Resumo: A locação social constitui modalidade de provimento habitacional que disponibiliza imóveis públicos ou privados para aluguel à população de menor renda, tratando-se de uma prática ainda pouco adotada pela administração pública no Brasil, especialmente em relação à população idosa, o que revela a importância de iniciativas como o Programa Viver Mais Paraná, desenvolvido pelo Estado do Paraná para a locação de imóveis públicos a idosos. Com base neste cenário, e valendo-se de abordagem qualitativa e procedimento bibliográfico, o trabalho examina o direito à moradia e sua instrumentalização em favor da população idosa, analisa a locação social como política habitacional e apresenta a experiência do Programa Viver Mais Paraná. Ao final, o artigo aponta que o Programa Viver Mais Paraná, embora ainda em implementação, é uma iniciativa promissora para efetivar o direito da população idosa à moradia adequada e para estimular e aperfeiçoar a utilização da locação social como uma opção adicional às políticas públicas do setor habitacional.
Palavras-Chave: Política habitacional. Moradia. Locação social. Idoso. Paraná.
1 INTRODUÇÃO
A falta de acesso à moradia adequada constitui problema recorrente no debate brasileiro sobre a implementação de políticas habitacionais e impacta há décadas o planejamento urbano e o ordenamento territorial do país.
De acordo com o último levantamento realizado pela Fundação João Pinheiro (2021) para o Ministério do Desenvolvimento Regional, o deficit habitacional estimado para o Brasil foi de 5,876 milhões de domicílios no ano de 2019, dos quais 5,044 milhões estão localizados em área urbana e 832 mil em área rural, representando 8% do estoque total de domicílios particulares permanentes e improvisados do universo pesquisado.
O principal componente do deficit habitacional identificado foi o ônus excessivo com o aluguel urbano: 3,035 milhões de domicílios, cuja renda domiciliar era inferior a três salários mínimos, utilizaram mais de 30% dela com aluguel, número equivalente a 51,7% do total do deficit do país. Na sequência, vieram as habitações precárias, com 1,482 milhão de unidades, correspondente a 25,2% do deficit, e a coabitação, com 1,358 milhão de domicílios, representando o percentual de 23,1% do deficit (FJP, 2021).
A pesquisa da Fundação João Pinheiro (2021) ainda evidenciou que o deficit habitacional cresceu 1,3% desde o ano de 2016, com tendência de incremento do ônus excessivo com o aluguel urbano em detrimento dos demais componentes, elevando sua participação de 49,7% (2016) para 51,7% (2019). No período analisado, foi também possível verificar que o deficit habitacional passou a se concentrar mais nos estratos inferiores de renda, de até dois salários mínimos, que elevaram sua participação de 68,4% para 74,4%.
Há diversos fatores que podem ser considerados para explicar essa realidade no cenário nacional, inclusive a apatia das lideranças que passaram pelos Poderes Executivo e Legislativo federal em reconhecer a falta de acesso da população à moradia e tratar esse problema como prioridade e política de Estado, especialmente a partir do crescimento dos grandes centros e da urbanização no último século.
Num recorte histórico que abrange desde as ações promovidas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), a partir de 1964, passando pelos Programas de Arrendamento Residencial (1999) e de Subsídio Habitacional (2001) e Plano Nacional de Habitação (2009), até as duas edições do Programa Minha Casa Minha Vida (2009 e 2011), observa-se que as políticas habitacionais em âmbito nacional centraram seus esforços na consolidação de um modelo que privilegiou o financiamento da casa própria em favor da classe média (BONDUKI, 2014) e que não foi capaz de solver o problema crônico da falta de moradia.
Modalidades alternativas e complementares à disponibilização de acesso ao imóvel próprio para suprir o deficit habitacional – como a locação social, que têm sido uma experiência difundida sobretudo em países europeus após a Segunda Guerra Mundial – não têm sido priorizadas nas políticas habitacionais do país, à exceção de algumas poucas iniciativas adotadas por governos estaduais e municipais, a exemplo do Programa Viver Mais Paraná, voltado à locação social de unidades residenciais à população idosa, em fase de implementação no Estado do Paraná.
Com base neste panorama, e valendo-se de abordagem qualitativa e procedimento bibliográfico, o artigo é dividido em quatro seções. A primeira parte examina o direito à moradia, a partir do arcabouço normativo internacional e brasileiro, e sua instrumentalização em favor da população idosa. A segunda trata da locação social como política habitacional, refletindo a respeito das vantagens de sua adoção para auxiliar na resolução do deficit habitacional do país. A terceira seção, por sua vez, descreve a experiência do programa habitacional Viver Mais Paraná enquanto iniciativa destinada à locação de imóveis públicos para idosos em situação de vulnerabilidade social. Após, são apresentadas as conclusões.
2 O DIREITO À MORADIA E A POPULAÇÃO IDOSA
O direito à moradia é reconhecido, tanto internacionalmente quanto na esfera nacional, como um direito fundamental inerente à própria condição humana.
