3 - OS CONSELHOS PROFISSIONAIS NÃO INTEGRAM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA.
Não fossem suficientes os argumentos acima expostos, há que se destacar, ainda, que os conselhos profissionais não integram a estrutura da Administração Púbica. A regulamentação e fiscalização das atividades profissionais, no Brasil, vêm sendo desenvolvidas por entidades de caráter corporativo, com personalidade de direito público, que não fazem parte, de maneira direta, da estrutura burocrática estatal. E a justificativa para esse direcionamento consiste justamente na opção pela não submissão da disciplina das diversas profissões regulamentadas à interferência da Administração Pública, como forma de assegurar a liberdade de exercício profissional. Para as atividades profissionais de maior interesse social, a lei cria sistema de regulamentação do exercício da atividade, mas preserva a autonomia da classe, transferindo a aplicação dos ditames legais à própria categoria e não ao Estado.
Vários são os motivos que conduzem à conclusão de que essas entidades corporativas não integram a estrutura estatal. O primeiro deles é o próprio sistema de escolha dos dirigentes, haja vista o Estado não participar na definição dos membros que irão compor a direção desses organismos de fiscalização profissional. A escolha é, por definição legal, atribuída à própria categoria a ser regulada e deve recair, necessariamente, sobre seus membros. Ao contrário do que ocorre na Administração, o Estado (seja o Executivo, seja o Legislativo) não interfere na indicação dos dirigentes. Não existe, tampouco, mecanismo que permita à Administração centralizada destituí-los, o que demonstra a completa independência funcional em relação à Administração Pública.
Outro ponto que denota a exclusão dos órgãos de fiscalização profissional da Administração Pública diz respeito às receitas por eles auferidas. Os entes que compõem a Administração Pública podem contar com receitas autônomas que lhes sejam atribuídas especificamente pela lei de criação e, ainda, com destinação de recursos provindos das diversas fontes arrecadadoras do Estado, inclusive derivadas de impostos, exigindo-se, para tanto, apenas a existência de previsão na lei orçamentária. Para as entidades corporativas de fiscalização profissional, por outro lado, não há destinação de recursos de origem estatal. Essas entidades não dependem do orçamento público e suas receitas e despesas não são inseridas na lei orçamentária anual.
O terceiro ponto de grande relevo, já abordado neste escrito, diz respeito à necessidade de lei para a criação de postos de trabalho. Afinal, a Constituição impõe a necessidade de lei de iniciativa exclusiva do Chefe do Executivo para viabilizar a criação de cargos e empregos (art. 61, § 1.º, II, "a"), exigência em nenhum momento estendida às entidades de fiscalização profissional. Aliás, não seria razoável imaginar o Chefe do Executivo e o Legislativo deliberando sobre o número de postos de trabalho e a remuneração dos trabalhadores dessas corporações.
Todas estas assertivas demonstram que as entidades de fiscalização profissional não integram a Administração Pública. E, tendo como postulados que o Capítulo VII da Constituição Federal, em que se encontra inserida a exigência de Concurso Público para o ingresso nos cargos ou empregos públicos, trata especificamente desta, a única conclusão razoável é a de que o referido capítulo, em especial o inciso que trata da forma de ingresso ou investidura nos quadros de pessoal, não se aplica aos conselhos profissionais.
Ainda que, pela relevância das funções que desempenham, se identifiquem os conselhos de classe profissional como entidades de Direito Público, o art. 37 se destina especificamente à "administração pública direta ou indireta". Para a aplicação do referido dispositivo não importa saber se a entidade é de direito público ou de direito privado e sim ela é integrante da Administração Pública ou não. Em outras palavras, entidades com personalidade jurídica de direito público, desde que não sejam integrantes da Administração, não são obrigadas a realizar concurso público para a contratação de seu pessoal.
Esta conclusão, como já exaustivamente demonstrado no item anterior, não está adstrita aos trabalhos doutrinários. Muito pelo contrário, o entendimento antes indicado é acolhido também nos tribunais, e não é de hoje. Atentas a estas questões, as Varas [06] e Tribunais, tanto os Regionais do Trabalho [07] quanto os Regionais Federais [08], há muito vêm negando a alegada natureza pública dos Conselhos Profissionais, seja para não lhes reconhecer a prerrogativa da remessa necessária, seja para aplicar aos seus empregados as normas inerentes aos empregados comuns, inclusive no tocante a ausência de estabilidade.
