Resumo: O presente artigo tem como objetivo demonstrar a gravidade de se cair em pânico moral, analisando como o tema tem sido presente em nossas vidas de maneira tão silenciosa que mal o notamos. O conceito de “Pânico Moral” teve um enorme impacto nos estudos da sociologia e do direito, sendo também um importante debate cultural da atuação da mídia. O estudo que ascendeu esse debate foi do renomado sociólogo Stanley Cohen (Cohen, 1972), que inseriu esse conceito no meio social. Junto ao Pânico Moral, surgiu também o Pânico Satânico nas décadas de 70, 80 e 90 causando grande repercussão por conta dos assassinatos envolvendo cultos satânicos, bem como o crescente número de acusações de abuso infantil em rituais satânicos. Por fim, analisaremos o caso que gerou e ainda gera muita repercussão no Brasil, o Caso Evandro, conhecido como as “Bruxas de Guaratuba”, o qual causou uma onda de pânico na população, envolvendo a esposa e filha do prefeito de Guaratuba, e que até hoje rende muitas dúvidas e discussões. O caso foi um turbilhão de incertezas, causando na época um pânico generalizado na sociedade.
Palavras-chave: Pânico Moral. Pânico Satânico. Caso Evandro.
1. INTRODUÇÃO
O conceito de Pânico Moral teve um enorme impacto, dando espaço a várias subdisciplinas de estudos. Não é de se surpreender que o tema se tornou muito comum em debates, principalmente políticos. O estudo de Stanley Cohen (1972) sobre o Pânico Moral, abriu portas para uma discussão que vai muito além do assunto. De acordo com seu estudo sociológico sobre a cultura e mídia juvenil Folk Devils and Moral Panics de 1972, o pânico moral ocorre quando “... [uma] condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas surge e acaba sendo definido como uma ameaça aos valores e interesses sociais". 1
O termo usado por Cohen, é para caracterizar a relação da mídia, dos agentes e do público com relação ao comportamento dos jovens que estavam sendo estudados. No estudo ficou claro que esses “agentes” ampliavam a dimensão do desvio, ficando demonstrado que eles não se encaixavam nos valores centrais da sociedade se tornando um risco para o seu bom andamento. Ainda, segundo o estudo a mídia tinha forte influência sobre as suposições de pânico moral, uma vez que era ela que selecionava os eventos desviantes e socialmente problemáticos a quais iria notícias e que seriam dignos da atenção, usando filtros para mascarar esses tais eventos, transmitia imagens, afirmações dignas e uma boa argumentação, e é claro quebrando o silêncio fazendo declarações abertas nas redes para que todos vissem.
Nas décadas de 80 e 90 originário do Pânico Moral, surgiu também o Pânico Satânico, onde acusações de satanismo e bruxaria, foram atribuídas a assassinatos, brinquedos, músicas, e até mesmo brinquedos, levando a uma série de acusações e condenações injustas. O satanismo já existia muito antes de colocá-lo à tona, Anton LaVey foi o responsável por fundar a Igreja de Satã (IS) no ano de 1960, além de escrever a Bíblia Satânica em 1969, além de outros livros. Muito diferente do que se achava sobre a igreja, LaVey pregava o individualismo encorajamento da verdade e o auto engrandecimento, para ele "o indivíduo não 'encontra' a si mesmo, o indivíduo cria a si mesmo" (La Vey 1992: 44). Sendo assim, seus seguidores eram encorajados a serem eles mesmo socialmente, mas sem se tornarem abusivos.
O assassinato de crianças e adultos em possíveis rituais nas décadas de 80 e 90 também causou pânico, alastrando-se pelos Estados Unidos, Europa e até mesmo no Brasil. As denúncias eram realizadas por toda a sociedade, sendo que grupos como educadores, terapeutas, religiosos e assistentes sociais foram acusados de abuso contra crianças. O pânico foi difundido após a publicação do livro Michelle Remembers de 1980 e continuou com o Caso McMartin que envolveu vários funcionários de uma creche.