No plano internacional, sua normatização seu deu com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 1948, a qual consagrou a habitação como integrante do direito a um adequado padrão de vida (art. 25, 1):
Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde, bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis e direito à segurança em caso de desemprego, doença invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda dos meios de subsistência em circunstâncias fora de seu controle (ONU, 2009).
Posteriormente, o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, firmado em 1966 (ONU, 2009), replicou essa disposição, estabelecendo a necessidade de os Estados-partes reconhecerem o direito de toda pessoa a um nível de vida adequando para si próprio e sua família, inclusive à alimentação, vestimenta e moradia adequadas, assim como a uma melhoria contínua de suas condições de vida (art. 11, 1).
Outras conferências e declarações internacionais, como a Declaração de Vancouver sobre Assentamentos Humanos (1976), a Agenda 21 (1992), a Declaração de Istambul sobre Assentamentos Humanos (1996), a Agenda Habitat (1996) e a Declaração do Milênio e de Desenvolvimento do Milênio (2000), também abordaram o direito à moradia adequada e o compromisso dos membros das Nações Unidas para a sua consecução.
O direito à moradia é atualmente albergado pelos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas (ONU, 2022), pois entre as metas previstas para a Agenda 2030 está “tornar as cidades e os assentamentos humanos inclusivos, seguros, resilientes e sustentáveis” (Objetivo 11) e “até 2030, garantir o acesso de todos à habitação segura, adequada e a preço acessível, e aos serviços básicos e urbanizar as favelas” (Objetivo 11.1).
De acordo com esse arcabouço normativo, o direito à moradia não deve ser interpretado em um sentido restrito “que o equipara com, por exemplo, o abrigo provido meramente de um teto sobre a cabeça dos indivíduos, ou julga o abrigo exclusivamente como uma mercadoria”. Daí a razão pela qual, a partir da Declaração de Vancouver, as normas e documentos internacionais têm adjetivado a moradia como adequada, compreendido este direito como o de “viver, onde quer que seja, com segurança, paz e dignidade, e partindo-se da premissa de que a adequação da moradia é determinada em parte por fatores sociais, econômicos, culturais, climáticos e ecológicos” (BRASIL, 2013, p. 34-35).
O Comentário Geral nº 4 do Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas, ao interpretar o Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (BRASIL, 2013), aponta que a moradia adequada é aquela que assegura: (i) segurança legal da posse do imóvel; (ii) disponibilidade de serviços, materiais, facilidades e infraestrutura; (iii) custo acessível; (iv) habitabilidade, isto é, espaço apto a promover a segurança física de seus habitantes; (v) acessibilidade, de forma a se conceder acesso total e sustentável a recursos de habitação a grupos desfavorecidos; (vi) localização que permita acesso a opções de trabalho, serviços de saúde, escolas e outras facilidades sociais; (vii) e adequação cultural, vale dizer, a maneira de construção, os materiais e as políticas em que se baseiam devem possibilitar a expressão da identidade e diversidade cultural da habitação.
No plano brasileiro, por força da Emenda Constitucional nº 26, editada no ano 2000, o direito à moradia foi inserido no rol de direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal de 1988, sendo-lhe conferido status de direito social: “são direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados” (art. 6º). O texto constitucional também definiu ser competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios promover programas de construção de moradias e a melhoria das condições habitacionais, conforme art. 23, IX (BRASIL, 1988).
Sarlet (2010) explana que esse direito à moradia, assim como outros direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, pode exercer, inclusive de forma simultânea, uma função defensiva (dimensão negativa) ou uma função prestacional (dimensão positiva). Na primeira hipótese, tem-se que a moradia deve ser protegida contra toda forma de agressão de terceiros, de modo que, tanto o Estado como os particulares, têm o dever de respeitar e não violar a habitação das pessoas, o que implica a observância do devido processo legal em caso de desapossamentos e proteção em face de medidas arbitrárias. Em seu viés prestacional, representa a possibilidade de o poder público ser compelido a disponibilizar uma moradia para os que demonstrarem a sua falta e a impossibilidade de aquisição ou acesso por seus próprios recursos, a fim de lhes assegurar uma vida digna.
Outro importante marco legislativo sobre o tema foi o Estatuto da Cidade, criado pela Lei nº 10.257/2001, que veio a regulamentar dispositivos constitucionais sobre o uso da propriedade urbana e disciplinar instrumentos para efetivar o direito à moradia e assegurar que a propriedade cumpra sua função social, entre eles o parcelamento, edificação e utilização compulsórios, o IPTU progressivo e a desapropriação, aplicáveis para os casos em que o solo urbano não for edificado, subutilizado ou não utilizado1. A norma elegeu o plano diretor, a ser aprovado pelos municípios por meio de lei própria, como o instrumento básico da política de desenvolvimento e expansão urbana (BRASIL, 2001), delegando assim à esfera municipal a adoção das ações e políticas necessárias à ordenação do espaço e da propriedade nas cidades.
