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Apreensão de bens e valores na Lei de Tóxicos e alterações da MP 1713/98

23/12/1998 às 00:00
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No Diário Oficial da União de 02.09.1998, foi publicada a Medida Provisória n. 1.713, de 01.09.98, que deu nova redação ao art. 34 da Lei de Tóxicos. O referido artigo dispõe sobre a apreensão de "veículos, embarcações, aeronaves, e quaisquer outros meios de transporte, assim como os maquinismos, utensílios, instrumentos e objetos de qualquer natureza, utilizados para a prática dos crimes definidos nesta Lei" (art. 34, caput), devendo sua interpretação ser restritiva segundo amplo entendimento jurisprudencial e doutrinário, ou seja, só podem ser apreendidos os bens que são usados costumeiramente para o fim da prática de ilícitos previstos nesta lei (RJTJSP 138/451; RT 559/319). Não devendo ser confiscados os objetos materiais "ocasionalmente ou casualmente ligados à conduta delituosa" (TJSP, RT 577/352; 592/321).

O dispositivo supramencionado é mais amplo quanto aos objetos passíveis de apreensão que a regra prevista no art. 91, inc. II, do CP, uma vez que este autoriza a perda dos "instrumentos do crime, desde que consistam em coisa cujo fabrico, alienação, uso, porte ou detenção constitua fato ilícito"(alínea b), enquanto aquele permite a perda dos bens ainda que não constitua fatos ilícitos sua fabricação, uso, porte ou detenção, v.g., o confisco de "um caminhão previamente destinado e especialmente utilizado para o transporte de ópio, até uma rede de distribuição de droga".(CAPEZ, Fernando. Tóxicos. 4ª ed. São Paulo: MPM - Curso Preparatório aos Concursos de Ingresso nas Carreiras Jurídicas, 1997, p. 88). As hipóteses legais de apreensão não foram alteradas pela Medida Provisória ora tratada, todavia, inúmeras foram as modificações de ordem procedimental que valem ser discutidas.

Com efeito, já no próprio caput do art. 34 da Lei de Tóxicos a Medida Provisória n. 1.713, sem deixar margem a quaisquer dúvidas existentes a respeito de qual autoridade ficará com a custódia dos objetos apreendidos, determina que os mesmos fiquem com a polícia judiciária, salvo as armas que serão, "após elaboração do laudo pericial, recolhidas ao Ministério do Exército, que se encarregará de sua destinação"(art. 14 da Lei 9.437/97).

Ato contínuo à apreensão, tendo esta recaído sobre dinheiro ou cheques emitidos como ordem de pagamento, o delegado de polícia deverá, imediatamente, requerer ao juízo competente a intimação do Ministério Público que deverá requerer a conversão do apreendido em moeda nacional (caso sejam apreendidos dólares ou outra moeda estrangeira), a compensação de cheques, devendo antes serem levadas ao inquérito cópias dos mesmos para fins de instrução, e o depósito das correspondentes quantias em conta judicial, juntando-se aos autos recibo.

Caso sejam apreendidos bens diversos de dinheiro ou cheques, o Ministério Público requererá a alienação destes, mediante petição autônoma que conterá a relação completa dos bens apreendidos, com todas as suas especificações, onde e com quem se encontram custodiados.

Por certo que, quando a medida provisória determina que o Ministério Público "deverá" requerer a compensação dos cheques, a conversão do dinheiro de moeda estrangeira para nacional e a alienação de outros bens apreendidos pela autoridade policial e seus agentes, não está tirando do "parquet", sob pena de violação ao princípio da independência funcional (art. 127, § 1º, CF), a possibilidade de discordar da autoridade policial e entender que algum ou vários dos objetos apreendidos não tenham relação direta e necessária com a prática dos delitos da Lei de Tóxicos, caso em que poderá requerer ao juiz a devolução dos mesmos ao seu proprietário. Caso a autoridade judicial discorde do entendimento do Ministério Público deverá aplicar analogicamente o art. 28 do CPP, e não determinar a alienação ex officio, sob pena de igualmente violar o princípio acima defendido.

Uma vez autuado o requerimento do Ministério Público, os autos deverão ir ao juiz que, verificada a presença do nexo de instrumentalidade entre o delito e o objeto (fumus boni iuris) e o risco de perda de valor econômico pelo decurso do tempo (periculum in mora), determinará a avaliação dos bens apreendidos, devendo ser intimados a União (que tem interesse direto no valor da avaliação, pois será, em caso de confisco definitivo por sentença judicial transitada em julgado, o ente político que incorporará ao seu patrimônio os bens apreendidos), o Ministério Público (custus legis) e o interessado (investigado ou terceiro de boa-fé).

Por outro lado, data venia, parece-nos que o procedimento adotado pela presente medida não foi o mais correto. Isso porque pela interpretação teleológica da redação dos §§ 8º, 9º e 12, do art. 34 da Lei de Tóxicos, chegamos à conclusão que o investigado e o terceiro de boa-fé somente poderão se manifestar nesse incidente a respeito do valor dos bens aprendidos, mas não poderão discutir se são ou não esses bens relacionados direta e necessariamente com o crime (investigado) ou, ainda, se não estavam na posse do investigado mas pertenciam a terceiro de boa-fé.

Com efeito, diz o § 12 do dispositivo em tela que o juiz na sentença de mérito, nos autos de conhecimento, decidirá sobre o perdimento dos bens e dos valores mencionados nos § § 4º e 5º. Ao remeter esta decisão para a sentença de mérito dos autos principais, para que não se viole o preceito constitucional previsto no art. 5º, LIV ("ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal"), deverá o réu, no processo de conhecimento, ter o direito de produzir provas e praticar todos os atos decorrentes do contraditório e ampla defesa para ver seus bens livres do confisco, o que poderá gerar tumulto indesejado pelo bom andamento do processo principal. Mais complicada será a posição do terceiro de boa-fé, que ficou vinculado à decisão final no processo de conhecimento para ter de volta bens injustamente tomados de si.

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Mais prática teria sido a solução de deixar o debate sobre este assunto (perdimento ou não dos bens) juntamente com a discussão dos valores dos bens apreendidos nos autos em apartado, não só pela maior facilidade de produção de provas sem tumultuar o processo principal, mas, outrossim, por assegurar mais amplamente o direito de propriedade do terceiro de boa-fé, que, mantida a redação atual da medida provisória, só poderá defender seus bens após iniciado o processo de conhecimento, diferentemente da hipótese desta discussão ficar sediada nos autos incidentais, não havendo necessidade de se iniciar o processo principal para ver restituído objetos que lhe foram tomados indevidamente.

Vale, ademais, ressaltar que, salvo melhor juízo, não será cabível o procedimento de restituição de coisa apreendida previsto nos arts. 118 e ss. do CPP, uma vez que foi determinado que o juiz decidisse na sentença de conhecimento nos autos principais sobre a perda ou não dos bens.

Essas são as principais alterações que a Medida Provisória n. 1.713 de 1998 trouxe ao art. 34 da Lei de Tóxicos, devendo seus pontos controvertidos ser trazidos à baila para que os estudantes, doutrinadores e operadores do Direito contribuam para seu aperfeiçoamento antes da referida medida tornar-se lei.

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Sobre o autor
Paulo André Bueno de Camargo

juiz de direito substituto em Ourinhos (SP), associado do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCrim)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CAMARGO, Paulo André Bueno. Apreensão de bens e valores na Lei de Tóxicos e alterações da MP 1713/98. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 3, n. 27, 23 dez. 1998. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/1022. Acesso em: 28 mar. 2024.

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