Em 08 de junho de 2006, ao julgar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.026/DF, o Supremo Tribunal Federal, por exemplo, decidiu pela não aplicação à Ordem dos Advogados do Brasil – OAB do dever de realizar concurso público (Informativo STF nº 430). O acórdão em questão teve a sua ementa publicada em 29 de setembro de 2006 e se acha assim redigido:
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. § 1º DO ARTIGO 79 DA LEI N. 8.906, 2ª PARTE. "SERVIDORES" DA ORDEM DOS ADVOGADOS DO BRASIL. PRECEITO QUE POSSIBILITA A OPÇÃO PELO REGIME CELETISTA. COMPENSAÇÃO PELA ESCOLHA DO REGIME JURÍDICO NO MOMENTO DA APOSENTADORIA. INDENIZAÇÃO. IMPOSIÇÃO DOS DITAMES INERENTES À ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DIRETA E INDIRETA. CONCURSO PÚBLICO (ART. 37, II DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL). INEXIGÊNCIA DE CONCURSO PÚBLICO PARA A ADMISSÃO DOS CONTRATADOS PELA OAB. AUTARQUIAS ESPECIAIS E AGÊNCIAS. CARÁTER JURÍDICO DA OAB. ENTIDADE PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO INDEPENDENTE. CATEGORIA ÍMPAR NO ELENCO DAS PERSONALIDADES JURÍDICAS EXISTENTES NO DIREITO BRASILEIRO. AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA DA ENTIDADE. PRINCÍPIO DA MORALIDADE. VIOLAÇÃO DO ART. 37, CAPUT, DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. NÃO OCORRÊNCIA. 1. A Lei n. 8.906, artigo 79, §1º, possibilitou aos "servidores" da OAB, cujo regime outrora era estatutário, a opção pelo regime celetista. Compensação pela escolha: indenização a ser paga à época da aposentadoria. 2. Não procede a alegação de que a OAB sujeita-se aos ditames impostos à Administração Pública Direta e Indireta. 3. A OAB não é uma entidade da Administração Indireta da União. A Ordem é um serviço público independente, categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. 4. A OAB não está incluída na categoria na qual se inserem essas que se tem referido como "autarquias especiais" para pretender-se afirmar equivocada independência das hoje chamadas "agências". 5. Por não consubstanciar uma entidade da Administração Indireta, a OAB não está sujeita a controle da Administração, nem a qualquer das suas partes está vinculada. Essa não-vinculação é formal e materialmente necessária. 6. A OAB ocupa-se de atividades atinentes aos advogados, que exercem função constitucionalmente privilegiada, na medida em que são indispensáveis à administração da Justiça [artigo 133 da CB/88]. É entidade cuja finalidade é afeita a atribuições, interesses e seleção de advogados. Não há ordem de relação ou dependência entre a OAB e qualquer órgão público. 7. A Ordem dos Advogados do Brasil, cujas características são autonomia e independência, não pode ser tida como congênere dos demais órgãos de fiscalização profissional. A OAB não está voltada exclusivamente a finalidade corporativas. Possui finalidade institucional. 8. Embora decorra de determinação legal, o regime estatutário imposto aos empregados da OAB não é compatível com a entidade, que é autônoma e independente. 9. Improcede o pedido do requerente no sentido de que se dê interpretação conforme o artigo 37, inciso II, da Constituição do Brasil ao caput do artigo 79 da Lei n. 8.906, que determina a aplicação do regime trabalhista aos servidores da OAB. 10. incabível a exigência de concurso público para admissão dos contratados sob o regime trabalhista pela OAB. 11. Princípio da moralidade. Ética da legalidade e moralidade. Confinamento do princípio da moralidade ao âmbito da ética da legalidade, que não pode ser ultrapassada, sob pena de dissolução do próprio sistema. Desvio de poder ou de finalidade. 12. Julgo improcedente o pedido.
