Resumo: O Benefício de Prestação Continuada (BPC), é uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 que visa garantir uma renda mínima, sendo esta referente a um salário mínimo, às pessoas com deficiência e aos idosos que não possuem condições para prover a própria manutenção nem de tê-la amparada por seus familiares. Tendo em vista a sua importância para proteção desses grupos mais vulneráveis, o presente artigo objetiva justamente estudar o referido benefício. Para tanto, foi utilizada como estratégia metodológica a pesquisa teórica. Durante a elaboração do artigo, foi analisado o surgimento e o conceito do BPC, os seus beneficiários, os critérios legais para sua concessão, bem como uma análise da jurisprudência nacional acerca do assunto. Ao final, conclui-se pela relevância do BPC para garantir o mínimo existencial aos beneficiados, assim como, para efetivar os objetivos da República previstos no art. 3º da Carta Magna.
Palavras-Chave: Benefício assistencial; BPC/LOAS; INSS; Amparo social; Auxílio assistencial.
1. INTRODUÇÃO
A Constituição Federal de 1988 estabelece o Estado Democrático de Direito no país. Nessa perspectiva, ela não é somente uma carta política, que se limita à organizar e limitar os poderes do Estado, como no Estado Liberal, muito menos, como ocorria no Estado social. É um catálogo de serviços que o Estado deveria prestar para os cidadãos. Pelo contrário, nesse novo paradigma, conforme preceitua FERNANDES (2017), a Constituição deve ser encarada ao mesmo tempo como um sistema de direitos fundamentais que de um lado serve como norte normativo/interpretativo e, de outro, como balizas para o sistema político que passa a respeitar a legitimidade discursiva e a democracia participativa.
Nessa linha, em seus primeiros artigos, a Constituição traz uma série de fundamentos e objetivos que devem ser observados pelo Estado brasileiro, dentre os quais: a dignidade de pessoa humana (art. 1º, III, CF), sociedade livre, justa e solidária (art. 3º, I, da CF), erradicação da pobreza e redução das desigualdades regionais (art. 3º, III).
Justamente pautado nesse viés solidário e de garantia do mínimo existencial, que a Constituição a partir do seu art. 194 regula a seguridade social, segundo o qual, compreende um conjunto integrado de ações de iniciativa dos poderes públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social.
É importante destacar que a seguridade social, como é conhecida hoje, somente se popularizou no mundo em meados do século passado, após a Segunda Guerra Mundial. Conforme ensina SANTOS (2020), antes de chegarmos no sistema atual, foi preciso passar pela fase da assistência pública, fundada basicamente na caridade e conduzida, inicialmente, pela Igreja e somente depois pelo Estado e pela fase do seguro social, bastante semelhante ao atual contrato de seguro civil.
Segundo ROCHA; MÜLLER (2021) a assistência social nada mais é que “uma política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada por meio de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas” e, desse modo, ela serviria para suprir as lacunas deixadas pelo caráter contributivo da previdência social.
Atualmente, a assistência social é regulamentada pela Lei nº 8.742/93, a qual estabelece princípios norteadores, forma de organização da administração pública e alguns benefícios, dos quais destaca-se como tema principal deste artigo o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
Desse modo, o objetivo do presente artigo é estudar o benefício supracitado, observando sua evolução legal, beneficiários, requisitos para concessão, bem como as formas de requerimento.
O tema proposto é de grande importância para a sociedade, tendo em vista que os principais beneficiados pelo benefício estudado são pessoas carentes e que muitas vezes não conhecem os seus direitos e como adquiri-los.
Para tanto, tendo em vista ser um artigo eminentemente teórico, foi utilizado como estratégia metodológica a pesquisa teórica. Por sua vez, os procedimentos utilizados durante a pesquisa foram de coleta e análise de conteúdo, documentos (manuais, artigos, livros), legislações e jurisprudências dos Tribunais Superiores que abordam o BPC.
O presente artigo será divido em três grandes tópicos. Em um primeiro momento será feita uma breve conceitualização do benefício estudado. Posteriormente, serão analisados os requisitos legais para sua concessão, bem como os debates judiciais sobre o tema. Por fim, serão explicitadas as formas de se requerer o benefício da prestação continuada.
