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Da não-incidência do ISS sobre a atividade de franquia (franchising)

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01/08/2007 às 00:00
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A atividade de franquia, por não se enquadrar no conceito de serviço tributável, nem preencher o critério material da regra-matriz de incidência tributária do ISS, está afastada do campo de incidência do imposto municipal.

Sumário:I - Introdução II - Da franquia empresarial – conceito e características III - Do critério material da regra-matriz de incidência tributária do ISS IV - Do conceito de serviço para fins de incidência do ISS V - Da taxatividade da lista de serviços anexa à Lei Complementar n.º 116/03 VI - Da não-incidência do ISS sobre a atividade de franquia VII - Conclusões.


I – Introdução

            A questão da incidência do ISS (Imposto Sobre Serviços) sobre a atividade de franquia há muito vem gerando debates na doutrina e na jurisprudência nacional. Quando parecia que a questão já havia encontrado leito seguro, forte nas decisões do Superior Tribunal de Justiça, adiante citadas, sobreveio a Lei Complementar n.º 116/03, que, revogando disposições do Decreto-lei n.º 406/68, incluiu a figura da franquia na Lista de Serviços "tributáveis" através de ISS.

            Explica-se: a lista anexa ao Decreto-lei n.º 406/68, hoje substituída pela lista anexa à Lei Complementar n.º 116/03 – que, segundo entendimento consolidado na jurisprudência nacional, era taxativa [01], mas que admitia interpretação extensiva dentro de cada item [02], permitindo que os municípios tributassem única e exclusivamente os serviços ali constantes ou seus correlatos -, não previa entre os serviços arrolados a atividade de franquia.

            Mesmo assim, os entes federados parciais passaram a tributar essa figura, o que ensejou uma gama de ações judiciais, com decisões para ambos os lados nos tribunais estaduais. Essa divergência foi composta pelo STJ ao decidir o Recurso Especial n.º 221557/MG, assim ementado:

            "TRIBUTÁRIO. ISS."FRANCHISING". 1. Franquia empresarial está conceituada no art. 2.º, da Lei n.º 8.955/94. 2. O referido contrato é formado pelos seguintes elementos: distribuição, colaboração recíproca, preço, concessão de autorizações e licenças, independência, métodos e assistência técnica permanente, exclusividade e contrato mercantil (Adalberto Simão Filho, "Franchising", SP, 3.ª ed. Atlas, 1988, p. 33/55). 3. Compreende-se dos elementos supra que o referido contrato é formado por três tipos de relações jurídicas: licença para uso da marca do franqueador pelo franqueado; assistência técnica a ser prestada pelo franqueador ao franqueado; a promessa e as condições de fornecimento dos bens que serão comercializados, assim como se feitas pelo franqueador ou por terceiros indicados ou credenciados por este (Glória Cardoso de Almeida Cruz, em "Franchising", Forense, 2.ª ed.). 4. É, portanto, contrato de natureza complexa, afastando-se da caracterização de prestação de serviço. 5. ISS não devido em contrato de franquia. Ausência de previsão legal. 6. Recurso da empresa provido por maioria." [03]

            Dois foram os argumentos fundamentais adotados pela Corte Superior, que conduziram à decisão contrária à cobrança da exação municipal: (i) ausência da atividade de franquia na lista de serviços anexa ao Decreto-lei 406/68 e (ii) a sua condição de contrato de natureza complexa, expressão que será analisada em ponto próprio, não caracterizando prestação de serviço. Assinale-se que essa decisão foi tomada por maioria de votos, o que já demonstra a dificuldade que permeia a questão.

            Atualmente, com a publicação da Lei Complementar n.º 116/03, a franquia passou a constar da Lista de Serviços, que determina o campo de incidência do ISS (item 17.08), derrubando, ao menos em parte, as razões determinativas de sua não-sujeição ao imposto, a partir da vigência da nova Lista [04].

            Por isso, impõe-se o seguinte questionamento: com a publicação da Lei Complementar n.º 116/03, estaria a atividade de franquia sujeita ao ISS?

            Tem o presente trabalho a finalidade de tentar responder a essa interrogação.


II – Da franquia empresarial – conceito e características

            A franquia ou franchising é um instituto que tem origem na evolução das técnicas negociais, intimamente ligada à modernização exigida por um mundo cada vez mais globalizado, onde as opções comerciais mostram-se ilimitadas.

