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Povos originários e a lei.

Uma análise histórico-jurídica da Constituição de 1824

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Resumo: O presente trabalho aborda sobre aspectos que foram relevantes para a formação da primeira Constituição do Brasil, no ano de 1824, durante o Império de D. Pedro I. O artigo descreve sobre o processo de formação histórica da primeira Carta Magna, destacando a influência francesa para a formação da Constituição Federal, tendo a retomada do Império Civil no Brasil e a origem do poder moderador e como atuava. Além disso, destaca a omissão do reconhecimento de proteção aos povos originários, que só veio a ser sanado na Constituição Federal de 1988.

Palavras-Chave: Constituição Federal. Império do Brasil. Poder moderador. Assembleia Constituinte. Indígenas.


INTRODUÇÃO

Nosso objetivo é de analisar como foi pensada nossa primeira Carta Magna, outorgada naquele março de 1824 sob o cetro do Império do Brasil. A CF foi o documento que fez o Brasil surgir como ordenamento jurídico. Deixamos de ser um amontoado de dialetos e súditos portugueses e passamos a ser, de fato, brasileiros. E, nesta terra de Santa Cruz, passamos a ser uma nação.

Para tanto, faremos uso das valiosas contribuições de Oliveira (2015), Paraíso (2018), Lenza (2022) dentre outros. Dividimos este trabalho em três seções, uma sobre considerações históricas acerca das CF do Brasil, uma sobre o poder régio de Dom Pedro e uma sobre o aparato jurídico e sua (in)existência de uma proteção aos indígenas.

Quanto ao aspecto metodológico, lançamos mão dos escritos de Gil (2002:41) no que tange à pesquisa exploratória, o autor assevera “pesquisas exploratórias têm como objetivo proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito ou a construir hipóteses, inclui levantamento bibliográfico e entrevistas” (Gil, 2002:41).


APORTE TEÓRICO

O Brasil, ao longo de sua história bicentenária da república, passou por diversas Cartas Magnas. Cada uma inscrita em seu contexto histórico específico. No caso em análise, trataremos da primeira Lei Maior, outorgada sob o brasão do império pelo nosso primeiro monarca, Dom Pedro I. A Constituição Federal, doravante, CF, que abriu nosso ordenamento constitucional foi a de 1824. Para falar sobre ela, traremos nesse tópico três considerações, a saber: Schwarcz e Starling (2015); Lenza (2022) e Fausto (1995). Optamos por seguir essa linha de raciocínio com o fim de evitar que caiamos na falácia acadêmica de sermos “leitores de um ponto de vista só”.

Nos dizeres abalizados de Schwarcz e Starling (2015), nossa CF inicial foi erguida seguindo o prisma do modelo liberal francês. Sua distinção deste residia no fato da instauração daquilo que ficou conhecido como poder moderador, ou seja, um poder com o condão de “ nomear e demitir livremente ministros de Estado, membros vitalícios, do conselho de Estado, presidentes da província, autoridade eclesiásticas, o Senado vitalício, magistrados do Poder Judiciário, bem como nomear e destituir ministros do Poder Executivo Schwarcz e Starling (2015:234-235)

As autoras doutrinam um ponto interessante (grifo nosso) quanto à CF 1824. A Igreja era submetida ao Estado e, em decorrência disso, um dos poderes imperiais era o de conceder cargos eclesiásticos.

No campo da ação legislativa, havia duas casas: a) Câmara Federal (eletiva e temporária) e b) Senado (vitalícia e organizada por eleição provincial. Nesse diapasão é preciso entender alguns aspectos da ação do cidadão (cidadão aqui sendo entendido como “aquele que pode exercer direitos e deveres políticos”). Conforme dito pelas autoras ora mencionadas:

A Constituição de 1824, a despeito de ter sido outorgada, foi até avançada: podiam votar todos os homens a partir de 25 anos com renda mínima anual de 100 mil-réis. Os libertos votavam nas eleições primárias e o critério de renda acabava por não excluir do direito de voto a maior parte da população, uma vez que a maioria dos trabalhadores ganhava mais de 100 mil-réis. (SCHWARCZ, STARLING, 2015:234)

A seguir, traremos as considerações de Fausto (1995) sobre nossa primeira CF. Este autor traz-nos uma visão diferente da ideia de participação popular no processo democrático. No ensino logrado de de Schwarcz e Starling (op.cit) “a maioria dos trabalhadores ganhava mais de 100 mil-réis" Contrário senso, Fausto( op.cit) aduz: “A primeira Constituição nascia de cima para baixo, imposta pelo rei ao “povo”, embora devamos entender “povo” a minoria branca e mestiços que votava e tinha alguma participação política.