Destaca-se também a Lei nº 11.124/2005, que dispôs sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) e criou o Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS). Esse diploma (BRASIL, 2005) previu que a estruturação, a organização e a atuação do SNHIS deve observar a moradia digna como direito e vetor de inclusão social (art. 4º, I, b) e a função social da propriedade urbana, visando a garantir atuação direcionada a coibir a especulação imobiliária e permitir o acesso à terra urbana e ao pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e da propriedade (art. 4º, I, d).
A Lei nº 11.481/2007, por sua vez, contemplou medidas voltadas à regularização fundiária de interesse social em imóveis da União, incluindo a concessão de uso especial e o direito de uso especial para fins de moradia como figuras jurídicas decorrentes do exercício da habitação e autônomas em relação ao direito de propriedade (BRASIL, 2007).
Mais recentemente, a Lei nº 14.118/2021, ao instituir o programa habitacional federal denominado Casa Verde e Amarela, referiu que a habitação precisa ser compreendida em seu sentido amplo de moradia, com a integração das dimensões física, urbanística, fundiária, econômica, social, cultural e ambiental do espaço em que a vida do cidadão acontece (art. 2º, II). As diretrizes do programa também devem observar o estímulo ao cumprimento da função social da propriedade e do direito à moradia (art. 2º, III) e o estímulo a políticas fundiárias que garantam a oferta de áreas urbanizadas para habitação, com localização, preço e quantidade compatíveis com as diversas faixas de renda do mercado habitacional, de forma a priorizar a faixa de interesse social da localidade (art. 2º, V) (BRASIL, 2021b).
No âmbito específico da promoção da moradia em favor da população idosa, o principal diploma normativo para sua instrumentalização e efetivação no Brasil tem sido o Estatuto do Idoso, criado pela Lei nº 10.741/2003. Adota-se aqui, para definir idoso, o critério da própria lei (BRASIL, 2003): pessoa com idade igual ou superior a 60 anos (art. 1º).
O Estatuto do Idoso deu destaque substancial ao direito à moradia em dispositivo próprio, preceituando que a pessoa idosa tem direito à moradia digna, no seio da família natural ou substituta, ou desacompanhado de seus familiares, quando assim o desejar, ou, ainda, em instituição pública ou privada (art. 37). E, para garanti-lo, estabeleceu que nos programas habitacionais, públicos ou subsidiados com recursos públicos, o idoso goza de prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria, respeitados os seguintes requisitos (art. 38): (i) reserva de pelo menos 3% das unidades habitacionais; (ii) implantação de equipamentos urbanos comunitários voltados a essa faixa etária; (iii) eliminação de barreiras arquitetônicas e urbanísticas, para garantia de acessibilidade; (iv) e critérios de financiamento compatíveis com os rendimentos de aposentadoria e pensão (BRASIL, 2003).
A prioridade na aquisição de imóvel para moradia própria da população idosa, com a reserva de ao menos 3% das unidades habitacionais que estiverem incluídas em programas públicos ou subsidiados com recursos públicos deste setor, constitui, segundo Gugel (2009), uma política de ação afirmativa voltada para a implementação do direito do idoso à moradia e que pode ser efetivada obedecendo a critérios e instrumentos legais já existentes no Sistema Nacional Habitação de Interesse Social (SNHIS) e outras fontes. Para a autora, há neste caso o reconhecimento legislativo de que pessoas idosas ou grupos de pessoas idosas são discriminados no acesso à moradia, ensejando a necessidade de intervenção do Estado brasileiro para promover o direito à moradia, a qual então ocorre por intermédio da adoção de uma discriminação positiva ou ação afirmativa.
De modo a incrementar esse percentual, o Projeto de Lei nº 1765/2015, que tramita no Congresso Nacional, pretende ainda alterar a Lei nº 11.124/2005, que dispõe sobre o Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS), para tratar da habitação destinada a idosos, reservando 20% dos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social (FNHIS) à implantação de conjuntos habitacionais específicos, na modalidade de cessão de uso, para idosos de baixa renda, assim considerados aqueles com idade igual ou superior a 60 anos e renda familiar mensal máxima de cinco salários mínimos (BRASIL, 2015).
O estabelecimento de cotas habitacionais e a priorização da população idosa no acesso a programas de habitação atende ao requisito da acessibilidade, um dos elementos apontados pelo Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais das Nações Unidas como necessário à materialização da moradia digna, conforme abordado anteriormente. O órgão recomenda que “a grupos desfavorecidos deve ser concedido acesso total e sustentável a recursos de habitação adequada”, garantindo-se que grupos de crianças, idosos, pessoas com deficiência, vítimas de desastres naturais e pessoas vivendo em áreas propensas a desastres, entre outros, estejam em patamar de consideração prioritária na esfera habitacional (BRASIL, 2013, p. 36).
