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Dissonância cognitiva e o juiz de garantias

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Resumo:


  • A introdução do juiz de garantias pela Lei n. 13.964/2019, conhecida como "Pacote Anticrime", visa aperfeiçoar a legislação penal e processual.

  • O juiz de garantias atua exclusivamente na fase pré-processual, controlando a legalidade dos atos de investigação e adotando medidas cautel

Resumo criado por JUSTICIA, o assistente de inteligência artificial do Jus.

A concomitância das atribuições de um juiz responsável por conduzir uma audiência de custódia (e, ao final dela, decidir pela decretação de uma prisão preventiva) e por proferir a sentença ao final do processo, condenando ou absolvendo o réu, impõe uma distorção explicada pela teoria da dissonância cognitiva.

RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar o instituto do juiz de garantias, novidade trazida pela Lei n. 13.964/2019, conhecida popularmente como “Pacote Anticrime”, idealizado no sentido de aperfeiçoar a legislação penal e processual. Não se trata, porém, de mera análise do instituto; o esforço acadêmico se dá no sentido de estabelecer uma interface entre o novo instituto e a Teoria da Dissonância Cognitiva, desenvolvida pelo psicólogo Leon Festinger. O artigo propiciará ao leitor a compreensão acerca da importância do juiz de garantias para o Estado de Direito, a partir do que preconizam os ideólogos da Teoria da Dissonância Cognitiva. Restará demonstrado como o processo humano de dissonância cognitiva afeta diretamente a materialização do princípio da imparcialidade da jurisdição, e como o juiz de garantias se apresenta, perante os jurisdicionados, como mecanismo idôneo para mitigar os riscos da inevitável dissonância cognitiva.

PALAVRAS-CHAVE: Pacote Anticrime. Juiz de Garantias. Teoria da Dissonância Cognitiva.

SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Da Jurisdição. 2.1. Dos Princípios da Jurisdição. 2.2. Das Regras de Competência Processual Penal. 2.3. Da Competência por Prevenção. 3. A Dissonância Cognitiva. 4. Do Juiz de Garantias. 4.1. A Dissonância Cognitiva e o Juiz de Garantias. 5. Conclusão.


1.Introdução.

A existência de uma jurisdição, que decorreu da separação dos poderes nos moldes delineados a partir da obra de Montesquieu, representou um significativo avanço civilizacional. A prerrogativa dos cidadãos de terem seus conflitos solucionados por um terceiro, representante do Estado (e, não mais, pelos próprios particulares), é um pressuposto democrático cuja observância é imprescindível. Entretanto, mais do que a existência do referido “terceiro” como responsável por compor as contendas entre particulares, é necessário que se qualifique a atividade jurisdicional, a qual deve observar diversas premissas (princípios), a fim de propiciar, aos jurisdicionados, soluções que se aproximem, ao máximo, do que se idealiza com relação à “justiça”. Sobre estes princípios e os mecanismos para sua plena implementação, haverá um aprofundamento ao longo do presente esforço acadêmico.

No que diz respeito à qualificação da atividade jurisdicional, é preciso destacar que a maneira pela qual se organiza o Poder Judiciário brasileiro, no âmbito da jurisdição penal, apresenta uma configuração, no mínimo, problemática. Tem-se, no ordenamento jurídico nacional, regras muito bem traçadas de competência (forma de dividir funcionalmente o exercício da jurisdição), que é definida de acordo com a qualidade pessoal de quem está sendo julgado (vide a regra do “foro privilegiado”, a qual determina que, em razão da função que a pessoa ocupa, ela há de ser julgada em determinado grau de jurisdição), com a natureza do crime (nessa esteira, existem as Justiças Especiais, como a Eleitoral) ou com a localidade em que se deu o fato criminoso.

Em alguns casos, porém, as regras serão insuficientes para delimitar o juízo competente para julgar a ação penal. Quando, por exemplo, se tratar de crimes ocorridos na divisa de duas ou mais jurisdições ou de crimes continuados ou permanentes, a existência de mais de um juízo competente é inexorável. Nestes casos, o que definirá a competência penal será a precedência de um juízo, com relação aos demais, na tomada de alguma decisão referente ao caso (como, por exemplo, o decreto de medida de natureza cautelar). Trata-se da competência por prevenção, que constitui regra subsidiária de definição do juiz competente.

