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Simples nacional e a vedação a transferência de créditos

11/07/2007 às 00:00
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Como se sabe, em dezembro de 2006 foi editada a Lei Complementar nº 123, que instituiu o "Estatuto Nacional da Microempresa e Empresa de Pequeno Porte", criando um novo regime tributário aplicável às microempresas e empresas de pequeno porte. Trata-se do Simples Nacional, apelidado de "Supersimples".

Muito se tem falado sobre o fato de que o novo regime de tributação não é verdadeiramente "simples". E, realmente, não parece ser simples ao pequeno empresário descobrir qual o valor mensal que deve recolher caso opte pelo novo regime. Afinal, são dezenas de tabelas de alíquotas (previstas na Resolução nº 05 do Comitê Gestor), em alguns casos é preciso calcular a "relação ‘r’" prevista no Anexo V (atento à ilegalidade da mencionada resolução nº 05, ao afirmar que a folha de salários corresponde à somatória dos "salários-de-contribuição" e não ao "montante pago" a título de salários como diz a lei), há casos em que a contribuição previdenciária não estará incluída no regime, em outros casos o ICMS é que deverá ser recolhido em separado, enfim, há inúmeros fatores a se considerar para calcular-se o valor a ser pago mensalmente.

Antes de optar pelo Simples Nacional, porém, o micro e pequeno empresário deve estar atento não apenas para o valor que terá de recolher ao final do mês, mas deve considerar, igualmente, que a opção pelo regime poderá ter reflexos perante seus clientes caso se trate de fornecedor de produtos e/ou serviços para médias e grandes empresas. Isso porque a lei proíbe a transferência de créditos relativos a impostos e contribuições abrangidos pelo regime. Explica-se.

O artigo 23 da Lei Complementar nº 123/2006 diz:

"Art. 23. As microempresas e empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional" (grifo nosso)

Salvo algumas exceções previstas na própria Lei Complementar nº 123/2006 (art. 13, §1º, XIII), a regra é que o Simples Nacional abrange o pagamento do ICMS devido pelo empresário optante do regime (art. 13, VII, da LC 123/06).

Embora aparentemente simplifique o dia-a-dia do pequeno empresário ao permitir o recolhimento do ICMS junto com os demais tributos federais (e, por isso, é louvável a iniciativa do legislador), é inegável que a Lei Complementar acabou por alterar a base de cálculo do ICMS, que, no caso do optante do Simples Nacional, deixará de ser o valor da venda da mercadoria e passará a ser o valor da receita bruta. Questionável essa mudança, eis que há alteração da hipótese de incidência do tributo (lembrando que a base de cálculo pode infirmar a hipótese), de modo que o ICMS, a partir da lei, incidirá sobre a receita bruta e não mais sobre a operação de venda como prevê a Constituição.

Independente dessa questão, o fato é que se a empresa optante do Supersimples for fornecedora de mercadorias para outra empresa (não optante), não poderá haver transferência de créditos relativos ao ICMS. Da forma como está redigida a lei, aparentemente a cobrança do ICMS será cumulativa, não se permitindo que o adquirente de produto vendido por empresa optante do Simples compense o valor do ICMS devido na operação anterior.

A Receita Federal disponibiliza na Internet um arquivo contendo respostas a "Perguntas Mais Freqüentes – Simples Nacional" [01], onde responde à questão "O imposto pago a título de ICMS dará direito ao crédito ao adquirente?" da seguinte forma:

"R: Não. A Lei Complementar veda qualquer crédito de empresas enquadradas no Simples Nacional. De acordo com o Art. 23 da LC 123/06, ‘as microempresas e as empresas de pequeno porte optantes pelo Simples Nacional não farão jus à apropriação nem transferirão créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional’."

No que se refere ao ICMS, essa interpretação implica ofensa direta à regra veiculada pelo artigo 155, §2º, I, da Constituição, que estabelece a conhecida não-cumulatividade do ICMS. Afinal, se o optante do Simples Nacional deve efetuar o pagamento do ICMS (ainda que calculado sobre a receita bruta e não sobre o valor da mercadoria), parece inegável que está sendo cobrado o tributo na operação.

Assim, o adquirente dessa mercadoria tem o direito – assegurado na Constituição – de creditar-se do imposto que foi cobrado na operação anterior, pouco importando, aqui, se a cobrança foi feita com base no valor da mercadoria ou na receita bruta.