2. CONCEITO E SURGIMENTO DO BENEFÍCIO DE PRESTAÇÃO CONTINUADA: AMPARO SOCIAL
Como reflexo do Estado Democrático de Direito, o Benefício de Prestação Continuada (BPC) é uma inovação trazida pela Constituição Federal de 1988 em seu art. 203, V, a qual anteriormente a esta não havia benefício pecuniário mensal àqueles sujeitos em situação de miserabilidade social. Atualmente, o benefício está regulamentado de forma mais específica a partir do seu art. 20 e pelo Decreto nº 6.214/07, Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS).
Segundo esses dispositivos legais, o BPC pode ser entendido como:
Art. 203. A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos:
V - a garantia de um salário mínimo de benefício mensal à pessoa portadora de deficiência e ao idoso que comprovem não possuir meios de prover à própria manutenção ou de tê-la provida por sua família, conforme dispuser a lei. (BRASIL, Constituição Federal, 1988);
Art. 20. O benefício de prestação continuada é a garantia de um salário-mínimo mensal à pessoa com deficiência e ao idoso com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção nem de tê-la provida por sua família. (BRASIL, Lei Orgânica da Assistência Social, 1993)
Nesse sentido, ROCHA (2018) entende que o BPC, previsto na LOAS, é um dos mais importantes instrumentos de efetivação social no Brasil:
A Lei Orgânica da Assistência Social, Lei nº 8.742/1993, também conhecida por LOAS, no seu art. 20, disciplina um dos mais importantes instrumentos da concretização da política assistencial. O dispositivo legal contempla duas espécies de benefícios assistenciais: o benefício devido às pessoas com deficiência e o benefício devido aos idosos, atendidas as condições ali previstas. Ponderando o recrudescimento das regras de acesso às aposentadorias, é natural que o benefício de prestação continuada seja ajustado para não ser elegível em condições mais favoráveis para quem não contribui (ROCHA, 2018, pág. 953).
O BPC esse é um benefício pago mês a mês, possui caráter personalíssimo e não possui natureza previdenciária, não gerando, dessa forma, direito à pensão por morte, conforme art. 23 da LOAS (SANTOS, 2020).
Assim, de maneira breve, é possível conceituar o BPC como um benefício assistencial personalíssimo e, portanto, não contributivo, pago ao sujeito pelo qual tenha meio de incapacidade como ao idoso que não possuem condições financeiras de prover sua manutenção ou de tê-la provida por sua família, possuindo como objetivo principal a garantia do mínimo existencial e a defesa da dignidade da pessoa humana.
3. CRITÉRIOS LEGAIS PARA CONCESSÃO DO BPC
3.1 Beneficiários
A Constituição Federal ao tratar do (BPC) se limita a determinar o valor do benefício e os beneficiários, deixando a maior regulamentação do tema para legislação infraconstitucional.
Conforme estabelecido no art. 203, V da Constituição Federal e art. 20 da LOAS, podem ser beneficiários do BPC pessoas idosas ou portadoras de deficiência que não possuem condições de prover à própria manutenção ou de tê-la provida pelos membros de sua família.
3.1.1 Pessoas Idosas
Embora o art. 1º do Estatuto do Idoso, Lei nº 10.741/03, defina como idoso qualquer pessoa com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos, para ter direito à percepção do BPC, o art. 20 da Lei Orgânica da Assistência Social determina a idade mínima de 65 (sessenta e cinco anos). Essa mesma idade de 65 (sessenta e anos) é reafirmada no art. 34 do Estatuto do Idoso, segundo o qual:
Art. 34. Aos idosos, a partir de 65 (sessenta e cinco) anos, que não possuam meios para prover sua subsistência, nem de tê-la provida por sua família, é assegurado o benefício mensal de 1 (um) salário-mínimo, nos termos da Lei Orgânica da Assistência Social – Loas. (BRASIL, Estatuto do Idoso, 2003).