Seguindo a perspectiva da visão histórico- comparativa, detemo-nos por algum tempo a esclarecer a visão de Lenza (2022) no que tange ao tema-alvo.

De forma esperada, Professor Pedro Lenza (2022) nos traz aspectos mais jurídicos e menos históricos. Vale ressaltar que nas visões anteriores, trouxemos dois exímios historiadores. Optamos por analisar um outro viés com o fim de estabelecer uma visão comparativa e interdisciplinar.

Quanto às contribuições de Lenza (2022) acerca da nossa primeira Lei Maior, podemos ratificar alguns pontos outrora elencados, como por exemplo o modelo liberal francês que foi adotado, Lenza (2022:115) entre outros. Na seara das informações específicas de cunho jurídico, seguindo a formação do autor aqui citado, podemos citar uma explicação detalhada do Poder Moderador e sua função para “assegurar a estabilidade do trono do Imperador durante o reinado no Brasil”. Lenza (2022).

No que diz respeito à classificação, a Constituição de 1824 era semirrígida, isto é, algumas normas precisam de um processo mais demorado para alteração e outras demandam menos labor para tal ação.

In fine, outro aspecto abordado por Lenza (2022:117) é a de que embora à época não houvesse a garantia de habeas corpus, o decreto 114 (1821) do Império já proibia prisões arbitrárias e, esta ação foi referendada pela Lei Magna de 1824 ao tutelar a liberdade de locomoção e também vedou qualquer hipótese de prisão arbitrária.

Nos parágrafos a seguir, caminharemos pelo poder político que emanava de Dom Pedro I, além de sua relação junto à corte lusitana, razão esta que por muito tempo guiou nosso modo de ver o mundo e, por fim, nossa ideia de cidadania.

Existe um argumento que permeia da Europa à América portuguesa, em que tanto o direito natural como o movimento iluminista foram relevantes para a construção do governo político, monarquia absolutista ou as insurreições contra a monarquia. Oliveira (2005) busca refletir em seu artigo acerca da forma que o jusnaturalismo e iluminismo influenciaram nos aspectos elencados, mantendo a concepção de império civil, de forma que foi essencial para a reorganização político-administrativa do reino de Portugal, no final do século XVIII. Após esse período, a ideia de império civil foi retomado na independência das colônias na América, em especial no Império do Brasil. Além disso, Oliveira (2005) também propõe o acompanhamento do império civil durante esses dois recortes, a partir de 1772, em que houve a reforma no ensino superior em Portugal, até 1824 quando entrou em vigor a Constituição do Império do Brasil.

Durante esse tempo, houve três momentos distintos. Oliveira (2005) destaca que o primeiro, estava constituindo o poder político e a sociedade no império portugês. Ocorreu a aproximação da concepção de poder político como imperium, que já era difundido na época, abordando uma diferenciação entre a capacidade do ministério religioso e do poder civil. Nesse tema, o teólogo Antonio Ribeiro dos Santos, se destacou nos anos 1980, pois defendia que o papel da igreja deveria ser realizar encontros religiosos e promover orientações com cunho espiritual. Além disso, defendia que era função do império civil dirigir as ações dos membros políticos em favor do bem comum.

A reforma administrativa na década de 1760, no período de D. José I, buscou fortalecer o poder régio e anular uma jurisdição eclesiástica, conforme o autor descreve

Na década de 1760, uma reforma administrativa procurou reforçar o poder régio, durante a regência de D. José I (1750-1789), e excluir uma jurisdição eclesiástica. Defendia-se o poder régio em termos da sua concepção como um poder de imperium – caracterizada pela oposição às funções eclesiásticas, mas enfatizando a supremacia do poder monárquico (OLIVEIRA, 2005, p. 46).

Oliveira (2005) destacou que o poder régio fortalecia a soberania do poder monárquico e na época o defendiam como um poder do imperium. Com isso, posteriormente foi homologada na reforma dos cursos jurídicos, a partir de um manual de direito natural elaborado por Carlos Martini, em que abordava que a manutenção da sociedade e o suprimentos de suas necessidades caberia ao império civil, sendo um poder exclusivo do monarca. Além disso, teria como poder inspecionar a conduta do clero, fortalecer o comércio e avanços científicos, bem como promover a segurança e estabilidade do Estado.

