4. PROPOSITURA, FIXAÇÃO E EXTINÇÃO DOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
O direito aos alimentos tem características importantes a se considerar, pois é: personalíssimo, intransferível, impenhorável, incompensável, imprescritível, não transacionável, irrepetível e irrenunciável. Nesse sentido, o autor em uma propositura de ação de alimentos, é o alimentando e, quando este for menor, deverá ser representado por sua genitora. Seguindo esse mesmo raciocínio, em uma ação de alimentos gravídicos, a gestante tem a legitimidade para propor a ação.
O art. 3º da Lei 11.804/2008, que acabou sendo revogado, indicava para fins de ingresso com a referida ação de alimentos gravídicos, o foro do domicílio do devedor, como sendo o competente. Porém, houve veto desse dispositivo, porque, a regra estaria indo de encontro com o disposto no Código de processo civil, que estabelece como foro competente para a ação de alimentos, o do domicílio do credor.
Com relação a fixação dos alimentos gravídicos, o magistrado levará em consideração as despesas da gestante para arcar com os gastos decorrentes da gravidez e os custos que dela possam decorrer. Geralmente, o valor fixado tem uma variação entre 5% e 30%, ou 1/3 dos rendimentos do genitor.
Contudo, nem sempre essa estimativa do percentual é levada em consideração, visto que o magistrado não precisa ficar vinculado à essas estimativas, possuindo autonomia para analisar cada caso concreto. Nesse interim, o juízo pode avaliar a necessidade da gestante, a possibilidade do pai e a proporcionalidade entre ambos, para que assim possa decidir, conforme seu livre convencimento.
Já que os alimentos são concedidos apenas com a demonstração de indícios da paternidade, surge um questionamento: o magistrado fixa os alimentos, mesmo quando não houve um relacionamento afetivo entre a gestante e o suposto pai? A resposta é sim, pois até mesmo um envolvimento momentâneo pode acarretar uma gravidez e, o cerne da questão é a proteção a vida e aos direitos do nascituro, conforme posicionamento de Ana Maria Gonçalves Louzada (2010, p. 40):
Uma vez que a experiência forense tem nos mostrado que na imensa maioria dos casos, em quase sua totalidade, as ações investigatórias de paternidade são julgadas procedentes, não se mostrando temerária, a fixação dos alimentos gravídicos sem provas (até porque a lei não exige). Elege-se a proteção da vida em detrimento do patrimônio.
Diante do exposto, fica claro que a maior preocupação do legislador em relação à fixação dos alimentos gravídicos está diretamente ligada à qualidade do desenvolvimento do nascituro. Até porque, o simples fato de o juiz determinar os alimentos sem ter a confirmação de que o possível genitor seria efetivamente o pai do nascituro, podendo causar prejuízos ao patrimônio desse suposto pai, já evidencia esse posicionamento.
Após fixados, os alimentos gravídicos podem ser extintos em três possibilidades: 1) em caso de interrupção da gravidez; 2) com o nascimento da criança, passando a ser convertido em pensão alimentícia; 3) quando há a negativa de paternidade. As duas primeiras possibilidades são naturais, mas a terceira possibilidade carrega consigo certa polêmica.
Como sabe-se, o juiz precisa apenas de indícios de paternidade para concessão do direito aos alimentos e o suposto pai fica condicionado desde então a cumprir com tais obrigações. Em sua defesa, o réu pode trazer alegações, tais como: realização cirúrgica de vasectomia, atestado de esterilidade ou impotência sexual, comprovação de que as relações aconteceram em período diverso ao da concepção, ou quando há dúvidas sobre a paternidade porque a genitora possuía uma pluralidade de parceiros sexuais.
Logo, com a ventilação desses fatos contrários e, restando dúvidas ao magistrado sobre a paternidade, existe a possibilidade de uma improcedência nos pedidos autorais. Entretanto, mesmo nos casos em que o magistrado não tenha dúvidas dos indícios de paternidade e fixe os alimentos, a justiça não priva ao alimentante o direito de fazer posteriormente um teste para comprovar/negar sua paternidade, o que acontece na maioria dos casos.
Diante do exposto, nos deparamos com a possibilidade de o teste de DNA negar a existência de paternidade, mesmo após meses de cumprimento da prestação alimentar, nesse caso a obrigação viria a ser extinta. Contudo, é importante levar em consideração o tempo em que o réu cumpriu com uma determinação judicial, por algo que não possuía responsabilidade real e os transtornos que porventura acarretaram essa situação.
5. IRREPETIBILIDADE DOS ALIMENTOS E OS REFLEXOS NOS ALIMENTOS GRAVÍDICOS
Há em nosso ordenamento jurídico a regra da irrepetibilidade dos alimentos, ou seja, mesmo nos casos em que houver a prestação dos alimentos de forma equivocada, o alimentante não tem a possibilidade de ter os valores restituídos, já que aqueles não visam o enriquecimento do alimentando e sim sua subsistência.
