As microempresas e empresas de pequeno porte gozam de tratamento favorecido, diferenciado e simplificado no campo administrativo, tributário, previdenciário e creditício, conforme determinado em nossa Constituição Federal (CF/88), art. 170, inciso IX, e 179, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
(...)
IX – tratamento favorecido para as empresas de pequeno porte constituídas sob as leis brasileiras e que tenham sua sede e administração no País.
Art. 179. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios dispensarão às microempresas e às empresas de pequeno porte, assim definidas em lei, tratamento jurídico diferenciado, visando a incentivá-las pela simplificação de suas obrigações administrativas, tributárias, previdenciárias e creditícias, ou pela eliminação ou redução destas por meio de lei.
(Grifamos)
Em meados de dezembro de 2006, foi publicada a Lei Complementar 123, que instituiu o novo Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, concentrando em uma única norma os diversos assuntos atinentes àquelas sociedades, seja quanto a definição das mesmas, os procedimentos de inscrição e baixa, sua tributação, acesso a mercados, questões trabalhistas, associativismo, estímulo ao crédito, entre outros assuntos, vindo ao encontro dos princípios estabelecidos nos artigos 170, IX, e 179, e em conformidade com o art. 146, III, alínea "d", parágrafo único, também de nossa Constituição Federal (CF/88), in verbis:
Art. 146. Cabe à Lei Complementar:
(...)
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre:
(...)
d) definição de tratamento diferenciado e favorecido para as microempresas e para as empresas de pequeno porte, inclusive regimes especiais ou simplificados no caso do imposto previsto no art. 155, II, das contribuições previstas no art. 195, I e §§ 12 e 13, e da contribuição a que se refere o art. 239 [01].
Parágrafo único. A lei complementar de que trata o inciso III, d, também poderá instituir um regime único de arrecadação dos impostos e contribuições da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, observado que [02]:
(...)
(Grifamos)
Assim, com a entrada em vigor da referida Lei Complementar, revogaram-se as normas esparsas que regulavam aquelas atividades, especialmente a Lei 9.317/96 [03] e a Lei 9.841/99 [04], bem como todas as normas a elas destinadas nas esferas estadual e municipal, conforme disposto no artigo 94 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), in verbis:
Art. 94. Os regimes especiais de tributação para microempresas e empresas de pequeno porte próprios da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios cessarão a partir da entrada em vigor do regime previsto no art. 146, III, d, da Constituição [05].
Como a LC 123/06, em seu art. 88, determina que os assuntos de índole tributária entrariam em vigor apenas a partir de 01.07.2007, todas as normas Federais, Estaduais e Municipais a partir de então encontram-se revogadas, passando a valer as novas regras editadas pela Lei Complementar.
As alterações efetuadas no campo tributário foram profundas, mudando completamente inúmeros pontos em relação a Lei 9.317/96 e demais normas estaduais e municipais, possibilitando ingressos no sistema simplificado de empresas anteriormente impedidas, excluindo outras tantas do sistema, tributando destacadamente diversos tipos de receitas, consolidando tributos de diversas esferas em uma única guia de recolhimento, exigindo que um grande número de prestadores de serviços calculem seu INSS patronal separadamente, bem como impedindo que as microempresas e empresas de pequeno porte transfiram créditos relativos a impostos ou contribuições abrangidos pelo Simples Nacional, entre tantas outras alterações, as quais tornaram o sistema complexo e confuso, e em muitos casos injusto.
Uma das grandes injustiças cometidas pela LC 123/06 foi a exigência de que os transportadores intermunicipais e interestaduais de cargas sejam tributados na forma do Anexo V, acrescido das alíquotas do ICMS previstas no Anexo I, e calculando o INSS patronal separadamente, segundo a legislação prevista para os demais contribuintes ou responsáveis (art. 18, VI).