            A sua larga utilização atualmente decorre da necessidade que tem o empresário de expandir seus domínios, divulgando a sua marca e os produtos que comercializa, sem que perca espaço no mercado e corra risco de ser superado por seu concorrente. Caracteriza-se, assim, como clara forma de dominação do mercado em que o franqueador tem indubitável controle dos distribuidores e divulgadores da sua marca e produto [05]. É, portanto, uma via de mão dupla: da mesma forma que amplia a abrangência territorial da marca, evita o surgimento de concorrentes que irão atuar no mesmo ramo do mercado.

            Muitos autores tentam conceituar franquia ou contrato de franquia – dos quais destacam-se Orlando Gomes [06], Fran Martins [07] e Waldirio Bulgarelli [08] ; entretanto, a contar de 15 dezembro de 1994, data em que foi publicada a Lei n.º 8.955, tais conceituações perderam em muito a sua força. É que a referida legislação tipificou a nova figura da franquia, descrevendo minuciosa e rigorosamente as cláusulas e condições pelas quais deve ser contratada, além de conceituar, em seu art. 2.º, peremptoriamente, o instituto ora debatido. São esses os dizeres legais:

            "Franquia empresarial é o sistema pelo qual um franqueador cede ao franqueado o direito de uso de marca ou patente, associado ao direito de distribuição exclusiva ou semi-exclusiva de produtos ou serviços e, eventualmente, também ao direito de uso de tecnologia de implantação e administração de negócio ou sistema operacional, desenvolvidos ou detidos pelo franqueador, mediante remuneração direta ou indireta, sem que, no entanto, fique caracterizado vínculo empregatício."

            O que chama a atenção neste conceito é o fato de a legislação considerar a franquia empresarial como um sistema. Tal se dá em razão das múltiplas facetas que pode assumir, ora como contrato de cessão de uso de marca ou patente, ora como contrato de distribuição de produtos ou serviços, ora como licença de uso de tecnologia. A conjugação de todos esses fatores faz com que a franquia insira-se na qualidade de contrato ou negócio jurídico complexo. Assim, a franquia só se perfectibiliza quando envolvidas várias modalidades contratuais em um mesmo sistema.

            Com base nessas premissas, pode-se dizer que a franquia é o contrato de cessão de direitos, em que o franqueador cede ao franqueado (i) o direito de uso de sua marca ou patente e (ii) o know-how adquirido pela experiência no desenvolvimento da atividade, podendo dar-se com o (iii) fornecimento de mercadorias.

            Em excelente estudo sobre o tema [09], além da complexidade, o Professor Marçal Justen Filho ressalta mais duas características emblemáticas ao contrato de franquia empresarial, quais sejam, a sua natureza normativa e associativa.

            Diz-se que são normativos os contratos "que têm por função a disciplina (conjunto de normas) pela qual as partes pretendem regulamentar os seus interesses" [10] . A franquia, efetivamente, regula obrigações de diversas naturezas entre franqueado e franqueador (de dar, fazer ou não fazer), da mesma forma que condiciona a emissão de futuras e sucessivas declarações de vontade.

            No mesmo norte, vislumbra-se claramente a sua condição associativa. Em que pese não constituírem franqueado e franqueador uma sociedade (empresa), atuam conjuntamente frente a terceiros, objetivando o lucro resultante do reconhecimento da marca no mercado e da qualidade dos produtos comercializados. Portanto, ainda que estejam em pólos contrários na relação, franqueado e franqueador ganham com o bom desempenho da marca e dos produtos.

            Sintetizando: através da franquia (franchising), o franqueador cede o uso da marca que desenvolveu, bem como o know-how adquirido pela experiência e atuação no mercado ao franqueado, a quem incumbe a distribuição dos produtos ou serviços patrocinados pelo primeiro neste mesmo mercado.


III – Da regra-matriz de incidência tributária do ISS

            Sabe-se que a Constituição Federal não cria nem muito menos institui tributos: apenas outorga competência para que os entes federados parciais (União, Estados-Membros, Distrito Federal e Municípios), ao seu talante, assim o façam. Para tanto, descreve determinados fatos que, ao ver do legislador constituinte, são signos presuntivos de riqueza e, portanto, passíveis de serem gravados pelo Estado.

            A simples leitura do art. 153, inciso VII, da CRFB/88 [11], que autoriza à União instituir imposto sobre grandes fortunas, já demonstra a veracidade de tal assertiva. Veja-se que, desde a promulgação da Constituição Federal, nos idos de 1988, essa disposição ainda depende de regulamentação, o que demonstra a inércia e o desinteresse do tema para o legislador nacional, e não autoriza a cobrança do indigitado tributo.