Todavia, para melhor ilustração, deve-se imaginar um caso em que o magistrado condene um suposto pai a prestação de alimentos gravídicos com base nos indícios de paternidade e, por haver dúvidas acerca dessa filiação o provável genitor move uma ação declaratória de paternidade, seguida por perícia através do exame de DNA, que comprova que de fato o devedor não é o pai biológico do credor. Nessa hipótese, o "suposto pai que se sentir lesado poderá reclamar a devolução dos valores já pagos? E em relação a genitora, é cabível ação de indenização moral e material?
A resposta a ambos os questionamentos é negativa, visto que os alimentos não são repetíveis e, de outra forma, prejudicaria a liberdade de exercer o direito de agir. Foi com esse entendimento que a Lei 11.804/2008 (Lei de alimentos gravídicos), teve seu Art. 10. vetado, porque foi percebido como norma intimidadora, que criaria a presunção de responsabilidade objetiva, pelo simples fato de uma ação ser movida e não lograr êxito.
Veja-se o disposto no referido artigo já vetado.
Art. 10. - Em caso de resultado negativo do exame pericial de paternidade, o autor responderá, objetivamente, pelos danos materiais e morais causados ao Réu.
O referido dispositivo passa a ideia de que o mero exercício do direito de ação pode causar danos a terceiros e, impõe ao autor a obrigação de ressarcir, independentemente de culpa, o que viola o livre exercício do direito de ação.
Entretanto, como para toda regra há uma exceção, nesse caso não seria diferente, uma vez que um alimentante, que após prestar alimentos por meses, comprova por fim que não é de fato o pai do alimentando, poderá buscar a restituição dos valores pagos, seja da mãe e/ou do verdadeiro pai, desde que certos requisitos sejam cumpridos.
Vejamos o que diz o seguinte entendimento jurisprudencial nesse sentido:
ALIMENTOS. REPETIÇÃO DE INDÉBITO. INDUÇÃO EM ERRO. Inexistência de filiação declarada em sentença. Enriquecimento sem causa do menor inocorrente. Pretensão que deve ser deduzida contra a mãe ou contra o pai biológico, responsáveis pela manutenção do alimentário. Restituição por este não é devida. Aquele que fornece alimentos pensando erradamente que os devia pode exigir a restituição do seu valor do terceiro que realmente devia fornecê-los. (SÃO PAULO, TJ, Apelação 248/25 Luiz Antonio de Godoy. 1ª Câmara de Direito Privado. 24/01/2007).
Ainda com o mesmo entendimento, Arnold Wald (1981, p. 107), defende:
Admite-se a restituição dos alimentos quando quem os prestou não os devia, mas somente quando se fizer a prova de que cabia a terceiro a obrigação alimentar, pois o alimentado utilizando-se dos alimentos não teve nenhum enriquecimento ilícito. A norma adotada pelo nosso direito é destarte a seguinte: quem forneceu os alimentos pensando erradamente que os devia, pode exigir a restituição do valor dos mesmos do terceiro que realmente devia fornecê-los.
Ademais, evidencia-se que o possível genitor não fica de um todo desemparado, pois caso o alimentante se sinta lesado ao comprovar não ser o genitor, uma vez que efetuou erroneamente a prestação dos alimentos a filho que é de terceiro, há a possibilidade de ajuizamento de uma ação de indébito, que será direcionada ao verdadeiro genitor, podendo também a genitora figurar no polo passivo da demanda, caso essa possua condições financeiras.
Além disso, apesar do veto do artigo 10 da Lei 11.804/2008 anular a possibilidade de responsabilidade civil objetiva da gestante, o CC/2002 prevê nos moldes dos artigos 186, 187 e 927 a possibilidade de responsabilidade civil subjetiva.
6. RESPONSABILIDADE CIVIL OBJETIVA E SUBJETIVA
A responsabilidade civil é pressuposta de alguma atividade danosa de um indivíduo que ao agir a priori de forma ilícita, acaba por violar uma norma jurídica preexistente, de natureza legal ou contratual, ficando a partir desse evento subordinado a arcar com as consequências de seus atos, ou em outras palavras, obrigado a reparar. (STOLZE, 2019).
Nesse interim, tem-se a ideia de agressão a um interesse particular, onde o agressor, em caso de impossibilidade de repor o estado natural anterior das coisas, deverá arcar com uma compensação à vítima em pecúnia.