A inconstitucionalidade desse artigo 23 pela ofensa aos princípios constitucionais da não-cumulatividade e da seletividade do ICMS já foi argüida perante o Supremo Tribunal Federal por meio de Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada pela Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (ADI 3906). Entretanto, a petição inicial foi indeferida pelo Ministro Sepúlveda Pertence (por falta de legitimidade e pertinência temática), de modo que ainda não houve pronunciamento judicial a respeito dessa inconstitucionalidade.

Outra conseqüência advinda do artigo 23 da Lei Complementar nº 123 refere-se ao possível entendimento de que também estará vedada a apropriação de crédito relativo a PIS e COFINS pelo adquirente de produtos e serviços de empresas optantes pelo Simples Nacional.

As empresas tributadas pelo lucro real e que recolhem PIS e COFINS pela sistemática não cumulativa podem "descontar créditos" relativamente a aquisição de bens e serviços utilizados como insumos, crédito esse calculado à alíquota de 1,65% e 7,6% (como regra geral), ainda que o fornecedor seja tributado com base no lucro presumido (sujeito à sistemática cumulativa dessas contribuições, calculadas com alíquotas menores) ou mesmo optante pelo (antigo) Simples Federal (salvo no caso de operações de arrendamento mercantil).

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A redação do artigo 23 da Lei Complementar nº 123/06, todavia, pode levar à conclusão de que o fornecimento de produtos e serviços por empresas optantes pelo Simples Nacional não dará direito a créditos de PIS e COFINS aos adquirentes sujeitos à sistemática não cumulativa daquelas contribuições. Afinal, se restou vedada a transferência de créditos pelos optantes do Simples Nacional, os adquirentes de produtos e serviços não poderiam se creditar dessas contribuições.

É sustentável a tese de que o artigo 23 da Lei Complementar nº 123/06 não se aplica às contribuições sociais do PIS e da COFINS, muito embora a lei se refira às "contribuições abrangidas pelo Simples Nacional".

Isso porque, a rigor, a não-cumulatividade do PIS e COFINS não implica "transferência" de créditos. O adquirente "desconta créditos" calculados em relação de aos produtos e serviços adquiridos, independentemente do valor das contribuições pagas ou cobradas dos fornecedores. Ainda que o fornecedor seja tributado com base no lucro presumido (e, portanto, recolhe PIS e COFINS à base de 3,65%), o adquirente pode "descontar créditos" calculados à razão de 9,25%. Se o valor do crédito a ser descontado pelo adquirente não guarda relação com o valor devido pelo fornecedor, não se pode falar, em última análise, em "transferência" de crédito (a propósito, veja-se trabalho publicado por Juliana O. Ono na página da Internet da Fiscosoft em 05.07.2007). A diferença entre "transferência" e "apropriação" do crédito também já foi apontada, ainda que brevemente, por Marcelo Henrique da Silva, em trabalho publicado pelo site Jus Navegandi (texto inserido em 29.06.2007).

De todo modo, é inegável que se realmente entender-se pela constitucionalidade do artigo 23 da Lei Complementar nº 123/06 e pela sua aplicação em relação a PIS e COFINS, as empresas optantes pelo Simples Nacional enfrentarão problemas junto a seus clientes caso sejam fornecedoras de produtos e serviços para médias ou grandes empresas, máxime para aquelas tributadas pelo lucro real e que recolhem as contribuições pela sistemática da não-cumulatividade.

Sem qualquer pretensão de esgotar o tema, conclui-se, pois, que o Simples Nacional, além de afetar diretamente o valor dos tributos a serem recolhidos pelos micro e pequenos empresários, também pode afetar suas relações comerciais, na medida em que seus clientes podem vir a exigir descontos (por vezes impossíveis de serem conferidos pelos pequenos empresários) ou simplesmente mudar de fornecedores. Trata-se de situação que deve ser analisada com cuidado pelo empresário antes de formalizar a opção pelo Simples Nacional.


Notas

01 http://www.fazenda.df.gov.br/arquivos/Word/pmf_super_simples.doc, versão atualizada até 05.07.2007

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Sobre o autor
Eduardo Munhoz da Cunha

Advogado em Curitiba (PR). Sócio do Escritório Katzwinkel & Advogados Associados. Especialista em Direito Tributário pelo PUC/SP.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CUNHA, Eduardo Munhoz. Simples nacional e a vedação a transferência de créditos. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1470, 11 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10137. Acesso em: 26 abr. 2024.

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