qualquer indício da prática de crime, de ilícito funcional ou de infração administrativa: (Grifei).

Pena detenção, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa.

Parágrafo único. Não há crime quando se tratar de sindicância ou investigação preliminar sumária, devidamente justificada.

Ressalte-se, por oportuno, que nos termos do Código Penal, há previsão do artigo 141, de que as penas cominadas, aumentam-se de 1/3 (um terço), se qualquer dos crimes é cometido, nos termos do inciso I do precitado artigo, contra o Presidente da República, ou contra chefe de governo estrangeiro. (Grifei).

No que pertine as sanções a título de punições, são cabíveis as autoridades que agem com abuso de poder, responderem administrativamente, penal e civilmente, mais pertinente ao cabimento dos danos morais.

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No eito da jurisprudência, tampouco na lei ou na doutrina, a acepção taxativa sobre quais são os elementos, que configuram o princípio da justa causa, para a instauração do inquérito policial. Contudo, os tribunais superiores já mencionaram que (1) a denúncia anônima, por si só, não autoriza a instauração do inquérito policial; (2) a matéria jornalística é considerada como de indícios mínimos; (3) a manifestação oral e isolada da vítima em delitos praticados na clandestinidade; (4) a palavra do colaborador ou do informante; (5) o relatório policial; e (6) dados financeiros.

Por outro lado, impõe-se que a carência de justa causa não é considerada a única hipótese causadora da interrupção do inquérito policial, sendo, porquanto o cabimento do seu trancamento nos casos seguintes: (1) a atipicidade; (2) a falta de indícios mínimos de materialidade e autoria (pressupostos da justa causa); (3) a excludente de punibilidade; e (4) a falta de condições da ação, ou seja, pela ausência da representação ou requerimento da vítima.

Adverte-se, que o inquérito policial não pode jamais ser instaurado sem indícios mínimos, razão pela qual a lei processualística estabelece o método de investigação preliminar, com o esteio de alcançar os elementos básicos de convicção, nos termos do § 3º, do artigo 5º, do CPP, impondo que o inquérito deva ser instaurado, após observada a procedência das noticias-crimes.

Nessa inteligência, o entendimento dos tribunais superiores sobre a matéria, infra:

A autoridade policial, ao receber uma denúncia anônima, deve antes realizar diligências preliminares para averiguar se os fatos narrados nessa denúncia são materialmente verdadeiros, para, só então, iniciar as investigações.

Por conseguinte, observar-se-á que essa é a ferramenta instituída pela legislação processual, serve para analisar a verossimilhança da notitia-criminis e a possibilidade da investigação, com o desiderato obstar a instauração de inquéritos policiais totalmente absurdos, a exemplo dos inquéritos do outro mundo, uma vez que é cediço que o inquérito policial atua como um filtro, contra acusações temerárias.

Neste sentido, todo cidadão tem o direito de não ser submetido, de forma indevida, ao constrangimento de um procedimento temerário (strepitus judicii) , tampouco pode ser desmotivadamente reprimido pela instauração de um inquérito policial indevido (strepitus investigationem ).

De outra forma, é cediço que há no cenário investigativo o princípio da obrigatoriedade, emanado pelo dever de atuação dos órgãos estatais, visando promover a investigação policial, nos termos do artigo 5º do CPP, e da posterior ação penal, prevista no artigo 24 do CPP. Porquanto, a regra axiomática, é sobre a atuação compulsória da Polícia Judiciária e do Ministério Público.

Em suma, vislumbrando-se o nosso Código Penal e a sua legislação extravagante, observamos claramente sobre a figura da fake news , que esta não está inserida no rol dos crimes ocorridos no Brasil, por carência de previsão legal de seu tipo normativo, assim como pela ausência de qualquer modelo de cominação de sanção.


7. FONTES DE PESQUISA

  • Constituição Federal de 1988

  • Legislação Infraconstitucional

  • Advocacia Criminal - José Nabuco Filho

  • Ibra Jus Roteiro de Decisões Policiais 16/09/2021

  • Revista Exame edição de 20/10/2020

  • Rodrigo Loureiro Poder 360 25/10/2021

  • Emilly Behnke Canal de Ciência Criminais 11/08/2022

  • Fernanda Tasinaffo - Uol 19/08/2022

  • Revista Jus Navigandi Fake News no Brasil - 01/09/2022 - Jeferson Botelho Pereira

  • Revista Jus Navigandi - O Ativismo Político-Judicial - 08/09/2022 - Jacinto Sousa Neto.

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Sobre o autor
Jacinto Sousa Neto

Advogo nas área de direito civil, trabalhista e em procedimentos administrativos (sindicância e processo administrativo), além disso sou escritor e consultor jurídico.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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