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As negociações coletivas supranacionais para além da OIT e da União Européia

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18/06/2007 às 00:00
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O exercício da negociação coletiva em nível supranacional ainda é incipiente, mas o bastante para demonstrar sua utilidade, em especial no processo de integração regional.

1. Introdução

Para normatização das relações laborais é de grande valia a negociação coletiva de trabalho. Desde seus primórdios ela se constitui uma notável experiência jurídica, a mais expressiva vivenciada pelo Direito em todas as suas fases. Foi realizada primeiramente no campo das relações de trabalho e depois, graças aos resultados positivos apresentados, em outras áreas do direito, a exemplo da relativa ao consumo.

Sua prática vem ocorrendo, quase exclusivamente, em âmbito nacional, posto que depende de previsão no direito interno da cada país, condição para que as respectivas normas sejam legitimadas e, assim, produzam efeitos jurídicos para as relações que visam a regular.

A Organização Internacional do Trabalho (OIT), através de sucessivas convenções e recomendações, estimula a negociação coletiva de trabalho no plano nacional e indica seus parâmetros, bem assim as medidas adequadas e hábeis para sua efetivação. Considera-a de grande importância para o justo equilíbrio das relações entre empregadores e trabalhadores e, conseqüentemente, o progresso e a paz social. Em relação à prática da negociação coletiva em nível supranacional, ela desenvolve uma política visando a reunir sindicatos e empresas em escala mundial, para obtenção de acordos nesse nível (acordos-marco).

O exercício da negociação coletiva em nível supranacional ainda é incipiente, mas o bastante para demonstrar sua utilidade, em especial no processo de integração regional, porquanto pode contribuir para que este contemple os direitos sociais, colocando-os nas pautas de discussão. Ademais, concorre para que os atores sociais dele participem com a normatização das respectivas relações negociais, no plano comunitário. Dessa maneira, também contribui para a harmonização dos sistemas jurídicos nesse aspecto.

A negociação coletiva de trabalho supranacional pressupõe, dentre outros fatores, a existência de entidades sindicais bem estruturadas e organizadas nesse nível, com competência jurídica para representar os membros das respectivas categorias localizados em todo o espaço do bloco regional de países e legitimadas para convencionarem normas aplicáveis em todos os Estados-Partes. Para isso se requer harmonia dos ordenamentos jurídicos nacionais sobre a matéria, admitindo tal competência e tal legitimidade.

Na União Européia, o modelo de contratação coletiva por ela adotado funda-se no princípio do diálogo social, que inspira a celebração de acordos em esfera supranacional, eis que no sistema europeu de relações de trabalho existem representações de empregadores e trabalhadores em nível comunitário. Daí, a tendência de a negociação coletiva ultrapassar as fronteiras nacionais. O Ato Único Europeu – que complementou o Tratado de Maastricht - representa um passo fundamental na evolução do direito comunitário, ao reconhecer a necessidade do diálogo social e abrir um espaço para a autonomia coletiva no plano europeu, de modo que a negociação coletiva resultasse em convenções desse porte. A negociação coletiva com essa dimensão tem, de fato, ocorrido, apesar dos obstáculos que se apresentam a esse respeito.

No tocante ao Mercosul, as entidades sindicais nacionais, por suas centrais, desde cedo se uniram para conjuntamente influírem na formação do Mercado Comum de modo que neste fossem levados em conta os legítimos interesses das categorias econômicas e profissionais, afetados pelo processo de integração. E criaram a Coordenadora de Centrais Sindicais do Cone Sul (CCSCS), que reúne as centrais sindicais dos países componentes do Mercosul e de seus associados (Bolívia e Chile). Está, assim, formada a estrutura organizacional, da parte dos trabalhadores, para negociação coletiva supranacional.

Tal negociação tem dado os primeiros passos no sentido de sua consolidação no quadro do Mercosul, ante a articulação, nele, de alguns setores da economia, tais como o siderúrgico, o bancário e o automobilístico.