            A competência tributária, que como bem define Roque Carrazza "é a aptidão para criar, in abstracto, tributos" [12] , está rígida e exaustivamente prevista na Carta Fundamental. É exaustiva porque as pessoas políticas só podem gravar por meio de impostos os fatos descritos como de sua competência, nada a mais. É rígida porque outros fatos, que não aqueles constitucionalmente descritos, não podem ser incluídos naquele rol, excetuada a competência residual da União para a instituição de novos impostos (art. 154 da CRFB/88 [13]).

            Daí dizer que, "entre nós, os limites de toda competência estão perfeitamente traçados e bem articulados, de tal sorte que não pode haver, em seu exercício, quaisquer atropelos, conflitos ou desarmonias" [14]. Verificada qualquer confusão ou invasão de competência, cumpre levar a questão ao Poder Judiciário, órgão responsável pelo afastamento dessas antinomias e pela recomposição da situação constitucionalmente prevista.

            O princípio da legalidade em matéria tributária, segundo o qual "é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios (....) exigir ou aumentar tributos sem lei que o estabeleça" [15], autoriza afirmar que a competência tributária é a aptidão para criar, in abstracto, tributos. A instituição e a exigibilidade de qualquer tributo dependem de sua previsão abstrata em lei que, em consonância com as disposições constitucionais, definirá sua hipótese de incidência, sujeitos, base de cálculo e alíquota. A concretude surgirá tão-somente pela ocorrência no mundo fenomênico da hipótese abstratamente prevista em lei. Nesse momento, estará o sujeito ativo da obrigação tributária autorizado a exigir o valor correspondente.

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            E, a partir da legislação, expressão verbalizada do Poder Legislativo, extraem-se as normas. A lei, individualmente considerada, não é norma, mas um apanhado de signos vertidos pelo legislador e condicionados à interpretação do jurista. Neste panorama, a norma, extraída do direito positivo, é o resultado da atividade de conhecimento proferida pelo intérprete através de dedução lógica [16].

            A norma caracteriza-se por ser um juízo hipotético-condicional: a partir de uma hipótese (descritor ou antecedente), extrai-se uma conseqüência (prescritor ou conseqüente). É, em realidade, um juízo de dever-ser, em que dada certa hipótese necessariamente deverá-ser tal conseqüência. Por isso, adota-se o entendimento de que, efetivando-se no mundo fenomênico a hipótese abstratamente prevista no antecedente da norma, automática e infalivelmente – parafraseando o ilustre Augusto Becker [17]–, implementar-se-á a sua conseqüência.

            O antecedente diz respeito a um fato e às suas circunstâncias, enquanto o conseqüente prescreve a decorrência da realização do fato – em geral, essa decorrência resulta em uma relação jurídica.

            Com base nessa rasteira explanação sobre competência tributária e norma jurídica tributária, chega-se à regra-matriz de incidência tributária (RMIT), que, como bem define o professor Paulo de Barros Carvalho, "é, por excelência, u’a norma de conduta, vertida imediatamente para disciplinar a relação do Estado com seus súditos, tendo em vista contribuições pecuniárias. Concretizando-se os fatos descritos na hipótese, deve-ser a conseqüência, e esta, por sua vez, prescreve uma obrigação patrimonial. Nela, encontraremos uma pessoa (sujeito passivo) obrigada a cumprir uma prestação em dinheiro. Eis o dever-ser modalizado" [18].

            A partir da extração da regra-matriz de incidência tributária do sistema positivado vigente, vislumbram-se os critérios para delimitar ou não a incidência de determinada norma sobre determinado acontecimento no mundo fáctico.

            Paulo de Barros Carvalho foi definitivo ao listar os critérios que compõem a hipótese e a conseqüência da RMIT. Para o ilustre professor, a hipótese da norma jurídica tributária compreenderia um critério material, consubstanciado no comportamento humano, condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial). Na sua conseqüência, nos depararíamos com a relação jurídica decorrente da realização da hipótese, composta por um critério pessoal, em que são identificados os sujeitos passivo e ativo da obrigação, e por um critério quantitativo, colhendo-se a base de cálculo e a alíquota para fixação do quantum devido.