O tratamento legislativo, porém, nem sempre tem reflexos consideráveis que possam ser aferidos facilmente na realidade. Não há no país, por exemplo, dados atualizados sobre o deficit habitacional enfrentado pela população com idade igual ou superior a 60 anos que possam contribuir para o planejamento e dimensionamento das políticas habitacionais destinadas a esse grupo etário. A Confederação Nacional dos Municípios, por sua vez, afirma que a política habitacional avançou na última década, “mas ainda enfrenta grandes desafios e precisa fortalecer mecanismos para a população idosa de baixa renda” (CNM, 2021).
A população brasileira, embora seja hoje predominantemente jovem, está sujeita à tendência de envelhecimento decorrente da queda da fecundidade e da taxa de mortalidade e do aumento da expectativa média de vida. De acordo com as projeções do IBGE (2022), o percentual de pessoas com 60 anos ou mais, que neste ano de 2022 já representa 15,13% da pirâmide etária, duplicará no ano de 2060 e passará a equivaler a 32,16%.
O aumento da população idosa nas próximas décadas inevitavelmente repercutirá no planejamento e no desenvolvimento urbanos e, por conseguinte, na orientação das políticas habitacionais. Entre outros desdobramentos, Costa et al. (2016) assinalam que o aumento da longevidade e as mudanças na estrutura familiar geram um número cada vez maior de pessoas idosas vivendo sozinhas, situação que já se observa em países desenvolvidos2 e que implica desafios para prover habitação adequada para toda a população.
3 A LOCAÇÃO SOCIAL COMO POLÍTICA HABITACIONAL
A proteção legal à moradia, como visto, é mais ampla do que o tradicional direito à propriedade, pois contempla direitos não vinculados necessariamente à propriedade, tendo a finalidade de garantir que todo ser humano tenha um lugar seguro para habitar e viver com dignidade, incluindo aqueles que não são proprietários de um imóvel. Por conseguinte, a segurança da posse, um dos pilares do direito à moradia adequada, pode assumir diferentes modalidades, como a locação, a cooperativa de habitação, o arrendamento, a ocupação, a habitação de emergência ou os assentamentos informais (BRASIL, 2013), o que significa dizer que as políticas públicas destinadas à regularização do deficit habitacional não precisam se resumir apenas à disponibilização ou financiamento da casa própria.
No Brasil, prepondera o ideário da casa própria como forma de acesso à moradia. Esse viés patrimonialista remonta à década de 1940, a partir do Decreto-Lei no 4.598/1942, conhecido como a Lei do Inquilinato, que passou a reconhecer direitos em favor dos inquilinos, dificultou o despejo por inadimplência e congelou os valores dos aluguéis. Até então, o acesso à habitação se dava majoritariamente por meio do pagamento mensal de aluguéis. Com o intuito de inibir a produção rentista de moradias, a lei foi instituída durante a Segunda Guerra Mundial, mas seus efeitos se postergaram por mais de vinte anos, o que ensejou o enfraquecimento do mercado de aluguéis e fomentou a produção da casa própria associada à expansão das fronteiras urbanas (BALBIM, 2015).
Mais tarde, os programas habitacionais executados em âmbito nacional seguiram estimulando a aquisição do imóvel próprio em detrimento de outras alternativas, consoante retrato histórico evidenciado por Bonduki (2014). É o caso das ações adotadas pelo Banco Nacional da Habitação (BNH), a partir da década de 1960, e, mais recentemente, pelo Programa de Arrendamento Residencial (1999), Programa de Subsídio Habitacional (2001) e as duas edições do Programa Minha Casa Minha Vida (2009 e 2011), que deram ênfase ao financiamento da casa própria à população, sobretudo em favor da classe média, com a participação da iniciativa privada na produção das unidades habitacionais.
Uma das objeções mais recorrentes ao modelo que prioriza o custeio da aquisição da casa própria recai sobre o fato de que os financiamentos disponibilizados se demonstram incapazes de atender à significativa parcela da população de menor poder aquisitivo, a qual acaba classificada como abaixo da denominada “linha de atendimento por financiamento” e, assim, excluída dos programas habitacionais e do acesso à moradia adequada. É o caso, por exemplo, de grande parte da população idosa, que tem no recebimento de um modesto benefício previdenciário sua única fonte de renda, já comprometida com a sua própria subsistência e da família. Também se aponta que a tentativa de universalizar o imóvel próprio e, por meio dessa forma, solver por completo o deficit habitacional não é uma hipótese viável, inclusive em países desenvolvidos e sobretudo em cidades de maior porte, até porque há setores para os quais a aquisição de um imóvel não é atraente, seja por condições econômicas, seja pela necessidade de maior mobilidade (ROSSI; MAHER JR., 2014).
O incentivo governamental apenas ao financiamento do imóvel próprio também pode ocasionar desdobramentos que impactam a estruturação das cidades e cujos custos social e econômico devem ser sopesados. Cardoso, Aragão e Jaenisch (2017), a esse respeito, citam a experiência do Programa Minha Casa Minha Vida. A iniciativa, embora tenha propiciado um volume de produção de imóveis até então inédito na história das políticas habitacionais do país, foi estruturada em um modelo de mercantilização que tem como consequência imediata um aquecimento do mercado e uma tendência à elevação dos preços da terra, além de provocar o deslocamento dos empreendimentos para áreas periféricas, em busca de menores custos pelas construtoras, em locais que muitas vezes não têm infraestrutura e acessibilidade, sujeitos à segregação social e que demandarão novos investimentos públicos.