Ante a globalização das relações econômicas e sociais - que é um fenômeno da pós-modernidade -, impõe-se a negociação coletiva com alcance para além do marco da União Européia e da própria OIT, para se lograr a proteção do trabalho no plano internacional, eis que esta não se satisfaz com a normatização promovida por aquela Organização, nem é suficiente, para a tutela do trabalhador na esfera comunitária, a regulamentação emanada dos organismos institucionais respectivos.

Com o presente trabalho, pretende-se demonstrar a viabilidade e a importância da negociação coletiva supranacional, especialmente no campo das relações de trabalho, como meio eficaz de normatizá-las no quadro das comunidades regionais de países, de modo que o processo de integração em que elas se inserem seja completo, para o que se requer que ele contemple não apenas os interesses econômicos, mas também os direitos sociais e trabalhistas. Só assim o referido processo alcançará seu objetivo, consistente em proporcionar aos respectivos povos o verdadeiro progresso.

Além disso, visa-se a enfocar a necessidade da negociação coletiva em escala universal, compatível com as relações que se constituem na atual conjuntura mundial. Dessa forma, obter-se-á um equilíbrio de interesses entre os atores sociais, indispensável para o desenvolvimento econômico com justiça social, que é a aspiração fundamental do ser humano.


2. A crise do Direito do Trabalho; fatores exógenos e endógenos

A crise do Direito do Trabalho – notória e largamente discutida nos meios acadêmicos e sindicais – decorre de fatores exógenos e endógenos (1).

Os fatores exógenos provêm da economia de mercado, consagrada pelo neoliberalismo. Em favor desse sistema os Governos sacrificam os diversos modelos de intervenção na ordem econômica e de planificação da economia. Adotando o programa econômico neoliberal, os Estados estabelecem medidas legislativas no campo do Direito do Trabalho que, de um modo geral, resultam em flexibilização e desregulação das relações laborais. Tais medidas, a pretexto de propiciarem às empresas maior competitividade, com a redução dos custos da produção, importam, inexoravelmente, em detrimento dos trabalhadores, com a redução de direitos e vantagens por eles conquistados no seio do Estado de Bem-Estar Social (o Welfare State).

Os fatores endógenos relacionam-se à incapacidade do Direito do Trabalho de oferecer respostas adequadas e eficazes às demandas, e solução justa aos problemas, pertinentes às relações laborais, ante as mudanças vertiginosas que ocorrem na modernidade.

De fato, o Direito Individual do Trabalho restringe-se às relações de trabalho subordinado e formalizadas; não alcança, pois, os trabalhadores informais e os desempregados (fora do mercado).

E o Direito Coletivo do Trabalho circunscreve-se, basicamente, às categorias profissionais organizadas, excluindo-se de seu âmbito grupos de trabalhadores inorganizados (por exemplo, os sem-terra). Além disso, ainda contempla, quase exclusivamente, as organizações sindicais com base nacional e, só há algumas décadas, vem ultrapassando esse marco, para afirmar-se nas esferas regional e internacional.


3. A globalização e a ampliação das relações coletivas de trabalho

A sociedade contemporânea move-se num espaço global. Essa realidade requer instâncias globais para a produção de regras de convivência, com a efetiva participação dos interlocutores sociais válidos. Para tanto, faz-se necessária a negociação coletiva transnacional, que transcende o âmbito das comunidades regionais de países, inclusive a União Européia. Nesse sentido são viáveis acordos multilaterais e convênios coletivos transnacionais.

Dentre os primeiros se destacam, por sua importância para a coletividade nacional, os acordos tripartites e os pactos sociais, cuja experiência se vem fazendo em alguns países, especialmente a Espanha e a Itália; e, com relação aos segundos, as convenções-marco entre corporações multinacionais e organizações sindicais mundiais, que já se realizam, com certa habitualidade e considerável proveito para ambas as partes.