O autor aborda que os reformadores do ensino jurídico incluíram mudanças em relação à noção medieval do imperium, inicialmente alteraram a conceituação, tratando que o império civil tem sua jurisdição ampliada, dos bens aos homens, mantendo a igreja afastada dessa tarefa. Inclusive, é inserido nesse leque da jurisdição, tudo que tenha cunho religioso, devendo o Estado ter controle da dimensão e garantir a promoção da felicidade privada. Tendo em vista que o império civil foi definido como um governo de ordem moral e supremo, responsável pela pela supervisão das ações humanas e a garantia de coação do governo, estabelece a função do administrador do Estado. Essa função é exclusiva ao monarca, apresentava um teor regulamentador e superior em relação à sociedade.

Ao final do século XVII, a igreja perdeu seu espaço político, devido a restrição da sua jurisdição, bem como perdeu espaço nas decisões e reflexões políticas, uma vez que o direito natural passou a estar no centro. No entanto, Oliveira (2005) resgate que no período do governo de D. Maria I, houve um maior da política e religião ao que diz respeito à concessão de honrarias pela atividade pública como exercício de devoção a Deus. Nesse período, a monarca instituiu que o maior amor a Deus seria à obediência política, a partir disso modificou o conceito de sujeição política e devoção, de forma que uniu os distintos conceitos. E durante a regência de D. João, os pontos descritos se fortaleceram e ampliaram.

O segundo momento se dá quando o império, de acordo com Oliveira (2005), organiza-se a partir do princípio da unidade, apresentava o sistema político-administrativo, pertencia sua jurisdição às províncias com iguais direitos, sendo Portugal considerado o centro político e comercial do império. Com esse cenário e a fim de garantir a legitimação do reino português, os conceitos de poder político, sociedade e Estado deram-se em torno desse contexto Oliveira (2005). Todavia, com a mudança do príncipe-regente para o Rio de Janeiro, devido a invasão francesa em Portugal, promoveram alterações nessas concepções.

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A Corte Portuguesa se deu no Brasil, para garantir os recursos financeiros da Coroa, às concessões de monopólios e honraria passaram a ser destinados àqueles que destinavam créditos aos cofres públicos Oliveira (2005). Logo, em 1815 se inicia um novo estado político no Brasil, que buscava a ampliação da força política dentro do regime monárquico, favorecendo a intervenção do Estado na economia. Os projetos políticos que apresentavam essa ideia foi o império luso-brasílico, em que prevalecia o princípio de unidade das províncias e reinos em torno do império e com autonomia no Brasil (Oliveira, 2005).

Além disso, criação da concepção de povo, cidadania e sistemas representativos, em que o povo era representado por meio de petições. O artigo trata que esse projeto implementou o direito de voto sem liberação da esfera pública, não estendendo a participação política. O segundo projeto de império, aboliu o poder supremo do rei e os cidadão participavam da organização política, admitindo a autonomia do reino, porém ainda tendo ligação com o Reino Portugês, mantendo os direitos iguais. Este projeto incentiva o mercado interno e o poder legislativo.

No império Luso-brasílico, apresentava-se um conceito de cidadania, que diz respeito à participação política. Enquanto que o conceito de cidadão e não cidadão se dava pela diferença de homens livres e escravos e/ou homens livres sem emprego. Durante a Assembleia da Província do Rio de Janeiro, foi pautado a participação política dos cidadãos, com intuito de eleger os representantes das províncias, para se reunir em Lisboa, na Assembleia, para elaboração da Constituição da Nação Portuguesa . A reunião tornou-se uma discussão acerca da autoridade de D. João VI, bem como a cidadania e participação política, uma vez que a definição de cidadania delimitaria a fronteira do espaço público e participação política no reino do Brasil. Oliveira (2005) Em suma, o luso-brasílico reformula a atuação do Estado português a partir da função administrativa, além disso aceita a participação política com ressalvas. Por fim, reafirmando a função reguladora do poder político, no entanto com a definição de cidadania, a origem do poder começa a alterar-se.

