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Exposição ou abandono de recém-nascido:

limites da dogmática penal

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11/07/2007 às 00:00
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3. Visão crítico-metodológica.

Relembro as principais divergências, que até hoje persistem, em pleno século 21: sujeito ativo (pai e mãe; ou somente a mãe); conceito legal de recém-nascido; exigência ou não do dolo direto; atipicidade da exposição ou abandono praticado sob influência do estado puerperal, logo após o parto; formas qualificadas do delito.

Como resolver o enigma, haja vista o princípio constitucional do nullum crimen, nulla poena sine lege?

Tarefa impossível e, não raro, desnecessária. As conquistas ou novidades da dogmática jurídico-penal ainda se mostram incapazes de solucionar a contento as mais diversas e comezinhas questões suscitadas pela legislação. Títulos acadêmicos, experiência profissional, vasta cultura, que se sabe existirem no foro, nos tribunais, nas academias, não bastaram e não bastam para o discutível mister de apaziguamento dos espíritos, em termos de homogênea indicação do direito aplicável.

Com efeito, dentre outros fatores, a vagueza e ambigüidade das palavras da lei; a imprecisão conceitual das teorias hermenêuticas; as divisões ideológicas do grupo social; as inevitáveis subjetividades no processo de apreensão dos fatos; a lógica jurídica de busca das premissas e o relativo grau de vontade e liberdade opinativa ou decisória continuam conspirando contra qualquer expectativa de padronização dogmática.

Sendo assim, o importante, numa posição crítico-metodológica, não é apontar a saída, a resposta correta, adequada. O importante é simplesmente observar e analisar a realidade, procurar compreendê-la e, de alguma forma, sem fugir do debate, sublinhar a figura do intérprete no processo histórico de construção artesanal do direito.

O direito se define como fato normativo essencialmente contraditório, de caráter histórico-sociológico, identificado através da interação de várias fontes – lei, ideologia e intérprete, por exemplo – com raízes ou pressupostos no efetivo exercício da força, poder, vontade e liberdade.

A exigência de um intérprete acaba acarretando, na prática, a intromissão de valores ou concepções subjetivas aportadas ao próprio objeto: a lei. O direito passa a existir no contexto dessa fusão de vontades e conceitos aparentemente eqüidistantes e, todavia, interdependentes. A forma e o conteúdo das leis se alteram em função da estrutura social, liberdade de ação e sensibilidade do operador jurídico.

É o que se percebe através do estudo do crime de exposição ou abandono de recém-nascido. Mas as divergências, como é óbvio, não se reduzem a essa figura delituosa. Elas se repetem indefinidamente, qualquer que seja o crime, sempre submetido ao crivo e interferência do intérprete, com suas manias, gostos e preferências; com suas intuições; com sua personalidade; com sua consciência crítica.

Não há, portanto, solução para o impasse. Só os que têm obsessão dogmática é que acreditam ou parecem acreditar na mudança para melhor de um direito penal assentado nas contínuas "descobertas" de teorias e segredos a caminho, quem sabe, do ostracismo, tal como já ocorreu e vem ocorrendo com teorias e segredos ainda ontem apontados como perenes, irrepreensíveis, irrefutáveis.


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Sobre o autor
João José Caldeira Bastos

professor de Direito Penal da Escola Superior da Magistratura do Estado de Santa Catarina, professor de Direito Penal (aposentado) da Universidade Federal de Santa Catarina

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BASTOS, João José Caldeira. Exposição ou abandono de recém-nascido:: limites da dogmática penal. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10129. Acesso em: 28 abr. 2024.

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