Deste modo, é importante mencionar que, embora minoritários, existem alguns autores na doutrina que entendem pela inconstitucionalidade do art. 34, do Estatuto do Idoso. Para eles, o referido dispositivo trataria de maneira desigual pessoas com uma mesma dificuldade de gerar renda e, portanto, a idade a ser aplicada como requisito para concessão do direito ao BPC seria aquela prevista no art. 1º do referido estatuto, 60 anos. Nesse sentido, SILVA (2012):
Ora, se existe de fato um alerta social para idosos a partir de 60 (sessenta) anos de idade comprovado por números oficiais, revelando que tal faixa acima de 65 (sessenta e cinco) anos, possui a mesma dificuldade de gerar renda, tal constatação coloca em dúvida a dignidade desta faixa etária quando em estado de necessidade social. Logo, se o legislador do Estatuto do Idoso desequipara situações idênticas em seu artigo 34, descuidando do comento inserto no art. 1º, inciso III, da Constituição, tal norma não pode ser constitucionalmente válida, tendo em vista que a isonomia não permite tal diferenciação. (SILVA, 2020, p.14).
3.1.2 Pessoas com deficiência
A Pessoa com Deficiência para fins do BPC está estabelecido no § 2º do art. 20 da LOAS, e devidamente conceituada. Segundo o dispositivo, "considera-se pessoa com deficiência aquela que tem de longo prazo impedimento de natureza física, intelectual, mental ou sensorial, o qual, está interação a uma ou mais barreiras, poderá obstruir seus meio de participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas”.
Embora o conceito atual seja bastante amplo, nem sempre foi assim. A redação original do dispositivo foi bastante criticada pela doutrina ao confundir deficiência com incapacidade (SANTOS, 2020). Nesse período, a lei exigia dois requisitos para que uma pessoa fosse considerada deficiente: incapacidade para exercício de atividade laboral e incapacidade para os atos da vida independente
No entanto, como se observa no texto constitucional, não há nenhuma menção aos requisitos exigidos pelo legislador infraconstitucional da época. Pelo contrário, a intenção do legislador constituinte era apenas proteger pessoas que não tinham condição de prover o mínimo existencial (SANTOS, 2020).
Apesar das críticas, os Tribunais continuavam aplicando o texto legal, ou seja, confundindo deficiência com incapacidade.
A primeira alteração legislativa somente aconteceu em 2011, com as Leis nº 12.435 e 12.470, quando passou a considerar sendo sujeito com deficiência “aquela que tem impedimentos de longo prazo conforme já discutido anteriormente no ponto acima abordado.
Desse modo, a deficiência deixou de ser confundida com incapacidade e, para sua averiguação, passa-se a exigir a análise social mais aprofundada.
A redação atual foi dada pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/15, que uniformizou o conceito legal de pessoa com deficiência (SANTOS, 2020).
Por sua vez, do impedimento de longo prazo exigido pelo conceito atual, este deve ser de , no mínimo, dois anos conforme disposto no § 10, do art. 20 da LOAS e art. 4º, § 3º do Decreto nº 6.214/07.
Ademais, conforme mencionado por CASTRO; LAZZARI (2020), após promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a avaliação, quando necessária, deverá ser biopsicossocial, realizada por equipe multiprofissional e interdisciplinar.
3.1.3 Estrangeiros
Quanto a possibilidade de estrangeiro residente no Brasil ter direito ao benefício, o Supremo Tribunal Federal (STF), entendeu pela possibilidade ao julgar o RE 587.970 (Tema 173), onde foi fixado a seguinte tese: “os estrangeiros residentes no país são beneficiários da assistência social prevista no artigo 203, inciso V, da Constituição Federal, uma vez sejam obedecidos os requisitos constitucionais e legais”.
A respeito da concessão do benefício aos brasileiros, natos ou naturalizados, e às pessoas de nacionalidade portuguesa, o assunto está regulamentado no art. 7º do Decreto nº 6.214/07, o qual determina que:
Art. 7º - O Benefício de Prestação Continuada é devido ao brasileiro, nato ou naturalizado, e às pessoas de nacionalidade portuguesa, em consonância com o disposto no Decreto n º 7.999, de 8 de maio de 2013 , desde que comprovem, em qualquer dos casos, residência no Brasil e atendam a todos os demais critérios estabelecidos neste Regulamento. (BRASIL, 2007).