De tal precedente, extrai-se, mais uma vez, a conclusão de que não é possível exigir-se concurso público para contratação de empregados por toda e qualquer das entidades de fiscalização profissional. Observe-se que a decisão referida declara a Ordem dos Advogados uma categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito brasileiro. Afinal, se à OAB, que o legislador fez questão de, expressamente, excluir da Lei 9.649/98, ressaltando sua natureza autárquica, não se impõe a realização de concurso público, com muito mais razão não deve ser a providência exigida dos demais conselhos profissionais, os quais o legislador infraconstitucional tentou, sem sucesso é verdade, incluir no rol das pessoas jurídicas de direito privado. Ademais, como salienta Alcio Antônio Vieira:
Se for verdade que a Ordem dos Advogados do Brasil é
categoria ímpar no elenco das personalidades jurídicas existentes no direito
brasileiro, por conta de ter, também, uma função institucional, qual seja,
defender a Constituição, a ordem jurídica do Estado democrático de direito, os
direitos humanos, a justiça social, e pugnar pela boa aplicação das leis, pela
rápida administração da justiça e pelo aperfeiçoamento da cultura e das
instituições jurídicas, não é menos verdade que possui, tal e qual os demais
Conselhos de Fiscalização de Profissões Legalmente Regulamentadas, a função de
regulação de categoria profissional [09].
Ora, se a própria OAB, que se destaca dos demais Conselhos de Classe – insista-se –, por nela se identificar uma maior presença de munus público, sendo o único, por exemplo, legitimado para a propositura de ação direta de inconstitucionalidade (STF, Pleno, ADIn 2025-DF, rel. Min. Octávio Gallotti, j. 12.8.1999, informativo STF 157, 9 a 13.8.1999), não está obrigada a realizar concurso público para contratação de empregados, com muito mais razão não deve a providência ser exigida dos demais conselhos.
Em acréscimo ao exposto, cumpre destacar que os motivos justificadores da exigência de concurso público, para o ingresso nos cargos e empregos de provimento efeito da Administração Pública, não se encontram presentes nos Conselhos Profissionais. Isto fica evidenciado a partir de simples análise das distinções entre os Conselhos Profissionais e os entes da Administração Direita. Enquanto na Administração Pública percebe-se estrutura complexa e hierarquizada, com dotação orçamentária compatível com a projeção das despesas que serão necessárias para o seu custeio, os conselhos profissionais funcionam com estrutura mínima, com reduzido número de empregados, ocupando funções de apoio e secretariado.
A realização de concurso público pelos entes da Administração Pública, outrossim, mostra-se viável economicamente. Ainda que não se consigam custear, com os valores cobrados durante o certame, todas as despesas geradas pela sua realização, a Administração possui outros meios para obter o s necessários recursos. O mesmo não ocorre, porém, com os Conselhos, que não são subsidiados pelo Estado, mas tão somente pelos profissionais a eles vinculados. Assim, na eventualidade de se realizar concurso sem um número de inscritos suficiente para custear todas as despesas, o órgão teria de as quitar com o dinheiro das anuidades que recebe, ocasionando-lhe inevitável prejuízo. E este prejuízo inquestionavelmente repercutiria no desempenho de suas atribuições institucionais, tão relevantes para a coletividade.
Por outro lado, não há como comparar a relação existente entre a Administração Pública e seus servidores com a relação dos Conselhos profissionais e seus empregados. As deliberações referentes à regulação do exercício profissional ficam a cargo das diretorias dos conselhos, que são integralmente compostos por membros da categoria ou de comissões específicas, os quais nem sequer percebem remuneração.
4 – A PLENA VALIDADE DOS PROCEDIMENTOS SIMPLIFICADOS DE SELEÇÃO PARA OS CONSELHOS QUE VOLUNTARIAMENTE OPTAREM POR REALIZÁ-LOS.
Ainda que, como visto, não exista obrigação legal, alguns Conselhos de classe, buscando voluntariamente democratizar as suas contratações e torná-las mais eficientes, vêm realizando processos seletivos abertos, que contemplam as regras constitucionais dirigidas à administração pública, razão pela qual poderiam perfeitamente ser considerados verdadeiros concursos públicos. Afinal, a forma empregada tradicionalmente pela Administração não é a única maneira de realizar os concursos públicos [10].