Os anos de 80 e 90 ficaram marcados por conta do desaparecimento de muitas crianças, em uma época onde a “magia negra” era um assunto recorrente o medo era geral. Desparecimentos sem explicações, que até hoje não foram solucionados, vidas ceifadas, sem ao menos terem começado. Vendo a necessidade de uma polícia especializada, se criou a Sicride (Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas) criada em 1995 pela Policia Civil. O desaparecimento de crianças é um tema recorrente, levando pais e mães a uma busca desesperada que muitas vezes perduram até os dias de hoje.
Por fim, vamos analisar o caso que mais repercutiu na mídia brasileira da época de 90, e que voltou à tona após o jornalista Ivan Mizanzuk lançar podcasts sobre o caso com 36 episódios. Os podcasts se tornaram um sucesso, pois Ivan foi além, e nos mostrou informações até então desconhecidas, virando uma série da TV Globo na plataforma Globoplay. O caso é sobre o menino Evandro Santos, que sumiu em abril de 1992 na cidade de Guaratuba no litoral do Paraná, após alguns dias seu corpo foi encontrado e suspeitava-se de ritual de magia negra. Sete pessoas foram acusadas do crime, entre elas, a filha e a esposa do prefeito de Guaratuba. O caso é cheio de reviravoltas, acusações e muito mistério, vamos verificar como o caso passou a ser analisado como ritual satânico, gerando pânico na sociedade da época, principalmente no Estado do Paraná.
2. PÂNICO MORAL
O pânico moral é um sentimento exagerado de que algum mal possa vir a acontecer com a sociedade em que se vive. Os meios de comunicação sempre tiveram forte influência sobre tal fato, devido a sua grande influência. O medo do que não entendemos, está presente em nossa sociedade a muitos anos, tendo exemplos claros, como a caça às Bruxas em Salém no século XV, e mais atualmente o abuso de crianças e mulheres em rituais satânicos nos anos 80, em pleno século XX (Aja Romano, 2021).
Stanley Cohen é considerado o pai do termo “pânico moral”. O autor alega que o problema é recorrente, a sociedade está sujeita a passar por essas situações periodicamente. Para ele o pânico moral ocorre quando:
(…) uma condição, episódio, pessoa ou grupo de pessoas emerge para ser definido como uma ameaça aos valores e interesses sociais; sua natureza é apresentada de maneira estilizada e estereotipada pelos meios de comunicação de massa; as barricadas morais são conduzidas por editores, bispos, políticos e outras pessoas com pensamento de direita; especialistas credenciados socialmente pronunciam seus diagnósticos e soluções; formas de enfrentamento são desenvolvidas ou (mais frequentemente) reordenadas; a condição então desaparece, submerge ou se deteriora e se torna mais visível. (COHEN, 1972, p. 9).
Seu livro Folk Devils and Moral Panics2, de 1972, é um estudo sociológico de grande influência, principalmente na criminologia britânica. O autor teoriza que a mídia é uma das principais responsáveis pelo fato de que parte da sociedade acredite que pessoas diferentes são algum tipo de ameaça a ordem social. O autor em seu livro acompanha dois grupos da cultura britânica da década de 1950 os Mods e os Rockers, que possuem algumas diferenças entre eles. Os Mods eram da classe média britânica, e gostavam de moda, jazz e de consumir anfetaminas. Já os Rockers advinham de uma classe operária, o estilo vinha dos motos clubes e do rock da época, a ligação entre os grupos, era do alto nível de violência entre seus integrantes. Cohen (1972) alega em seu livro que esses grupos são fortes exemplos do que ele chama de “adolescentes desviantes” (adolescent deviance). Para a mídia da época, a aparência desses adolescentes tinha muita importância, o que foi um fator decisivo para a opinião da população. Mesmo que esse grupo não representasse grande ameaça, após um jornalista descrever as ações destes como “sem precedentes” fazendo a sociedade analisar que esses grupos, eram lembretes de como não deveriam ser (Carla Machado, 2004).