3.2 Critério econômico para concessão do benefício - miserabilidade
O legislador constitucional não determinou um critério econômico, mas apenas exigiu que para a concessão do benefício, o mesmo fosse prestado àquelas pessoas idosas ou com deficiência. Por se tratar de uma norma muito ampla, a definição do critério econômico ficou a cargo da legislação especial, a LOAS.
Segundo o § 3º, do art. 20 da LOAS, hoje, o BPC pode ser concedido a pessoa com incapacidade e idosa com receita familiar per capita igual ou menor que a ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente no país. Assim, no ano de 2022, a receita familiar per capita deve ser, no máximo, de R$303,00 (trezentos e três reais).
No que concerne ao limite de ¼ (um quarto) exigido pelo LOAS, alguns autores entendem pela inconstitucionalidade do dispositivo citado anteriormente. Segundo SANTOS (2020), o constituinte fixou como renda mínima para se viver com dignidade, o salário mínimo, e, desse modo, o legislador ordinário utilizou uma discriminação inconstitucional ao presumir que rendimentos familiar per capita superior à ¼ (um quarto) do salário mínimo seria suficiente para a manutenção de uma vida razoável.
Ao fixar em 1/4 do salário mínimo o fator discriminante para aferição da necessidade, o legislador elegeu discrimen inconstitucional porque deu aos necessitados conceito diferente de bem estar social, presumindo que a renda per capita superior a ¼ do mínimo seria a necessária e suficiente para a sua manutenção, ou seja, quanto menos têm, menos precisam ter! Quantificar o bem-estar social em valor inferior ao salário mínimo é o mesmo que “voltar para trás” em termos de direitos sociais. A ordem jurídica constitucional e infraconstitucional não pode “voltar para trás” em termos de direitos fundamentais, sob pena de ofensa ao princípio do não retrocesso social, muito bem exposto por J. J. Gomes Canotilho. (SANTOS, 2020, p. 156)
Em 1998, o STF debateu sobre a inconstitucionalidade do § 3º, art. 20 da LOAS, ao julgar a ADIn nº 1.232/DF. Porém, por maioria, o Tribunal entendeu pela improcedência do pedido, ou seja, pela constitucionalidade do dispositivo. Segundo o voto vencedor do Ministro Nelson Jobim, caberia a lei determinar a forma de comprovação do benefício e, portanto, não seria possível interpretação conforme para extrair novos requisitos.
EMENTA: CONSTITUCIONAL. IMPUGNA DISPOSITIVO DE LEI FEDERAL QUE ESTABELECE O CRITÉRIO PARA RECEBER O BENEFÍCIO DO INCISO V DO ART. 203, DA CF. INEXISTE A RESTRIÇÃO ALEGADA EM FACE AO PRÓPRIO DISPOSITIVO CONSTITUCIONAL QUE REPORTA À LEI PARA FIXAR OS CRITÉRIOS DE GARANTIA DO BENEFÍCIO DE SALÁRIO MÍNIMO À PESSOA PORTADORA DE DEFICIÊNCIA FÍSICA E AO IDOSO. ESTA LEI TRAZ HIPÓTESE OBJETIVA DE PRESTAÇÃO ASSISTENCIAL DO ESTADO. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE.
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, ADI 1.232-1/DF, Rel. Min. Ilmar Galvão, 1998, grifo nosso)
Embora não tenha reconhecido a inconstitucionalidade de maneira expressa, MENDES (2012) afirma que, com o passar do tempo, o STF e o próprio legislador, passaram a interpretar o dispositivo de maneira diversa com a superveniência de legislação que estabeleceu novos critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais – como a Lei n. 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei n. 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei n. 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei n. 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas; assim como o Estatuto do Idoso (Lei n. 10.741/2003).
Assim, começaram a surgir decisões monocráticas e colegiadas que passaram a admitir que o critério de ¼ (um quarto) do salário mínimo poderia ser conjugado com outros fatores indicativos de miserabilidade do sujeito requerente e de sua família1.