Os pactos sociais surgem, geralmente, em momentos de grave crise político-social da nação, em que o Governo sente a necessidade de recorrer aos mais importantes segmentos sociais, no sentido de recolher deles as linhas mestras de um programa de alto nível capaz de enfrentar as dificuldades, contando, assim, com o respaldo do conjunto da sociedade, que lhe dê maior legitimidade, credibilidade e força moral, do que resulta, conseqüentemente, razoável probabilidade de bom êxito em tão árdua tarefa.

Trata-se de um entendimento de largo alcance, abrangendo matérias diversas, entre os principais atores sociais – empregadores e trabalhadores – e o Governo. Situam-se os pactos sociais acima dos interesses das classes, pois têm em vista os interesses maiores da comunidade nacional. Sua aplicação, por conseguinte, ultrapassa os limites da convenção coletiva de trabalho, seja quanto ao objeto, seja quanto às partes intervenientes, seja em relação ao âmbito territorial.

Os pactos sociais não têm a natureza de participação corporativa, porquanto o sindicato não é um agente de colaboração orgânica com o Estado, mas tem uma postura de independência em relação a ele.

Já se realizam, com certa habitualidade, convenções-marco entre corporações multinacionais e organizações sindicais mundiais. Segundo essa tendência, que vem se generalizando, grandes empresas industriais de alcance global subscrevem acordos-marco com seus empregados vinculados a unidades produtivas situadas em diversos países, através dos quais se comprometem a respeitar algumas normas mínimas em todo o mundo, conscientes de que, para as corporações internacionais, atualmente, constitui um bom negócio o cumprimento de normas trabalhistas essenciais.

Esse fenômeno deve-se ao fato de que a maioria das grandes empresas mundiais já atua numa perspectiva global e a maior parte dos sindicatos se acha integrada nas Federações Sindicais Mundiais (FSM) setoriais. Por isso, empresas e sindicatos "começaram a dar os passos necessários para firmar tais convênios". Em geral são as empresas com sede principal na Europa que tiveram a iniciativa da celebração de convenções desse tipo; porém, existem exemplos dessa prática também em empresas da Nova Zelândia (Fonterra) e África do Sul (AngroGold). (2).

Dentre as matérias objeto desses pactos são considerados, com maior freqüência, os direitos de negociação coletiva, a informação e a consulta, a igualdade de oportunidades, a saúde e a seguridade, as normas sobre salários mínimos, bem como a proibição do trabalho infantil e do trabalho forçado.


4. Perspectivas da negociação coletiva na sociedade pós-industrial

O processo negocial de formação da norma, no campo do Direito do Trabalho, tende a sofrer uma considerável mudança, em conseqüência da globalização da economia, do surgimento de corpos intermediários voltados a cumprir as funções tradicionais atribuídas aos sindicatos, bem assim da multiplicidade e variedade de formas de emprego e rendas que se apresentam na atual conjuntura sócio-econômica.

Tal processo, vinculado às conquistas que se inserem nos contratos individuais de trabalho, terá ampliado seu espectro de acordo com a tendência própria da sociedade pós-industrial, incluindo em seus objetivos políticas gerais direcionadas à preservação dos empregos, do meio ambiente, à formação profissional contínua, ao direito à informação, à redução das jornadas de trabalho, a medidas fiscais, de tarifas e preços dos serviços públicos, ao controle da inflação, à concessão de benefícios aos empresários no tocante a impostos e encargos sociais no intuito de propiciar a ampliação do mercado de trabalho. A abertura da negociação nesses termos tem como objetivo preservar os postos de trabalho e rendas dos trabalhadores.

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Por outro lado, o processo negocial assume diversas formas e se operacionaliza em vários níveis, com alteração de seus âmbitos pessoais, materiais, temporais e espaciais, bem assim quanto à vigência e eficácia da norma que produz. Visa, destarte, a adequar-se ao amplo espaço em que se desenvolve a produção na sociedade contemporânea, a fim de atender à multiplicidade de organizações coletivas e ao contingente de trabalhadores não contemplados pela doutrina e a dogmática jurídica tradicionais (3). Com efeito, as transformações por que passa o mundo do trabalho alteram a organização produtiva e as relações laborais, tendo como efeito a mudança do próprio conceito e da função do contrato coletivo (4). (5).