Em meados de 1960 os Mods e os Rockers tiveram algumas brigas entre si, conforme o próprio Cohen cita. Essas brigas não tinham motivos para tal alarme, pois não eram diferentes de outras ocorridas no mesmo período por grupos de jovens. Porém a diferença que se nota, é a importância e a relevância com que essas brigas foram tratadas pela mídia da época. O autor mostrou que houve entrevistas falsas com membros falsos dos grupos por meio da mídia. (Cohen, 1972).
Os desordeiros da classe trabalhadora são os inimigos adequados mais duradouros (Folk Devils and Moral Panics, p. 8). Cohen (1972) alega em seu livro que esses grupos desempenhavam papéis subculturais distintos, e que haviam maneiras de identificá-los, seja com estilo musical, moda ou outros difusores.
No livro, Cohen da ênfase a um caso ocorrido em fevereiro de 1993 onde dois meninos de 10 anos espancaram um menino de 2 anos até a morte em uma linha ferroviária. A raridade do crime foi o que mais chocou, pois o fato de crianças matarem crianças era muito pouco comum. Isso tudo era fruto de uma educação desleixada por parte de pais e mães ausentes ou irresponsáveis aliado com a classe baixa, violência nas mídias entre outros. Na época o arcebispo George Carey alertou sobre os perigos de “cair em pânico moral”. (Folk Devils and Moral Panics, p. 9).(Cohen, 1972).
Existe uma área chamada “Pesquisa de Desastres”, que consiste na pesquisa e descobertas acerca de impactos sociais e psicológicos, especialmente físicos (furacões, inundações, terremotos), mas também desastres causados pelo homem (bombas, guerras, destruição). Cohen usa essa área a seu favor na pesquisa de Mods e Rockers, pois relata que as reações a desastres físicos possuíam uma certa ligação com sua ideia de pânico moral. Os pesquisadores desse campo afirmam que desastres potenciais podem ser tão perturbadores quanto desastres reais, o detalhe é que grande parte da sociedade reagiu aos Mods e Rockers como a ocorrência de um desastre, nos levando a pensar que a percepção de uma ameaça é bem maior do que sua existência em si (Bitencourt, 2013).
2.1. PÂNICO SATÂNICO - O MUNDO ASSOMBRADO PELOS DEMÔNIOS
Nos anos 80 surgiu um novo termo, derivado do Pânico Moral, surgiu o Satanic Panic (Pânico Satânico) que igualmente ao moral era o medo coletivo da sociedade, porém desta vez o medo era do ocultismo, coisas relacionadas com o sobrenatural. Foi um dos maiores episódios de medo da sociedade, era caracterizado pelo abuso de imagens e símbolos medonhos, além dos inúmeros casos de violência e assassinatos impulsionados pela histeria coletiva e também pela mídia. No verão de 1969 ocorreram seis assassinatos designados pelo culto de Charles Manson, a qual formou e liderou o que ficou conhecido como “Família Manson”, uma seita que atuava na Califórnia (Aja Romano, 2021).
No ano de 1966, Anton LaVey fundou a Igreja de Satanás, ele também é autor do tratado filosófico conhecido como The Satanic Bible lançado em 1969, sendo essa obra a principal de sua “igreja”. LaVey escreveu outros livros, como o Rituais Satânicos de LaVey, lançado em 1972, o que intensificou a ideia de que o satanismo já havia se tornado parte da rotina da sociedade (Aja Romano, 2021).
