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Decisão do STF sobre socorro mútuo:

um alerta para todas as entidades

23/09/2022 às 16:00
Leia nesta página:

Ao contrário do que a CNSEG alegou junto ao STF, o STJ não declarou a atividade de socorro mútuo ilícita.

No dia 08 de agosto de 2022 foi publicada pelo Supremo Tribunal Federal STF, a decisão da Ação Direta de Inconstitucionalidade - ADIN 7099, proposta pela Confederação Nacional das Seguradoras CNSEG, com o objetivo de declarar inconstitucional a Lei Estadual 23.993/21 de MG, também conhecida como Lei Socorro Mútuo em MG.  A ação foi mais uma das iniciativas do mercado de seguros, neste caso representada pela CNSEG, no combate ao às entidades de Socorro Mútuo que praticam a Proteção Veicular.

Na ação, a CNSEG buscou a declaração da inconstitucionalidade da Lei 23.993/2011, afirmando que a mesma seria irregular por tratar de atividade declarada ilícita pelo Superior Tribunal de Justiça - STJ. A referência da CNSEG seria em relação ao julgamento ocorrido em 27/06/2018 do REsp. n. 1.616.359/RJ, ocorrido em ação civil pública ajuizada pela Superintendência de Seguros Privados SUSEP em face de associação de Socorro Mútuo. O caso foi assim decidido pelo STJ:

CIVIL E ADMINISTRATIVO. RECURSO ESPECIAL. PODER FISCALIZATÓRIO DA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP. PEDIDO DE INTERVENÇÃO DA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO - CNSEG, COMO TERCEIRO PREJUDICADO. INDEFERIMENTO. PRELIMINAR DE NÃO CONHECIMENTO DO RECURSO INTERPOSTO PELA SUSEP. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO E DE AUSÊNCIA DE FUNDAMENTO SOBRE A PARTE DO RECURSO QUE SUSCITA A VIOLAÇÃO DO DISPOSITIVO DO ART. 535, II, DO CPC/1973. REJEIÇÃO. ALEGAÇÃO DA RECORRENTE - SUSEP DE OFENSA AO DISPOSITIVO DO ART. 535, II, DO CPC/1973. NÃO OCORRÊNCIA. ATIVIDADES DA ASSOCIAÇÃO MINEIRA DE PROTEÇÃO E ASSISTÊNCIA AUTOMOTIVA. CARACTERIZAÇÃO COMO PRÁTICA SECURITÁRIA. ARESTO RECORRIDO QUE CONCLUIU PELA OCORRÊNCIA DE UM "GRUPO RESTRITO DE AJUDA MÚTUA". ENUNCIADO N. 185 DA III JORNADA DE DIREITO CIVIL DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL. INAPLICABILIDADE. VIOLAÇÃO DOS DISPOSITIVOS DOS ARTS. 757 DO CÓDIGO CIVIL/2002 E DOS ARTS. 24, 78 e 113 DO DECRETO-LEI N. 73/1966. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA CONFEDERAÇÃO NACIONAL DAS EMPRESAS DE SEGUROS GERAIS, PREVIDÊNCIA PRIVADA E VIDA, SAÚDE SUPLEMENTAR E CAPITALIZAÇÃO - CNSEG PREJUDICADO. RECURSO ESPECIAL INTERPOSTO PELA SUPERINTENDÊNCIA DE SEGUROS PRIVADOS - SUSEP CONHECIDO E PROVIDO.

1. O objeto desta lide não comporta alegação de "concorrência desleal", visto que o pleito originário foi interposto pela Superintendência de Seguros Privados - SUSEP e, por óbvio, tal questão não integra a perspectiva regulatória que compreende os objetivos institucionais dessa autarquia federal na fiscalização do mercado privado de seguros. De outra parte, no que concerne à perspectiva econômica - sobre eventuais prejuízos que as associadas da recorrente poderão sofrer -, tal se revela irrelevante para efeito de integração a esta lide como terceiro prejudicado.

(...)

9. O Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal, no que concerne à interpretação atribuída ao art. 757 do Código Civil/2002, assenta que "a disciplina dos seguros do Código Civil e as normas da previdência privada que impõem a contratação exclusivamente por meio de entidades legalmente autorizadas não impedem a formação de grupos restritos de ajuda mútua, caracterizados pela autogestão".

10. A questão desta demanda é que, pela própria descrição contida no aresto impugnado, verifica-se que a recorrida não pode se qualificar como "grupo restrito de ajuda mútua", dadas as características de típico contrato de seguro, além de que o serviço intitulado de "proteção automotiva" é aberto a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados, o que resulta em violação do dispositivo do art. 757 do Código Civil/2002, bem como dos arts. 24, 78 e 113 do Decreto-Lei n. 73/1966.

(...)

12. Não se está afirmando que a requerida não possa se constituir em "grupo restrito de ajuda mútua", mas tal somente pode ocorrer se a parte se constituir em conformidade com o disposto no Decreto-Lei n. 2.063/1940 e legislação correlata, obedecidas às restrições que constam de tal diploma legal e nos termos estritos do Enunciado n. 185 da III Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal.