Entre as modalidades de negociação coletiva que se destacam na atualidade, estão – como assinalado atrás - os pactos sociais e as negociações tripartites, que envolvem empregadores, trabalhadores e o Governo e conferem ao processo negocial maior abrangência, fornecendo ao Estado elementos para criação de normas jurídicas não apenas de natureza trabalhista, mas também de outras ordens, a fim de atender a múltiplos interesses sociais.

Em relação aos sujeitos, amplia-se a feição negocial, que, do âmbito restrito de categorias econômicas e profissionais conexas, passa a admitir categorias econômicas e profissionais de diversos setores da atividade produtiva. No tocante ao objeto, inclui matérias além dos interesses diretos dos trabalhadores, como meio ambiente, desenvolvimento sustentável, planejamento econômico.

Quanto ao espaço de sua aplicação, a negociação coletiva efetiva-se em nível de empresa, de setor produtivo, em nível nacional, mediante acordos interconfederais e os já mencionados pactos sociais e negociações tripartites.

Há a perspectiva de, num futuro não distante, o processo negocial atingir a esfera transnacional com "uma proposta de uniformidade dos direitos sociais em nível planetário" (6). Dessa experiência, aliás, já há registros significativos, como se verá adiante.


5. A negociação coletiva de trabalho supranacional: viabilidade, segundo as normas da OIT.

Ao fenômeno da transnacionalização das empresas corresponde a transnacionalização das relações de trabalho, para a qual é de fundamental importância a negociação coletiva supranacional, como meio de elevar a esse nível os direitos trabalhistas, condição para lograr o almejado equilíbrio entre os fatores da produção, que é pressuposto da paz social.

Por conseguinte, ante a presença, no cenário mundial, das empresas multinacionais, não se justifica a inexistência de convenções coletivas com a mesma amplitude, que parecem ser o instrumento adequado para regulação das relações de trabalho das multinacionais (7).

Atenta a essa situação, a OIT tem desenvolvido estudos e promovido medidas no sentido de que se efetive negociação coletiva supranacional. Em face de sua estrutura funcional, aquele organismo internacional reúne as condições adequadas para lograr esse objetivo, porquanto seus orgãos deliberativos – especialmente a Conferência Internacional do Trabalho – são compostos de representantes de entidades sindicais de trabalhadores e empregadores de todas as partes do globo. Além disso, ela desenvolve uma política visando a reunir sindicatos e empresas em escala mundial, para obtenção de acordos nesse nível (acordos-marco). As diretrizes básicas para a consecução desse objetivo constam da Declaração Tripartite de Princípios sobre as Empresas Multinacionais e a Política Social, aprovada, por unanimidade, em novembro de 1977, pelo Conselho de Administração da OIT, em sua 204ª reunião.

O referido instrumento contém princípios voltados à promoção do entendimento mútuo entre as empresas multinacionais e os sindicatos representativos de seus empregados, à participação deles na organização empresarial, à transparência e à responsabilidade social da empresa no âmbito do trabalho, requisitos para o estabelecimento de associações sustentáveis entre os atores locais, mundiais e o mercado. Estimula a cooperação entre empresas, sindicatos e governos, com o objetivo de "aproveitar ao máximo o efeito positivo que a inversão realizada pelas empresas multinacionais pode gerar no progresso econômico e social, contribuindo ao mesmo tempo para resolver as dificuldades que a inversão pode acarretar." (8).

Essa Declaração foi concebida para fomentar um desenvolvimento socialmente sustentável e os direitos humanos no ambiente de trabalho, tendo como objetivos o emprego, a formação, as condições de vida e trabalho e as relações laborais. Nela se insiste com as multinacionais, os governos e interlocutores sociais, para que sigam o exemplo da OIT no que tange à promoção do trabalho decente, colaborando para a realização do contido na Declaração daquele organismo internacional relativa aos princípios e direitos fundamentais no trabalho e seu seguimento (9). Ademais, faz-lhes convite para que referendem as convenções da OIT sobre trabalho intantil e idade mínima para o trabalho. Devido a seu alcance global, a Declaração constitui instrumento adequado para utilização direta ou indireta na dotação de conteúdo básico para os convênios-marco. (10).