O terceiro momento que Oliveira (2005) descreve, gira em torno do príncipe-regente D. Pedro I e o poder político do reino. Os grupos políticos, em Assembleia, confiaram no Imperador para buscar a independência política do Brasil. Durante o confronto dos projetos políticos da monarquia soberana e de um governo constitucional, o governo do reino independente encontra espaço neste meio. Com aclamação de D. Pedro I como imperador, esse confronto é exposto, de forma que o imperador agradece pelo título e José Clemente afirma que foi a “vontade do povo” que havia determinado para governar o Brasil. Oliveira (2005)

Com o título de imperador, iniciou a nova discussão para a decisão do governo político, se ocorreria de forma monárquica ou representativa. José Clemente defendeu a participação popular, enquanto que o grupo de José Bonifácio buscaram a supremacia do imperador, sem inclusão da população, Oliveira (2005). Na missa de sagração, Frei Sampaio em seu sermão consegue estabelecer a figura de D. Pedro I como “Defensor da Constituição” e ligados aos interesses da nação. Com isso, estabelece um poder político na projeção de um governo protetor, em defesa dos direitos constitucionais, conforme descreve .

O novo imperador é caracterizado naquele sermão como “ligado aos interesses da nação” e “Defensor da Constituição”: são as duas características relevantes do novo monarca. Sendo parte da Nação, está fortemente atado aos seus anseios e destinos. Pode comandá-la para a sua felicidade, porque tomou para si os ideais deste povo e dirige-o na sua busca de liberdade e afirmação de seus direitos. (OLIVEIRA, 2005, p. 53-54).

Diversos elementos contribuíram para a construção da imagem de D. Pedro I como um rei-soldado, estando incluindo as vestes de militar, os distintivos em sua roupa, o bastão que segura em sua mão, logo construindo a imagem do imperador a caminho da batalha que luta pela lei e nação. Importante destacar que durante a cerimônia presidida por Frei Sampaio, o D. Pedro I simbolizou uma Constituição ao fazer o juramento, uma vez que esta só foi redigida posteriormente. Com isso, formula a ideia de que além do poder político está descrito na Carta, o imperador também traz o compromisso de honrar a Constituição, além disso o Frei remete como uma “vara da Justiça”. Ao final, Frei Sampaio o descreve como um sacerdote, que foi concebido os poderes de imperador pela providência divina (OLIVEIRA, 2005).

O autor aborda o encruzamento dos direitos da Constituição, que garantia os direitos da nação, e o direito natural, que refletem a ordem universal, ambos com a finalidade de manter o bem comum. Com isso, defender os direitos das pessoas descritos na Carta seria garantir a lei suprema do direito natural, dessa forma representando o divino na terra, sendo operador da justiça humana e divina. Logo, o poder do imperador estava fundamentado na sua autoridade a partir dos princípios de uma razão natural e soberania divina.

Oliveira (2005) trata da construção da imagem de D. Pedro como o protetor da Constituição, abrange tanto o cunho religioso, que foi designado pelo poder divino, como o cunho representativo que foi designado pelo povo. Logo, define-se como um imperador eleito por Deus e ratificado pela população. Na sagração, também ocorreu uma atribuição a D. Pedro I de poder que não poderia ser questionada pela Assembleia Constituinte, uma vez que o ato da sagração propunha novamente a teoria do poder divino. Oliveira (2005). Com isso, a política no império se delimitava a partir da concepção da obediência e razão. Destaca-se que a obediência a D. Pedro I afirmava uma limitação dos poderes, tendo em vista que o poder do império é anterior ao exercício de qualquer outro poder institucional, no entanto para que esse poder seja ilimitado era necessário a obediência à Constituição.

Diante disso, Oliveira (2005) trata da imagem do imperador atrelado a defesa da Carta, bem como a sobreposição das leis constitucionais com o direito natural, constata-se que a monarquia constitucional manteria os elementos de poder no imperador e na Assembleia Legislativa, com isso a monarquia se apresenta como o império da lei. Esse império influenciou a fundamentação do título da independência do Brasil e a formulação do novo Estado. Dentro desse contexto, o poder político do imperador era superior, vígil e possibilitador de riquezas, manifestando-se de forma legal e como uma vontade soberana e racional. Com esse contexto, estabeleceu-se a concepção de Estado de Direito (OLIVEIRA, 2005).