Esse medo e fascínio crescente pelo satanismo coincidiu com uma série de assassinatos que obtiveram muita repercussão por parte da mídia dos anos 70 como: Ted Bundy, Zodíaco, John Wayne Gacy (Palhaço Assassino), além de David Berkowitz conhecido como “Filho de Sam” que aterrorizou Nova York em 1977. O jornalista Maury Terry dedicou parte de sua vida a investigar seus crimes, e alegava que David não agia sozinho (Rolling Stone, 2021).
O jornalista teve problemas com sua carreira tentando provar seus argumentos, e em 1989 escreveu um livro chamado Ultimate Evil. Infelizmente Maury morreu em dezembro de 2015 sem conseguir provar suas teorias. Recentemente o cineasta Joshua Zeman decidiu continuar esse trabalho, e lançou uma série documental em uma plataforma famosa de streaming, reunindo informações importantes de pessoas que participaram das investigações, além de outros materiais. No documentário, podemos notar que Maury fez descobertas importantes sobre David, mas o que mais chama a atenção, é de que o culto que David fazia parte, tinha ligação com o culto de Charles Manson que por sua vez, negou as afirmações. Suas teorias nunca ficaram provadas, Maury alegava que a polícia só queria achar um culpado e encerrar de vez o caso, mas que existia muito mais a ser investigado (Rolling Stone, 2021)
Ainda na década de 80, houve uma ênfase no satanismo bem como o medo de assassinatos. Católicos e evangélicos disseminaram medo com a ajuda da mídia, além é claro de problemas reais, como o aumento de casos de AIDS alienado a desinformação e a disseminação de notícias falsas sobre a doença. O medo era um sentimento frequente na vida social (COHEN, 1972).
Um dos grandes pregadores da época era Jerry Falwell, que ficou famoso após fundar em 1979 a “Moral Majority” uma organização política que reunia católicos, evangélicos e protestantes, contando com 6,5 milhões de membros. Falwell causou polêmica ao defender o apedrejamento como punição para o adultério e o retorno da escravidão, além de ter denunciado em 1998 e 1999 Tinky Winky, uma das personagens dos Teletubbies, como sendo um símbolo gay. Patrícia Pulling também ficou conhecida na época pois acreditava que o filho havia se matado por conta do jogo de RPG “Dungeons and Dragons”3, segundo ela o jogo encorajava a adoração ao diabo e o suicido.
No ano de 2000 na televisão brasileira, estreou o desenho Yu-Gi-Oh!4, adaptação do mangá de Kazuki Takahashi sobre disputas de cartas. Se tornou um sucesso, sendo criado inclusive um jogo de cartas inspirado no desenho, mas rapidamente houve uma onda de pânico.
Igrejas evangélicas acusaram o baralho de ser satânico, o medo foi ainda maior quando o apresentador de um programa de variedades exibido pela Rede Bandeirantes acusou o jogo de ser satânico. Como é de se imaginar foi uma reação em dominó, pais e mães desesperados, jogando as cartas no lixo, ou as queimando com medo que o demônio entrasse em suas casas e tomasse conta de sua família (Omelete, 2020).
O Brasil teve seu próprio pânico satânico e não foi em uma época tão distante da que vivemos, podemos lembrar do boneco Fofão, que supostamente escondia um punhal que na verdade era uma haste que sustentava sua cabeça. Existiu também a lenda da Hello Kitty, que pelo fato de a boneca não possuir boca a empresa responsável por sua criação foi acusada de ter feito um pacto demoníaco de que se a filha do criador tivesse seu câncer na boca curado, a boneca seria ofertada ao diabo. Além dos casos acima, também existiam as histórias envolvendo as músicas da Xuxa5 e da banda Led Zeppelin6, que são lembradas até hoje.
