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O princípio da segurança jurídica e o controle de constitucionalidade brasileiro

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20/06/2007 às 00:00
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Conclusões.

            Do exposto, pode-se concluir que o sistema brasileiro de controle de constitucionalidade é bastante complexo, apontado pela doutrina como um controle misto de constitucionalidade, por aglutinar elementos, como se viu, do controle difuso e do controle concentrado.

            Acontece que tanto um quanto outro têm raízes em modelos distintos, tendo sido desenvolvidos no seio de instituições próprias e de maneira natural, espontânea. O modelo norte-americano tem o seu contorno e sua efetividade definidos por uma norma constitucional não escrita, o stare decisis, que garante a segurança necessária à própria operacionalidade do sistema. O modelo europeu, por outro lado, confere à Corte Constitucional status diferenciado do Judiciário, declaradamente político, composta por membros, nas palavras do então Ministro da Corte portuguesa Cardoso da Costa [26], com "diferentes sensibilidades constitucionais", o que lhes confere legitimidade bastante para decidir questões das mais relevantes da ordem constitucional, com efeito vinculante aos demais órgão estatais, principalmente ao Judiciário, o que, da mesma maneira, garante a segurança necessária à operacionalidade do sistema.

            É, assim, cada um desses sistemas perfeitamente apto a operar em situações ao menos análogas às quais foi concebido. Percebe-se, no entanto, que o ordenamento jurídico brasileiro literalmente aglutinou elementos de ambos os sistemas, sem se preocupar se o produto desta aglutinação comporia um verdadeiro sistema de controle de constitucionalidade. O direito brasileiro passou a ter um controle difuso sem o elemento que lhe dava coesão, o stare decisis, e um controle concentrado sem uma verdadeira Corte Constitucional. Em suma, foram copiados elementos de dois sistemas, cada um com sua lógica interna própria, sem formar nenhum sistema completo, apto a resguardar a segurança jurídica dos jurisdicionados.

            Este fato explica as tentativas, por um lado, de atribuir amplitude maior ao efeito das decisões do Supremo Tribunal Federal, sobretudo com as denominadas súmulas vinculantes, e, por outro lado, de atribuir a este Tribunal o status de guarda da Constituição, de caráter político-jurídico, aproximando-o do que se entende por Tribunal Constitucional, como se observa, ainda que timidamente, na necessidade de demonstração da repercussão geral das questões constitucionais discutidas no caso concreto (artigo 102, §3º, da Constituição) para a admissibilidade do recurso extraordinário.

            Tenta-se, dessarte, atribuir maior discricionariedade aos Ministros do Supremo Tribunal Federal, possibilitando-lhes uma tímida possibilidade de escolha das causas constitucionais relevantes e, em razão disso, merecedoras de análise pela Corte Suprema. Trata-se de uma tendência tímida no sentido de atribuir ao Supremo o status de Corte Constitucional, pois a regra continua sendo a admissibilidade do recurso extraordinário e a exceção o não julgamento da causa por "irrelevância" constitucional. O Supremo continua sendo, assim, um órgão recursal e o recurso extraordinário continua sendo um direito do jurisdicionado, desde que cumpridos seus requisitos, obviamente.

            Acreditamos que a tendência – e a melhor solução possível – é a extinção das competências recursais do Supremo Tribunal Federal, deixando o mais alto tribunal de ser, na maioria dos casos por ele julgados, tão somente mais uma instância jurisdicional e, portanto, mais uma possibilidade do jurisdicionado de ver a sua pretensão atendida.

            A quantidade absurda de casos concretos que chegam ao Supremo Tribunal Federal somente contribue para o desprestígio das decisões da Corte. E contra a descrença das decisões do Supremo Tribunal Federal não há súmula vinculante que as torne legítimas.

            Nessa linha, continuariam todos os juízos singulares e todos os tribunais, observada nestes a regra do full bench do artigo 97 da Constituição, competentes para dizer sobre a constitucionalidade de ato normativo, com efeito inter partes. Seriam estes tribunais – Tribunais de Justiça, Tribunais Regionais Federais, Tribunais Regionais do Trabalho, etc. – a última e única instância recursal para as pretensões impetradas em primeira instância, e única para as pretensões de competência originária dos tribunais.

            Continuariam também a existir os instrumentos de controle concentrado de constitucionalidade, desde que já não exista súmula vinculante editada pelo Supremo, pois, nesses casos, o instrumento apto a revê-la seria o procedimento de alteração previsto pela própria Constituição para tanto.

            Somente com mais alguns passos na direção de atribuir ao Supremo o status de Tribunal Constitucional, concedendo-lhe plena autonomia na escolha dos casos a serem julgados, atribuição acompanhada de mudança no critério de sua composição, no sentido de lhe conferir maior independência em suas decisões, é que se alcançará um verdadeiro sistema de controle de constitucionalidade, podendo a Suprema Corte editar súmulas, agora sim, moralmente vinculantes, conquistando o jurisdicionado maior segurança jurídica em suas relações.