O Anexo V foi destinado para as atividades de serviços que não se enquadravam nos Anexos III e IV, ou seja, trata-se da tabela com a maior onerosidade tributária instituída pela LC 123/06, destinada para àquelas atividades prestadoras de serviços com alta lucratividade (supostamente) relacionadas no art. 18, incisos XIX a XXVIII, e no § 2º, que são as demais atividades não impedidas expressamente, criando tabelas diferenciadas onde é apurada a relação (r) da folha de salários, que seja maior ou igual a 40%, menor que 40% e maior ou igual a 35%, menor que 35% e maior ou igual a 30%, e menor que 30%, em relação a receita operacional bruta.
Ocorre que o legislador, ao incluir os serviços de transporte intermunicipal e interestadual de cargas naquela tabela (V), cometeu um grande equívoco, pois em momento algum esse tipo de atividade possui tamanha margem de lucro para justificar seu enquadramento desta forma. Não se tratam de serviços executados por profissionais liberais – como no caso dos contadores, que agora podem aderir à tributação pelo Supersimples, a qual, na maioria das vezes, é maior do que a carga tributária quando da opção por outra modalidade de tributação (Real/Presumido).
Pela peculiaridade desta atividade, seus maiores custos não se referem a folha de salários, onde poderia auferir algum benefício caso a sua relação (r) fosse maior ou igual a 40%. Seus maiores custos estão concentrados na sua frota de veículos, tais como: depreciação, leasing, combustíveis e lubrificantes, manutenção preventiva e corretiva, pneus e câmaras, seguros, entre outros. A folha de salários representa algo em torno de 25% da receita operacional bruta, ou seja, levará o micro e pequeno empresário do ramo de transportes de cargas intermunicipal e interestadual a aplicar a tabela do Anexo V, Seção IV, Tabela 5 (Receitas decorrentes da atividade de prestação de serviços de transportes intermunicipal e interestaduais de cargas, sem retenção ou substituição tributária):
Receita Bruta Total em 12 meses (R$) |
Alíquota |
IRPJ, PIS/PASEP, COFINS e CSLL |
ICMS |
Até 120.000,00 |
16,25% |
15,00% |
1,25% |
De 120.000,01 a 240.000,00 |
16,86% |
15,00% |
1,86% |
De 240.000,01 a 360.000,00 |
17,33% |
15,00% |
2,33% |
De 360.000,01 a 480.000,00 |
17,56% |
15,00% |
2,56% |
... |
... |
... |
... |
De 2.160.000,01 a 2.280.000,00 |
18,91% |
15,00% |
3,91% |
De 2.280.000,01 a 2.400.000,00 |
18,95% |
15,00% |
3,95% |
Assim, caso a empresa tenha um faturamento médio nos últimos 12 meses de R$ 10.000 (dez mil reais), ou seja, R$ 120.000 (cento e vinte mil reais) por ano, e sua folha de salários seja inferior a 30% de sua receita operacional bruta, o que é regra geral, será enquadrada numa alíquota de 16,25% (alíquota mínima nesta tabela), inviabilizando completamente as operações desse pequeno empreendimento. Ainda temos que levar em consideração que ele não poderá mais transferir créditos de ICMS para os seus clientes, bem como terá de calcular o INSS patronal separadamente.
Pela legislação anterior (Lei 9.317/96 e mais a legislação estadual), este empreendimento teria em média uma carga tributária de 6% de seu faturamento, ocasionando um aumento de aproximadamente 10,25 pontos percentuais em sua carga tributária, mais o montante do INSS calculado separadamente.
Em algumas simulações efetuadas com dados reais de empresas do segmento, constatou-se que o Supersimples seria em média 188% mais oneroso que a soma do Simples Federal/Estadual adotado pelo contribuinte em questão até 30.06.2007. Numa mesma simulação, porém, comparando o sistema de tributação adotado até então com o Lucro Presumido, constatou-se que o Lucro Presumido seria 147% mais oneroso que o Simples Federal/Estadual, ou seja, o Supersimples neste caso é mais prejudicial que a adoção do Lucro Presumido.
Analisando apenas o aumento da carga tributária, já podemos observar que há uma ilegalidade, porém, ela não está apenas explícita aí, mas sim no tratamento que o legislador dá para o transportador de cargas quando da aplicação do Lucro Presumido, conforme determinado pela Lei 9.249/95, art. 15, in verbis:
Art. 15. A base de cálculo do imposto, em cada mês, será determinada mediante a aplicação do percentual de oito por cento sobre a receita bruta auferida mensalmente, observado o disposto nos arts. 30 a 35 da Lei nº 8.981, de 20 de janeiro de 1995.