            Transferindo tais premissas para o ISS, obter-se-ia a seguinte regra-matriz de incidência tributária: 1) hipótese: a) critério material – prestação de serviço; b) critério temporal – momento em que se dá por encerrada/concluída a prestação do serviço; c) critério espacial – município em que é efetivada a prestação do serviço; 2) conseqüência: a) critério pessoal - i) sujeito ativo: município onde é realizada a prestação do serviço; ii) sujeito passivo: prestador do serviço; b) critério quantitativo – i) base de cálculo: preço do serviço prestado; ii) alíquota: definida pela legislação municipal (limitada entre 2% e 5%).

            À primeira vista e com uma leitura menos avisada, pode-se afirmar que o franchising teria condições de preencher, em tese, ao menos quatro dos cinco critérios da RMIT do ISS, quais sejam, os critérios temporal, espacial, pessoal e quantitativo. Em realidade, os critérios temporal e espacial apresentam apenas dados circunstanciais relativamente às coordenadas de tempo e local para que determinado evento possa-se submeter à imposição tributária, não tendo influência na definição da conduta ou do comportamento humano a ser tributado. Não se está aqui a afirmar que são menos importantes, uma vez que veiculam elementos ligados à competência do ente impositivo e ao átimo do surgimento da obrigação tributária, sendo que o seu não-preenchimento termina por descaracterizar a obrigação tributária. Apenas não definem "o quê" é tributado. A título de exemplo, a franquia poderia ter, para fins de incidência do ISS, como critério temporal o momento da verificação da prestação de um serviço no transcurso da execução do contrato, e como critério espacial o município em que realizada esta prestação.

            Na mesma linha, o critério pessoal representa os sujeitos submetidos à relação jurídica que se instaura a partir da implementação do conseqüente da RMIT, que seriam o município em que se dá a prestação (sujeito ativo) e o franqueador ou franqueado (sujeito passivo), dependendo de qual destes estaria realizando o suposto serviço ocorrido no âmago do franchising. Quanto ao critério quantitativo, a base de cálculo seria o valor do serviço prestado, e a alíquota aquela fixada na legislação ordinária municipal.

            Já o critério material, como seu próprio nome indica, delimita a matéria tributável, isto é, o comportamento humano que denota riqueza passível de ser gravada por tributo. Esse critério compõe-se por um verbo e seu complemento, que formam a estrutura do núcleo da hipótese normativa. No ISS, tem-se constitucionalmente delimitado como complemento o substantivo "serviço", sendo que a melhor interpretação da Carta Magna, como será demonstrado a seguir, indica que o verbo que a acompanha é "prestar". Portanto, o critério material da exação municipal em comento é preenchido pela expressão "prestar serviço". Havendo a prestação de determinado serviço, está autorizada a tributação por meio de ISS.

            Daí surge a seguinte questão: pode a franquia ser qualificada como serviço e ocupar o critério material da RMIT do ISS?

            A resposta passa necessariamente pela análise do conceito de serviço tributável, a ser procedido no próximo ponto.


IV – Do conceito de serviço para fins de incidência do ISS

            O termo "serviço" é signo plurívoco; ou seja, quando individualmente considerado, pode assumir significações diversas. O próprio Dicionário Aurélio apresenta mais de vinte sinônimos ou significados para tal verbete [19]. O que o faz encampar um ou outro sentido é o contexto em que é utilizado. Por isso, para vislumbrar o conceito de serviço tributável para fins de ISS completando seu critério material, deve-se buscar o contexto em que será utilizada tal expressão, sempre tendo em mente os postulados constitucionais referentes à exação municipal ora em estudo.

            Primeiramente, impende salientar que a Constituição Federal traz um conceito indeterminado de serviço, o que não quer dizer que seja este vazio ou inexistente. A indeterminação esvai-se pelo estudo sistemático do texto máximo, possibilitando, assim, a aferição de um conceito constitucional de serviço. Tal conceito, portanto, é implícito. É o que se pretende demonstrar sucintamente nas linhas seguintes.

            A Constituição Federal atribui competência aos entes federados para instituírem impostos sobre determinados fatos que sempre serão ou decorrerão de comportamentos humanos. Pode-se exemplificar pela propriedade imobiliária, importação, exportação, industrialização, circulação de mercadorias etc. Serviço, portanto, deve ser considerado comportamento humano.

