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O sistema de call center (teleatendimento).

Sua insuficiência e a obrigação das operadoras de telefonia móvel de disponibilizar postos de atendimento aos usuários

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20/07/2007 às 00:00
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5. A obrigação de tratamento diferenciado para os consumidores hipossuficientes

Ainda deve ser reconhecido que o atendimento pessoal facilita a interação com uma categoria especial de usuários, constituída de consumidores hipossuficientes, a exemplo de idosos, portadores de deficiência física (em especial qualquer tipo de pessoa com deficiência auditiva) e pessoas de pouca instrução, para os quais o serviço de teleatendimento (call center) não se mostra adequado. A essa categoria de consumidores, pelo menos, tem que ser dado um atendimento prioritário e diferenciado. Essa exigência inclusive resulta de preceito legal – o art. 2º. da Lei n. 10.048/2000 -, que estabelece que as empresas concessionárias de serviços públicos estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado às pessoas portadoras de deficiências físicas, aos idosos (com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos), às gestantes, lactantes e pessoas acompanhadas de crianças de colo [11].

Portanto, pelo menos em relação a essa categoria especial de consumidores (os hipossuficientes), já teríamos fundamento legal para impor às operadoras de telefonia móvel a obrigação de abrir postos de atendimento, em razão do tratamento diferenciado e prioritário que devem receber dos prestadores de serviços públicos, como, aliás, já reconheceu o STJ nas palavras do Min. José Delgado, ao prolatar (como relator) o voto condutor no julgamento do REsp 513.850-SC, de seguinte teor:

"Por outro lado, a ausência de postos de atendimento, em que haja contato direto entre usuários e prestadora de serviço, acaba por frustrar a aplicação do art. 2º. da Lei n. 10.048/2000, que determina que "as repartições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos estão obrigadas a dispensar atendimento prioritário, por meio de serviços individualizados que assegurem tratamento diferenciado e atendimento imediato às pessoas a que se refere o art. 1º., ou seja, as "pessoas portadoras de deficiência física, os idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas de crianças de colo". De acordo com o citado dispositivo, é obrigação da empresa concessionária de serviço público dispensar atendimento "diferenciado e imediato", "por meio de serviços individualizados". O cumprimento da lei, contudo, fica inviabilizado quando a única forma de atendimento disponibilizada é através de comunicação telefônica".


6. A inadequação do call center

para atendimento imediato aos usuários

Uma vez visualizado que não pode haver exclusividade no atendimento de reclamações dos usuários através do sistema de call center, já que as normas regulamentares do serviço de telefonia móvel impõem a obrigação das prestadoras de disponibilizarem postos de atendimento pessoal ao consumidor, cabe agora examinar se o teleatendimento (call center) satisfaz a exigência de imediatidade tal qual disposta nos regulamentos da Anatel.

Com efeito, um meio de atendimento ao usuário do serviço de telefonia móvel somente pode ser considerado adequado se alcançar a meta da imediatidade, nos termos do art. 6º., X, do Regulamento do Serviço Móvel Pessoal – SMP, Res.. 316/2002, da Anatel, que prescreve ser direito do usuário a "resposta eficiente e pronta às suas reclamações e correspondências, pela prestadora". No âmbito do serviço de atendimento por meio de centrais telefônicas de informação (teleatendimento), o que pode ser considerado como atendimento imediato, de forma a satisfazer a previsão regulamentar? A resposta a essa pergunta pode ser extraída de alguns dos dispositivos do "Plano Geral de Metas de Qualidade para o Serviço Móvel Pessoal – PGMQ-SMP" (Anexo à Resolução n. 317, de 27 de setembro de 2002), que estabelecem (como conjunto de normas que compõem o Capítulo III) as seguintes metas específicas de qualidade do serviço de teleatendimento:

"Art. 6º As chamadas originadas na rede da prestadora e destinadas ao seu Centro de Atendimento devem ser completadas, em cada Período de Maior Movimento, no mínimo, em 98% (noventa e oito por cento) dos casos.

§ 1º Nestes casos, o completamento deve se dar imediatamente após o estabelecimento da chamada e o Usuário deve ter acesso imediato ao Sistema de Auto-Atendimento ou telefonista/atendente.

§ 2º (...).