O ordenamento jurídico prevê duas possibilidades de responsabilidade civil, que são classificadas mediante análise de seus elementos, de forma que, culpa e dolo são elementos inerentes à responsabilidade subjetiva e tem como fundamento legal o artigo 186 do CC/2002, visto que a demonstração de culpa no resultado gerado é fator essencial para apuração dos danos sofridos e dos prejuízos causados a outrem. Por outro lado, a responsabilidade objetiva independe de culpa ou dolo, é fundada na teoria de que basta a existência de elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente, para que surja o dever de indenizar, possui previsão no parágrafo único do artigo 927 e no artigo 187, ambos do código civil de 2002.
Do ponto de vista afetivo, os relacionamentos temporários que gerem frutos, como no caso de uma gravidez, são enquadrados como relações de família. O entendimento aplicável é que nas ações de cunho indenizatório decorrentes desse tipo de relacionamento, devem ser utilizadas as regras gerais da responsabilidade civil subjetiva, em que é imprescindível o elemento de culpa do agente responsável pela infração.
Todavia, quando uma gestante, agindo de má-fé, alega falsamente a paternidade, viola o princípio da boa-fé objetiva e causa dano patrimonial ao indivíduo, uma vez que arca com as despesas da gravidez, além do dano moral, causando sofrimento a este indivíduo porque nos casos em que não há o cumprimento da obrigação de pagar, este pode acabar na prisão, passando então por constrangimento injustificado, uma vez que não é devedor da obrigação alimentar.
A forma encontrada pela legislação, com o intuito de atenuar as consequências supracitadas, é a possibilidade do indivíduo que teve seu bem jurídico ofendido, propor uma ação visando a reparação civil.
7. PROPOSITURA DA AÇÃO DE REPARAÇÃO CIVIL
O ponto crucial desse tema, é o fato de o juiz decidir sobre a prestação dos alimentos gravídicos, tendo por base apenas indícios da paternidade, o que poderá ensejar em insegurança jurídica, uma vez que, posteriormente há a possibilidade de verificar-se através do exame de DNA, que o réu no processo não é de fato o pai biológico do nascituro.
Ademais, o veto do artigo 10 da Lei de alimentos gravídicos, resguarda os direitos da gestante e do nascituro, uma vez que garante o livre acesso à justiça por parte da grávida, que não fica coagida devido uma possível responsabilização objetiva.
Entretanto, esse mesmo veto do artigo 10, coloca o possível genitor em situação de vulnerabilidade, o que implica dizer que, mesmo que a gestante ingresse com a ação de alimentos sabendo que o réu não é o pai de fato, ela terá direitos a receber os alimentos apenas apresentando indícios dessa paternidade. Todavia, o alimentante não será indenizado de forma objetiva pelos prejuízos sofridos em caso de negativa desse vínculo genético, só podendo ser indenizado pela esfera da responsabilização subjetiva, desde que ele comprove que a atitude da gestante foi culposa ou danosa.
A respeito do veto do referido artigo, Regina Beatriz Tavares da Silva (2011, s/p) dispõe:
No entanto, a solução existe, já que o veto ao artigo 10 foi realizado porque o artigo estabelecia a responsabilidade objetiva da autora da ação, o que lhe imporia o dever de indenizar independentemente da apuração da culpa e atentaria contra o livre exercício do direito de ação, mas permanece a aplicabilidade da regra geral da responsabilidade subjetiva, constante do artigo 186 do Código Civil, pela qual a autora pode responder pela indenização cabível desde que verificada a sua culpa, ou seja, desde que verificado que agiu com dolo (vontade deliberada de causar o prejuízo) ou culpa em sentido estrito (negligência ou imprudência) ao promover a ação.
Em linhas gerais, é possível falar em indenização no tema em questão, desde que ela ocorra tendo por base a responsabilidade civil subjetiva, pois a Lei de alimentos gravídicos aduziu que a responsabilização objetiva infringiria o importante preceito constitucional de acesso à justiça, uma vez que faria com que a gestante, por receios, não ajuizasse a ação que resguarda os direitos do nascituro.
A propositura de uma ação de indenização por negativa de paternidade possui previsão legal nos artigos 186 e 187 do código civil, ao aduzir que:
Art. 186. - Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Art. 187. - Também comete ato ilícito o titular de um direito que, ao exercê-lo, excede manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes.
Nesse mesmo interim, a Constituição Federal de 1988, também prevê a possibilidade de indenização, em seu artigo 5º, incisos V e X:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
V - é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem;
X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Nota-se que o tipo de indenização aqui exposta é com base na responsabilização subjetiva, caracteriza como ato ilícito, necessitando de comprovação por parte do agente ofendido, de forma veementemente, que a parte autora da ação de alimentos agiu de má-fé, com intuito de lesar de alguma forma o réu, sendo necessário evidenciar a conduta dolosa ou culposa da grávida.