13. Recurso especial interposto pela Confederação Nacional das Empresas de Seguros Gerais, Previdência Privada e Vida, Saúde Suplementar e Capitalização CNSEG prejudicado. Recurso especial interposto pela Superintendência de Seguros Privados SUSEP conhecido e provido.

(REsp 1616359/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/06/2018, DJe 27/06/2018)

Percebe-se, contudo, que ao contrário do alegado pela CNSEG na referida ADIN, o julgado do STJ não declarou a atividade de Socorro Mútuo ilícita. A decisão, na verdade, simplesmente vinculou sua legalidade ao atendimento das disposições legais, sobretudo o atendimento ao critério de Grupo Restrito.

Instada a se manifestar, a Assembleia Legislativa de Minas Gerais - ALMG defendeu o descabimento dos pedidos feitos pela CNSEG na ADIN, por entender que a base dos pedidos requer a análise de normas infraconstitucionais. Defendeu ainda a constitucionalidade da Lei, por se basear na competência dos estados em legislar sobre consumo e produção.

Por sua vez, o então governador do estado de MG, Romeu Zema, defendeu inicialmente a impossibilidade de seguimento da ADIN, pelo fato de tratar de categorias distintas, contrariando a jurisprudência do STF. Criticou as acusações vazias de fraudes e crimes na atividade (que demandam investigações e análises factuais, e não somente ilações), e por fim, defendeu a constitucionalidade da Lei.  

A decisão do ministro Edson Fachin, relator do caso, foi pelo não conhecimento da ADIN. O ministro sustentou que as alegações e pedidos da CNSEG exigem a análise de normas infraconstitucionais, conforme demonstrado pela ALMG. Ainda segundo o ministro, o deferimento dos pedidos da CNSEG demandaria reconhecer a premissa de que a atividade de TODAS as associações é de fato securitária, o que não se pode afirmar, sobretudo sem controle abstrato de constitucionalidade.

Na decisão, Fachin ressaltou ainda que a decisão do STJ não comprova a ilegalidade da atividade de forma geral e irrestrita, conforme afirmado pela CNSEG, mas somente sugere a controvérsia sobre o tema. A decisão deu grande ênfase ao critério de Grupo Restrito, previsto tanto na lei quanto no referido julgado de 2018 do STJ (caso que correu sob o patrocínio do autor deste artigo). Segundo o ministro, a decisão do STJ não reconheceu a ilegalidade de todas as associações, mas somente sugeriu a das entidades que são abertas a um grupo indiscriminado e indistinto de interessados.

Portanto, a legalidade das atividades de cada entidade depende da análise individual de sua constituição, gestão, operação e funcionamento. Tudo isso com vistas às regras do Socorro Mútuo, do Terceiro Setor, e de toda legislação vigente e aplicável. É exatamente por este motivo que temos tantas decisões diversas em nossos tribunais, onde parte das entidades possuem suas atividades validadas, enquanto outras são encerradas pela justiça e os diretores condenados criminalmente.

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Assim, podemos afirmar que a decisão do STF se limitou a reafirmar o óbvio: embora a atividade de Socorro Mútuo seja lícita (quanto a isso, não há dúvidas), nem todas as associações ou cooperativas que dizem praticar a atividade, de fato o fazem. Existem inúmeras atividades praticando o Socorro Mútuo, e outras, atuando irregularmente. Há entidades atendendo às regras do Terceiro Setor, e outras, somente simulando a atividade.

Desta forma, cada entidade deve buscar, individualmente, se ajustar à realidade do Socorro Mútuo e do Terceiro Setor. Pois mais do que nunca, a decisão da Suprema Corte servirá como base para intensificar a investigação e a análise individual das atividades de cada entidade, como já vem ocorrendo em MG e outros estados da União.

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Sobre o autor
Renato Assis

Advogado inscrito na OAB dos estados de BA, ES, MG, PR, SP e RJ; Professor de Direito e empresário; Graduado em Direito pela Universidade FUMEC-MG; Especialista em Direito Processual pela PUC-MG; Especialista em Direito Médico pela Universidade de Araraquara/SP; MBA em Gestão Empresarial pela Fundação Getúlio Vargas/RJ; Especialista em Direito Ambiental e Minerário pela PUC/MG; Professor do curso de Direito Médico e Odontológico da UCA (Universidade Corporativa da ANADEM); Autor do livro “Direito Processual e o Constitucionalismo Democrático Brasileiro” – 2009; Autor do livro “Socorro Mútuo: Como a Proteção Veicular revolucionou o mercado de Proteção Patrimonial e de Seguros do Brasil” – 2019; Conselheiro Jurídico e Científico da ANADEM – Sociedade Brasileira de Direito Médico e Bioética; Acadêmico Efetivo e Vitalício na área de Ciências Jurídicas da ALACH – Academia Latino-Americana de Ciências Humanas; Membro da AIDA – Associação Internacional de Direito do Seguro; Membro da WAML – World Association for Medical Law; Presidente da Unidade Brasil da ASOLADEME – Associación Latinoamericana de Derecho Médico.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ASSIS, Renato. Decisão do STF sobre socorro mútuo:: um alerta para todas as entidades. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7023, 23 set. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/100283. Acesso em: 24 nov. 2024.

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