Art. 7º Quando a prestadora possuir sistema de auto-atendimento, o tempo para o atendimento pela telefonista/atendente, quando esta opção for selecionada pelo Usuário, deve ser de até 10 (dez) segundos, em cada Período de Maior Movimento, no mínimo em 95% dos casos (inc. I).

§ 1º Em nenhum caso, o atendimento deve se dar em mais de 60 (sessenta) segundos.

§ 2º A opção de acesso à telefonista/atendente deve estar sempre disponível ao Usuário" (grifos nossos).

Como se observa da leitura desses dispositivos da norma regulamentar, o serviço de teleatendimento (call center) deve ser estruturado, pelas empresas operadoras de telefonia móvel, de modo a que as chamadas sejam completadas, no mínimo, em 98% dos casos (art. 6º.) e o usuários devem ter acesso imediato à telefonista/atendente (art. 6º., par. 1º.), sendo que o tempo para o atendimento (em 95% dos casos) não pode ser superior a 10 segundos (caput do art. 7º.) e, em nenhum caso, pode ultrapassar o tempo de 60 segundos (§ 1º. do art. 7º.). Essas metas de qualidade devem ser cumpridas pelas operadoras [12], sob pena de não se considerar atendida a obrigação de atendimento imediato ao consumidor.

De acordo com investigação promovida pelo Ministério Público do Estado de Pernambuco, através de sua Promotoria com atribuições para Proteção e Defesa do Consumidor, ficou comprovado que os usuários levam um tempo exagerado para ter contato com a atendente/telefonista, nos casos em que manifestam sua opção pelo cancelamento da linha e/ou rescisão do contrato. O usuário fica sendo passado de um atendente para outro, sempre que narra seu desejo de cancelar os serviços. O usuário às vezes passa minutos e até horas sem ser atendido, sendo que tal demora provoca, em muitos casos, a queda da ligação, seja decorrente da própria falha do sistema ou não. As dificuldades que se lhe antepõem são tantas, gastando o consumidor tanto tempo sem conseguir registrar sua solicitação, que acaba desistindo do cancelamento. Some-se a isso o fato de que as operadoras se utilizam de práticas de "fidelização", oferecendo propostas de toda sorte para que o consumidor permaneça como cliente vinculado à empresa.

As próprias operadoras confessam que se utilizam do mecanismo da "célula de retenção", toda vez que o usuário manifesta sua intenção pelo cancelamento. Ao ser transferido para a "célula de retenção", o usuário "recebe uma última proposta para continuar como cliente". Embora neguem as transferências intermediárias, alegando que o primeiro atendente transfere o usuário diretamente para a "célula de retenção", assim que manifesta o desejo pelo cancelamento, reconhecem que o método da célula de retenção diminui o número de cancelamentos [13].

É fácil concluir, por conseguinte, que a forma como está estruturado o serviço de teleatendimento (sistema de call center) não atende à exigência de atendimento imediato – que pressupõe acesso direto, dentro de 10 segundos após o completamento da chamada, à telefonista/atendente para registro do pedido de cancelamento. Ademais disso, veremos adiante que o uso da "célula de retenção" configura prática comercial abusiva.


7. A previsão do CDC contra práticas comerciais abusivas e o poder interventivo do Juiz nas relações entre fornecedores e consumidores

O Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) elenca, nos incisos I a XIII do art. 39, várias espécies de práticas comerciais abusivas, mas não traz uma regra geral de abusividade, como acontece em relação às clausulas contratuais. No que tange às cláusulas contratuais, o artigo 51 CDC (incisos I a XVI) tipifica uma série de cláusulas específicas consideradas, para fins legais, como abusivas (e, portanto, nulas de pleno direito). Ao lado dessa "lista negra" (blacklist), o legislador criou uma fórmula geral de abusividade, ao estabelecer, no seu inc. IV, serem nulas aquelas que "...coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade" [14]. Já em relação às práticas comerciais, o legislador não formulou uma regra geral de abusividade, estabelecendo apenas uma lista com específicas práticas comerciais abusivas (incisos I a XII do art. 39).

