Capa da publicação Executivo x Legislativo: as comissões da Câmara
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A preponderância do Poder Executivo sobre o Legislativo e o sistema de comissões da Câmara dos Deputados

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Mueller e Pereira identificaram que o Congresso brasileiro possui diversas semelhanças e diferenças em relação ao Congresso dos EUA.

No ano 2000, Bernardo Mueller e Carlos Pereira propuseram uma Teoria da Preponderância do Poder Executivo, baseada na literatura da escola da Escolha Racional, relacionada com estudos respeitantes ao sistema de comissões do Congresso norte-americano. Foram usadas idéias centrais dessa escola para analisar o sistema de comissões permanentes da Câmara de Deputados brasileira, criando uma teoria específica para explicá-las.

Muita coisa mudou desde então em nossa política, mas, de modo geral, muita coisa permanece atual na interpretação que estes autores mobilizaram: um Principal delega tarefas para um agente, e o bom funcionamento dessa relação assimétrica é garantido por uma estrutura de incentivos que alinha interesses.

As comissões são os agentes. O Principal varia de acordo com cada uma das 3 (três) teorias desenvolvidas para o Congresso dos EUA, sua estrutura e instituições:

  • (a) na Teoria Distributiva, as comissões servem aos propósitos de seus membros, que usam este sistema para obter ganhos de troca;

  • (b) na Teoria Informacional, o Principal é a Câmara, que concede certos poderes às comissões para que adquiram informação, se especializem e repassem informações ao plenário e

  • (c) na Teoria Partidária, o partido majoritário é o Principal: regras legislativas concedem ao partido majoritário vantagens e poderes especiais que são usados para controle das ações das comissões atendendo a interesses do partido.

Mueller e Pereira (2000) identificaram há 23 anos que o Congresso brasileiro possui diversas semelhanças e diferenças em relação ao Congresso dos EUA. São as semelhanças (por exemplo, a existência de suas câmaras e o regime presidencial) que justificam que teorias possam oferecer explicação sobre o Congresso brasileiro, mas não por si só, devido às diferenças. Logo, ocorrem dois movimentos em um trabalho desta ordem:

  • (i) incorporar instrumental das teorias citadas e

  • (ii) explicar especificidades do caso brasileiro (por exemplo, o significativo poder do Executivo de influenciar o Legislativo para assegurar resultados de sua preferência, daí se chamar "teoria da preponderância do Executivo").

Conforme a teoria proposta, o Executivo possui meios de forçar comissões a cooperar ou punir desvios, assim as comissões cumprem tarefas do interesse do Executivo ou lhes são indiferentes (nunca se chocam com interesses do Executivo). Assim, as Comissões são úteis ao Executivo. Nesse sentido, Mueller e Pereira utilizam a perspectiva da Teoria Distributiva e a Teoria Informacional apenas de acordo com procedimentos escolhidos (urgência versus não-urgência), evidenciando que as comissões têm papel informacional.

O que é discutido é que o Executivo legisla, impõe, através de dispositivos, suas preferências à Legislação: o presidente pode legislar (a Constituição garante a possibilidade das Medidas Provisórias, por exemplo) e há centralização de poder decisório nas mãos de líderes dos partidos no Congresso.

Por isso, se faz oportuno indicar as formas de o Executivo legislar:

  • (a) Medida Provisória (poderes legislativos pró-ativos), de uso indiscriminado na prática (cf. MUELLER & PEREIRA, 2000: 47);

  • (b) Vetos (poderes legislativos reativos) totais ou parciais;

  • (c) Iniciativas de Leis, implicando definição de agenda do Congresso; e

  • (d) Pedidos de urgência, implicando que comissões fiquem sem tempo para exame.

Segundo os autores, o Congresso raramente desafia o Poder Executivo quando este legisla e as propostas do Executivo tramitando no Congresso eram, na ocasião, maiores em quantidade e sancionadas mais rapidamente.

Além disso, os pesquisadores apontaram que o Executivo era quem legislava a respeito de temas ligados a Economia. Naquele governo de Fernando Henrique Cardoso, a minoria de suas propostas eram relativas a temas políticos/sociais. Nas notícias dos jornais, vemos essa tendência ainda nos dias de hoje.