Posteriormente, iniciaram as reuniões para formulação da Constituição no ano de 1823, em que foram pautados os poderes políticos, principalmente do imperador. A redação final incluía o poder legislativo, executivo, judiciário e moderador. O poder moderador, tido como o quarto poder, poderia destituir a Câmara de deputados, afastar juízes considerados suspeitos e intervir nas ações das Assembléias das Províncias (OLIVEIRA, 2005). Com isso, o poder moderador atuaria a partir de pressões e intervenções nos poderes. A Constituição reconhece as liberdades políticas, mas restringe essas mesmas liberdades através de critérios censitários para o exercício dos direitos civis e através do processo eleitoral indireto. Oliveira (2005) trata que a representação política estava limitada devido ao poder de dissolução do imperador e o poder legislativo organizado em 2 casas. Diante disso, a ideia de império civil abordava a cristalização do poder do imperador, instituído pelo poder moderador, poder supremo e exclusivo do monarca.

Para o autor, a concepção de império civil não se resume a um projeto político, mas a concepção de poder político que se tinha na época. Era um poder definido a partir da influência religiosa e concepções jusnaturalistas e por outro lado apresentava a finalidade de confrontar as liberdades políticas. Diante disso, o império civil se caracterizava em um princípio de superioridade absoluta da lei, encontrado tanto na Carta Constitucional de 1823 como de 1824, porém com objetivos diferentes, em 1824 se realiza a partir do poder moderador (OLIVEIRA, 2005).

Importante destacar que o poder moderador é baseado na excepcionalidade, em casos de ameaça ao Estado e ordem pública, podendo apenas ser contida por um poder ilimitado. Com isso, vale ressaltar a diferença encontrada na Constituição de 1823 e 1824. A primeira, garante o poder legislativo, criação e sancionamento de leis que independem do executivo. Enquanto que a segunda, estabelece a interferência do imperador no legislativo, judiciário e administrações das províncias (OLIVEIRA, 2005). Outro ponto que era característica do império civil era que tinha o poder voltado para a salvação do Estado, na Carta Constitucional de 1824, a manutenção do Estado está atrelado a um conjunto de leis do direito civil que seria responsável pelo poder moderador. A questão voltou a analisar a forma como conservaria o Estado em um governo representativo, em que nas duas Constituições buscou um equilíbrio jurídico.

Nos parágrafos que se seguem, sob a atenta lição de Paraíso (2018), dissertaremos acerca das condições da população indígena brasileira sob o viés da Carta Magna de 1824, instrumento de análise deste trabalho.

Desde que as naus portuguesas chegaram no século XVI, o choque cultural tem-se mostrado muito latente entre os dominadores e os nativos que aqui viviam a passaram a ser dominados. Como a história tem nos mostrado, sempre que um povo militarmente mais forte impõe seu poder ao mais fraco, a primeira coisa a ser imposta é sua cultura. Assim o foi em todas as civilizações que na antiguidade foram dominadas pelos romanos e, no nosso caso, com a dominação lusitana.

A questão central levantada por Paraíso (2018) no artigo aqui resumido é “Deveria ser concedida ao nativo desta terra a condição de cidadão e, por conseguinte, os direitos como tal?” Paraíso (2018:02) Os nossos constituintes tinham por fim não alterar a o estado das coisas que aqui encontravam-se após a dominação sobre os indígenas, isto seja, o modelo de estado adotado pela nossa primeira lei maior é o de construir uma “nação excludente de vários segmentos sociais que deveriam ser mantidos sob vigilância e controle pelo Estado”.

A autora leciona que o conceito de cidadania, à época, estava intrinsecamente relacionado à propriedade privada de terras. Paraíso (2018:02). Mais a seguir, nos é lembrado que os constituintes da época eram os representantes das elites locais e, nesse sentido aduz que havia duas correntes quanto à manutenção da mão-de obra indígena: De um lado, defendia-se que eles eram vitais no processo laboral; contrário senso, defendia-se que “ a presença indígena significa um obstáculo a ser eliminado em nome do progresso e da expansão econômica” Paraíso (2018:03). Uma questão fundamental levantada pela autora é que a partir do regimento Tomalino passou a ser adotada uma atitude omissiva quanto à questão da preservação das características e peculiaridades indígenas.

No tópico “uma política indigenista indefinida: os últimos anos do regime colonial'', a autora nos demonstra dois eixos principais: o eixo jurídico e o de raciocínio. Este segundo, de maior relevância, salta pela caracterização do índio como pessoas “ferozes” ou “inimigas” do Estado português que aqui se instalava. Essa definição do eixo lógico, foi usado para autorizar “guerras justas” contra os indígenas. Seguindo na página 04, é ensinado que havia três leis que regiam a administração indígena, são elas: Diretório Pombalino (1757), Cartas Régias de 1798 e as Cartas Régias de 1808 e 1809.

