Desde 2003 tramitam no Congresso Nacional diversas propostas de reforma tributária, logo todo profissional do Direito Tributário, pode nas duas últimas décadas se debruçar sobre propostas das mais diversas de reforma tributária. Pela primeira vez o ambiente político parece ter a certeza que dessa vez ela deixa de ser projeto e ganha força de Lei.
Logo quela reforma que teremos, uma possível ou uma necessária? O fato é que ela deve ocorrer pela congregação de alguns fatores:
1) A insatisfação de praticamente todos os setores da sociedade com a carga tributária, onde o Brasil vem batendo recordes mundiais;
2) A necessidade dos entes federativos (União, Estados e Municípios) ampliarem a sua arrecadação, sim isso mesmo, em que pese a elevada carga tributária, nenhum ente federativo está contente com o que arrecada, e cá entre nós, essa é uma sede que nunca acaba;
3) O redesenho da economia mundial, que tornou o complexo cipoal tributário brasileiro obsoleto;
4) Um reequilíbrio da carga tributária onde alguns setores possuem uma reduzida carga tributária, o que se traduz em privilégio considerando a elevada carga tributária brasileira;
5) O aperfeiçoamento do sistema tributário para que as previsões legais possam atingir novos fatos geradores(hipótese de incidência) de uma economia que se reinventa permanentemente.
6) A necessidade de um redesenho da carga tributária que devolva a competitividade da indústria e dos setores de serviços brasileiros diante do mercado mundial;
7) A imperiosa obrigação do redesenho de uma carga tributária que que estimule o desenvolvimento e a geração de empregos;
8) A pressão social pela redução da carga tributária incidente sobre os produtos e serviços consumidos pelas camadas menos favorecidas;
9) O desenho de uma carga que estimule a inovação, através da incorporação de novas tecnologias;
10) A constituição de uma isonomia tributária na formação dos preços de produtos e serviços.
Logo os desafios estão lançados na constituição legislativa, regrada pela política jurídica, para que ainda no primeiro semestre de 2023, seja aprovada a primeira etapa da reforma tributária.
Segundo alguns trabalhos já publicados, dado repetido pelo secretário extraordinário do Ministério da Fazenda para o tema, Bernard Appy, o Brasil é hoje 20% mais pobre do que deveria ser em razão das distorções do sistema tributário, que reduzem a produtividade e a renda dos brasileiros.
No primeiro instante estaríamos aprovando o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), com a alíquota de 25%, sendo 9% para União, 14% para Estados e 2% para os municípios; mas ponderou que a discussão ainda está em aberto. Mas o que todos concordam está também na necessidade de simplificar o sistema.
Um recente estudo do Banco Mundial aponta que o tempo gasto para pagar impostos no Brasil é de 1.501 horas por ano, isto é, somos o líder absoluto do mundo, o que interfere diretamente na competitividade.
Nas duas Propostas de Emenda Constitucional (PECs) em tramitação. A 45 que está na Câmara dos Deputados e já foi aprovada na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e que parece a favorita na disputa pela melhor proposta, transforma cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), em apenas um, o Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) o nosso IVA.
A outra proposta que está sendo encaminhada é a PEC 110, e que está no Senado, é muito semelhante à da Câmara, mas inclui também Pasep e Cide e é dual. Há diferenças também em relação à fixação das alíquotas e nos períodos de transição de um regime a outro. Os dois projetos criam o IBS, que é um Imposto de Valor Agregado (IVA); um tributo em que os impostos ao longo da cadeia de produção vão sendo compensados. O que deve ocorrer até o fim de abril, seria a fusão dessas duas propostas.
A complexidade do nosso atual sistema, ao lado da carga tributária elevada, se traduz no seu calcanhar de Aquiles, que bem pode ser exemplificado pelo ICMS, onde com 27 legislações diferentes, que se multiplicam em milhares de normas fiscais derivadas da sua competência impositiva, transforma a vida do contribuinte com atuação nacional, um verdadeiro inferno.
As PECs hoje em tramitação ainda estabelecem um grande período de transição, com a convivência entre os tributos que serão substituídos no tempo pelo novo imposto a ser criado, aumentando a complexidade dos contribuintes no cumprimento de suas obrigações acessórias e principais, o que vai fazer com que o sistema ainda por um curto período se mantenha bastante complexo.
Outro elemento que devemos esperar reside na dificuldade dos Fiscos em estabelecer alíquotas que sejam de fato neutras e a tendência de errar para cima, com receio da perda de receitas, a questão dessa calibração é sabe quando reduzir, depois que se acostuma com um nível de arrecadação elevado.