Diante desse cenário, a locação social constitui uma alternativa de moradia que deveria ser melhor aproveitada e incorporada às políticas habitacionais que são desenvolvidas no país, seja na esfera federal, estadual ou municipal, inclusive em relação à população idosa, que constitui um dos grupos mais sujeitos à vulnerabilidade social e cuja tendência de residir sem a companhia da família deve se acentuar nas próximas décadas.
Milano (2013) explica que a locação social, também chamada de aluguel social, caracteriza-se como um modelo de provisão habitacional realizado mediante intervenção estatal e destinado à população de baixa renda. A locação pode assumir diferentes formatos, permitindo que o proprietário do imóvel seja um particular ou o próprio poder público. No primeiro caso, entre outros modelos, o Estado pode conceder benefícios aos proprietários de imóveis ociosos – como incentivos fiscais, por exemplo –, para que deixem aos cuidados de um gestor a locação desses espaços, ocasionando então a cobrança de um valor de aluguel mais acessível aos locatários. Na segunda hipótese, as moradias são alugadas diretamente pelo governo aos beneficiários, sem a intervenção do setor privado.
A autora destaca que um programa de locação social não se confunde com benefícios assistenciais de caráter temporário, frequentemente conhecidos como “auxílio aluguel”, porque, embora sejam opções de locação bastante comuns adotadas pelo poder público, elas “não auxiliam na redução do deficit habitacional brasileiro e não consideram o aluguel como uma opção de moradia definitiva” (MILANO, 2013, p. 10). Portanto, situações sujeitas à transitoriedade habitacional, em que o poder público auxilia financeiramente moradores para viver de aluguel por prazo determinado – como na hipótese de vítimas de desastres naturais ou afetadas por obras públicas –, não estão englobadas no conceito de locação social.
Por seu turno, Balbim (2015) acentua que o caráter inovador da locação social está em se compreender a moradia como um serviço ofertado por intermédio de um programa ou ação do Estado. A partir desse ponto de vista, a ideia de moradia como serviço público, ainda que prestado em parceria com o setor privado, passa a se contrapor ao mercado de imóveis residenciais e às políticas habitacionais que têm sido praticadas no Brasil, que historicamente tratam a habitação apenas como um bem de consumo.
Observada a concepção de serviço público, a locação social deve se submeter a um regime jurídico que justifique o uso dos bens pelos particulares, o que demanda a adoção de estratégias de: (i) regulação, para fixar os atributos das famílias beneficiárias, as prioridades de atendimento, os valores de aluguel e as condições básicas dos imóveis participantes, como tamanho e cômodos; (ii) mecanismos tributários e financeiros, para que se possa estabelecer incentivos tributários, tarifários ou urbanísticos aos proprietários que disponibilizam unidades habitacionais para aluguel a valores determinados pelo poder público; (iii) e mobilização de atores e de parques imobiliários, para que se tenha disponível um conjunto de imóveis públicos e/ou privados reservados aos beneficiários (LUFT; LIMA, 2021).
Além de ser apontada como uma alternativa habitacional aos problemas que têm sido verificados em decorrência da oferta praticamente exclusiva de programas habitacionais direcionados ao financiamento da casa própria – como especulação imobiliária, aumento significativo do preço da terra, produção de unidades em áreas periféricas destituídas de condições mínimas de infraestrutura e acessibilidade, e não atendimento suficiente da população de baixa renda pelas ações executadas –, a locação social apresenta outros pontos favoráveis que podem contribuir para a diminuição do deficit de moradias.
A implementação de programas desta modalidade permite que o Estado intervenha no mercado de preços de aluguel, o que pode evitar a expulsão da população de baixa renda de determinadas áreas em decorrência da valorização imobiliária, consubstanciando uma possibilidade concreta “para a promoção de cidades mais justas, inclusivas e democráticas” (ANDRADE; BREVIGLIERI, 2016, p. 134). E, ao mesmo tempo em que garante o acesso à moradia digna, também auxilia a solver os problemas relacionados aos inúmeros imóveis vagos e desocupados que existem no país (DIAS; SANTOS, 2021), cujo número sequer é hoje conhecido em dados atualizados, porque sua análise não tem sido contemplada pela Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (FJP, 2021).
Estudo produzido para o Banco Interamericano de Desenvolvimento ainda sugere que “o mercado de locação pode ser um instrumento fundamental da política habitacional na América Latina e no Caribe, uma vez que constitui uma alternativa válida de moradia social com maior potencial de sustentabilidade fiscal”, além de se revestir como “uma opção flexível para atender as preferências de certos setores da demanda e uma oportunidade para oferecer localizações melhores e desestimular o desenvolvimento periférico de baixa densidade”. Recomenda, assim, que os governos da região incluam a locação como uma opção adicional na política habitacional, complementar às medidas que são voltadas para a aquisição da casa própria (BLANCO; CIBILS; MUÑOZ, 2014, p. 41-42).