Sobre a competência por prevenção, é imperativo que se discuta sobre os problemas que recaem sobre ela, sobretudo do ponto de vista cognitivo do juiz. Nesta perspectiva, a comunidade científica investiga se este juiz, que toma alguma decisão na fase investigatória, se vincula cognitivamente ao que ele decidiu, prejudicando sua isenção (imparcialidade) para, ao final do processo, condenar ou não um réu. Sobre esta questão, que está relacionada ao estado de desconforto emocional chamado de “dissonância cognitiva”, essa produção acadêmica também se debruçará.

Ademais, há que se tratar sobre o instituto do “juiz de garantias”, que já fora objeto de várias proposições legislativas, e, finalmente, foi integrado ao ordenamento jurídico brasileiro, na esteira da aprovação do “Pacote Anticrime” (Lei 13.964/2019) (este último, de autoria do então Ministro da Justiça, Sérgio Moro). No texto original da Lei, o juiz de garantias não era uma previsão. No entanto, quando do trâmite do Projeto de Lei no Congresso Nacional, o referido instituto foi inserido, a despeito da contrariedade externada pelo idealizador do Pacote, Sérgio Moro, que, dentre outros argumentos, alegou que a implementação do juiz de garantias corroboraria a impunidade.

Por ora, é importante introduzir a noção de que o instituto foi idealizado como sendo uma solução para a contaminação do juiz participante da fase de investigação, tendo em vista que, a partir da implementação do juiz de garantias, dois juízes participariam do processo de imputação penal: um na fase investigatória (pré-processual); o outro, na fase processual. O instituto será apresentado como mecanismo para contornar a inevitável dissonância cognitiva dos julgadores, e, mais do que isso, como uma forma de aprimorar a atividade jurisdicional, de forma que os jurisdicionados possam, enfim, confiar que terão um julgamento imparcial, feito por um juiz sem as amarras da contaminação prévia.


2.Da Jurisdição.

A separação dos poderes, tal como se concebe hoje, passados séculos do lançamento de suas bases (o qual foi feito essencialmente na obra de Montesquieu, “O Espírito das Leis”, escrita em 1748), é considerada um dos pilares de um regime democrático. A ideia preconizada por Montesquieu passa, em suma, pela separação dos poderes em três diferentes frentes: Legislativo, Executivo e Judiciário. 

Quanto ao Poder Judiciário, sua consolidação foi de suma importância, uma vez que, consoante observado por André Machado Maya (2008, p. 4921), antes da separação dos poderes nos moldes montesquianos, a jurisdição, que se trata do poder de julgar do Estado (sendo uma verdadeira manifestação da soberania deste), era exercida por particulares, o que, evidentemente, tornava incipiente a proteção dos direitos individuais de cada um. Destarte, era flagrante a necessidade de um juiz autônomo com relação aos demais poderes e, mais do que isso, alheio às partes envolvidas nos conflitos a serem solucionados.

A jurisdição é definida, comumente, como o “poder-dever de dizer o direito no caso concreto”. Trata-se de conceito oriundo da tradicional doutrina civilista. A jurisdição penal (sobre a qual recai a presente pesquisa) é, para AURY LOPES JR. (2020, p. 211), mais do que o referido conceito abrange. Para o processualista, “a jurisdição é uma garantia” e o “poder- dever” tem como inerente a função de garantidor de direitos. Nessa esteira, é assertivo dizer que a jurisdição é instrumento para a efetiva realização das garantias constitucionais.

O supracitado conceito de jurisdição, que preconiza a necessidade de se garantir a eficácia da garantia dos direitos fundamentais dos jurisdicionados, deve observar certos princípios para que se logre o objetivo traçado. Afinal, pensar em garantia de direitos, sem que se fale no princípio da imparcialidade do juiz, seria absolutamente inócuo, tendo em vista que, por exemplo, um juiz contaminado por preconcepções não teria condições cognitivas de proferir uma sentença atinente à realidade processual que deveria norteá-lo.

Recorrendo a outro exemplo para se ratificar a imprescindibilidade do embasamento principiológico que deve ter a jurisdição penal, um juiz que pudesse atuar livremente, sem que fosse provocado, tenderia a perseguir tese (normalmente de cunho acusatório) que ele formulará anteriormente, isto é, haveria uma busca seletiva de informações para que se lograsse a manutenção da coerência entre opinião e conhecimento (SCHÜNEMANN, 2012, p. 35). Desse cenário, infere-se a necessidade de estrita observância do princípio da inércia, sobre o qual, assim como com relação ao da imparcialidade, esta pesquisa se debruçará com maior profundidade.