            Da mesma forma, para se sujeitar a tributo, esse serviço deve ser economicamente apreciável, uma vez que os fatos que não são economicamente apreciáveis não se sujeitam à imposição tributária, justamente por lhes faltar o critério quantitativo (base de cálculo). Assim, o serviço deve necessariamente ser remunerado, estando excluído dessa abrangência o serviço desenvolvido desinteressadamente, como, por exemplo, aquele desempenhado em caráter afetivo, por razões religiosas ou caritativas, e os decorrentes de impulsos de solidariedade ou altruísmo. Esse entendimento decorre diretamente do princípio constitucional da Capacidade Contributiva, que estabelece que só poderão ser tributados aqueles fatos dotados de conteúdo econômico. Não sendo apreciável economicamente o serviço, não estará este sujeito ao ISS. E não se argumente que a base de cálculo aqui poderia ser o valor de mercado. Ora, a base de cálculo "é a grandeza instituída na conseqüência da regra-matriz tributária, e que se destina, primordialmente, a dimensionar a intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico (...) [20]". Desta forma, deve representar exatamente o valor do serviço prestado, situação que não se compagina com o valor de mercado, deduzido através de pesquisas e comparações de serviços que em algum ponto assemelhem-se àquele prestado desinteressadamente. O valor de mercado não tem o condão de representar o real valor do serviço prestado, sendo arbitrado com base em mera presunção, instituto que deve ser visto com ressalvas em direito tributário, especialmente em razão da aplicação do princípio da legalidade (art. 150, I, da CRFB/88). Além disso, o art. 7.º da Lei Complementar n.º 116/03 é claro ao determinar que a base de cálculo para a apuração do ISS é o preço do serviço e, sendo o serviço não-remunerado, a sua base de cálculo é de valor zero, o que impede a incidência do imposto municipal. Admitir tal incidência importa ferir a regra-matriz de incidência tributária do ISS [21], bem como o princípio da segurança e da certeza da tributação, colocando o contribuinte à mercê do arbítrio da autoridade fiscal.

            Exclui-se o serviço desenvolvido sob o regime de subordinação (vínculo trabalhista), visto que o trabalhador está sob o comando absoluto de alguém (empregador), sendo a contrapartida do trabalho desenvolvido o salário, que tem cunho alimentar. Já o prestador de serviço exerce sua atividade sem qualquer vínculo empregatício com seus tomadores, o que lhe garante grande autonomia no desenvolvimento da função.

            Também não se compreende no conceito de serviço a que alude o art. 156, III, da CRFB/88 o serviço público. Sendo público, é imune a qualquer imposição tributária (art. 150, IV, a, da CRFB/88), a menos que haja contraprestação ou pagamento de preços ou tarifas pelo usuário (art. 150, § 3º, da CRFB/88), o que não é o caso, razão pela qual não se sujeita à incidência do ISS.

            Devem, ainda, ser excluídos deste conceito os serviços tributados por outras esferas de governo, quais sejam, os de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, cuja competência para tributação foi atribuída aos Estados e ao Distrito Federal (art. 155, II, da CRFB/88). Igualmente não se sujeitam ao ISS os serviços fornecidos com mercadorias, desde que não estejam estes compreendidos na competência tributária dos Municípios (art. 155, § 2.º, IX, b, da CRFB/88), sendo que, para fins deste estudo, tem-se que a competência tributária municipal esgota-se no rol de serviços anexos à Lei Complementar n.º 116/03.

            Ainda, o serviço constitucionalmente previsto compreende um fazer em favor de outrem. É, por isso, uma obrigação de fazer que o sujeito passivo (devedor) da relação jurídica assume em favor do sujeito ativo (credor). E a expressão "fazer" compreende a idéia de prestação de trabalho, de ação, de serviço. Cumpre ao devedor prestar um serviço em favor do credor [22]. Por isso dizer que o verbo que completa o critério material da hipótese da RMIT é "prestar". O serviço tributável é sempre aquele prestado por alguém em favor de outrem.

            Assim, com base nos pressupostos acima referidos, pode-se dizer que serviço para fins de incidência do ISS é o comportamento humano consistente em uma obrigação de fazer, economicamente apreciável, desenvolvido em favor de outrem de forma individualizada, sem vínculo de subordinação, contratado na forma do direito privado e não-compreendido na esfera de tributação de outro ente federado que não o Município. [23]

            A franquia, a toda evidência, não se enquadra nesse conceito e não preenche o critério material da regra-matriz de incidência tributária do ISS, assertiva a ser analisada mais detidamente em ponto próprio.

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Sobre o autor
Andrei Cassiano

advogado, especialista em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (IBET)

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

CASSIANO, Andrei. Da não-incidência do ISS sobre a atividade de franquia (franchising). Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 12, n. 1491, 1 ago. 2007. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/10226. Acesso em: 5 nov. 2024.

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