§ 1º Nas seguintes atividades, o percentual de que trata este artigo será de:
(...)
II - dezesseis por cento:
a) para a atividade de prestação de serviços de transporte, exceto o de carga, para o qual se aplicará o percentual previsto no caput deste artigo;
(Grifamos)
Como podemos observar, quando o transportador de cargas opta pelo Lucro Presumido, o legislador enquadra-o na regra geral (caput do art. 15), ou seja, aplica a ele os mesmos percentuais de presunção de lucro se comércio ou indústria fosse. Por que então no Supersimples, cuja legislação deveria ser ainda mais benéfica que a anterior ou ao menos manter uma tributação equivalente, o legislador optou em enquadrar o micro e pequeno transportador de cargas como se fosse um profissional liberal ou equiparado a ele?
Só há uma explicação para isso: novamente a sanha arrecadatória que está presente na referida LC 123/06 (há ainda inúmeros outros exemplos) e nas resoluções publicadas pelo Comitê Gestor do Simples Nacional. Se compararmos o Supersimples com o Lucro Presumido, neste caso específico, veremos que o legislador comete uma injustiça muito grande com este segmento econômico, bem como fere princípios constitucionais que determinam tratamento favorecido, diferenciado e simplificado para as microempresas e empresas de pequeno porte.
A LC 123/06, no que tange aos transportadores de cargas intermunicipais e interestaduais, é inconstitucional, pois viola preceitos estabelecidos na Constituição Federal (CF/88) destinados a estas micro e pequenas empresas, sendo que o legislador deixou claro na Lei 9.249/05 que este tipo de atividade possui uma lucratividade semelhante a um comércio e/ou indústria. Desta forma, o correto seria que os mesmos pudessem utilizar as tabelas do Anexo I, cuja destinação é para as atividades comerciais, partindo de uma alíquota inicial de 4%, ou seja, muito inferior aos 16,25% iniciais da tabela do Anexo V.
Caso a LC 123/06 não seja alterada para esta realidade aqui proposta, os transportadores de cargas intermunicipais e interestaduais e suas associações de classe devem buscar seus direitos no judiciário, pois o Supersimples veio com intuito dar tratamento simplificado, favorecido e diferenciado para os micro e pequenos empreendimentos e, como amplamente divulgado, veio para reduzir a carga tributária dos mesmos, o que no presente caso não ocorreu.
A LC 123/06 cometeu inúmeros outros equívocos, por exemplo, impedindo que atividades antes enquadradas no Simples não possam migrar para o Supersimples, o que é inadmissível. Caso as transportadoras sejam impedidas de optar pelo Supersimples, como já noticiado pela imprensa, tal ato também seria inconstitucional.
Se os legisladores e os técnicos da Secretaria da Receita Federal do Brasil conhecessem a teoria da Curva de Lafer [06], pensariam melhor antes de aumentarem a carga tributária como fizeram com este segmento e com grande parte dos demais prestadores de serviços que podem aderir ao Supersimples, determinando que calculem o INSS patronal separadamente, onerando drasticamente o referido segmento.
Notas
Incluído pela Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003.
Incluído pela Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003.
Dispõe sobre o regime tributário das microempresas e das empresas de pequeno porte, institui o Sistema Integrado de Pagamento de Impostos e Contribuições das Microempresas e das Empresas de Pequeno Porte - SIMPLES e dá outras providências.
Institui o Estatuto da Microempresa e da Empresa de Pequeno Porte, dispondo sobre o tratamento jurídico diferenciado, simplificado e favorecido previsto nos arts. 170 e 179 da Constituição Federal.
Incluído pela Emenda Constitucional 42, de 19.12.2003.
A curva de Lafer sugere que, quando se aumenta muito a carga tributaria individual, a receita global tende a cair pois os agentes econômicos acreditam que vale a pena correr o risco de sonegar.