A locação social passou a ser incentivada como política estruturada de Estado em diversos países europeus depois da Segunda Guerra Mundial, porque a habitação foi tratada como mecanismo fundamental para assegurar a reprodução da força de trabalho e viabilizar a recuperação das economias (BALBIM, 2015). Iniciativas desta modalidade tornaram-se bastante replicadas na França e na Inglaterra e foram também incorporadas em programas de governo nos Estados Unidos (MILANO, 2013). Há ainda experiências conhecidas e estudadas na África do Sul, Chile, Cingapura, Colômbia, Itália, México, Países Baixos e Uruguai (ROSSI; MAHER JR., 2014; BALBIM, 2015; JULIANO et al., 2018).
No Brasil, porém, essa forma de provimento habitacional não foi até hoje instituída como política em âmbito nacional, conquanto o Plano Nacional de Habitação em vigência – que foi elaborado em 2009 e norteia as ações do setor até 2023 – preveja a “promoção pública de locação social de unidades habitacionais em centros históricos e áreas urbanas consolidadas” como uma de suas linhas programáticas, objetivando subsidiar parte dos aluguéis de unidades habitacionais para grupos de baixa renda em centros urbanos e áreas urbanas consolidadas de metrópoles e centros regionais (BRASIL, 2010, p. 156).
A Lei nº 14.118/2021, por sua vez, refere que as unidades habitacionais produzidas para o Programa Casa Verde e Amarela, que contempla famílias residentes em áreas urbanas com renda mensal de até sete mil reais, poderão ser disponibilizadas aos beneficiários sob a forma de locação, em contrato subsidiado ou não, conforme art. 8º, § 6º (BRASIL, 2021b). No Congresso Nacional, a matéria é ainda objeto do Projeto de Lei nº 6.342/2009, que pretende instituir no âmbito do Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social (SNHIS) o Serviço de Moradia Social para famílias de baixa renda (BRASIL, 2009).
Em dezembro de 2021, o governo federal anunciou que os Ministérios do Desenvolvimento Regional e da Economia, a Caixa Econômica Federal e a Prefeitura do Recife assinaram termo de contratação de estudo para realizar o primeiro projeto de locação social do Brasil no âmbito do Programa Casa Verde e Amarela. Pretende-se disponibilizar 450 unidades habitacionais no centro da cidade do Recife, como ação integrante do Recentro, plano municipal de revitalização para a região. Os imóveis serão ofertados a famílias com renda mensal de até três salários mínimos e o modelo de contrato será de Parceria Público-Privada, com prazo estimado de 35 anos. O estudo deverá considerar a utilização de imóveis ociosos da União e da Prefeitura do Recife para reforma, requalificação e construção de novas moradias destinadas à locação social (BRASIL, 2021a).
Há no país, concretamente, apenas algumas iniciativas isoladas implementadas por estados e municípios para ofertar o serviço de locação social, com destaque para o município de São Paulo, em que há aproximadamente mil imóveis vinculados ao Programa de Locação Social, distribuídos em seis empreendimentos: Parque do Gato, Olarias, Palacete dos Artistas, Senador Feijó, Asdrúbal do Nascimento e Vila dos Idosos, este último disponibilizado à população idosa. Segundo Luft e Lima (2021), trata-se do primeiro programa brasileiro de relevância a instituir o aluguel como uma política pública habitacional.
A maioria dessas iniciativas, na contramão do que se verificou na experiência internacional, tem o Estado como responsável pela gestão dos imóveis locados e há o emprego exclusivo de recursos públicos para a criação dos parques imobiliários, para o fornecimento de subsídios para os beneficiários e/ou para o pagamento dos proprietários de imóveis privados participantes do programa (MELLO; BEZERRA, 2019).
Para atendimento à população idosa, além do conjunto Vila dos Idosos, que integra o programa habitacional paulistano, e do Programa Mais Viver Paraná, que será abordado adiante, menciona-se como experiência de locação social o Programa Cidade Madura, do Estado da Paraíba, responsável pela construção de condomínios, com quarenta unidades cada um, nas cidades de Campina Grande, Cajazeiras, Guarabira, João Pessoa, Patos e Sousa.
4 O PROGRAMA HABITACIONAL VIVER MAIS PARANÁ
O Programa Viver Mais Paraná foi concebido como uma modalidade do programa de habitação do Estado do Paraná, voltado à produção de condomínios residenciais para atender pessoas a partir dos 60 anos de idade, mediante locação das unidades correspondentes, ao custo mensal equivalente a 15% do salário mínimo nacional.
A iniciativa foi lançada pelo governo estadual em outubro de 2019, sob a justificativa de implementar políticas públicas voltadas à população idosa, grupo que responderia por aproximadamente 10% do deficit habitacional do Estado, de acordo com estimativas deste (PARANÁ, 2022b). Sua consecução está sob a responsabilidade da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), empresa de economia mista fundada em 1965 e que atua na coordenação e execução dos programas habitacionais do Estado Paraná.