Por sua vez, o Legislativo legislava, à época, sobretudo, acerca de temas das áreas política e social (áreas que passariam a ser também de maior atenção do Executivo desde então, especialmente nos governos petistas) e menos em relação ao que dizia respeito à Economia. Em números absolutos, a diferença era muito gritante, como se pode conferir nos números apresentados pelos autores, que aqui não transcreveremos, mas que chamam a atenção para como a área de atuação do Congresso era restringida pela agenda do Poder Executivo: 1/3 das propostas promulgadas na legislatura analisada (1995-1998) receberam Pedido de Urgência. 80% destes 1/3 eram de iniciativa do Poder Executivo. Mas o pedido de urgência era do próprio Poder Legislativo, “o que significa que os próprios deputados se abstêm de discutir e decidir sobre grande parte da nova legislação nas Comissões” (MUELLER & PEREIRA, 2000: 48), além de esses pedidos serem feitos principalmente para propostas sobre temas econômicos. Ou seja, temas políticos e sociais recebiam menos pedidos de urgência (e menos atenção?).

Quando o Legislativo pedia urgência para uma proposta, isto ocorria de acordo com interesses do Executivo, o que também demonstrava sua preponderância.

Segundo os autores, “a combinação de Medidas Provisórias, vetos, pedidos de urgência fornece ao Executivo um poderoso conjunto de instrumentos para controle da agenda do Congresso, bloqueando a legislação que não lhe interessa promovendo aquelas consideradas prioritárias” (MUELLER & PEREIRA, 2000: 48) Já normas constitucionais e instrumentos seriam fatores que colocariam o Executivo em posição privilegiada. Mas não seriam os únicos, pois havia também centralização do processo de tomada de decisão dentro do Congresso, que serviria a este propósito.

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Além disso, regras internas garantiriam aos líderes na Mesa Diretora um papel central na condução do processo legislativo, inclusive nomeando e substituindo membros das Comissões, sem restrição de permanência dos envolvidos.

Havia manipulação do Executivo através de líderes para colocar nas comissões um número estratégico de membros fiéis aos seus interesses. E o Executivo controlava crédito, concessões, licitações, tornando o Legislativo menos atrativo, pois o Executivo conseguia fazer prevalecer suas preferências também usando instrumentos como nomeações e favores para obter apoio e votos para projetos no Congresso.

Vemos, portanto, de que modo o Executivo preponderava em relação ao Legislativo em nosso país já há mais de 20 anos, no governo de Fernando Henrique Cardoso, com amplos poderes para defesa de seus interesses no Congresso. Não se trata de novidade em nosso sistema político.

Assim, é atual a adaptação dos autores da Teoria Distributiva para a Teoria da Preponderância do Executivo com o objetivo de contribuir com uma melhor compreensão acerca do funcionamento do sistema de comissões no Brasil, mostrando que cumprem um papel importante, apesar de, segundo os autores, tais comissões terem baixo poder institucional, não fazendo valer suas preferências, sem possuir poder significativo para afetar a legislação ou sequer vetá-la.

O resumo conclusivo da análise, porém, é de que as comissões brasileiras possuem relevância, inclusive os autores já partiam das premissas de que são capazes de se especializar e adquirir informação a respeito dos projetos, além de decidir estrategicamente quanto desta informação será revelada ao plenário, desempenhando um papel relevante no processo legislativo. Para identificar tal relevância os autores usaram uma aproximação com o instrumental das teorias referidas, a teoria distributiva e a teoria informacional, ante à complexidade do nosso sistema de comissões.

E concluíram à época: “talvez a nossa mais importante contribuição tenha sido mostrar que, apesar das importantes diferenças existentes entre as instituições políticas do Brasil e dos EUA, os modelos de escolha racional podem ser usados para analisar e entender os atores políticos brasileiros e suas relações (...) aplicando-se esta literatura ao rico conjunto de instituições e situações brasileiras.” (MUELLER & PEREIRA, 2000: 62)


Referência bibliográfica

MUELLER, Bernardo & PEREIRA, Carlos. Uma Teoria da Preponderância do Poder Executivo: o sistema de comissões no Legislativo brasileiro. In: Revista Brasileira de Ciências Sociais. Vol. 15, n. 43, junho de 2000. p. 45-67

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Sobre o autor
Carlos Eduardo Oliva de Carvalho Rêgo

Advogado (OAB 254.318/RJ). Doutor e mestre em Ciência Política (UFF), especialista em ensino de Sociologia (CPII) e em Direito Público Constitucional, Administrativo e Tributário (FF/PR), bacharel em Direito (UERJ), bacharel e licenciado em Ciências Sociais (UFRJ), é professor de Sociologia da carreira EBTT do Ministério da Educação, pesquisador e líder do LAEDH - Laboratório de Educação em Direitos Humanos do Colégio Pedro II.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

RÊGO, Carlos Eduardo Oliva Carvalho. A preponderância do Poder Executivo sobre o Legislativo e o sistema de comissões da Câmara dos Deputados. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 28, n. 7129, 7 jan. 2023. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/101879. Acesso em: 19 nov. 2024.

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