A falta de uma norma geral de abusividade, em relação às práticas e métodos comerciais, dificulta a tarefa do intérprete na definição de sua natureza. De fato, a regra geral de proibição (general prohibition) serviria como critério mais preciso para se determinar o que pode ser considerado abusivo (unfair), mas nem por isso impede que seja investigada a natureza de uma determinada prática ou método comercial. O legislador, ao criar a "lista negra" de práticas comerciais abusivas, não a estabeleceu em número fechado (numerus clausus), mas apenas de forma exemplificativa, o que se observa da leitura do caput do art. 39 [15], onde destaca serem abusivas "dentre outras práticas abusivas" aquelas que lista logo a seguir (nos incisos I a XIII desse artigo). Afora ressalvar a possibilidade de existência de outras práticas comerciais abusivas, além daquelas especificamente relacionadas (que formam a "lista negra"), o legislador também atribuiu poder interventivo ao Juiz na relação comercial (de consumo), para fins de impedir ou fazer cessar uma determinada prática comercial abusiva, uma vez que enuncia que o consumidor tem direito à proteção contra métodos comerciais coercitivos ou desleais e práticas abusivas impostas no fornecimento de produtos e serviços (art. 6º., IV, do CDC) [16]. É esse dispositivo que confere ao Juiz poderes para intervir na relação comercial (de consumo) para adequá-la às exigências de harmonia e equilíbrio, expungindo as práticas e métodos comerciais coercitivos e desleais que possam colocar o consumidor em posição de inferioridade.

Por práticas e métodos comerciais podem ser entendidas qualquer ação, omissão, conduta ou afirmação do fornecedor, incluindo as comunicações comerciais, como a publicidade ou o marketing, com relação direta à promoção, à venda ou à conservação de um produto ou serviço. Então, evidenciando-se o caráter abusivo ou desleal de qualquer dessas ações ou omissões do fornecedor de produtos e serviços no mercado de consumo, o Juiz tem poderes para interferir nas relações comerciais, adequando-as aos princípios protetivos estabelecidos na legislação consumerista.


8. A caracterização das "células de retenção" ou métodos de fidelização no teleatendimento como

prática comercial abusiva

Mas, como definir a natureza abusiva de uma prática comercial ou o caráter desleal ou coercitivo de um determinado método comercial (não enquadrados na lista do art. 39 do CDC), à falta de uma regra geral? No caso específico da utilização de "células de retenção" nos sistemas de call center, como caracterizar se essa técnica de atendimento configura prática comercial abusiva ou método comercial desleal? O uso das "células de retenção" é uma prática comercial, já que consiste em uma ação de comunicação ou marketing do fornecedor, através de seus prepostos (as atendentes do sistema de call center), dirigida ao consumidor (usuário do SMP), tendo por objeto a conservação de um serviço (telefonia móvel). Disso não há dúvida. Mas, e quanto à natureza dessa prática? Pode ser considerada abusiva?

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Bem, não havendo parâmetro na legislação brasileira (à falta de uma regra geral de abusividade para as práticas comerciais), podemos recorrer à doutrina européia, que inspirou a edição da Diretiva 2005/29/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de maio de 2005, relativa às práticas comerciais desleais [17].

Para a doutrina européia, uma determinada prática ou método comercial pode ser considerado desleal ou abusivo se reunir dois elementos essenciais:

a)a prática deve ser contrária às exigências de diligência profissional do fornecedor; e

b)a prática deve distorcer ou ser capaz de distorcer materialmente o comportamento econômico do consumidor [18].

Para a caracterização da abusividade (unfairness), esses dois elementos têm que aparecer concorrentemente. Faltando qualquer um deles, uma prática comercial não pode ser considerada abusiva; são requisitos cumulativos. Ademais disso, o consumidor padrão a ser considerado na tarefa de averiguar a abusividade é o "consumidor médio" (average consumer) [19].

A primeira dessas condições, que se refere à diligência profissional do fornecedor, está relacionada com a noção de "boa conduta comercial" (good business conduct). É a medida do cuidado e habilidade exercidos pelo empresário, de acordo com os padrões de práticas comerciais geralmente aceitos em um determinado setor. Esse padrão de competência e de cuidado do empresário, em relação aos consumidores, deve ser avaliado também levando-se em conta o princípio geral da boa-fé. Práticas consideradas normais de acordo com os costumes e usos do comércio não podem ser consideradas abusivas, ainda que influenciem o comportamento econômico do consumidor.