Buscar a neutralidade sem aumento de carga será um senhor desafio, pois afinal qual carga será a referência para aferição da neutralidade? Só para termos alguns números de referência, vamos lembrar que o governo Bolsonaro fechou o seu governo com um nível de receita líquida de 18,9% do PIB em 2022. Os números foram puxados por receitas atípicas como alta dos preços de commodities, entre elas, o petróleo. Já em 2019, antes da pandemia, as receitas estavam em 18,2% do Produto Interno Bruto (PIB). Segundo o Ministro Haddad, ele considera os níveis de receita e despesas de 2022 como referência para o seu ajuste fiscal. Só que o nível de receita líquida, sem as receitas extraordinárias, tem sido mais baixo do que isso, sendo que o patamar de receita recorrente, que ao menos deveria servir de base para despesas, é ainda menor.
Logo o que muitos se perguntam é como o ministro vai fazer a receita líquida recorrente (sem a arrecadação atípica) sair de menos de 18% do PIB para 19%, que ele já disse que considera o ideal, com reformas tributárias neutras, sem aumentar a carga? Essa e muitas outras duvidas surgem na resolução dessa equação.
A Reforma dessa vez parece certa, e o IBS (Imposto Sobre Bens e Serviços) segue sendo o modelo de Imposto sobre o Valor Adicionado (“IVA”), que para referência é atualmente adotado em mais de 168 países, ou seja não estamos reinventando a roda, mas seguindo modelos existentes.
Suas características nascem com o propósito de reduzir as desigualdades que já tratamos acima, e que devemos encontrar na Lei Complementar Nacional que deve tratar do tema:
que assim destacamos:
1) Base ampla de incidência, sem qualquer discriminação entre operações com bens (tangíveis ou intangíveis), serviços ou direitos, destacando a participação a cada dia maior dos produtos intangíveis da economia digital;
2) Cobrança no destino, com desoneração completa das exportações e tributação das importações, essencial para acabar com a guerra fiscal entre os entes federativos, o que deve resultar em um redesenho das políticas de incentivos fiscais;
3) Crédito amplo e ressarcimento ágil de créditos (em até 60 dias), para desonerar os investimentos, sendo que a agilidade na devolução desses créditos o divisor de águas em um sistema com credibilidade;
4) Alíquota uniforme e regras homogêneas, para reduzir o custo de conformidade dos contribuintes e a litigiosidade tributária, sendo essa uniforme dá mais transparência ao sistema, ainda que nem sempre seja justa, estando nessa característica um ponto que precisa ser melhor elaborado;
5) Respeito ao pacto federativo e à autonomia financeira dos entes federados, permitindo a fixação de alíquotas por leis ordinárias federal, estadual, distrital e municipal. Nesse ponto devemos ter uma flexibilização da regra com espaço para exercício da competência impositiva dos entes federativos;
6) Obrigação acessória única (documento fiscal eletrônico), a simplificação de documentos e declarações deve dar o tom da reforma, pois é um absurdo o número de declarações redundantes preenchidas pelo contribuinte brasileiro;
7) Cálculo por fora, possibilitando que o cidadão conheça de forma transparente o valor do imposto incidente em cada transação. A transparência da carga tributária deve dar o tom da reforma também, é fundamental que o contribuinte saiba quanto paga de tributos em cada bem ou serviço
8) Tratamento isonômico dos contribuintes, sendo vedada a concessão de isenções, benefícios, incentivos tributários ou financeiros. Esse ponto é bastante polêmico na medida em que os entes federativos devem ampliara a sua pressão na manutenção de ao menos parte da sua competência impositiva para geração de benefícios fiscais;
9) Eventuais tratamentos diferenciados para setores estratégicos serão definidos na esfera política e, portanto, não estão contemplados nesta proposta, logo a questão é saber se a definição dos benefícios estratégicos serão tratados como uma política nacional ou local;
10) Gestão centralizada do imposto. Respeitando o modelo federativo brasileiro, propõe-se a criação da Agência Tributária Nacional, autarquia nacional responsável por regulamentar, arrecadar, fiscalizar, lançar, cobrar e administrar o IBS. A Agência será gerida por representantes da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, a fim de harmonizar e fortalecer as relações federativas.
Todos esses pontos estão presentes na proposta do Governo, esboçado anteriormente na obra “Lei Complementar do IBS, dos professores Eurico Marcos Diniz de Santi e Bernardo Appy atual secretário extraordinário.
O texto vai receber emenda, mas é um ótimo projeto no caminho de uma carga tributária mais justa e menos desigual.