Previsto para municípios com mais de 30 habitantes, atualmente o programa conta com 18 cidades contempladas em variadas áreas territoriais do Estado: Arapongas, Campo Mourão, Cascavel, Cianorte, Cornélio Procópio, Fazenda Rio Grande, Francisco Beltrão, Foz do Iguaçu, Guarapuava, Irati, Jaguariaíva, Londrina, Maringá, Palmas, Pato Branco, Prudentópolis, Ponta Grossa e Telêmaco Borba. Já foram investidos pela Cohapar o montante de R$ 24 milhões na execução das obras e a meta é construir 21 empreendimentos até o final de 2022, totalizando 840 unidades habitacionais (PARANÁ, 2022a).
Os primeiros condomínios destinados à locação social em favor da população idosa foram entregues nos municípios de Jaguariaíva (2020), Foz do Iguaçu (2021) e Prudentópolis (2021), totalizando 120 moradias. Há empreendimentos em fase de construção em Cornélio Procópio, Irati e Telêmaco Borba, enquanto que em Cascavel, Francisco Beltrão e Ponta Grossa as licitações para a escolha das construtoras já foram concluídas. Nas demais cidades, o programa ainda está em fase de planejamento para execução.
As unidades habitacionais são produzidas em formato de condomínios fechados horizontais, totalizando 40 moradias por condomínio. Cada unidade é composta por um dormitório, sala, banheiro, cozinha e varanda, dispostos em área pouco superior a 40 metros quadrados, espaço que pode variar conforme as peculiaridades de cada projeto.
Os condomínios são projetados com infraestrutura de lazer, de modo a disponibilizar, entre outros equipamentos, praça de convivência, academia ao ar livre, horta comunitária, salão de festas, pista de caminhada, quiosques multiúso e mobiliários para a prática de jogos de tabuleiro e carteado. Além disso, tanto as unidades quanto os espaços comuns dos empreendimentos são adaptados com itens de acessibilidade: rampas de acesso, portas mais largas, barras de apoio, ventilação cruzada e adequação dos pisos.
Essas características arquitetônicas, além de atender a requisitos de acessibilidade adequados à população idosa e que podem contribuir para que os respectivos locatários tenham assegurado o direito à moradia digna nos imóveis, guardam observância ao Estatuto do Idoso (art. 38), o qual dispõe que os programas habitacionais devem eliminar barreiras arquitetônicas e urbanísticas impostas aos idosos e implementar unidades residenciais que sejam situadas, preferencialmente, no pavimento térreo (BRASIL, 2003).
Os terrenos necessários à edificação dos condomínios podem ser doados pelos municípios interessados em participar do programa ou adquiridos pela Cohapar, com a condicionante de que área seja “localizada em região atendida por equipamentos públicos e dotada de itens de infraestrutura básica”, segundo a empresa habitacional (PARANÁ, 2022b). O desenvolvimento dos projetos de cada um dos condomínios é realizado pela Cohapar, ao passo que a sua execução fica sob o encargo de empresas da construção civil, contratadas mediante processo licitatório e remuneradas com recursos do tesouro estadual.
Os interessados em participar do programa podem realizar sua inscrição diretamente na Cohapar, inclusive de modo eletrônico no site do órgão, que conta com formulário específico para essa finalidade. Podem se inscrever pessoas sozinhas ou casais com idade superior a 60 anos, com renda mensal de um a seis salários mínimos e que não possuam imóvel próprio. Preenchidos esses requisitos de habilitação, a Cohapar também realiza uma análise socioeconômica dos interessados e faz consulta a cadastros de inadimplência.
O acesso à locação é priorizado para alguns grupos de idosos: residentes em áreas de risco ou insalubres ou que tenham sido desabrigados; aqueles que compõem núcleo familiar com mulheres responsáveis pela unidade familiar ou cujo núcleo familiar seja integrado por pessoa com deficiência; inscritos no programa Bolsa Família ou Benefício de Prestação Continuada (BPC); pertencentes a núcleo familiar residente em coabitação ou adensamento; e integrantes de núcleo familiar com ônus excessivo de aluguel.
A gestão dos aluguéis, no importe mensal de 15% do salário mínimo para cada unidade locada, é realizada diretamente pela Cohapar, que reinvestirá os valores arrecadados na política habitacional. Esse percentual está dentro da margem sugerida pelos padrões internacionais, que, para fins de política habitacional, compreendem a moradia acessível como aquela em que seus habitantes não gastam mais de 30% de sua renda para usufruí-la (BLANCO; CIBILS; MUÑOZ, 2014; LUFT; LIMA, 2021). O patamar de 30% também é utilizado como limite para compor a estimativa do deficit habitacional brasileiro em relação àqueles que vivem em moradias de aluguel (FJP, 2021).