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Notas

            01

Defensor Público do Estado de São Paulo. Mestrando em Direito do Estado pela USP e Especialista em Direito Constitucional pela ESDC. Professor da Universidade Presbiteriana Mackenzie e da Escola Superior de Direito Constitucional. Membro da Comissão Cultural do Instituto "Pimenta Bueno" – Associação Brasileira dos Constitucionalistas.

            02

Estão incluídas aqui as emendas constitucionais, pois frutos não do Poder Constituinte originário, mas, sim, do derivado.

            03

Cf. José Afonso da Silva, Curso de direito constitucional positivo, 18ª ed., São Paulo, Malheiros, 2000, p.47 e ss..

            04

Contra essa afirmação apresenta-se Elival da Silva Ramos, Perspectivas de evolução do controle de constitucionalidade brasileiro, Tese de Titularidade, Universidade de São Paulo, 2005, p.333, para quem o controle de constitucionalidade brasileiro é difuso.

            05

Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Curso de direito constitucional, 29ª ed., São Paulo, Saraiva, 2002, p.38 e s..

            06

Sérgio Resende de Barros, Simplificação do controle de constitucionalidade, in As vertentes do direito constitucional contemporâneo, Rio de Janeiro, América Jurídica, 2002, p.600-603.

            07

Teoria geral do Direito e do Estado, São Paulo, Martins Fontes, 2000, p.230 e ss..

            08

Jurisdição constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p.307.

            09

Jurisdição constitucional, São Paulo, Martins Fontes, 2003, p.303.

            10

Artigo 66, §1º - "Se o Presidente da República considerar o projeto, no todo ou em parte, inconstitucional ou contrário ao interesse público, vetá-lo-á total ou parcialmente, no prazo de quinze dias úteis, contados da data do recebimento, e comunicará, dentro de quarenta e oito horas, ao Presidente do Senado os motivos do veto".

            11

Artigo 5º, XXXV – "a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito".

            12

Em obra organizada por André Ramos Tavares e Walter Claudius Rothenburg, Argüição de descumprimento de preceito fundamental: análise à luz da lei nº 9.882/99, São Paulo, Atlas, 2001, na qual, a título exemplificativo, manifestaram-se sobre o tema Elival da Silva Ramos e Sérgio Resende de Barros, para os quais remetemos o leitor.

            13

Sobre a questão, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspetos do direito constitucional contemporâneo, São Paulo, Saraiva, 2003, p.233.

            14

Sim, porque o texto constitucional nada mais fez do que reconhecer o que já decidia o Supremo Tribunal Federal. Cf. Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Aspectos do direito constitucional contemporâneo, São Paulo, Saraiva, 2003, p.233, e Luiz Alberto David Araújo, A reforma do Poder Judiciário (EC n. 45), in Reforma do Judiciário, São Paulo, Método, 2005, p.226 e s..

            15

O que, por si só, também não garantiria a sua aplicação...

            16

Isso se dá em razão do desprestígio das decisões do Supremo Tribunal Federal, que se apresenta muito mais como uma Corte de Cassação, ao julgar uma imensa quantidade de recursos de matérias de pouca relevância constitucional, do que como uma Corte Constitucional.

            17

Sérgio Resende de Barros, Simplificação do controle de constitucionalidade, in As vertentes do direito constitucional contemporâneo, Rio de Janeiro, América Jurídica, 2002, p.604.

            18

Artigo 2º, §3º - "Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência".

            19

Sérgio Resende de Barros, Simplificação do controle de constitucionalidade, in As vertentes do direito constitucional contemporâneo, Rio de Janeiro, América Jurídica, 2002, p.605 e s..

            20

Sobre o tema, cf. José Levi Mello do Amaral Júnior, Incidente de argüição de inconstitucionalidade, São Paulo, Revista dos Tribunais, 2002.

            21

José Marcelo Menezes Vigliar, A reforma do Judiciário e as súmulas de efeitos vinculantes, in Reforma do Judiciário, São Paulo, Método, 2005, p.286.

            22

José Marcelo Menezes Vigliar, A reforma do Judiciário e as súmulas de efeitos vinculantes, in Reforma do Judiciário, São Paulo, Método, 2005, p.290.

            23

Esta discussão é repetida, guardadas as devidas proporções, na interpretação do §3º, acrescentado ao artigo 5º da Constituição pela mesma emenda constitucional. Este dispositivo diz que "os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos que forem aprovados, em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais". Parece que aqui também introduziu o constituinte derivado uma nova figura constitucional, a dos tratados ou convenções com status equivalente ao de uma emenda constitucional, mas que assim serão incorporados desde que cumprido o novo procedimento apontado pela lei constitucional.

            24

Reflexões sobre as súmulas vinculantes, in Reforma do Judiciário, São Paulo, Método, 2005, p.313.

            25

Marcelo Lamy, Luiz Guilherme Arcaro Conci, Reflexões sobre as súmulas vinculantes, São Paulo, Método, 2005, p.306.

            26

Em palestra proferida por ocasião do II Encontro Luso-Brasileiro de Constitucionalistas, promovido pela Associação Luso-Brasileira de Constitucionalistas, na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em abril de 2002.
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Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

. O princípio da segurança jurídica e o controle de constitucionalidade brasileiro. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1449, 20 jun. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10041. Acesso em: 23 dez. 2024.

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