Trazendo para os dias atuais, vimos o desenrolar da história de Lázaro Barbosa, suspeito de matar quatro pessoas em Ceilândia (DF). O caso repercutiu pela mídia, levando a uma histeria coletiva, bem como a boatos de que Lázaro era satanista. O enredo volta a acontecer nos dias em que a informação está a um clique de distância, ao longo dos 20 dias de busca pelo suspeito, inúmeros relatos surgiram alegando que o mesmo era “possuído”, algumas pessoas alegaram ainda que a tia do suspeito era uma bruxa, e só iam conseguir capturá-lo quando quebrassem o encantamento que ela realizou. Durante os dias que se estenderam até sua captura, vimos inúmeras informações errôneas. Lázaro foi capturado no dia 28 de junho de 2021, morto em confronto com 38 tiros segundo o relatório da Secretaria Municipal de Saúde de Águas Lindas de Goiás. (G1, 2021)
Após sua morte foram realizadas investigações sobre uma suposta organização criminosa com políticos e fazendeiros, porém nada ficou comprovado. Segundo a polícia, Lázaro fazia parte de um esquema com fazendeiros da região e agia como uma espécie de “jagunço”7 como forma de resolução de conflitos fundiários. Para muitos Lázaro foi apenas mais número, é certo que a comoção tomou conta do Brasil e o pânico se alastrou pelo estado de Goiás e também territorialmente, cada dia a torcida pela sua captura (ou morte) era maior. Assim como tudo tem início, Lázaro teve seu fim, e sua morte foi como uma alivio geral, sendo esquecido rapidamente, como se nunca tivesse existido.
3. ABUSO DE CRIANÇAS EM RITUAIS SATÂNICOS
Voltando aos anos anteriores em 1980 um livro de memórias desde então desacreditado chamado Michelle Remembers se tornou um best-seller escandaloso com base em seu suposto detalhamento de uma infância passada em uma grande quantidade de abusos sexuais ocultos chocantes. (Aja Romano, 2021). O livro foi escrito por Lawrence Pazder e sua esposa Michelle Smith, que foi paciente de Pazder. Com a ajuda da hipnose foi possível a regressão da paciente para sua infância, descobrindo memórias de abuso cometidos por um grupo mais antigo que de LaVey.
As alegações feitas no livro foram desmascaradas, porém os autores foram a mídia e conseguiram dobrar a todos com sua história. Pazder passou a ser visto como um especialista na arena do que viria a ser chamado de abuso ritual satânico (Aja Romano, 2021). O livro gerou uma onda de acusações de abuso ritual satânico, principalmente em creches. Essas acusações levaram a dois dos julgamentos mais notórios da história dos Estados Unidos, e seus impactos são sentidos até hoje.
Um desses julgamentos foi o de McMartin, o julgamento mais longo e mais caro da Califórnia. Tudo começou em 1983, quando a mãe de uma das crianças notou que seu filho estava com dificuldades para defecar, Judy Johnson passou a acusar seu ex-marido e o professor da criança McMartin, acusando também funcionários e o administrador da creche de outros crimes. A polícia realizou um interrogatório com as crianças em uma clínica especializada em tratamento de pessoas que já foram molestadas. Mais tarde ficou comprovado que os métodos utilizados induziam as crianças a criarem falsos testemunhos. De 360 possíveis vítimas, conforme as investigações avançaram restaram somente 12 para testemunhar no julgamento definitivo (Aventuras na História, 2020).
O julgamento aconteceu em 1987, demorou sete anos e custou quinze milhões de dólares, e acabou resultando em nenhuma prisão. Nas confissões feitas pelas crianças, haviam relatos de bruxas voadoras, túneis subterrâneos que nunca foram encontrados e viagens em balões de ar quente. Era notório que o caso ia de encontro a supostos abusos em rituais satânicos, o caso é um exemplo claro de como o pânico cega uma sociedade. Em 2005 uma das crianças que estudava na creche alegou que mentiu em seu testemunho, segundo ela quando dava uma resposta diferente da que os investigadores queriam, era forçada a responder novamente até agradá-los (Aventuras na História, 2020).