Na seção “Pensando as populações indígenas”, a autora retoma quanto à legalidade da escravisão indígena. As visões que antagonizam essa demanda é de que, de um lado havia os que defendiam que a manutenção da mão-de-obra deveria ser mantida como forma de garantia de sucesso do empreendimento colonial. Em sentido oposto, havia a corrente que advogava os argumentos morais, isto seja, escravidão era destinada aos pecadores e, os ameríndios não pertencenciam, Paraiso (2018:05).

Também é trazido no texto alguns “princípios científicos” que corroboram com a visão que sustenta a continuidade do trabalho indígena forçado, verbi gratia, a escravidão vista como “mal necessário” que deveria “ser suportado como uma etapa necessária ao progresso em geral e do povo brasileito em particular” Paraíso (2018:05). Outro ponto usado na defesa da tese é que Igreja Católica defendia uma “integração forçada dos indígenas''. Essa perspectiva vai ser o que dará fundamento através da “imposição da escola”, ou seja, institucionalização da imposição da cultura do colonizador.

Em “Definindo cidadãos: qual o lugar dos índios?” Paraíso (2018:09-13) analisamos acerca da necessidade de uma Constituição para entender a localização jurídica dos povos indígenas. A latência de um lei maior se inscreveu no contexto histórico da independência das colônias americanas sob a égide e “receio das sublevações das camadas dominadas e a perda do controle de privilégios das camadas dominantes a partir do momento em que as metrópoles tornaram-se menos capazes de deter essa suposta ameaça” Paraíso (2018:09)

Tem-se a definição de Nação, como sendo: “ uma comunidade política imaginada por seus idealizadores e que se efetiva através da insistente veiculação de informações articuladoras que fazem com que determinado grupo humano” Paraíso (2018:10).

Posteriormente, trata-se de um dos pontos essenciais quando fala-se sobre dominação cultural e definição de sua cidadania: imposição da linguagem. Na mesma página levanta-se o seguinte ponto: “ se os índios aprendessem a falar a português, seria esse claro sinal de que havia passado a ter um sentimento de pertinência e compartilhamento de valores e crenças?” (2018:10). Posteriormente, em nenhum momento considerou que a língua falada pelos indígenas pudesse ser usada como marca de sua identidade cultural, pelo contrário, era vista como "obstáculo à unificação” (2018:11).

Uma das sustentações para negar cidadania aos indígenas era de que “eles teriam que deixar de ser silvícolas (habitantes da floresta) e abraçassem a civilização Paraíso (2018:13)

A parte que encerra é o tópico “Um Estado omisso: a ausência de uma legislação e seus efeitos sobre as populações indígenas”, nele a autora ensina que ainda que passada toda a discussão sobre o conceito de cidadania para os indígenas, o primeiro Império manteve a legislação em vigor. Já na regência de Feijó foram revogadas as determinações das Cartas Régias de 1808 e 1809 quanto às guerras justas.

Como essas ações não contentaram a elite nacional, foram criadas “novas facilidades de acesso às terras indígenas” (2018:14) como por exemplo a responsabilidade de legislar sobre a catequese e civilização do índio.

Paraíso (2018) fala-nos de uma nova política adotada quanto aos indígenas: modelo catequético, interrompido no século XVIII pela Marquês de Pombal. Nesse sentido, também nos é retomado a dupla possibilidade de ação quanto à questão indígena: a) ressocializar ou b) exterminar. Ainda que o governo tenha optado pela ressocialização, o “reconhecimento da cidadania indígena exigia o ‘branqueamento’ cultural e racial das populações.”

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Sobre os autores
Rilawilson José de Azevedo

Dr. Honoris Causa em Ciências Jurídicas pela Federação Brasileira de Ciências e Artes. Mestrando em Direito Público pela UNEATLANTICO. Licenciado e Bacharel em História pela UFRN e Bacharel em Direito pela UFRN. Pós graduando em Direito Administrativo. Policial Militar do Rio Grande do Norte e detentor de 19 curso de aperfeiçoamento em Segurança Pública oferecido pela Secretaria Nacional de Segurança Pública.

Maria Isabel Lopes de Albuquerque

Bacharel em Direito pela FCST.

Kelson de Araújo Laurindo

Graduado em Gestão Pública- UNP..Graduando Bacharelado em Direito- Faculdade Católica Santa Teresinha – FCST em Caicó/RN. 

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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