2.1Dos Princípios da Jurisdição.

Na esteira do que foi colocado acerca da jurisdição, é importante aprofundar-se em seus princípios. Como bem coloca AURY LOPES JR., apenas ter uma jurisdição não basta, isto é, a existência de um juiz para dizer o direito no caso concreto é insuficiente. Segundo o autor, é necessário que o magistrado “reúna algumas qualidades mínimas, para estar apto a desempenhar seu papel de garantidor” (2021, p. 23).

A imparcialidade do julgador é uma das “qualidades mínimas” que um juiz deve possuir. Para se garantir a imparcialidade do juiz, é preciso que a este se estabeleça algumas garantias, como a independência, que, segundo Luigi Ferrajoli (2002, p. 464), se trata da exterioridade do juízo com relação ao sistema político e em geral a todo sistema de poderes (isto é, os magistrados, no exercício da jurisdição, devem estar blindados de ingerências que possam viciar seu julgamento), e é instrumentalizada por certas garantias preconizadas na Constituição Federal, como as de inamovibilidade, vitaliciedade e a de irredutibilidade de subsídios (dispostas no art. 95 da Carta Magna). É evidente que a imparcialidade só será possível se o juiz for independente e, assim, não precisar ceder a pressões oriundas de membros de outros poderes ou do próprio Poder Judiciário.

Além da necessidade de independência da jurisdição, não é razoável se falar em imparcialidade em um sistema em que o juiz acumula as funções de acusar e julgar. Quando há acúmulo de funções, o juiz, inevitavelmente, formula suas teses acerca do caso e quando ouve a outra parte (a da defesa), acaba subestimando-a ou até desconsiderando-a. Augusto Jobim do Amaral (2014, p. 171) sintetiza com maestria essa problemática: “o decisor antecipa o juízo, ao menos em alguma medida, e qualquer “afeto” (tanto no sentido mais superficial de ser tocado, quanto na qualidade mesma profunda de estima) pelo contraditório é perdido por traição − assassinado antes mesmo de se realizar. Contraditório abortado, natimorto”.

Destarte, um processo penal sem que haja a presença de três diferentes sujeitos (juiz, acusador e réu), cada qual incumbido de uma única função, fulmina qualquer esboço de uma jurisdição imparcial. AMARAL (2014, p. 183) ainda ressalta que, para se garantir a imparcialidade do juiz, mais do que a simples separação das funções de acusar e julgar, premissa básica de um sistema acusatório, deve haver o alheamento do juiz da atividade investigatória ou instrutória, tema que será aprofundado neste trabalho posteriormente.

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Há, hodiernamente, uma divisão da imparcialidade em objetiva e subjetiva. Esta diz respeito à convicção pessoal do juiz, que não pode ter pré-juízos formados (LOPES, 2021, p. 25). Evidentemente, é uma tarefa complexa aferir a imparcialidade no íntimo da convicção de um magistrado, mas, quando, por exemplo, este tiver manifestado publicamente sua opinião sobre os fatos a serem apurados ou sobre as pessoas envolvidas, pode-se afirmar que resta prejudicada a imparcialidade subjetiva (RITTER, 2016, p. 61). Quanto à imparcialidade objetiva, ela diz respeito à aparência de imparcialidade que o juiz demonstra. Se na conjuntura na qual estiver inserido o juiz há garantias o suficiente para se dissipar qualquer dúvida acerca da imparcialidade do magistrado, resta configurada a imparcialidade objetiva (LOPES, 2021, p. 26). Portanto, não basta que, subjetivamente, o julgador esteja isento de preconcepções; é preciso que o juiz aparente ser imparcial.

Outro princípio que norteia a jurisdição penal, e que decorre do princípio da imparcialidade, é o da inércia. Segundo reza este princípio, o poder jurisdicional não pode ser exercido caso não tenha havido sua provocação prévia. Sendo assim, o julgador não está apto a agir de ofício, dando início a um processo acerca de uma causa sobre a qual ele não foi chamado a atuar (LOPES, 2021, p. 113). Aplicando o princípio ao sistema processual penal brasileiro, a jurisdição só pode atuar quando o Ministério Público externar sua pretensão acusatória (nos casos de ação pública) ou quando o particular oferece queixa-crime (nos casos em que a ação é de iniciativa privada) (LOPES, 2021, p. 113). Antes destas iniciativas por parte daqueles incumbidos de acusar, ao Judiciário cabe a estagnação, isto é, a inércia.