Judy responsável pelas acusações morreu 1986 por conta de complicações causadas por seu alcoolismo crônico, após sua morte o advogado de defesa descobriu que a mulher já havia sido diagnosticada com uma severa paranoia esquizofrênica, o que explicou o fato das acusações absurdas que um dos envolvidos no caso, sabia voar. Após sua morte, os acusadores retiram suas falas do processo, gerando uma revolta por parte do promotor que acabou deixando o caso (Aventuras na História, 2020).
Em 1992 o mito sobre abuso ritual satânico foi dizimado, porém a polícia ainda achava que Satanás era um indicador criminal. Hoje, paramos para pensar em quantas vidas foram arruinadas devido a estereótipos criados sem nenhuma fundamentação. Nos dias de hoje ainda existem pessoas presas por conta disso, como é o caso do imigrante Frank Fuster8 acusado de molestar oito crianças em 1984. Embora isso seja um absurdo, Fuster não está sozinho, Joseph Allen9, de 63 anos, está cumprindo pena em Ohio desde 1994 por um caso muito bizarro no qual foi condenado por abuso sexual infantil junto com outra mulher, embora os dois nunca tivessem se conhecido. (Aja Romano, 2021).
No Brasil, em 29 de agosto de 1927, um menino foi abordado por um desconhecido com uma oferta de trabalho, seu nome era João Ferreira de 10 anos, conhecido como Jonjoca. O homem que o abordou se chamava Febrônio Índio do Brasil, levou o menino até um matagal e lá apertou sua garganta até que não houvesse mais vida, depois o estuprou deixando o corpo ali mesmo. O corpo foi encontrado no dia 07 de setembro de 1927, algumas semanas depois do desaparecimento, despido e com a inscrição DCVXVI tatuada em seu peito (Ilana Casoy, 2014).
Febrônio alegava que aos seus 25 anos de idade, foi visitado por uma mulher, que afirmava que ele tinha papel importante no mundo, lhe atribuindo o nome de “Filho da Luz”, tendo a missão de purificar os jovens. Como parte desse trabalho, as inscrições DCVXVI (Deus, Caridade, Virtude, Santidade, Vida e Ímã da Vida) deveriam ser tatuadas nos jovens bem como em si mesmo. Meses antes de matar Jonjoca, foi achado um corpo no mesmo matagal que pertencia a Altamiro José Ribeiro, um jovem de 20 anos, tinha sido estrangulado com um cipó por ter resistido a tentativa de Febrônio marcar a sigla em seu peito. No dia 15 de agosto de 1927 mesmo dia em que o cadáver de Altamiro foi achado, Febrônio, tatuou um garoto de 16 anos, de nome Joaquim, que só não teve destino pior porque conseguiu fugir (Ilana Casoy, 2014).
Após as investigações da morte de Jonjoca, a polícia chegou até Febrônio, que logo após ser preso confessou o crime. O réu possuía inúmeras passagens pela polícia por motivos de fraude, roubo, suborno e vadiagem entre os anos de 1916 e 1929. Em uma das declarações dadas sobre Febrônio, se dá destaque ao relato do diretor da Casa de Detenção em que ele havia ficado, sobre uma tentativa de estupro contra o colega de cela, além disso o detento acabou sendo assassinado pelo próprio Febrônio, com uma forte pisada na barriga. Por causa do seu comportamento, logo despertou o interesse da Psiquiatria, mas especificamente do Dr. Leonídio Ribeiro que escreveu um relatório sobre Febrônio. O relatório do Dr. Leonídio Ribeiro sobre Febrônio foi incluído em sua obra Homossexualismo e Endocrinologia, de 1938, que apresentava um “caso” em que confluíam inversão sexual (ou “homossexualismo”), disfunção hormonal e crime (RIBEIRO 1938; 2010).