Nesse sentido, o Ministro Gilmar Mendes indeferiu liminar em reclamação constitucional ajuizada pelo INSS:
O Tribunal parece caminhar no sentido de se admitir que o critério de 1/4 do salário mínimo pode ser conjugado com outros fatores indicativos do estado de miserabilidade do indivíduo e de sua família para concessão do benefício assistencial de que trata o art. 203, inciso V, da Constituição [...] (BRASIL, Supremo Tribunal Federal, Rcl 4374 MC / PE, Rel. Min. Gilmar Mendes, 2007)
Assim, MENDES (2020) afirma que, nesse período, o § 3º, do art. 20 da LOAS passou por um período de “inconstitucionalização”, visto que desde a edição da Lei, em 1993, o cenário econômico brasileiro passou por diversas mudanças que trouxeram critérios mais generosos em legislações de matéria previdenciária e assistencial.
De toda forma, o caso parece evidenciar o processo de inconstitucionalização por que tem passado o § 3º do art. 20 da LOAS (Lei n. 8.742/93). Nesse aspecto, não se pode desconsiderar que, desde o advento dessa lei, no ano de 1993, o quadro econômico brasileiro mudou completamente e as legislações em matéria de benefícios previdenciários e assistenciais trouxeram critérios econômicos mais generosos, aumentando para ½ do salário mínimo o valor padrão da renda familiar per capita para fins de cálculo desses benefícios. (MENDES, 2012, p. 604-605).
Finalmente, em 2013, o plenário do STF reconheceu, ao julgar o RE 567.985/MT, de relatoria do Ministro Marco Aurélio, a inconstitucionalidade do dispositivo, sem declarar sua nulidade:
Benefício assistencial de prestação continuada ao idoso e ao deficiente. Art. 203, V, da Constituição. A Lei de Organização da Assistência Social (LOAS), ao regulamentar o art. 203, V, da Constituição da República, estabeleceu os critérios para que o benefício mensal de um salário mínimo seja concedido aos portadores de deficiência e aos idosos que comprovem não possuir meios de prover a própria manutenção ou de tê-la provida por sua família [...] Ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade 1.232-1/DF, o Supremo Tribunal Federal declarou a constitucionalidade do art. 20, § 3º, da LOAS. 3. Decisões judiciais contrárias aos critérios objetivos preestabelecidos e Processo de inconstitucionalização dos critérios definidos pela Lei 8.742/1993. A decisão do Supremo Tribunal Federal, entretanto, não pôs termo à controvérsia quanto à aplicação em concreto do critério da renda familiar per capita estabelecido pela LOAS. Como a lei permaneceu inalterada, elaboraram-se maneiras de se contornar o critério objetivo e único estipulado pela LOAS e de se avaliar o real estado de miserabilidade social das famílias com entes idosos ou deficientes. Paralelamente, foram editadas leis que estabeleceram critérios mais elásticos para a concessão de outros benefícios assistenciais, tais como: a Lei 10.836/2004, que criou o Bolsa Família; a Lei 10.689/2003, que instituiu o Programa Nacional de Acesso à Alimentação; a Lei 10.219/01, que criou o Bolsa Escola; a Lei 9.533/97, que autoriza o Poder Executivo a conceder apoio financeiro a Municípios que instituírem programas de garantia de renda mínima associados a ações socioeducativas. O Supremo Tribunal Federal, em decisões monocráticas, passou a rever anteriores posicionamentos acerca da intransponibilidade dos critérios objetivos. Verificou-se a ocorrência do processo de inconstitucionalização decorrente de notórias mudanças fáticas (políticas, econômicas e sociais) e jurídicas (sucessivas modificações legislativas dos patamares econômicos utilizados como critérios de concessão de outros benefícios assistenciais por parte do Estado brasileiro). 4. Declaração de inconstitucionalidade parcial, sem pronúncia de nulidade, do art. 20, § 3º, da Lei 8.742/1993.
(BRASIL, Supremo Tribunal Federal, RE 567.985 / MT, Rel. Min. Marco Aurélio, 2013)
Portanto, diante o atual entendimento do STF, é possível concluir que o critério objetivo de renda familiar per capita igual ou inferior a ¼ (um quarto) do salário mínimo não é absoluto e, pode ser conjugado com outros quesitos sociais ou econômicos.
Por fim, a Lei nº 14.176/21 permite a ampliação do limite de 1⁄4 (um quarto) para 1⁄2 (meio) do salário mínimo, na forma do art. 20-B da LOAS; no entanto, esta possibilidade está condicionada à edição de um decreto regulamentador do Poder Executivo, em cuja edição deverá ser comprovado o atendimento aos requisitos fiscais.