A OIT aprovou, outrossim, um Guia com o subtítulo "Conhecer e utilizar diretrizes universais para a responsabilidade social", em que se expõe o modo de melhor aplicar a Declaração em apreço, constituindo ferramenta de grande valor para quem deseja utilizá-la. Nele se encontra informação prática sobre a responsabilidade social das empresas em geral, fundada na experiência acumulada em escala mundial no tratamento de questões tais como a saúde, a seguridade e o trabalho infantil.

"Num lugar de trabalho globalizado em que atuam empregadores desta mesma escala global, o papel da OIT neste terreno se torna essencial" (11).


6. A negociação coletiva de trabalho no quadro da União Européia

Os Estados-membros da União Européia acham-se empenhados em estabelecer estreita colaboração no campo social, especialmente no que tange ao direito sindical e às tratativas coletivas entre empregadores e trabalhadores (12).

Esse objetivo vai ao encontro das normas estabelecidas nas convenções internacionais do trabalho de nºs 87 e 98, da OIT, que consagram a garantia da liberdade sindical e a proteção do direito de sindicalização, neste compreendido o direito de livre negociação coletiva. Ora, esses instrumentos normativos foram acolhidos e vêm sendo aplicados pelos países integrantes da Comunidade.(13)

A fim de acalmar as intensas preocupações ante a crescente influência das empresas multinacionais sobre a vida econômica, social e, até, política dos países onde elas operam, a Comissão Européia elencou uma série de ações a serem implementadas no sentido de estabelecer um contrapeso ao poderio dos grandes trustes internacionais. No tocante à proteção dos trabalhadores, sugeriu a adoção das diretivas tendentes a harmonizar os regulamentos sobre as despedidas coletivas e assegurar a proteção dos trabalhadores em caso de fusão, concentração ou racionalização de empresas; e augura o desenvolvimento de convenções coletivas européias. (14).

Na União Européia, acentua-se o princípio do diálogo social, que embasa o modelo de contratação coletiva por ela adotado e inspira as legislações sociais de quase todos os seus Estados-membros. Tal princípio materializa-se através de institutos, tais como os acordos celebrados em esferas mais elevadas, pelas organizações representativas dos empresários e as dos trabalhadores, independentemente da participação dos governos, eis que, como lembra Galantino (15), no sistema europeu de relações de trabalho existem representações em nível comunitário.

Registram Schutte, Castro e Jacobsen (16) que a coordenação e organização dos trabalhadores em nível europeu resultou, em 1973, na fundação da Confederação Européia de Sindicatos - CES, que engloba uma dupla estrutura: de um lado, as centrais sindicais nacionais; de outro, catorze federações européias por ramo de produção. Daí, o que eles chamam de perspectivas de europeização da negociação coletiva em face da organização sindical, tendo em vista que a nova realidade que se desenha revela o crescente esvaziamento do papel do contrato nacional, a menos que ele seja complementado ou coordenado por negociação em nível europeu. E sentenciam: "a questão não é mais se haverá negociação coletiva européia, mas quando." (17).

Na opinião de Andrade (18), as novas modalidades de relações trabalhistas desenvolvidas no interior dos países integrantes do Mercado Comum Europeu, fora e além das organizações empresariais, propiciadas pelas novas tendências políticas, econômicas e sociais dos países capitalistas avançados, favoreceram a internacionalização da negociação coletiva. Daí por que "a tendência da negociação coletiva ultrapassar as fronteiras nacionais é apenas conseqüência lógica da internacionalização da vida econômica e social"; e é facilitada pelo surgimento e desenvolvimento das organizações supranacionais, que agasalham interesse em negociação coletiva nesse nível. Eis a razão do despontar, nas últimas décadas, da idéia de uma negociação coletiva internacional. (19).