Já a gestão dos condomínios fica a cargo dos próprios locatários, sob a supervisão dos municípios conveniados, englobando serviços de monitoramento, segurança, limpeza e manutenção das áreas comuns, gestão contábil e prestação de contas, entre outros. É possível que a gestão condominial seja custeada com recursos de fundos sociais, apoio filantrópico da iniciativa privada ou com recursos próprios do município.
No ano de 2021, durante o 68º Fórum Nacional de Habitação de Interesse Social, o Programa Viver Mais Paraná foi anunciado como um dos vencedores do Selo de Mérito, na categoria Projetos, Ações, Planos e Programas voltados para a produção e/ou gestão de HIS. O prêmio é promovido pela Associação Brasileira de Cohabs e Agentes Públicos de Habitação (ABC) e o Fórum Nacional de Secretários de Habitação e Desenvolvimento Urbano (FNSHDU), com o objetivo estimular e difundir as experiências bem-sucedidas desenvolvidas pelos órgãos públicos estaduais e municipais no âmbito da habitação de interesse social.
5 CONCLUSÃO
O acesso à moradia adequada constitui um direito inalienável do ser humano, assegurado pelo ordenamento jurídico brasileiro e internacional, cujo exercício transborda a mera ocupação de um lugar ou a detenção da propriedade de um imóvel. Isso implica a compreensão de que as políticas habitacionais devem ir além da mera disponibilização de unidades residenciais àqueles que delas precisam, de modo a se garantir que esses espaços possam também ter um custo acessível e oferecer condições de infraestrutura, segurança e dignidade, fatores que estão umbilicalmente associados ao desenvolvimento urbano.
Ações governamentais do setor habitacional também devem ter sua atenção voltada para afiançar que grupos de maior vulnerabilidade social entre aqueles que necessitam de moradia adequada sejam priorizados, como é o caso da população idosa, assim entendida a classe de pessoas com 60 anos de idade ou mais. Embora no Brasil não existam dados atualizados sobre o número de idosos que hoje compõem o deficit habitacional, é preciso ter em mente que esse grupo etário duplicará nas próximas quatro décadas, o que, aliado à tendência de um número cada vez maior de idosos residindo sem a companhia da família, acarretará possível crescimento da demanda por imóveis e impactará o ordenamento das cidades.
E, uma vez evidenciada a necessidade de ampliação das políticas habitacionais direcionadas à população idosa, o panorama histórico do país demonstra que a consolidação de um modelo que privilegiou apenas o financiamento da casa própria não foi capaz de solver o problema crônico da falta de moradia, trazendo ainda consigo outros problemas, como a especulação imobiliária, aumento significativo do preço da terra, produção de unidades em áreas periféricas destituídas de condições mínimas de infraestrutura e acessibilidade, e não atendimento suficiente da população de baixa renda pelos programas estatais.
A locação social, diante desse cenário, constitui uma forma de provisão habitacional que deveria ser melhor aproveitada e incorporada às políticas públicas do setor, a exemplo do que já acontece em muitos outros países, especialmente na Europa. Não se trata de abolir o financiamento e a disponibilização do imóvel próprio com a intervenção do Estado, mas de se adotar, também sob a condução deste, outros arranjos que complementarmente possam ampliar o acesso à moradia adequada, contribuindo para a ocupação de imóveis vagos e a permanência de famílias em áreas próximas de seu trabalho ou local de origem.
Há diversos formatos provenientes da experiência internacional que podem ser testados e adaptados à realidade brasileira, na medida em que a locação social pode ser realizada com imóveis públicos e/ou privados, mediante a concessão de benefícios e subsídios aos proprietários e/ou aos locatários, e com a possibilidade de instituição de parcerias com a inciativa privada, entre outras variáveis.
O Programa Viver Mais Paraná é uma das poucas iniciativas do país voltadas à locação de unidades habitacionais para atender à população idosa. Caracteriza-se pela participação exclusiva da administração pública na sua consolidação, já que os empreendimentos são custeados pelo Estado do Paraná, sob a coordenação da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), que também é a responsável pela cobrança dos aluguéis e reinvestimento dos valores arrecadados nesta mesma política habitacional. A produção das unidades em formato de condomínios horizontais, com equipamentos de lazer e convívio comunitário, e itens de acessibilidade para eliminar barreiras arquitetônicas, evidenciam a disposição do programa em respeitar as condições dos moradores a que se destina e, desse modo, efetivar o direito à moradia adequada dos respectivos locatários.
Como a iniciativa é recente e as unidades habitacionais prosseguem sendo construídas em vários municípios paranaenses, com a cobrança de aluguel instituída até o momento apenas nos empreendimentos situados em Jaguariaíva, Foz do Iguaçu e Prudentópolis, ainda não é possível aferir o alcance concreto de resultados, sobretudo a sustentabilidade a longo prazo do modelo de locação que foi adotado. Trata-se, porém, de uma experiência promissora para estimular e aperfeiçoar a utilização da locação social como modelo de provisão habitacional adicional às demais políticas públicas do setor.