3.2.1 Forma de cálculo – grupo familiar
Para concessão do Benefício de Prestação Continuada é levada em consideração a renda per capita do núcleo familiar. Assim, deve-se somar a renda de todos os integrantes do grupo familiar e dividir pela quantidade de membros. Nesse caso, se o valor obtido for inferior ou igual à ¼ (um quarto) do salário mínimo, a pessoa idosa ou com deficiência terá o direito à assistência.
O conceito de família para fins de cálculo da renda per capita está estabelecido tanto no §1º, do art. 20 da LOAS, quanto no art. 4º, V do Decreto 6.214/07. Em resumo, deve-se considerar família o conjunto de pessoas composto pelo requerente, o cônjuge, o companheiro, a companheira, os pais e, na ausência de um deles, a madrasta ou o padrasto, os irmãos solteiros, os filhos e enteados solteiros e os menores tutelados, desde que vivam sob o mesmo teto.
Essa renda familiar mensal, consoante § 8º, do art. 20 da LOAS deve ser declarada pelo requerente ou por seu representante no momento do requerimento.
Em relação a interpretação desse dispositivo, o TNU dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, possui julgado reconhecendo a necessidade de uma análise restritiva do mesmo:
INCIDENTE REGIONAL DE UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA. BENEFÍCIO ASSISTENCIAL. NOÇÃO DE GRUPO FAMILIAR. INTERPRETAÇÃO RESTRITIVA. ENTENDIMENTO REAFIRMADO POR ESTA TURMA REGIONAL. QUESTÃO DE ORDEM N.º 038 DA TNU. INCIDENTE PROVIDO.
1. Reafirmação do entendimento desta Turma Regional de Uniformização de que o conceito de grupo familiar deve ser obtido mediante interpretação restrita das disposições contidas no § 1º do art. 20 da Lei n.º 8.742/1993 e no art. 16 da Lei n.º 8.213/1991.
(BRASIL, o TNU dos Juizados Especiais Federais da 4ª Região, 2016, grifo nosso).
Seguindo essa linha, SANTOS (2020) entende que, por a lei citar somente os filhos solteiros, a renda dos filhos casados não deve ser considerada para fins de cálculo da renda per capita, ainda que estes residam no mesmo local do requerente, visto que participam de um novo núcleo familiar.
Em relação a base de cálculo, o art. 4º, VI do Decreto nº 6.214/07 determina que deve ser considerada a soma dos rendimentos brutos auferidos mensalmente pelos membros da família composta por salários, proventos, pensões, pensões alimentícias, benefícios de previdência pública ou privada, entre outros meios.
Em 2011, a Lei nº 12.470 inclui o § 9º, no art. 20 da LOAS determinando que a remuneração percebida pela pessoa com deficiência na condição de aprendiz não será considerada para o cálculo da renda per capita.
Anos mais tarde, o Estatuto da Pessoa com Deficiência, Lei nº 13.146/15, alterou o § 9º para incluir a previsão de que os rendimentos decorrentes de estágio supervisionado também não serão computados para fins de cálculo da renda familiar.
Seguindo o entendimento do STF2 e do STJ3, a Lei nº 13.982/20 incluiu o §14 no art. 20 da LOAS, o qual determina que o Benefício de Prestação Continuada ou o benefício previdenciário no valor de até 1 (um) salário mínimo concedido a idoso acima de 65 (sessenta e cinco) anos de idade ou pessoa com deficiência não será computado, para fins de concessão do benefício de prestação continuada a outro idoso ou pessoa com deficiência da mesma família, no cálculo da renda.
Em resumo, conforme leciona ALVES (2020), devem ser excluído do cálculo da renda per capita familiar mensal:
Benefício previdenciário ou assistência recebida por idoso no valor de até 1 (um) salário mínimo.
Benefício previdenciário ou assistência recebida por pessoa com deficiência no valor de até 1 (um) salário mínimo.
Remuneração decorrente por estágio supervisionado ou de aprendizagem recebido por pessoa com deficiência.
Despesas extraordinárias: medicamentos, fraldas, alimentação especial, consultas médicas, etc4.