Quando a Constituição Federal dispõe, em seu art. 5º, LIII, que ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente, ela consagra o princípio do juiz natural (AVENA, 2020, p. 32). Segundo esse princípio, todo cidadão tem direito de saber quem irá processá-lo, assim como tem direito de saber, de antemão, quem será juiz ou quem serão juízes que irão julgá-lo caso ele venha a delinquir e precise se submeter à jurisdição penal (LOPES, 2021, p. 114). No momento em que uma pessoa comete um crime, a ela já estava designado o órgão jurisdicional competente para julgá-la. Caso assim não fosse, poderia acontecer, por exemplo, a designação de um juiz para atuar especialmente em determinado caso, levando-se em conta a identidade da pessoa do acusado (AVENA, 2020, p. 32), o que, de forma flagrante, geraria insegurança para os jurisdicionados, que não teriam a garantia de imparcialidade.

2.2Das Regras de Competência Processual Penal.

A jurisdição, enquanto forma de expressão da soberania estatal, é una, o que não impede que o poder jurisdicional seja objeto de repartição de competências a fim de se melhor operacionalizar a administração da Justiça (PACELLI, 2020, p. 152). A jurisdição penal é, inclusive, uma das “parcelas” da jurisdição, sendo ela encarregada e especializada em matéria criminal (PACELLI, 2020, p. 153). Dentro da jurisdição penal, também são repartidas competências, segundo alguns critérios. Os critérios principais de fixação de competência são os que dizem respeito à competência em razão da pessoa (ratione personae), à competência em razão da matéria (ratione materiae) e, por fim, os que dizem respeito à competência em razão do lugar (ratione loci). A seguir, devido à importância da fixação da competência para a garantia do juiz natural, serão explicados os retrocitados critérios principais.

A competência em razão da pessoa é aquela que se refere à condição “funcional ou a qualidade das pessoas acusadas” (AVENA, 2020, p. 701). A depender da pessoa que supostamente cometeu delitos, a ação penal tramitará em juízo singular ou em tribunal. O foro especial por prerrogativa de função, que tem como razão de existência a asseguração da independência e do livre exercício de determinados cargos e funções, é um critério de fixação de competência ratio personae. Por exemplo, se um governador de Unidade da Federação comete um crime relacionado ao cargo, ele há de ser julgado originariamente no Superior Tribunal de Justiça, consoante determina o art. 105, I, ‘a’, da Constituição Federal.

A competência em razão da matéria, por sua vez, tem como critério a natureza dos fatos incriminados. Portanto, a depender do fato delituoso supostamente praticado pelo acusado, a ação penal tramitará em uma das Justiças, quais sejam: a Justiça especial militar, a Justiça especial eleitoral, a Justiça comum federal ou a Justiça comum estadual (AVENA, 2020, p. 701).

Por fim, a competência em razão do local é aquela concernente ao lugar em que ocorreu a infração penal. É a partir desse critério que se define qual é o foro competente para processar e julgar o acusado. O foro na Justiça Militar é representado pelos Conselhos de Justiça; na Justiça Eleitoral, são as Zonas; na Justiça Federal, as Seções/Subseções Judiciárias; e, na Justiça Estadual, as Comarcas (AVENA, 2020, p. 701).

Quanto aos dois primeiros critérios (competência ratio personae e competência ratio materiae), a doutrina majoritária (que conta com nomes como os de Norberto Avena e Eugênio Pacelli) os coloca como sendo absolutos para se fixar a competência, enquanto o critério da competência ratio loci seria relativo. Aury Lopes Jr. (2021, p. 115), se posicionando ao lado da minoria, afirma, com veemência, que “a eficácia da garantia do juiz natural não permite que se relativize a competência em razão do lugar”. Destarte, para o grande processualista, a competência ratio loci é, também, absoluta.

2.3 Da Competência por Prevenção.

A competência por prevenção constitui critério subsidiário de definição de competência, isto é, deve ser adotada quando, por alguma razão, os demais critérios não puderem ser aplicados ao caso (PACELLI, 2021, p. 225). 