Estes procedimentos simplificados de seleção, que apresentam características variadas, costumam envolver, entre os providências, divulgação da existência de vaga em jornais de grande circulação e em empresas e "sites" de recolocação de pessoal e consistem em análise de currículo com o escopo de avaliar a experiência profissional e cursos realizados pelos candidatos; prova escrita com os candidatos selecionados, na forma de redação sobre tema previamente estabelecido ou de múltipla escolha; dinâmica de grupo, para avaliação do perfil dos candidatos; solicitação de referências do último empregador dos candidatos selecionados, para averiguar a sua idoneidade e, finalmente, entrevista pessoal com os candidatos melhor avaliados no processo seletivo.
A melhor demonstração de que tais medidas atendem aos requisitos da moralidade, legalidade, impessoalidade e publicidade é o fato de estarem em absoluta conformidade com o que determina o Decreto nº 4.748, de 16 de junho de 2003, que regulamenta o processo seletivo simplificado a que se refere o § 3º do art. 3º da Lei nº 8.745, de 9 de dezembro de 1993. Afinal, estatuindo o referido preceito forma de seleção pública respaldada no artigo 37, IX da Constituição, a sua utilidade como paradigma para a instituição de outros procedimentos de seleção pública resta inquestionável. Observem-se, para fins de comparação, os seguintes dispositivos do Decreto em comento:
Art. 4º A contratação de pessoal de que trata este Decreto dar-se-á mediante processo seletivo simplificado, compreendendo, obrigatoriamente, prova escrita e, facultativamente, análise de curriculum vitæ, sem prejuízo de outras modalidades que, a critério do órgão ou entidade contratante, venham a ser exigidas.
(...)
Art. 5º A divulgação relativa ao processo seletivo simplificado de que trata este Decreto dar-se-á mediante:
I - publicação de extrato do edital no Diário Oficial da União; e
II - disponibilização do inteiro teor do edital em sítio oficial do órgão ou entidade contratante na Internet e no portal de serviços e informações do Governo Federal (www.brasil.gov.br).
O processo de seleção instituído pela norma em comento guarda estreita semelhança com aquele praticado por vários conselhos profissionais. Em ambos, há previsão de prova escrita obrigatória. E mais, a análise curricular, que é facultativa no processo previsto no Decreto, tem sido utilizada por vários conselhos, em cujos procedimentos, aliás, há ainda outra etapa, à qual a lei nem sequer se refere, como dinâmica de grupo. Bem se vê que o procedimento de seleção já aplicados em alguns conselhos mostra-se até mais abrangente do que o paradigma mínimo imposto para a Administração Pública.
No tocante à divulgação do processo seletivo, resta inquestionável que a feita por alguns conselhos mostra-se significativamente mais útil do que a prevista no Decreto antes referido. Muito mais eficiente do que publicar mero extrato da seleção no Diário Oficial, disponibilizando-o na íntegra em site da internet, é divulgar a existência de vaga em jornais de grande circulação e em empresas e "sites" de recolocação de pessoas.
Outro indício da adequação do procedimento seletivo atualmente utilizado por alguns Conselhos Profissionais está na aprovação sistemática das suas contas pelo Tribunal de Contas da União. Houvesse irregularidade, tal aprovação não se justificaria. Como salienta Odete Medauar, as funções dos Tribunais de Contas são as seguintes:
a) dar parecer prévio sobre as contras prestadas anualmente pelo Chefe do Executivo; b) exercer auditoria financeira, orçamentária, contábil, operacional e patrimonial sobre os entes controlados; c) apreciar as contas dos administradores e demais responsáveis por bens e valores públicos; d) apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal e das concessões de aposentadoria, reformas e pensões; e) apreciar a legalidade das licitações e contratos; f) fiscalizar as contas nacionais das empresas supranacionais; g) tomar providências ante a verificação de ilegalidades [11].
Ora, se compete ao Tribunal de Contas da União apreciar, para fins de registro, a legalidade dos atos de admissão de pessoal, e este tem aprovado as contas, por exemplo, de Conselhos Profissionais que adotam procedimentos como o descrito acima para a contratação de empregados, reforça-se a conclusão em torno da regularidade da prática em curso.