3.3 Outros Requisitos
Em que pese ser pessoa com deficiência ou idosa com 65 (sessenta e cinco) anos ou mais e possuir renda familiar per capita inferior à ¼ (um quarto) do salário mínimo vigente sejam os principais requisitos para concessão do BPC, a lei exige também o cumprimento de alguns requisitos subsidiários.
Inicialmente, o BPC não pode ser acumulado pelo beneficiário com qualquer outro no âmbito da seguridade social, conforme determina o § 4º, do art. 20 da LOAS.
Outrossim, nos termos do § 12, do art. 20 da LOAS, é condição para concessão do benefício, a inscrição no Cadastro de Pessoa Física (CPF) e no Cadastro único para Programas Sociais do Governo Federal (CAD-Único).
O cadastro no CAD-Único é bastante simples de ser feito, sendo necessário apenas o comparecimento do cidadão no CRAS ou na Secretaria de Assistência Social do município, portanto o CPF de todas as pessoas que compõem o núcleo familiar, bem como comprovante de residência.
3.4 Hipóteses de suspensão ou cessação do BPC
Conforme determina o art. 21 da LOAS, o BPC deve ser revisto a cada 2 (dois) anos para avaliação da continuidade dos requisitos previstos em lei. Desse modo, uma vez superados os motivos que deram razão à concessão ao benefício, o pagamento será cessado.
A suspensão é uma causa temporária de interrupção do pagamento, o qual é retomado assim que corrigidas as irregularidades. As hipóteses de suspensão do BPC estão regulamentadas no art. 47 do Decreto nº 6.214/07, são elas: superação das condições que deram origem ao benefício, identificação de irregularidade na concessão ou manutenção do benefício, não inscrição no CadÚnico após o fim do prazo estabelecido em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social, não agendamento da reavaliação da deficiência até a data limite estabelecida em convocação, identificação de inconsistências ou insuficiências cadastrais que afetem a avaliação da elegibilidade do beneficiário para fins de manutenção do benefício, conforme o disposto em ato do Ministro de Estado do Desenvolvimento Social ou identificação de outras irregularidades.
O art. 21-A da LOAS também traz a hipótese de suspensão do benefício quando a pessoa com deficiência exercer alguma atividade remunerada, ainda que na condição de microempreendedor individual.
Ainda, segundo o §1º, do artigo supracitado, extinta a relação trabalhista ou a atividade empreendedora e, quando for o caso, encerrado o prazo de pagamento do seguro-desemprego e não tendo o beneficiário adquirido direito a qualquer benefício previdenciário, poderá ser requerida a continuidade do pagamento do benefício suspenso, sem necessidade de realização de perícia médica ou reavaliação da deficiência e do grau de incapacidade para esse fim.
Também tratando da suspensão, o § 2º, do art. 21-A da LOAS, determina que a contração da pessoa com deficiência qual desempenhe atividade de aprendiz, modo que não irá acarreta a suspensão de seu benefício do BPC, porém limita em 2 (dois) anos ao recebimento conjunto da remuneração e do benefício.
Por sua vez, o rompimento temporário do Benefício acontece nas hipóteses do art. 48 do Decreto nº 6.214/04. São elas: morte do benefício, não interposição de recurso, pelo beneficiário ou por seu representante legal, no prazo de 30 (trinta) dias, a contar da suspensão do benefício ou em caso de indeferimento do recurso interposto contra a suspensão.
3.4 QUADRO ESQUEMATIZADO
Quadro 1 – Requisitos para concessão do BPC
Beneficiário |
Requisitos |
Pessoa com Deficiência |
I) Existência de impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com uma ou mais barreiras, obstruem sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdade de condições com as demais pessoas; II) Família com renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, podendo ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade (RE 567985) III) Não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social e está devidamente cadastrado no CAD-único. |
Pessoa idosa |
I) Possuir 65 (sessenta e cinco) anos ou mais. II) Família com renda mensal per capita seja inferior a 1/4 (um quarto) do salário mínimo, podendo ser utilizados outros elementos probatórios da condição de miserabilidade (RE 567985) III) Não possuir outro benefício no âmbito da Seguridade Social e está devidamente cadastrado no CAD-único. |
Fonte: CASTRO; LAZZARI (2020, p. 1283)