A utilização de "células de retenção" em sistemas de teleatendimento (call center) resulta visivelmente contrária às exigências de diligência profissional do fornecedor, no que tange ao dever de boa-fé e lealdade nas relações comerciais. Não pode ser considerada normal a conduta da operadora (através de seus prepostos) de utilizar-se de expediente visivelmente desleal, muitas vezes aproveitando o cansaço do consumidor diante das barreiras que encontra ao tentar o cancelamento. Quanto a esse aspecto, evidentemente, o método comercial das operadoras, que se utilizam de sistemas de atendimento com funções de retenção ou fidelização de clientes, assume clara abusividade.

O segundo elemento da abusividade geral significa que uma prática, para ser considerada abusiva, deve ter um significante e suficiente efeito sobre o consumidor, de modo a alterar ou ser capaz de alterar seu comportamento econômico, forçando-o a tomar uma decisão transacional – que pode ser uma decisão sobre a conservação de um contrato - que de outra forma não tomaria, em prejuízo de sua capacidade de tomar uma decisão informada e independente. Sob esse aspecto, o método da "célula de retenção" se mostra até mais abusivo, porque "distorce materialmente" o comportamento econômico do consumidor. Atendentes bem treinados e experientes em técnicas de fidelização, em contato com um consumidor já impaciente e extenuado pela demora no atendimento, atuam de modo bastante significante de modo a fazê-lo trocar a decisão sobre a qual estava convicto. Há uma influência indevida, pelos recursos que são utilizados (com a colocação de todos os tipos de dificuldades e barreiras à rescisão), sobre a liberdade de escolha ou comportamento do consumidor médio. Em alguns casos, ocorre verdadeiro assédio sobre o consumidor, o que o conduz a tomar uma decisão de transação que não tomaria de outro modo. Esse tipo de prática comercial distorce substancialmente o comportamento econômico do consumidor, uma vez que prejudica sensivelmente sua aptidão para tomar uma decisão esclarecida e o conduz a adotar uma decisão transacional que não teria tomado de outro modo.

Como se observa, a utilização de "células de retenção" ou métodos de "fidelização" em sistemas de teleatendimento (call center) assume o caráter de verdadeira prática comercial abusiva ou método comercial desleal, justificando a intervenção judicial para eliminar tal procedimento nas relações de consumo, de forma a impedir que a má-fé e a deslealdade dominem as relações comerciais. Sem dúvida, esses "métodos de retenção" permitem que o canal de comunicação tenha como prioridade a "fidelização" de consumidores, ou seja, esse canal muitas vezes, embora com a aparência de que se presta ao atendimento de pedidos de cancelamento, termina por reter como seus usuários eventuais consumidores insatisfeitos com os serviços prestados, convolando-se, essa técnica de "retenção", em evidente prática comercial abusiva. De fato, consumidores desejosos de cancelar seus contratos de prestação de serviços com a ré, encontram tantas barreiras e dificuldades na forma de atendimento atual (por meio do call center), que terminam desistindo do cancelamento. Assim, as centrais telefônicas, que deveriam dar prioridade ao atendimento das solicitações do usuário (do serviço de telefonia móvel), estão sendo utilizadas prioritariamente para preservar interesses empresariais e econômicos da operadora – a manutenção do usuário como seu cliente cativo.

É certo que a prestadora tem um legítimo interesse em preservar seu cliente, mas não pode de maneira alguma, a pretexto de exercer esse direito, cometer atos que possam colocar o consumidor em posição de desvantagem na relação comercial. O serviço de atendimento deve ser estruturado de forma a trazer facilidades aos consumidores, e não dificuldades. Se a central telefônica de informação e atendimento (teleatendimento), na forma da técnica atual, está estruturada não para dar prioridade às solicitações do usuário, mas para preservar prioritariamente os interesses empresariais da operadora, se transmuda em ferramenta para a realização de prática comercial abusiva.

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Sobre o autor
Demócrito Reinaldo Filho

Juiz de Direito. Doutor em Direito. Ex-Presidente do IBDI - Instituto Brasileiro de Direito da Informática.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

REINALDO FILHO, Demócrito. O sistema de call center (teleatendimento).: Sua insuficiência e a obrigação das operadoras de telefonia móvel de disponibilizar postos de atendimento aos usuários. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1479, 20 jul. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10175. Acesso em: 22 dez. 2024.

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