A Carta Comunitária dos Direitos Sociais Fundamentais dos Trabalhadores, da União Européia, inclui, entre as características do "modelo social europeu", a liberdade de associação e negociação coletiva. Objetiva a desregulamentação dos direitos trabalhistas, com a manutenção das normas sociais mínimas constantes do Tratado de Maastricht (1992), mediante negociação coletiva, permitindo-se, pois, aos sindicatos "tomar parte ativa no trabalho de consolidação do perfil social da União Européia." (20).

O Ato Único Europeu – que complementou o Tratado de Maastricht – representa um passo fundamental na evolução do direito comunitário, ao reconhecer a necessidade do diálogo social e abrir um espaço para a autonomia coletiva no plano europeu, de modo que a negociação coletiva resultasse em convenções nesse nível. Com efeito, com base nele os atores sociais assumem um papel fundamental na aplicação do princípio de subsidiariedade, que vai desde a consulta com a Comunidade – inclusive sobre legislação comunitária -, até a implementação de diretivas do Conselho e negociação coletiva em nível europeu, com enfática autonomia em relação aos governos. (21).

Acordos coletivos de tamanho alcance e de cumprimento obrigatório – com o devido respeito às normas mínimas de procedimento preestabelecidas – foram facultados pelo dispositivo do artigo 4 do Acordo, que integra o Protocolo 14 sobre Política Social (que constitui anexo do Tratado da União Européia, resultante da reunião de Maastricht) (22). Ali se acha expresso o reconhecimento da legitimidade dos pactos coletivos que viessem a ser celebrados, em escala européia, pelos interlocutores sociais, os quais deveriam participar ativamente na constituição do ordenamento social da Comunidade, com capacidade de firmar acordos que representassem uma verdadeira alternativa à legislação sobre a matéria, caso em que a Comissão perderia, motu proprio, a exclusividade da função normativa nesse campo.

No tocante a negociação coletiva em nível europeu, Blanpain (23) registra um importante marco: o acordo entre os atores sociais europeus de 31 de outubro de 1991, em Bruxelas, que "abriu caminho para a aceitação da negociação européia e para que os catorze Estados-membros (24) acordassem um mecanismo para dotar de força obrigatória as convenções coletivas erga omnes na Comunidade." (25).

Os seguintes fatos, relatados por Nascimento (26), revelam a tendência à supranacionalização da negociação coletiva e traduzem interessantes experiências a esse respeito. Em 1995 foi assinado o primeiro acordo coletivo em nível comunitário, assegurando aos trabalhadores da União Européia, salvo os do Reino Unido, licença remunerada de, no mínimo, três meses e licenças para trato de interesses familiares.(27) A Diretiva 94/45 CE (28) obriga a constituição de uma comissão interna de representação dos trabalhadores, o comitê de empresa, ou a criação de um procedimento de informação e consulta dos trabalhadores nas empresas e grupos de empresas situadas em mais de um Estado-membro da União. Em 1997 foi celebrado acordo coletivo visando ao incremento do emprego na agricultura, entre a Federação Européia Agrícola (FEA) e a Confederação Européia de Sindicatos (CES), de um lado, e o Grupo Europeu de Organizações Patronais Agrícolas (GEOPA) e a Confederação de Organizações Patronais Agrícolas (COPA), de outro.

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Sobre o autor
José Soares Filho

Juiz do Trabalho aposentado. Advogado em Recife (PE). Mestre e doutorando em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE). Autor de obras jurídicas (livros, trabalhos e artigos). Professor da Universidade Católica de Pernambuco (UNICAP), da Escola Superior da Magistratura Trabalhista da 6ª Região (ESMATRA VI), dos cursos de pós-graduação lato sensu em Direito da UFPE, da UNICAP e da Faculdade Maurício de Nassau (Recife). Membro efetivo do Instituto Latinoamericano de Derecho del Trabajo y de la Seguridad Social, do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e da Academia de Letras Jurídicas de Pernambuco.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SOARES FILHO, José. As negociações coletivas supranacionais para além da OIT e da União Européia. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1447, 18 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10023. Acesso em: 21 nov. 2024.

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