A competência por prevenção, prevista no art. 70, §3º do CPP demonstra que sempre que for incerto o limite territorial entre duas jurisdições, ou mesmo quando houver incerteza em relação a jurisdição por motivo da infração ter sido tentada ou consumada nas divisas de duas ou mais jurisdições, valer-se-á da prevenção. (NUCCI, 2021, p. 349)

Essa previsão é aplicada, por exemplo, quando há desconhecimento sobre o local da infração, não podendo a competência territorial ser aplicada (PACELLI, 2021, p. 225). Para ilustrar a presente afirmação, quando for desconhecido o local da infração, existe a possibilidade de que o acusado possua várias residências ou domicílios, que não possua nenhuma ou que não se saiba o seu paradeiro, tornando impossível a aplicação do critério do domicílio ou residência (PACELLI, 2021, p. 225). Aplicar-se-á, nestes casos, de forma subsidiária, a regra da prevenção.

Esta regra também pode ser utilizada em casos de delitos que se enquadrem em crime continuado e delito permanente, conforme previsto no art. 71 do CPP. Este tipo de delito ocorre quando o agente comete duas ou mais ações ou omissões e provocam dois ou mais resultados e que, em decorrência de circunstâncias estabelecidas em lei, a conduta seguinte é considerada uma derivação (continuação) da primeira. Neste exemplo, os crimes podem atingir o território de mais de uma jurisdição, sendo então necessário utilizar-se do instituto. (NUCCI, 2021, p. 351).

Verifica-se que, se houver dois ou mais juízes igualmente competentes, a competência será conferida aquele que agir primeiro, isto é, aquele que for pioneiro na edição de ato de conteúdo decisório ou de medida a este relativa, de acordo com o art. 83 do Código de Processo Penal (PACELLI, 2021, p 226). Infere-se da leitura do art. 83, em especial do trecho, “um deles tiver antecedido aos outros na prática de algum ato do processo ou de medida a este relativa, ainda que anterior ao oferecimento da denúncia ou da queixa”, que o legislador menciona a fase pré processual e a processual propriamente dita, de maneira que o instituto pode ser invocado nas duas fases de persecução penal (PACELLI, 2021, p 226). Contudo, o legislador, no art. 83, não deixou de forma expressa o que este quis dizer com “ato do processo ou de medida a este relativa”, fazendo-se necessário esforço interpretativo.

Assim, no decorrer dos referidos procedimentos administrativos, pode surgir a necessidade de restrição de direito individual, como se dá no exemplo da prisão em flagrante. Diante deste cenário, faz-se necessário o controle de legalidade do ato, devendo a apreciação da necessidade de manutenção da medida restritiva ser do Judiciário. Como resultado da jurisdição garantida pelo Poder Público ao Judiciário, a prisão realizada guarda relação com a instrumentalidade do processo e regular atuação jurisdicional (PACELLI, 2021, p. 226). Sendo assim, a liberdade provisória, seja ela com ou sem fiança, ou o relaxamento da prisão em flagrante, serão considerados como conteúdos decisórios e serão utilizados como critério determinante para a prevenção do juízo (PACELLI, 2021, p. 226).

Tendo em vista que o modelo processual brasileiro é influenciado pelo princípio acusatório, em que a observância das regras de competência é de rigor para que seja preservada a imparcialidade do magistrado, a competência por prevenção pode receber críticas pela antecipação no conhecimento de questões fundamentais do processo, as quais o influenciam desde o primeiro momento, de maneira a decidir de uma determinada forma quando do momento decisório (PACELLI, 2021, p. 227).

Com o intuito de dirimir a questão mencionada, surgiu, com o Projeto de Lei de nº 8.045, o instituto do juiz de garantias, que será tratado em momento oportuno, como possível solução para a distorção gerada pelo critério da competência por prevenção.

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Sobre os autores
Luiza dos Santos Nicetto

Advogada, graduada em Direito pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e pós graduada em Direito e Processo Penal pela FADEG. Atualmente, atuando como Paralegal.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

NICETTO, Luiza Santos ; RECCO, Isabella Beatriz Benetasso et al. Dissonância cognitiva e o juiz de garantias. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 27, n. 7097, 6 dez. 2022. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101274. Acesso em: 22 dez. 2024.

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