Outros médicos também se interessarem por Febrônio, como Murilo de Campos e Heitor Carrilho. Seus relatórios eram parecidos, mostrando que a psiquiatria era uma ciência de controle. Para esses homens, a loucura era um fato da ciência, o qual foi aprofundado por Carrara em 1998 em seu livro chamado Crime e loucura: o aparecimento do manicômio judiciário na passagem do século. No caso de Febrônio a psicopatia aflorava a homossexualidade, como também explicava suas ideias místicas e seus desejos sádicos, uma vez que Jonjoca não foi sua única vítima (Fry, 1982).
Pelas acusações realizadas contra Febrônio, ele foi internado no Manicômio Judiciário do Rio de Janeiro. Sua sentença foi considerada um trunfo, pois diante de tantos estudos científicos, ficou provado que ele era incapaz de entender o caráter ilícito das ações cometidas. Foi o primeiro caso brasileiro que a ciência influenciou em uma decisão judicial. Febrônio ficou internado no Manicômio Judiciário, conseguiu fugir em 1935, mas foi encontrado no dia seguinte permanecendo no manicômio judiciário até sua morte em 1984, com 89 anos em decorrência de enfisema pulmonar (Fry, 1982).
Nas análises anteriores, podemos notar que, a crise que subjaz ao pânico é real; o modo como a crise é manipulada e controlada é que se trata de um processo de ‘distorção política e ideológica’ (Hall, 1978).
Da mesma forma dos casos tratados acima, foram trazidos demais casos ocorridos nas décadas de 80 e 90 em que se deu ainda mais enfase nas teorias desenvolvidas por Cohen (1972) que de que o pânico é uma crise controlada e manipulada.
3.1. DESAPARECIMENTOS DE CRIANÇAS NOS ANOS 80 e 90
Nos anos 80 e 90 o número de crianças desaparecidas aumentou consideravelmente no estado do Paraná. Os casos mais antigos em que se tem registro são: Ewerton de Lima Gonçalves10, Guilherme Caramês Tiburtius 11e Leandro Bossi12, e muitos outros que não foram resolvidos até hoje. Em alguns casos uma quadrilha chegou a ser condenada, liderada por Arlete Honorina Hilu. A quadrilha sequestrava crianças e bebês de suas famílias biológicas sem consentimento ou sob coação, e as vendia para casais estrangeiros que vinham ao Brasil pela facilidade de uma lei anterior ao Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), além da corrupção de agentes públicos.
O medo de pais e mães aumentou, havendo um alerta de sádicos e psicopatas, gerando um grande pavor na população da época. Existem várias razões existentes para o desaparecimento de crianças, uma delas é o sequestro, com várias finalidades, o estupro, ou ainda a venda no mercado internacional. O criminoso geralmente estuda a rotina da criança e aproveita os momentos de distração para cometer o crime, crianças que vão para a escola sozinhas são alvos vulneráveis, visadas pelos sequestradores. Crianças com pais ausentes, que de certa forma são negligenciadas ou os pais precisam trabalhar e por isso as deixam sozinhas, também são alvos fáceis.
A luta de pais que tiveram seus filhos desaparecidos no fim da década de 80 e início dos anos 90 contribuiu para a criação de uma delegacia especifica para investigação de crianças desaparecidas no Paraná. O SICRIDE - Serviço de Investigação de Crianças Desaparecidas, foi criado pela Resolução nº 698, de 31/07/1995 da Secretária de Estado da Segurança Pública (SESP), e regulamentado pela portaria nº 1316/95, de 10/08/1995 do Departamento de Polícia Civil (DPC). O responsável é o delegado geral da Polícia Civil a quem é incumbido de centralizar as ocorrências no território estadual. Neste sentido, o caso mais chocante e de grande repercussão que envolve criança e que em algum momento foram compreendidos pelas autoridades policiais e judiciais como motivados por magia negra, foi o de Evandro Caetano que ficou conhecido como “As Bruxas de Guaratuba”, o qual passa a se abordar.